Por Luisa María González , no blog Resistência:
Perguntar onde começa uma guerra poderia receber muitas respostas, mas desde que as intenções hegemônicas dos Estados Unidos começaram, a resposta tem sido uma: começa nos meios de comunicação e a Síria não é uma exceção.
A questão remonta à Guerra Hispano-Cubano-Norte-americana, uma das primeiras contendas de Washington voltadas para ampliar seu domínio mundial, na qual se experimentou e estreou um modus operandi logo repetido mais de uma vez.
Em 1898, lutadores cubanos terminavam de realizar com êxito uma ofensiva para alcançar a independência da Espanha e a jovem nação norte-americana, com os olhos postos na estratégica ilha caribenha, não tardou a preparar-se para intervir no assunto e assegurar que Havana, ao invés de emancipar-se, somente mudasse de dono.
Então, William Radolph Hearst, dono de um dos principais jornais diários norte-americanos da época, o Moorning Journal, enviou um desenhista à capital cubana com o propósito de refletir em suas imagens a trágica situação que o país vivia.
"Nada a assinalar. Tudo está calmo. Não haverá guerra. Queria regressar", disse o repórter mediante um telegrama a seu chefe, pois os enfrentamentos se concentravam nas zonas rurais do país.
A resposta de Hearst foi lapidar: "Peço que fique. Mande-nos ilustrações e eu ajudarei a fazer a guerra”.
Mais de um século depois, novamente forja-se uma guerra a partir dos principais meios de comunicação ocidentais: uma intervenção militar contra o governo de Bashar al-Assad na Síria – coincidem especialistas que dissecaram a imprensa nas últimas semanas.
Por que começar a guerra nos meios de comunicação? A resposta foi dada pelo escritor e jornalista francês Claude Julien quando analisou aquele primeiro episódio no século 19:
Os políticos que sonhavam lançar os Estados Unidos na aventura da expansão não tinham nenhuma probabilidade de conseguir a aprovação da opinião pública expondo-lhe as teses da americanização do mundo, explicou.
Por isso – agregou - "para chegar ao grande público era preciso recorrer a argumentos mais emotivos. Havia que tocar a sensibilidade do povo para convidá-lo a uma grande cruzada levada a cabo em nome dos valores mais seguros do idealismo norte-americano".
Qualquer semelhança com a atualidade, quando soam toques de sirenes por milhares de mortos na Síria por causa de ataques químicos perpetrados supostamente pelo governo, não é mera casualidade.
As imagens do massacre de 21 de agosto e as acusações a Damasco feitas pelos principais líderes dos Estados Unidos, França e Reino Unido, se repetem constantemente na imprensa com o objetivo de sempre: convencer o público da necessidade de atacar.
Como construir uma guerra nos meios de imprensa
O sítio alternativo na internet Global Research publicou um necessário ponto de partida: nenhuma das verdadeiras razões pelas quais as potências ocidentais, e principalmente os Estados Unidos, desejam destruir o governo de Assad, foi mencionada pela grande imprensa.
Entre elas, destacam-se a razão de desmantelar um governo que defende sua independência e soberania, começar a desarticular a aliança Rússia-Irã-Síria e a aliança antissionista Irãn-Síria-Líbano-Palestina, impulsionar ainda mais o crescimento da indústria armamentista e beneficiar aliados da região como Israel e Arábia Saudita.
Para preparar a intervenção, são empregadas estratégias de comunicação voltadas para convencer o grande público de que o Ocidente deve realizar uma intervenção "humanitária" e militar no assunto.
Por isso que desde o início do conflito no país do Oriente Médio, a imagem midiática oferecida se baseia em uma construção maniqueísta da realidade, na qual os “bons” (a oposição armada) se opõem aos “maus” (o governo), assinalou o acadêmico e pesquisador norte-americano James F. Tracy.
"Esse esquema é impulsionado por uma propaganda cuidadosamente elaborada com vistas a desinformar, a qual toma forma nos pronunciamentos governamentais e reportagens das corporações midiáticas", continuou.
Assim sucedeu depois do ataque químico ocorrido em agosto último: os meios de comunicação começaram a reproduzir instantaneamente um bombardeio de declarações dos presidentes Barack Obama (Estados Unidos) e François Hollande (França), e do primeiro-ministro britânico, David Cameron, culpando o mandatário sírio pela agressão.
Do outro lado estavam os milhares de vítimas, e certamente, os “bons”, os chamados "rebeldes" que lutam contra "o regime sírio".
Para configurar esta construção midiática contribui o fato de que são poucos os jornalistas ocidentais radicados na Síria, e muitos deles morreram enquanto faziam seu trabalho ou foram forçados a abandonar o país, opinou Danny Schechter, repórter, produtor independente de televisão e blogueiro.
Por isso – agregou - a cobertura é pobre e a informação que consegue sair das fronteiras sírias está marcada pelos poucos repórteres ali presentes e, sobretudo, os interesses aos quais respondem.
