Por Washington Araújo, no blog Um cidadão do mundo:
Assange deseja partir para o Equador, mas o Reino Unido deseja que ele siga direto para a Suécia. A Suécia, por sua vez, precisa apenas vê-lo para, numa subserviência cosntrangedora, enviá-lo aos Estados Unidos. E nos Estados Unidos, o que o passado lhe reserva? Um breve cubículo prisional na base militar de Quantico (se ele tiver sorte) ou Guantanamo (se a sorte deixar de lhe sorrir), uma sentença judicial condenando-o à prisão perpétua (se continuar com sorte) ou à pena de morte (se o sorriso da sorte não passar de mero lamento).
Ninguém mais ouvirá falar das duas senhoras suecas que se disseram vítimas do Assange estuprador. Os 81 dias que o governo do Equador levou para lhe conceder asilo serão menos que nota breve no rodapé da história do ativista australiano e fundador do WikiLeaks. Permanecerão para sempre na história desse primeiro decênio do século 21 as lutas de Julian Assange, o impacto da revelação de segredos de vários Estados e a maneira como a principal potência ocidental atuou em desfavor de Assange e do direito da livre circulação de informação – ou, como muitos preferem chamar, da liberdade de imprensa.
Muito além da situação em que se encontra o ativista, a novidade é que os governos já não estão seguros de que manterão seus cidadãos na ignorância. E isso nada tem a ver com Julian Assange residir agora na embaixada do Equador em Londres ou que venha algum dia engrossar as estatísticas prisionais dos Estados Unidos. O que não podemos esquecer é que ingressamos todos nós, governos e povos, em uma nova fase da comunicação política. E isso não tem muito a ver com a revelação de segredos, incontinências verbais ou meras fofocas que circulam em bastidores dos processos decisórios governamentais. Mas tem tudo a ver com a percepção de que aquilo que sempre os governos buscaram ocultar do conhecimento público se espalha como rastilho de pólvora por um canal que escapa aos aparatos de poder. E este canal pode ser visto como a força dos meios de comunicação que utilizam as plataformas digitais, acessíveis em computadores, notebooks, netbooks, tablets, smartphones.
Corações e mentes
Assange abriu a caixa de Pandora da política internacional tal como ela é, em estado bruto, desvelando jogos de pressão na maioria absolutamente indevidos; alvejando como desinfetante questionáveis trocas de favores; jogando holofotes sobre a forma como interesses subalternos conseguem ascendência sobre aqueles que realmente privilegiam a proteção e a promoção do bem comum; desnudando por inteiro os meandros da fábrica de versões oficiais em sua até então bem sucedida tentativa de manipular as decisões e os fatos delas decorrentes.
Essa caixa de Pandora parece longe de ser fechada – o vazamento de informações sobre iniciativas, políticas e ações dos governos independe da existência física do fundador do Wikileaks. É que, como em qualquer esfera da atuação humana, continua em plena vigência a percepção assertiva de que “a cada ação corresponde uma reação”. E as ações que os governos tomaram para silenciar e desacreditar a organização Wikileaks, com os Estados Unidos na vanguarda, seguido por algumas nações europeias, geraram movimento muito mais amplo, abrangente, inclusivo e com características planetárias – talvez o primeiro grande movimento organizado em termos de cidadania mundial a utilizar os meios de comunicação virtuais e trafegando livres, leves e soltos por gigabytes de infovias planeta afora.
É quando surge no horizonte o Anonymous. E o que é o Anonymous? Uma possante e popular rede hacker que se insurgiu contra os que passaram a combater o Wikileaks e seu fundador. Anonymous coordenou centenas de ataques virtuais a empresas e instituições que se engajaram na cruzada dos governos contra a fonte dos vazamentos de documentos oficiais – dentre aqueles Visa, MasterCard, PayPal e o banco suíço Post Finance, que foram pressionados a fechar as contas do Wikileaks, além da gigante norte-americana Amazon, que removeu de seus servidores o domínio do Wikileaks.
