Por Elaine Tavares, no sítio da Adital:
Janeiro de 2006. É final de tarde na turbulenta Caracas. O bar próximo ao imponente teatro Tereza Carreño fervilha de gente atrás das famosas "arepas", um sanduíche típico do país feito com milho moído. Ali encontramos Rosália, prostituta, mãe de três filhos já grandes. Espera a hora para entrar no teatro, coisa que iria fazer pela primeira vez, junto com mais duas amigas. Iam ver uma exposição de fotos sobre mulheres caraquenhas, promovida pelo governo venezuelano. "Nós nunca tivemos acesso à nada por aqui. Agora, com Chávez, temos. Podemos ir ao teatro, ler - os livros são distribuídos de graça - e nós mesmos criar cultura. Imagina quando que uma mulher como eu, antes, iria entrar no Tereza Carreño?”
Rosália, assim como as amigas que bebericam uma cerveja, morreriam por Chávez. Fazem parte daquele grupo de pessoas que sempre foi invisível na grande cidade, e que, naqueles dias, no auge da revolução bolivariana, se sentiam protagonistas da sua história. "A gente trabalha na missão Barrio Adentro, temos de trabalhar para ajudar o país. Chávez convocou e a gente vai”. As missões são a forma de organização com a qual a população Venezuela conseguiu ir se encarnando na vida das gentes.
Do outro lado da cidade, no bairro de Altamira, a realidade parece ser completamente outra. É o centro da vida da elite caraquenha, reduto da riqueza. Ali as ruas são vazias, não há o burburinho das zonas populares, proliferam os prédios e os esterilizados centros de compras. As mulheres que circulam bem vestidas e maquiadas são bem diferentes de Rosália. Nunca foram barradas no teatro mais importante da capital e tampouco, hoje, participam das missões para melhorar o país. Fazem parte do grupo dos "esquálidos”, oposição ao governo. Em alguns lugares até é possível ver a bandeira dos Estados Unidos tremulando, numa mensagem bem clara sobre quem eles admiram. Não querem saber de Chávez e de seus planos de tornar a Venezuela soberana.
Três estações do metrô adiante, surge o bairro Sabana Grande e, ali, tudo fica "patas arriba". Como num passe de mágica, outra Caracas surge. Não mais as ruas clinicamente limpas, os enormes outdoors, os prédios clarinhos, os carros importados, os centros comerciais, as gentes bem vestidas. O que se vê são calçadas tomadas por uma infinidade de barracas de lona do mercado informal. As ruas estão sujas, há lixo nas esquinas e as pessoas comuns estão envolvidas em outra marcha: a da sobrevivência. O grande bulevar da Sabana Grande é o retrato da vida real. Nele vicejam os hotéis de encontros fortuitos, os mendigos, alguns garotos e garotas drogados e mais e mais barracas onde se vende tudo o que há.
Mais adiante, na direção da periferia, desaparecem os toldos de lona e surgem as imensas comunidades de tom marrom, que se espalham pelos morros, cheias de barracos de tijolo ou lata. É gritante a divisão das duas Caracas, o que torna mais compreensível a guerra ideológica e utópica travada nas ruas. Nos bairros ricos e limpinhos as pessoas lutam para manter a vida pequeno burguesa, aparentemente protegida, que o dinheiro pode comprar. Nos bairros degradados e na periferia as gentes lutam por mudanças concretas que as levem para uma vida digna, de riquezas repartidas. Essa dicotomia de projetos é tão visível e densa que quase se pode tocar com as mãos.
A batalha para consolidar o bolivarianismo
Passados oito anos da viagem à Venezuela, muitas são as mudanças na vida dos dois grupos que se enfrentam cotidianamente por um projeto de país. Naqueles dias, a promessa de transformação era soberana. Chávez vencia, eleição após eleição, os golpes que a direita entreguista perpetrava. As missões floresciam e as gentes construíam um novo país. Hoje, a Venezuela está golpeada. A morte de Chávez, no ano passado, pouco antes de assumir mais um mandato, foi um baque duro demais. Ainda que a organização popular tenha crescido e se fortalecido, sempre foi inegável o impacto de Chávez na vida de toda aquela gente que assomou em 1998 como protagonista da nova Venezuela. Ele era a alavanca que provocava o empuxo para a frente, sempre para a frente.