Sobre outra aresta do tema, os especialistas assinalam a importância do uso de determinados qualificativos para influir e guiar os critérios da opinião pública.
Em consequência, são chamados "rebeldes sírios" os grupos opositores armados que, contudo, são formados em sua maioria por homens provenientes de outros países e abrigam em suas fileiras membros de grupos extremistas como Al Nusra, vinculada à Al Qaeda.
Por outro lado, o governo de Bashar al-Assad é sempre qualificado de "regime", nunca governo, administração, executivo ou outro possível sinônimo.
De acordo com os analistas, a estratégia mais usada pela imprensa se baseia em publicar/ocultar, ou seja, visualizar tudo quanto seja favorável à invasão e silenciar o oposto.
Em consequência, depois do ataque químico em agosto todos os meios ocidentais ecoaram cada acusação ao governo sírio.
"A tendência nos meios de comunicação foi difundir a conclusão de que o ataque químico foi perpetrado por Assad, e às vezes acrescentar que talvez isto não foi ainda provado", considerou a organização Imparcialidade e Exatidão da Informação.
Em contraste, as versões diferentes dadas pelos meios locais ou alternativos que desmentem a suposta autoria governamental da agressão, receberam atenção quase nula por parte da imprensa estadunidense ou europeia.
Por exemplo, recentemente vieram à luz declarações de testemunhos do ataque químico, que desde Damasco afirmaram que os responsáveis foram os grupos opositores, os quais possuem e empregam este tipo de armamento, asseguraram os entrevistados.
Igualmente, na Turquia transcenderam testemunhos de um ex-funcionário local da província de Hatay, localizada na região fronteiriça com a Síria, o qual assinalou que através desse território foram transferidas armas químicas para as mãos da oposição.
Estas informações e outras similares nunca chegaram a ser incluídas na agenda dos grandes meios:
"A análise na imprensa tem estado carente de equilíbrio e diversidade porque as críticas e versões do lado contrário à guerra têm sido citadas em muito escassas ocasiões", concluiu Schechter.
Em um resumo dos acontecimentos, um jornalista sírio assinalou dois elementos chaves para entender a situação atual: primeiro, é seguro que os grupos opositores possuem armas químicas e poderiam ser autores do ataque.
Segundo: o fato foi bastante conveniente para as intenções das potências ocidentais.
"Se o Ocidente necessitava de uma desculpa para atacar a Síria, teve essa desculpa no momento e no lugar certos", assinalou.
* Luisa María González é jornalista da redação Europa da Prensa Latina. Tradução de José Reinaldo Carvalho, para o Blog da Resistência.
Perguntar onde começa uma guerra poderia receber muitas respostas, mas desde que as intenções hegemônicas dos Estados Unidos começaram, a resposta tem sido uma: começa nos meios de comunicação e a Síria não é uma exceção.
A questão remonta à Guerra Hispano-Cubano-Norte-americana, uma das primeiras contendas de Washington voltadas para ampliar seu domínio mundial, na qual se experimentou e estreou um modus operandi logo repetido mais de uma vez.
Em 1898, lutadores cubanos terminavam de realizar com êxito uma ofensiva para alcançar a independência da Espanha e a jovem nação norte-americana, com os olhos postos na estratégica ilha caribenha, não tardou a preparar-se para intervir no assunto e assegurar que Havana, ao invés de emancipar-se, somente mudasse de dono.
Então, William Radolph Hearst, dono de um dos principais jornais diários norte-americanos da época, o Moorning Journal, enviou um desenhista à capital cubana com o propósito de refletir em suas imagens a trágica situação que o país vivia.
"Nada a assinalar. Tudo está calmo. Não haverá guerra. Queria regressar", disse o repórter mediante um telegrama a seu chefe, pois os enfrentamentos se concentravam nas zonas rurais do país.
A resposta de Hearst foi lapidar: "Peço que fique. Mande-nos ilustrações e eu ajudarei a fazer a guerra”.
Mais de um século depois, novamente forja-se uma guerra a partir dos principais meios de comunicação ocidentais: uma intervenção militar contra o governo de Bashar al-Assad na Síria – coincidem especialistas que dissecaram a imprensa nas últimas semanas.
Por que começar a guerra nos meios de comunicação? A resposta foi dada pelo escritor e jornalista francês Claude Julien quando analisou aquele primeiro episódio no século 19:
Os políticos que sonhavam lançar os Estados Unidos na aventura da expansão não tinham nenhuma probabilidade de conseguir a aprovação da opinião pública expondo-lhe as teses da americanização do mundo, explicou.
Por isso – agregou - "para chegar ao grande público era preciso recorrer a argumentos mais emotivos. Havia que tocar a sensibilidade do povo para convidá-lo a uma grande cruzada levada a cabo em nome dos valores mais seguros do idealismo norte-americano".
Qualquer semelhança com a atualidade, quando soam toques de sirenes por milhares de mortos na Síria por causa de ataques químicos perpetrados supostamente pelo governo, não é mera casualidade.
