Por Denílson Botelho, no Observatório da Imprensa:
Não faz muito tempo que Francis Fukuyama proclamou o “fim da história”. Com o neoliberalismo, teríamos chegado ao ápice do desenvolvimento capitalista. E desta etapa, muitos acreditam que não passaremos. A crença neste modelo tornou-se dogmática. Juntando-se a isso o relativismo radical imposto pela pós-modernidade – ou seria pelos pós-modernos? –, chegamos a uma espécie de beco sem saída. Será? Pelo visto, a América Latina insiste em nos ensinar que talvez não seja bem assim. Tomemos o caso da Argentina, alçada à condição de bola da vez na imprensa ao reestatizar a sua empresa petroleira YPF, que foi parar nas mãos da espanhola Repsol depois de privatizada nos anos 1990 por Carlos Menem.
Como se não bastassem as lições portenhas sobre como lidar com a herança maldita de uma ditadura militar, temos agora a chance de aprender um pouco mais com as notícias que chegam do sul do continente. Lá não houve anistia ampla, geral e irrestrita. Os militares que, em nome do Estado, prenderam, torturaram e mataram, responderam judicialmente pelos seus atos. A justiça foi chamada a cumprir o seu papel republicano. Aqui, muitos dos que lutaram contra o regime militar iniciado em 1964 foram presos – inclusive nossa atual presidenta –, torturados e assassinados. Já os que torturaram e mataram jamais foram levados às barras dos tribunais. E parte da imprensa cumpre um papel obscuro quando procura confundir a opinião pública associando justiça com vingança, de forma propositalmente equivocada. A anistia pode e deve ser revista, apesar dos oligopólios midiáticos difundirem a ideia de que isso não é possível.
Da mesma forma, privatizações podem e devem ser revistas, sobretudo quando isso se torna urgente e necessário. E de novo a Argentina pode se configurar como um interessante precedente. Basta observar as condições a que grande parte da população brasileira está submetida atualmente: tornou-se refém de empresas que deveriam prestar serviços públicos de qualidade e não o fazem. Exemplos não faltam.
Por que se recusam a pautar a discussão?
Daqui de onde escrevo, estudantes e trabalhadores vêm desde o ano passado parando de tempos em tempos a capital do Piauí, em protesto contra um sistema de transporte caro, precário, ineficiente e incapaz de assegurar um direito básico e fundamental: o de ir e vir livremente. E o que dizer dos serviços de distribuição de energia elétrica pelo país afora? Em Teresina, por exemplo, as interrupções são frequentes e danosas. O cenário não é muito diferente fora do eixo sul-sudeste. Distribuição de energia elétrica é um serviço que nem mesmo alguns países europeus ousaram privatizar no processo de desmonte do Estado de bem-estar (welfare state). Ou seja, nesse aspecto, nós levamos ao extremo uma iniciativa típica do modelo neoliberal de Estado mínimo que nem na sua matriz europeia foi concretizada.
No Rio de Janeiro, o caso das barcas que atendem a população que precisa cruzar a baía de Guanabara cotidianamente é uma evidência inconteste dos malefícios de um processo de privatização que só foi bom para empresas e empresários gananciosos por mais e mais lucros. Ora, então, por que não podemos rever as privatizações? Por que os grandes grupos de mídia se recusam a pautar a discussão desse modo?
Bons ventos
Miriam Leitão, escudeira-mor das Organizações Globo, diante da iniciativa de Cristina Kirchner, rapidamente bradou o velho argumento de sempre: não se pode ferir direitos e rasgar contratos. Direitos de quem? Dos empresários? E contratos não podem ser desfeitos mesmo quando se mostram lesivos à maioria da população? O medo maior é que, ao rever anistia e privatizações, cheguemos também às concessões públicas de radiodifusão no Brasil – cujas renovações deveriam ser submetidas ao debate e ao interesse público, mas não são. Se um dia o forem, estaremos derrubando um dos principais pilares de sustentação da hegemonia neoliberal, que é antes de tudo midiática.
