Por Antonio Martins, no sítio Outras Palavras:
Na Europa, não faltam recursos financeiros contra a crise: Banco Central Europeu (BCE) e Comissão Europeia (CE) estão agindo desde a virada do ano para transferir, ao sistema bancário privado, cerca de 3 trilhões de euros, a juros negativos. A atitude é outra em relação aos Estados ameaçados por fuga maciça de divisas. Negam-se recursos. Exige-se, para liberá-los, corte de direitos sociais, privatizações, redução drástica das proteções previdenciárias. Tais medidas são rechaçadas, revelam as sondagens, pela vasta maioria da opinião pública, em todos os países. No entanto, os Parlamentos as adotam sem resistir. Como é possível esta democracia contra as sociedades?
Acaba de sair um texto revelador a respeito. O original, em francês, foi publicado no siteMemoire des Lutes, dirigido por Ignacio Ramonet e Bernard Cassen. O autor é Christophe Ventura, um jovem colaborador destes antigos editores do Le Monde Diplomatique. Ele descreve os meandros institucionais do processo de chantagem política que garantiu até agora a submissão do continente aos projetos da oligarquia financeira.
Ventura demonstra que o artifício principal usado para impor políticas muito impopulares é evitar a todo custo o debate político. A teoria política ensina que os Parlamentos são, desde a Revolução Francesa, o espaço em que os representantes do povo analisam os distintos projetos para o futuro coletivo, e tomam decisões. No entanto, nenhum dos legislativos da Europa está examinando o que fazer diante da crise. BCE e CE não precisam, por exemplo, de autorização para oferecer fundos trilionários aos bancos privados. Fazem-no por medidas administrativas banais, resguardados da opinião pública por uma mídia que apresenta as transferências de fundos como ações necessárias a evitar a “quebra da economia”.
Mesmo as medidas que afetam centenas de milhões de pessoas não são, em sua grande maioria, apresentadas de forma clara. O que os parlamentos estão votando é a retificação de dois acordos internacionais, firmados entre 25 de janeiro e 1º de março: O “Pacto Orçamentário” (TECG, ou Tratado Intergovernamental sobre Estabilidade, Coordenação e Governança) e o Mecanismo de Estabilidade Financeira (MES).
Ainda assim, por enquanto, só duas nações os firmaram: Grécia e (em 13 de abril). Nos demais, a ratificação tramita lentamente. A aprovação definitiva é deixada para os momentos de crise. O MES dispõe de até 800 bilhões de euros, para “salvar” os Estados que sofrem ataques especulativos. Os países que necessitem empregar os recursos, contudo, são obrigados a firmar o Pacto Orçamentário (TECG). Além de Grécia e Portugal, lideram a fila a Espanha, Itália, Hungria, Irlanda e Romênia — mas ninguém assegura que a própria França, segunda economia do bloco, esteja imune.
Ao ratificar, sob enorme pressão, o Pacto Orçamentário, cada pais compromete-se a uma redução maciça e acelerada da dívida pública. Ela terá de recuar a 60% do PIB — um patamar muito abaixo dos hoje registrados não apenas na Grécia (144%) mas também na Itália (118%), Bélgica (98%), França (83,5%) ou mesmo Alemanha (79%) [para comparação, no Brasil o índice é de 60%].
Em princípio, reduzir o endividamento é positivo. Mas se esta fosse realmente a meta, haveria sentido em abrir as torneiras do Banco Central Europeu para o sistema financeiro privado? Por que fazê-lo por meio de cortes de direitos e serviços — e não de redistribuição de riquezas?
Este não é o tema de Ventura: está tratado em detalhes num outro texto, de Patrick Viveret, publicado por Outras Palavras. A importância do novo estudo é outra. Ele revela as acrobacias notáveis executadas pelos dirigentes europeus para dar alguma aparência democrática a medidas que, se submetidas a decisão popular, seriam certamente derrotadas. Ao fazê-lo confirma uma antiga profecia de José Saramago. A democracia foi cercada pelo capital; enquanto não for reinventada, declinará cada vez mais à condição de uma “missa laica”, uma fachada que esconde, ao invés de revelar, os mecanismos usados pelo poder para impor seus desígnios.
