Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
Os dois jornais paulistas que dominam a cena da imprensa escrita no Brasil voltam a atenção para o território onde têm suas bases. O Estado de S. Paulo publica, na edição de segunda-feira (22/12), um novo painel sobre o aumento da criminalidade na capital e no interior. A Folha de S. Paulo, por sua vez, traz resultado de pesquisa Datafolha segundo a qual os paulistanos são vistos por um número crescente de brasileiros como invejosos, egoístas e orgulhosos.
As duas reportagens se cruzam em alguns pontos, mas os textos e gráficos publicados reduzem a perspectiva do leitor a aspectos formais dos temas abordados, evitando um olhar para questões mais profundas, tanto do aumento da violência como da deterioração da imagem dos paulistas. Embora a Folha cite, de passagem, que a polarização das últimas eleições possa ter afetado a visão que o resto do país tem dos habitantes de São Paulo, faltou penetrar um pouco mais fundo nas causas dessa polarização.
No que se refere ao problema da criminalidade e da violência, mais uma vez a imprensa é conduzida por estatísticas oficiais, sem investir em dados paralelos que permitiriam mensurar o fenômeno num campo mais amplo do que aquele determinado pela ação de delinquentes ou pelos confrontos entre os criminosos e agentes públicos. Ficam parcialmente fora das análises os atos violentos praticados por cidadãos sem histórico de delitos, o que seria importante para o estudo da violência na rotina da sociedade.
Visto das estatísticas que apenas levam em conta boletins de ocorrência de assaltos, furtos, homicídios e latrocínios, o quadro se limita a contabilizar a atividade do crime contumaz ou organizado, que tem sempre um importante fator de sazonalidade. Por exemplo, em determinadas épocas aumenta o roubo de carga, em outros períodos cresce o furto de telefones celulares, e o assalto a bancos pode aumentar quando se intensifica a repressão ao tráfico de drogas.
Sem essa abordagem complexa, o noticiário apenas reproduz os gráficos da polícia que, como admitem as próprias autoridades, são distorcidos por fatores banais, como a isenção de taxa para a emissão de documentos em caso de roubo ou furto: supõe-se que muita gente registra boletins falsos para não ter que pagar pela emissão de uma nova carteira de identidade.
Perfil reacionário
No caso da pesquisa Datafolha, segundo a qual a imagem dos paulistas piorou, nos últimos onze anos, do ponto de vista dos outros brasileiros, a análise se concentra no fato de que o estado de São Paulo tem perdido importância relativa com o processo de redução das desigualdades regionais. A capital paulista cresce num ritmo menor do que o Nordeste, por exemplo, e isso a torna menos atraente, enquanto a melhoria das condições de vida em outras regiões reduz a necessidade de migrar em busca de bem-estar.
A Folha de S. Paulo se refere ao perfil político que foi diferenciando os paulistas dos outros brasileiros nos últimos anos, mas não faz uma relação entre a questão das escolhas eleitorais e a realidade criada pelas políticas nacionais de redução da pobreza. “Pelo menos desde 2006, o comportamento eleitoral dos paulistas – e mais fortemente, dos paulistanos – destoa do comportamento dos eleitores do Nordeste. Enquanto São Paulo consolidou-se como maior reduto do PSDB, os Estados nordestinos firmaram-se como celeiro de votos do PT”, diz o jornal.
O que não está dito é que uma parcela importante do eleitorado paulista, e, como reflexo disso, da própria sociedade paulista, vem se tornando mais conservadora, e essa característica define um comportamento que é visto, de outras regiões, como sinal de egoísmo e arrogância.
À medida que se comprovam os resultados econômicos de políticas sociais que reduzem as diferenças regionais pela diminuição da pobreza, quebra-se a histórica hegemonia de São Paulo sobre o resto do país e surgem os dois sentimentos presentes na percepção dos brasileiros: os paulistas se tornam ressentidos e reagem com manifestações de desprezo e preconceito.
O estudo do Datafolha mostra com clareza que os demais brasileiros notam o recrudescimento de um sentimento de superioridade dos paulistas, que foi bastante manifestado após a eleição presidencial. Mas a pesquisa passa ao largo de um ponto importante: ao omitir, durante anos, os benefícios da política econômica de interesse social, e ao se comportar como um partido político conservador, a mídia tradicional tem contribuído para forjar esse perfil justamente na região onde tem mais influência.