Muitos foram os avanços populares no país durante os anos de governo bolivariano. A educação, a saúde, a moradia, tudo melhorou para os que eram os mais empobrecidos. Mas, havia um grande desafio a ser vencido: sair da armadilha da dependência do petróleo. Desde sempre, por sua riqueza petrolífera, a Venezuela baseava toda sua economia nesse setor. A revolução bolivariana tinha, então, que recuperar o país para a produção. Havia que incentivar a indústria nacional, a produção de alimentos. O país estava refém das importações. Tudo o que se consumia vinha de fora. E esse foi o caminho que começou a ser palmilhado. Desenvolvimento endógeno. Uma tentativa de substituição de importação.
Mas, o processo venezuelano não foi um processo revolucionário aos moldes ortodoxos, de vitória armada, com o aplastamento do "inimigo". A proposta bolivariana se deu nos marcos da democracia, com eleição, plebiscitos, referendos. Isso significa que, ao longo do tempo, a oposição esteve sempre organizada e atuante, disputando no mesmo terreno. E tanto atuava em liberdade que chegou a tramar e levar a cabo um golpe de estado em 2002, sequestrando o presidente Chávez, e mentindo para o povo que ele havia renunciado. Só que a população organizada ocupou as ruas e recuperou o presidente, bem como a retomada do processo democrático. O golpe foi debelado, mas os golpistas continuaram agindo, livremente, para derrubar a proposta bolivariana, que nada mais é do que distribuir a riqueza, garantir soberania e construir a integração da pátria grande .
Assim, esse embate se manteve nos 13 anos de governo de Chávez. Quando algumas coisas começavam a andar, lá vinham os golpistas com alguma armadilha e tudo tinha de parar. Ao longo desse tempo várias eleições foram realizadas, uma nova Constituinte foi promulgada, tudo com muito debate e envolvimento popular. Eventos políticos de abissal importância que mobilizavam as gentes, mas que, de alguma forma, paravam a máquina das mudanças prosaicas, essas que precisam se dar no dia a dia. Assim, com o passar do tempo e com tantos entraves para as mudanças, o projeto de um desenvolvimento endógeno não conseguiu decolar com a força necessária. O petróleo seguiu dando as cartas e a mesma elite que antes enriquecia com a importação de bens e alimentos, seguiu atuando no mesmo setor.
Na luta cotidiana, Chávez conseguiu uma certa composição com os empobrecidos - historicamente fora de qualquer processo na Venezuela - e a classe média, contando ainda com algum apoio empresarial. Uma tênue composição de classe que nunca perdeu sua tensão.
A crise e os desafios para o futuro
Desde a última eleição para a presidência, quando Chávez já estava doente, a direita venezuelana colocou em campo todos os seus trunfos. Apostando em lideranças jovens e agressivas, fortaleceu o discurso de que a Venezuela estava indo para o abismo e que era hora de retomar as rédeas do país. É claro que esse abismo estava sendo fortalecido por essa mesma elite que hoje sonha em retomar o controle das riquezas do petróleo. Uma elite que não aceitou a proposta do desenvolvimento, que seguiu apostando na dependência dos Estados Unidos - financeira e política - e prefere manter a Venezuela como no passado: com uma massa gigantesca de pobres e um pequeno oásis onde só ela possa usufruir das riquezas.
E, já naqueles dias, quando Chávez ainda administrava o país, se podia perceber algumas rupturas na aliança de classe que ele lograra formar. Economicamente, o governo teve de continuar emitindo dólares para realizar as importações necessárias ao consumo interno e isso só fez fortalecer uma camada empresarial que comanda esse setor. Hoje, é essa força que assume a dianteira na tentativa de retomada de controle por parte da direita. Mas, a grande batalha segue sendo pelo controle do petróleo. Não há, nos planos da elite que chama para a rua as forças contrárias ao governo bolivariano, qualquer intenção de melhorar a vida da maioria da população, hoje acossada com uma grave crise econômica e desabastecimento.
Por outro lado, o governo, comandado por Nicolás Maduro, não está conseguindo tomar as medidas econômicas que poderiam dar outro rumo à Venezuela. O economista Heinz Dieterich, que tem sido um duro crítico do governo bolivariano - desde os últimos anos de Chávez - diz que os dois atos de Maduro para conter a crise, a lei orgânica do preço justo e o plano de paz e convivência, são medidas paliativas que mais tarde se verão inúteis diante do colapso. Para ele, há que tomar os rumos da economia, sob pena de perder o controle do estado.