Na Europa, não faltam recursos financeiros contra a crise: Banco Central Europeu (BCE) e Comissão Europeia (CE) estão agindo desde a virada do ano para transferir, ao sistema bancário privado, cerca de 3 trilhões de euros, a juros negativos. A atitude é outra em relação aos Estados ameaçados por fuga maciça de divisas. Negam-se recursos. Exige-se, para liberá-los, corte de direitos sociais, privatizações, redução drástica das proteções previdenciárias. Tais medidas são rechaçadas, revelam as sondagens, pela vasta maioria da opinião pública, em todos os países. No entanto, os Parlamentos as adotam sem resistir. Como é possível esta democracia contra as sociedades?
Acaba de sair um texto revelador a respeito. O original, em francês, foi publicado no siteMemoire des Lutes, dirigido por Ignacio Ramonet e Bernard Cassen. O autor é Christophe Ventura, um jovem colaborador destes antigos editores do Le Monde Diplomatique. Ele descreve os meandros institucionais do processo de chantagem política que garantiu até agora a submissão do continente aos projetos da oligarquia financeira.
Ventura demonstra que o artifício principal usado para impor políticas muito impopulares é evitar a todo custo o debate político. A teoria política ensina que os Parlamentos são, desde a Revolução Francesa, o espaço em que os representantes do povo analisam os distintos projetos para o futuro coletivo, e tomam decisões. No entanto, nenhum dos legislativos da Europa está examinando o que fazer diante da crise. BCE e CE não precisam, por exemplo, de autorização para oferecer fundos trilionários aos bancos privados. Fazem-no por medidas administrativas banais, resguardados da opinião pública por uma mídia que apresenta as transferências de fundos como ações necessárias a evitar a “quebra da economia”.
Mesmo as medidas que afetam centenas de milhões de pessoas não são, em sua grande maioria, apresentadas de forma clara. O que os parlamentos estão votando é a retificação de dois acordos internacionais, firmados entre 25 de janeiro e 1º de março: O “Pacto Orçamentário” (TECG, ou Tratado Intergovernamental sobre Estabilidade, Coordenação e Governança) e o Mecanismo de Estabilidade Financeira (MES).
Ainda assim, por enquanto, só duas nações os firmaram: Grécia e (em 13 de abril). Nos demais, a ratificação tramita lentamente. A aprovação definitiva é deixada para os momentos de crise. O MES dispõe de até 800 bilhões de euros, para “salvar” os Estados que sofrem ataques especulativos. Os países que necessitem empregar os recursos, contudo, são obrigados a firmar o Pacto Orçamentário (TECG). Além de Grécia e Portugal, lideram a fila a Espanha, Itália, Hungria, Irlanda e Romênia — mas ninguém assegura que a própria França, segunda economia do bloco, esteja imune.
Ao ratificar, sob enorme pressão, o Pacto Orçamentário, cada pais compromete-se a uma redução maciça e acelerada da dívida pública. Ela terá de recuar a 60% do PIB — um patamar muito abaixo dos hoje registrados não apenas na Grécia (144%) mas também na Itália (118%), Bélgica (98%), França (83,5%) ou mesmo Alemanha (79%) [para comparação, no Brasil o índice é de 60%].
Em princípio, reduzir o endividamento é positivo. Mas se esta fosse realmente a meta, haveria sentido em abrir as torneiras do Banco Central Europeu para o sistema financeiro privado? Por que fazê-lo por meio de cortes de direitos e serviços — e não de redistribuição de riquezas?
Este não é o tema de Ventura: está tratado em detalhes num outro texto, de Patrick Viveret, publicado por Outras Palavras. A importância do novo estudo é outra. Ele revela as acrobacias notáveis executadas pelos dirigentes europeus para dar alguma aparência democrática a medidas que, se submetidas a decisão popular, seriam certamente derrotadas. Ao fazê-lo confirma uma antiga profecia de José Saramago. A democracia foi cercada pelo capital; enquanto não for reinventada, declinará cada vez mais à condição de uma “missa laica”, uma fachada que esconde, ao invés de revelar, os mecanismos usados pelo poder para impor seus desígnios.
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