Como há um desejo por liberdade em tempo integral, uma busca frenética por uma causa à qual dedicar a vida, milhares de voluntários de dezenas de países utilizaram o Facebook e o Twitter para promover a instituição do ousado australiano, mostrando assim uma força nunca antes vista em termos de mobilização de corações e mentes na defesa não de uma organização, menos ainda de um indivíduo, mas de uma ideia. A ideia de que todos têm o direito de saber as reais motivações e as ações dos governos que agem em seu nome.
Livre trânsito
Não tardou para que os voluntários e simpatizantes do Wikileaks no Facebook ultrapassassem a marca do primeiro milhão de pessoas e chegassem a contar com um novo simpatizante a cada segundo – ou seja, 86.400 novos amigos a cada 24 horas.
Por volta das 10h de domingo (19/8), na embaixada do Equador em Londres, Julian Assange faz um pronunciamento espetacular, desses em que o personagem sabe que está falando para além do aqui e do agora, lançando ideais em forma de palavras para o futuro. Destaco suas palavras iniciais:
“Estou aqui porque não posso estar mais perto de vocês. Muito obrigado por estarem aqui. Obrigado pela sua decisão, e toda a sua generosidade de espírito. Na noite de quarta [15/8], após uma ameaça ter sido enviada a esta embaixada, e a polícia ter descido no prédio, vocês vieram no meio na noite para vigiar isto, e vocês trouxeram os olhares do mundo com vocês. Dentro da embaixada, na escuridão, eu podia ouvir equipes de policiais entrando no prédio pela saída de incêndios interna. Mas eu sabia que haveria testemunhas. E tudo graças a vocês. Se o governo britânico não jogou fora o Tratado de Viena na outra noite, isto foi porque o mundo estava olhando.”
Salvos-condutos podem ser dados ou negados a indivíduos. Mas não são necessários para que ideias e informações circulem livremente. Ainda bem.
É grande o impasse em que se encontram o Reino Unido – que ameaça pisotear a Convenção de Viena, que trata do direito semissagrado do asilo por motivação política – e a figura emblemática de Julian Assange, o mais renomado enfant terrible dos últimos decênios, somente igualável em apelo midiático a ícones da contracultura dos tão tumultuados quanto férteis anos 1960-70, como Bob Dylan, Jim Morrison, Janis Joplin e Joan Baez.
Assange deseja partir para o Equador, mas o Reino Unido deseja que ele siga direto para a Suécia. A Suécia, por sua vez, precisa apenas vê-lo para, numa subserviência cosntrangedora, enviá-lo aos Estados Unidos. E nos Estados Unidos, o que o passado lhe reserva? Um breve cubículo prisional na base militar de Quantico (se ele tiver sorte) ou Guantanamo (se a sorte deixar de lhe sorrir), uma sentença judicial condenando-o à prisão perpétua (se continuar com sorte) ou à pena de morte (se o sorriso da sorte não passar de mero lamento).
Ninguém mais ouvirá falar das duas senhoras suecas que se disseram vítimas do Assange estuprador. Os 81 dias que o governo do Equador levou para lhe conceder asilo serão menos que nota breve no rodapé da história do ativista australiano e fundador do WikiLeaks. Permanecerão para sempre na história desse primeiro decênio do século 21 as lutas de Julian Assange, o impacto da revelação de segredos de vários Estados e a maneira como a principal potência ocidental atuou em desfavor de Assange e do direito da livre circulação de informação – ou, como muitos preferem chamar, da liberdade de imprensa.
Muito além da situação em que se encontra o ativista, a novidade é que os governos já não estão seguros de que manterão seus cidadãos na ignorância. E isso nada tem a ver com Julian Assange residir agora na embaixada do Equador em Londres ou que venha algum dia engrossar as estatísticas prisionais dos Estados Unidos. O que não podemos esquecer é que ingressamos todos nós, governos e povos, em uma nova fase da comunicação política. E isso não tem muito a ver com a revelação de segredos, incontinências verbais ou meras fofocas que circulam em bastidores dos processos decisórios governamentais. Mas tem tudo a ver com a percepção de que aquilo que sempre os governos buscaram ocultar do conhecimento público se espalha como rastilho de pólvora por um canal que escapa aos aparatos de poder. E este canal pode ser visto como a força dos meios de comunicação que utilizam as plataformas digitais, acessíveis em computadores, notebooks, netbooks, tablets, smartphones.