Agora que a direita mostra os dentes de novo, com força redobrada, o governo bolivariano está numa encruzilhada. Mais uma vez se coloca o problema da composição de classe. Parte da burguesia que estava apoiando o processo bolivariano vai sendo cooptada pelo grupo que busca retomar o controle do país. Não se tem muito claro qual a posição das Forças Armadas nesse momento da crise. Em 2002, quando do golpe de estado por parte da elite predadora, a escolha das Forças Armadas em proteger o processo bolivariano e seguir apoiando a proposta de soberania, foi decisiva para que, apoiadas no povo reunido nas ruas do país a gritar pelo cumprimento da Constituição, ajudassem a garantir a volta de Chávez.
Ainda segundo Heinz Dieterich, as Forças Armadas venezuelanas são hoje a força fundamental para garantir a continuidade do bolivarianismo e do poder popular. Para ele, essa aliança entre militares, vanguardas e povo é a única que pode constituir um consenso capaz de recuperar o tecido social e ultrapassar a crise. Mas, para além dessa união necessária, são urgentes medidas econômicas que recoloquem a economia nos eixos e permitam a Venezuela retomar seu processo de desenvolvimento endógeno. Uma batalha difícil, mas que pode ser travada com a ajuda também dos países parceiros, unidos na própria ideia bolivariana de integração.
A luta de classes recrudesceu outra vez na Venezuela. As alianças estão rotas e precisam ser reforçadas para que sobreviva o grande legado da Quinta República: poder ao povo, democracia participativa e soberania. A batalha recomeça. Para pessoas como Rosália, vencer essa luta é decisivo para garantir a sobrevivência de milhares de pessoas que, tal qual ela, conquistaram um espaço real de decisão dentro da revolução bolivariana. Já para o pequeno grupo de moradores de Altamira, vencer é retomar o controle das riquezas para ficarem ainda mais ricos do que já são. Projetos radicalmente diferentes.
Janeiro de 2006. É final de tarde na turbulenta Caracas. O bar próximo ao imponente teatro Tereza Carreño fervilha de gente atrás das famosas "arepas", um sanduíche típico do país feito com milho moído. Ali encontramos Rosália, prostituta, mãe de três filhos já grandes. Espera a hora para entrar no teatro, coisa que iria fazer pela primeira vez, junto com mais duas amigas. Iam ver uma exposição de fotos sobre mulheres caraquenhas, promovida pelo governo venezuelano. "Nós nunca tivemos acesso à nada por aqui. Agora, com Chávez, temos. Podemos ir ao teatro, ler - os livros são distribuídos de graça - e nós mesmos criar cultura. Imagina quando que uma mulher como eu, antes, iria entrar no Tereza Carreño?”
Rosália, assim como as amigas que bebericam uma cerveja, morreriam por Chávez. Fazem parte daquele grupo de pessoas que sempre foi invisível na grande cidade, e que, naqueles dias, no auge da revolução bolivariana, se sentiam protagonistas da sua história. "A gente trabalha na missão Barrio Adentro, temos de trabalhar para ajudar o país. Chávez convocou e a gente vai”. As missões são a forma de organização com a qual a população Venezuela conseguiu ir se encarnando na vida das gentes.
Do outro lado da cidade, no bairro de Altamira, a realidade parece ser completamente outra. É o centro da vida da elite caraquenha, reduto da riqueza. Ali as ruas são vazias, não há o burburinho das zonas populares, proliferam os prédios e os esterilizados centros de compras. As mulheres que circulam bem vestidas e maquiadas são bem diferentes de Rosália. Nunca foram barradas no teatro mais importante da capital e tampouco, hoje, participam das missões para melhorar o país. Fazem parte do grupo dos "esquálidos”, oposição ao governo. Em alguns lugares até é possível ver a bandeira dos Estados Unidos tremulando, numa mensagem bem clara sobre quem eles admiram. Não querem saber de Chávez e de seus planos de tornar a Venezuela soberana.