As imagens do massacre de 21 de agosto e as acusações a Damasco feitas pelos principais líderes dos Estados Unidos, França e Reino Unido, se repetem constantemente na imprensa com o objetivo de sempre: convencer o público da necessidade de atacar.
Como construir uma guerra nos meios de imprensa
O sítio alternativo na internet Global Research publicou um necessário ponto de partida: nenhuma das verdadeiras razões pelas quais as potências ocidentais, e principalmente os Estados Unidos, desejam destruir o governo de Assad, foi mencionada pela grande imprensa.
Entre elas, destacam-se a razão de desmantelar um governo que defende sua independência e soberania, começar a desarticular a aliança Rússia-Irã-Síria e a aliança antissionista Irãn-Síria-Líbano-Palestina, impulsionar ainda mais o crescimento da indústria armamentista e beneficiar aliados da região como Israel e Arábia Saudita.
Para preparar a intervenção, são empregadas estratégias de comunicação voltadas para convencer o grande público de que o Ocidente deve realizar uma intervenção "humanitária" e militar no assunto.
Por isso que desde o início do conflito no país do Oriente Médio, a imagem midiática oferecida se baseia em uma construção maniqueísta da realidade, na qual os “bons” (a oposição armada) se opõem aos “maus” (o governo), assinalou o acadêmico e pesquisador norte-americano James F. Tracy.
"Esse esquema é impulsionado por uma propaganda cuidadosamente elaborada com vistas a desinformar, a qual toma forma nos pronunciamentos governamentais e reportagens das corporações midiáticas", continuou.
Assim sucedeu depois do ataque químico ocorrido em agosto último: os meios de comunicação começaram a reproduzir instantaneamente um bombardeio de declarações dos presidentes Barack Obama (Estados Unidos) e François Hollande (França), e do primeiro-ministro britânico, David Cameron, culpando o mandatário sírio pela agressão.
Do outro lado estavam os milhares de vítimas, e certamente, os “bons”, os chamados "rebeldes" que lutam contra "o regime sírio".
Para configurar esta construção midiática contribui o fato de que são poucos os jornalistas ocidentais radicados na Síria, e muitos deles morreram enquanto faziam seu trabalho ou foram forçados a abandonar o país, opinou Danny Schechter, repórter, produtor independente de televisão e blogueiro.
Por isso – agregou - a cobertura é pobre e a informação que consegue sair das fronteiras sírias está marcada pelos poucos repórteres ali presentes e, sobretudo, os interesses aos quais respondem.
Sobre outra aresta do tema, os especialistas assinalam a importância do uso de determinados qualificativos para influir e guiar os critérios da opinião pública.
Em consequência, são chamados "rebeldes sírios" os grupos opositores armados que, contudo, são formados em sua maioria por homens provenientes de outros países e abrigam em suas fileiras membros de grupos extremistas como Al Nusra, vinculada à Al Qaeda.
Por outro lado, o governo de Bashar al-Assad é sempre qualificado de "regime", nunca governo, administração, executivo ou outro possível sinônimo.
De acordo com os analistas, a estratégia mais usada pela imprensa se baseia em publicar/ocultar, ou seja, visualizar tudo quanto seja favorável à invasão e silenciar o oposto.
Em consequência, depois do ataque químico em agosto todos os meios ocidentais ecoaram cada acusação ao governo sírio.
"A tendência nos meios de comunicação foi difundir a conclusão de que o ataque químico foi perpetrado por Assad, e às vezes acrescentar que talvez isto não foi ainda provado", considerou a organização Imparcialidade e Exatidão da Informação.
Em contraste, as versões diferentes dadas pelos meios locais ou alternativos que desmentem a suposta autoria governamental da agressão, receberam atenção quase nula por parte da imprensa estadunidense ou europeia.
Por exemplo, recentemente vieram à luz declarações de testemunhos do ataque químico, que desde Damasco afirmaram que os responsáveis foram os grupos opositores, os quais possuem e empregam este tipo de armamento, asseguraram os entrevistados.
Igualmente, na Turquia transcenderam testemunhos de um ex-funcionário local da província de Hatay, localizada na região fronteiriça com a Síria, o qual assinalou que através desse território foram transferidas armas químicas para as mãos da oposição.
Estas informações e outras similares nunca chegaram a ser incluídas na agenda dos grandes meios:
"A análise na imprensa tem estado carente de equilíbrio e diversidade porque as críticas e versões do lado contrário à guerra têm sido citadas em muito escassas ocasiões", concluiu Schechter.
Em um resumo dos acontecimentos, um jornalista sírio assinalou dois elementos chaves para entender a situação atual: primeiro, é seguro que os grupos opositores possuem armas químicas e poderiam ser autores do ataque.
Segundo: o fato foi bastante conveniente para as intenções das potências ocidentais.
"Se o Ocidente necessitava de uma desculpa para atacar a Síria, teve essa desculpa no momento e no lugar certos", assinalou.
* Luisa María González é jornalista da redação Europa da Prensa Latina. Tradução de José Reinaldo Carvalho, para o Blog da Resistência.
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