Corações e mentes
Assange abriu a caixa de Pandora da política internacional tal como ela é, em estado bruto, desvelando jogos de pressão na maioria absolutamente indevidos; alvejando como desinfetante questionáveis trocas de favores; jogando holofotes sobre a forma como interesses subalternos conseguem ascendência sobre aqueles que realmente privilegiam a proteção e a promoção do bem comum; desnudando por inteiro os meandros da fábrica de versões oficiais em sua até então bem sucedida tentativa de manipular as decisões e os fatos delas decorrentes.
Essa caixa de Pandora parece longe de ser fechada – o vazamento de informações sobre iniciativas, políticas e ações dos governos independe da existência física do fundador do Wikileaks. É que, como em qualquer esfera da atuação humana, continua em plena vigência a percepção assertiva de que “a cada ação corresponde uma reação”. E as ações que os governos tomaram para silenciar e desacreditar a organização Wikileaks, com os Estados Unidos na vanguarda, seguido por algumas nações europeias, geraram movimento muito mais amplo, abrangente, inclusivo e com características planetárias – talvez o primeiro grande movimento organizado em termos de cidadania mundial a utilizar os meios de comunicação virtuais e trafegando livres, leves e soltos por gigabytes de infovias planeta afora.
É quando surge no horizonte o Anonymous. E o que é o Anonymous? Uma possante e popular rede hacker que se insurgiu contra os que passaram a combater o Wikileaks e seu fundador. Anonymous coordenou centenas de ataques virtuais a empresas e instituições que se engajaram na cruzada dos governos contra a fonte dos vazamentos de documentos oficiais – dentre aqueles Visa, MasterCard, PayPal e o banco suíço Post Finance, que foram pressionados a fechar as contas do Wikileaks, além da gigante norte-americana Amazon, que removeu de seus servidores o domínio do Wikileaks.
Como há um desejo por liberdade em tempo integral, uma busca frenética por uma causa à qual dedicar a vida, milhares de voluntários de dezenas de países utilizaram o Facebook e o Twitter para promover a instituição do ousado australiano, mostrando assim uma força nunca antes vista em termos de mobilização de corações e mentes na defesa não de uma organização, menos ainda de um indivíduo, mas de uma ideia. A ideia de que todos têm o direito de saber as reais motivações e as ações dos governos que agem em seu nome.
Livre trânsito
Não tardou para que os voluntários e simpatizantes do Wikileaks no Facebook ultrapassassem a marca do primeiro milhão de pessoas e chegassem a contar com um novo simpatizante a cada segundo – ou seja, 86.400 novos amigos a cada 24 horas.
Por volta das 10h de domingo (19/8), na embaixada do Equador em Londres, Julian Assange faz um pronunciamento espetacular, desses em que o personagem sabe que está falando para além do aqui e do agora, lançando ideais em forma de palavras para o futuro. Destaco suas palavras iniciais:
“Estou aqui porque não posso estar mais perto de vocês. Muito obrigado por estarem aqui. Obrigado pela sua decisão, e toda a sua generosidade de espírito. Na noite de quarta [15/8], após uma ameaça ter sido enviada a esta embaixada, e a polícia ter descido no prédio, vocês vieram no meio na noite para vigiar isto, e vocês trouxeram os olhares do mundo com vocês. Dentro da embaixada, na escuridão, eu podia ouvir equipes de policiais entrando no prédio pela saída de incêndios interna. Mas eu sabia que haveria testemunhas. E tudo graças a vocês. Se o governo britânico não jogou fora o Tratado de Viena na outra noite, isto foi porque o mundo estava olhando.”
Salvos-condutos podem ser dados ou negados a indivíduos. Mas não são necessários para que ideias e informações circulem livremente. Ainda bem.
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