Três estações do metrô adiante, surge o bairro Sabana Grande e, ali, tudo fica "patas arriba". Como num passe de mágica, outra Caracas surge. Não mais as ruas clinicamente limpas, os enormes outdoors, os prédios clarinhos, os carros importados, os centros comerciais, as gentes bem vestidas. O que se vê são calçadas tomadas por uma infinidade de barracas de lona do mercado informal. As ruas estão sujas, há lixo nas esquinas e as pessoas comuns estão envolvidas em outra marcha: a da sobrevivência. O grande bulevar da Sabana Grande é o retrato da vida real. Nele vicejam os hotéis de encontros fortuitos, os mendigos, alguns garotos e garotas drogados e mais e mais barracas onde se vende tudo o que há.
Mais adiante, na direção da periferia, desaparecem os toldos de lona e surgem as imensas comunidades de tom marrom, que se espalham pelos morros, cheias de barracos de tijolo ou lata. É gritante a divisão das duas Caracas, o que torna mais compreensível a guerra ideológica e utópica travada nas ruas. Nos bairros ricos e limpinhos as pessoas lutam para manter a vida pequeno burguesa, aparentemente protegida, que o dinheiro pode comprar. Nos bairros degradados e na periferia as gentes lutam por mudanças concretas que as levem para uma vida digna, de riquezas repartidas. Essa dicotomia de projetos é tão visível e densa que quase se pode tocar com as mãos.
A batalha para consolidar o bolivarianismo
Passados oito anos da viagem à Venezuela, muitas são as mudanças na vida dos dois grupos que se enfrentam cotidianamente por um projeto de país. Naqueles dias, a promessa de transformação era soberana. Chávez vencia, eleição após eleição, os golpes que a direita entreguista perpetrava. As missões floresciam e as gentes construíam um novo país. Hoje, a Venezuela está golpeada. A morte de Chávez, no ano passado, pouco antes de assumir mais um mandato, foi um baque duro demais. Ainda que a organização popular tenha crescido e se fortalecido, sempre foi inegável o impacto de Chávez na vida de toda aquela gente que assomou em 1998 como protagonista da nova Venezuela. Ele era a alavanca que provocava o empuxo para a frente, sempre para a frente.
Muitos foram os avanços populares no país durante os anos de governo bolivariano. A educação, a saúde, a moradia, tudo melhorou para os que eram os mais empobrecidos. Mas, havia um grande desafio a ser vencido: sair da armadilha da dependência do petróleo. Desde sempre, por sua riqueza petrolífera, a Venezuela baseava toda sua economia nesse setor. A revolução bolivariana tinha, então, que recuperar o país para a produção. Havia que incentivar a indústria nacional, a produção de alimentos. O país estava refém das importações. Tudo o que se consumia vinha de fora. E esse foi o caminho que começou a ser palmilhado. Desenvolvimento endógeno. Uma tentativa de substituição de importação.
Mas, o processo venezuelano não foi um processo revolucionário aos moldes ortodoxos, de vitória armada, com o aplastamento do "inimigo". A proposta bolivariana se deu nos marcos da democracia, com eleição, plebiscitos, referendos. Isso significa que, ao longo do tempo, a oposição esteve sempre organizada e atuante, disputando no mesmo terreno. E tanto atuava em liberdade que chegou a tramar e levar a cabo um golpe de estado em 2002, sequestrando o presidente Chávez, e mentindo para o povo que ele havia renunciado. Só que a população organizada ocupou as ruas e recuperou o presidente, bem como a retomada do processo democrático. O golpe foi debelado, mas os golpistas continuaram agindo, livremente, para derrubar a proposta bolivariana, que nada mais é do que distribuir a riqueza, garantir soberania e construir a integração da pátria grande .
Assim, esse embate se manteve nos 13 anos de governo de Chávez. Quando algumas coisas começavam a andar, lá vinham os golpistas com alguma armadilha e tudo tinha de parar. Ao longo desse tempo várias eleições foram realizadas, uma nova Constituinte foi promulgada, tudo com muito debate e envolvimento popular. Eventos políticos de abissal importância que mobilizavam as gentes, mas que, de alguma forma, paravam a máquina das mudanças prosaicas, essas que precisam se dar no dia a dia. Assim, com o passar do tempo e com tantos entraves para as mudanças, o projeto de um desenvolvimento endógeno não conseguiu decolar com a força necessária. O petróleo seguiu dando as cartas e a mesma elite que antes enriquecia com a importação de bens e alimentos, seguiu atuando no mesmo setor.