Não estranha que milhões de reacionários com elevado grau de educação formal e alta renda se mostrem tão orgulhosos de compor a vanguarda do atraso.
As duas reportagens se cruzam em alguns pontos, mas os textos e gráficos publicados reduzem a perspectiva do leitor a aspectos formais dos temas abordados, evitando um olhar para questões mais profundas, tanto do aumento da violência como da deterioração da imagem dos paulistas. Embora a Folha cite, de passagem, que a polarização das últimas eleições possa ter afetado a visão que o resto do país tem dos habitantes de São Paulo, faltou penetrar um pouco mais fundo nas causas dessa polarização.
No que se refere ao problema da criminalidade e da violência, mais uma vez a imprensa é conduzida por estatísticas oficiais, sem investir em dados paralelos que permitiriam mensurar o fenômeno num campo mais amplo do que aquele determinado pela ação de delinquentes ou pelos confrontos entre os criminosos e agentes públicos. Ficam parcialmente fora das análises os atos violentos praticados por cidadãos sem histórico de delitos, o que seria importante para o estudo da violência na rotina da sociedade.
Visto das estatísticas que apenas levam em conta boletins de ocorrência de assaltos, furtos, homicídios e latrocínios, o quadro se limita a contabilizar a atividade do crime contumaz ou organizado, que tem sempre um importante fator de sazonalidade. Por exemplo, em determinadas épocas aumenta o roubo de carga, em outros períodos cresce o furto de telefones celulares, e o assalto a bancos pode aumentar quando se intensifica a repressão ao tráfico de drogas.
Sem essa abordagem complexa, o noticiário apenas reproduz os gráficos da polícia que, como admitem as próprias autoridades, são distorcidos por fatores banais, como a isenção de taxa para a emissão de documentos em caso de roubo ou furto: supõe-se que muita gente registra boletins falsos para não ter que pagar pela emissão de uma nova carteira de identidade.
Perfil reacionário
No caso da pesquisa Datafolha, segundo a qual a imagem dos paulistas piorou, nos últimos onze anos, do ponto de vista dos outros brasileiros, a análise se concentra no fato de que o estado de São Paulo tem perdido importância relativa com o processo de redução das desigualdades regionais. A capital paulista cresce num ritmo menor do que o Nordeste, por exemplo, e isso a torna menos atraente, enquanto a melhoria das condições de vida em outras regiões reduz a necessidade de migrar em busca de bem-estar.
A Folha de S. Paulo se refere ao perfil político que foi diferenciando os paulistas dos outros brasileiros nos últimos anos, mas não faz uma relação entre a questão das escolhas eleitorais e a realidade criada pelas políticas nacionais de redução da pobreza. “Pelo menos desde 2006, o comportamento eleitoral dos paulistas – e mais fortemente, dos paulistanos – destoa do comportamento dos eleitores do Nordeste. Enquanto São Paulo consolidou-se como maior reduto do PSDB, os Estados nordestinos firmaram-se como celeiro de votos do PT”, diz o jornal.
O que não está dito é que uma parcela importante do eleitorado paulista, e, como reflexo disso, da própria sociedade paulista, vem se tornando mais conservadora, e essa característica define um comportamento que é visto, de outras regiões, como sinal de egoísmo e arrogância.
À medida que se comprovam os resultados econômicos de políticas sociais que reduzem as diferenças regionais pela diminuição da pobreza, quebra-se a histórica hegemonia de São Paulo sobre o resto do país e surgem os dois sentimentos presentes na percepção dos brasileiros: os paulistas se tornam ressentidos e reagem com manifestações de desprezo e preconceito.
O estudo do Datafolha mostra com clareza que os demais brasileiros notam o recrudescimento de um sentimento de superioridade dos paulistas, que foi bastante manifestado após a eleição presidencial. Mas a pesquisa passa ao largo de um ponto importante: ao omitir, durante anos, os benefícios da política econômica de interesse social, e ao se comportar como um partido político conservador, a mídia tradicional tem contribuído para forjar esse perfil justamente na região onde tem mais influência.
Não estranha que milhões de reacionários com elevado grau de educação formal e alta renda se mostrem tão orgulhosos de compor a vanguarda do atraso.
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