Mas a história continua, ao contrário do que defendeu Fukuyama. E enquanto eu escrevo estas linhas, você as lê e cada um segue na sua labuta cotidiana, há todo um campo de possibilidades se descortinando no horizonte, bem diferente de um beco sem saída. Que bons ventos continuem a soprar da Argentina...
Como se não bastassem as lições portenhas sobre como lidar com a herança maldita de uma ditadura militar, temos agora a chance de aprender um pouco mais com as notícias que chegam do sul do continente. Lá não houve anistia ampla, geral e irrestrita. Os militares que, em nome do Estado, prenderam, torturaram e mataram, responderam judicialmente pelos seus atos. A justiça foi chamada a cumprir o seu papel republicano. Aqui, muitos dos que lutaram contra o regime militar iniciado em 1964 foram presos – inclusive nossa atual presidenta –, torturados e assassinados. Já os que torturaram e mataram jamais foram levados às barras dos tribunais. E parte da imprensa cumpre um papel obscuro quando procura confundir a opinião pública associando justiça com vingança, de forma propositalmente equivocada. A anistia pode e deve ser revista, apesar dos oligopólios midiáticos difundirem a ideia de que isso não é possível.
Da mesma forma, privatizações podem e devem ser revistas, sobretudo quando isso se torna urgente e necessário. E de novo a Argentina pode se configurar como um interessante precedente. Basta observar as condições a que grande parte da população brasileira está submetida atualmente: tornou-se refém de empresas que deveriam prestar serviços públicos de qualidade e não o fazem. Exemplos não faltam.
Por que se recusam a pautar a discussão?
Daqui de onde escrevo, estudantes e trabalhadores vêm desde o ano passado parando de tempos em tempos a capital do Piauí, em protesto contra um sistema de transporte caro, precário, ineficiente e incapaz de assegurar um direito básico e fundamental: o de ir e vir livremente. E o que dizer dos serviços de distribuição de energia elétrica pelo país afora? Em Teresina, por exemplo, as interrupções são frequentes e danosas. O cenário não é muito diferente fora do eixo sul-sudeste. Distribuição de energia elétrica é um serviço que nem mesmo alguns países europeus ousaram privatizar no processo de desmonte do Estado de bem-estar (welfare state). Ou seja, nesse aspecto, nós levamos ao extremo uma iniciativa típica do modelo neoliberal de Estado mínimo que nem na sua matriz europeia foi concretizada.
No Rio de Janeiro, o caso das barcas que atendem a população que precisa cruzar a baía de Guanabara cotidianamente é uma evidência inconteste dos malefícios de um processo de privatização que só foi bom para empresas e empresários gananciosos por mais e mais lucros. Ora, então, por que não podemos rever as privatizações? Por que os grandes grupos de mídia se recusam a pautar a discussão desse modo?
Bons ventos
Miriam Leitão, escudeira-mor das Organizações Globo, diante da iniciativa de Cristina Kirchner, rapidamente bradou o velho argumento de sempre: não se pode ferir direitos e rasgar contratos. Direitos de quem? Dos empresários? E contratos não podem ser desfeitos mesmo quando se mostram lesivos à maioria da população? O medo maior é que, ao rever anistia e privatizações, cheguemos também às concessões públicas de radiodifusão no Brasil – cujas renovações deveriam ser submetidas ao debate e ao interesse público, mas não são. Se um dia o forem, estaremos derrubando um dos principais pilares de sustentação da hegemonia neoliberal, que é antes de tudo midiática.
Mas a história continua, ao contrário do que defendeu Fukuyama. E enquanto eu escrevo estas linhas, você as lê e cada um segue na sua labuta cotidiana, há todo um campo de possibilidades se descortinando no horizonte, bem diferente de um beco sem saída. Que bons ventos continuem a soprar da Argentina...
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