Na luta cotidiana, Chávez conseguiu uma certa composição com os empobrecidos - historicamente fora de qualquer processo na Venezuela - e a classe média, contando ainda com algum apoio empresarial. Uma tênue composição de classe que nunca perdeu sua tensão.
A crise e os desafios para o futuro
Desde a última eleição para a presidência, quando Chávez já estava doente, a direita venezuelana colocou em campo todos os seus trunfos. Apostando em lideranças jovens e agressivas, fortaleceu o discurso de que a Venezuela estava indo para o abismo e que era hora de retomar as rédeas do país. É claro que esse abismo estava sendo fortalecido por essa mesma elite que hoje sonha em retomar o controle das riquezas do petróleo. Uma elite que não aceitou a proposta do desenvolvimento, que seguiu apostando na dependência dos Estados Unidos - financeira e política - e prefere manter a Venezuela como no passado: com uma massa gigantesca de pobres e um pequeno oásis onde só ela possa usufruir das riquezas.
E, já naqueles dias, quando Chávez ainda administrava o país, se podia perceber algumas rupturas na aliança de classe que ele lograra formar. Economicamente, o governo teve de continuar emitindo dólares para realizar as importações necessárias ao consumo interno e isso só fez fortalecer uma camada empresarial que comanda esse setor. Hoje, é essa força que assume a dianteira na tentativa de retomada de controle por parte da direita. Mas, a grande batalha segue sendo pelo controle do petróleo. Não há, nos planos da elite que chama para a rua as forças contrárias ao governo bolivariano, qualquer intenção de melhorar a vida da maioria da população, hoje acossada com uma grave crise econômica e desabastecimento.
Por outro lado, o governo, comandado por Nicolás Maduro, não está conseguindo tomar as medidas econômicas que poderiam dar outro rumo à Venezuela. O economista Heinz Dieterich, que tem sido um duro crítico do governo bolivariano - desde os últimos anos de Chávez - diz que os dois atos de Maduro para conter a crise, a lei orgânica do preço justo e o plano de paz e convivência, são medidas paliativas que mais tarde se verão inúteis diante do colapso. Para ele, há que tomar os rumos da economia, sob pena de perder o controle do estado.
Agora que a direita mostra os dentes de novo, com força redobrada, o governo bolivariano está numa encruzilhada. Mais uma vez se coloca o problema da composição de classe. Parte da burguesia que estava apoiando o processo bolivariano vai sendo cooptada pelo grupo que busca retomar o controle do país. Não se tem muito claro qual a posição das Forças Armadas nesse momento da crise. Em 2002, quando do golpe de estado por parte da elite predadora, a escolha das Forças Armadas em proteger o processo bolivariano e seguir apoiando a proposta de soberania, foi decisiva para que, apoiadas no povo reunido nas ruas do país a gritar pelo cumprimento da Constituição, ajudassem a garantir a volta de Chávez.
Ainda segundo Heinz Dieterich, as Forças Armadas venezuelanas são hoje a força fundamental para garantir a continuidade do bolivarianismo e do poder popular. Para ele, essa aliança entre militares, vanguardas e povo é a única que pode constituir um consenso capaz de recuperar o tecido social e ultrapassar a crise. Mas, para além dessa união necessária, são urgentes medidas econômicas que recoloquem a economia nos eixos e permitam a Venezuela retomar seu processo de desenvolvimento endógeno. Uma batalha difícil, mas que pode ser travada com a ajuda também dos países parceiros, unidos na própria ideia bolivariana de integração.
A luta de classes recrudesceu outra vez na Venezuela. As alianças estão rotas e precisam ser reforçadas para que sobreviva o grande legado da Quinta República: poder ao povo, democracia participativa e soberania. A batalha recomeça. Para pessoas como Rosália, vencer essa luta é decisivo para garantir a sobrevivência de milhares de pessoas que, tal qual ela, conquistaram um espaço real de decisão dentro da revolução bolivariana. Já para o pequeno grupo de moradores de Altamira, vencer é retomar o controle das riquezas para ficarem ainda mais ricos do que já são. Projetos radicalmente diferentes.
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