Pode ser que com a anunciada demissão de Graça Foster e a substituição de toda ou quase toda a diretoria da Petrobrás, a empresa e seus atos de gestão deixem de ser objeto do superficial, mas corrosivo debate a que foram submetidos nos últimos meses.
Neste cenário, a saída de Foster seria sucedida pela nomeação de alguém bem visto pelo “mercado”, a estatal tornaria a contar com “confiança” de investidores e acionistas, e os olhos da opinião pública se voltariam para o rito mais formal e procedimentalizado da apuração das responsabilidades, no âmbito da operação Lava Jato.
O direito, leia-se, teria melhores condições de desempenhar tarefa que lhe é cara nas sociedades modernas: produzir juízos sobre condutas de maneira relativamente isolada dos interesses políticos e econômicos, de modo que a atribuição de sanções, enquanto exercício da coerção estatal que se pretende legítimo, possa operar segundo códigos próprios – nos quais se destacam, por exemplo, direitos e garantias processuais.
Ao produzir e divulgar “parecer” no qual defende a viabilidade de abertura de processo de impeachment contra a presidenta Dilma, porém, Ives Gandra parece apostar no contrário.
A tese de Gandra é de que, ao longo dos últimos oito anos, Dilma teria sido “omissa” na gestão da companhia.
A prova da “omissão”, segundo o parecer, é que Dilma, então Presidente do Conselho de Administração da Petrobras, assinou a compra da refinaria de Pasadena, argumentando, mais tarde, que não foi alertada sobre a inclusão de cláusulas agora tidas como geradoras de prejuízo.
Este tipo de “omissão”, prossegue Gandra, constitui violação do art. 11 da lei 8.429/1992 e, portanto, caracteriza “improbidade administrativa”. E tal “improbidade” tem caráter “continuado”, na medida em que Dilma manteve a diretoria da empresa ao longo dos últimos oito anos – período no qual, hoje se sabe, houve a prática de diversos ilícitos na empresa.
Satisfeito, portanto, conclui o parecerista, o requisito de admissibilidade para o processo de impeachment – cujo início e desfecho, porém, ele ressalta, dependem do Congresso Nacional.
É preciso apenas alguma memória – e não o profundo conhecimento da obra de Ives Gandra – para que o leitor receba estas afirmações com estranhamento e crítica.
Afinal, não faz muito tempo, o jurista mereceu destaque nas páginas da Folha de São Paulo, ao demonstrar sua contrariedade em relação aos aspectos jurídicos da ação penal 470, o chamado processo do “mensalão”.
Tratando do tema no âmbito de entrevista, Gandra foi especialmente virulento em relação à teoria do “domínio do fato”, a qual dizia “não aceitar”, pois:
– Com ela, eu passo a trabalhar com indícios e presunções. Eu não busco a verdade material. Você tem pessoas que trabalham com você. Uma delas comete um crime e o atribui a você. E você não sabe de nada. Não há nenhuma prova senão o depoimento dela – e basta um só depoimento. Como você é a chefe dela, pela teoria do domínio do fato, está condenada, você deveria saber. Todos os executivos brasileiros correm agora esse risco. É uma insegurança jurídica monumental. Como um velho advogado, com 56 anos de advocacia, isso me preocupa. A teoria que sempre prevaleceu no Supremo foi a do “in dubio pro reo”.
Curioso, portanto, que agora Gandra flerte com uma visão formalista de “culpa”, muito parecida com a maneira pela qual a teoria do “domínio do fato”, tal como aplicada pelo STF naquele caso, constrói o vínculo entre o agente e o resultado típico.
Afinal, repita-se, para Gandra Dilma é “culpada” de “improbidade administrativa” porque – como presidente do Conselho de Administração da Petrobrás e, depois, da República –, deveria saber de tudo o que se passava na empresa. Em suma, “como você é a chefe dela, pela teoria do domínio do fato, está condenada, você deveria saber”.
E, segue Gandra, na medida em que foram descobertos ilícitos na empresa, Dilma deveria ter demitido toda a diretoria, pois lhe cabia proceder à “responsabilização de quem conviveu com os autores dos desvios, durante a gestão comum, no último mandato do presidente Lula e no seu 1º mandato” (trecho do parecer, sem destaques no original). Em outras palavras, “todos os executivos (da empresa) correm agora (...) risco. É uma insegurança jurídica monumental”.
O estranhamento e a crítica do leitor, no entanto, não o levarão a encontrar no parecer qualquer solução para a aparente inconsistência nos posicionamentos do signatário.
É que os fundamentos jurídicos do estudo (sic) se limitam à repetição da literalidade de textos legais, que não se conectam sistemicamente a não ser pelo voluntarismo analítico de Gandra.
Neste balaio, por exemplo, entram normativos que disciplinam matérias absolutamente díspares, como o dever do Estado de ressarcir danos causados a particular e a Lei das S/A.
Formulações doutrinárias (e, acima de tudo, contemporâneas) sobre culpa, o tema central do parecer, cujo exame anima carreiras acadêmicas inteiras na Europa e nos Estados Unidos, cedem lugar a arroubos argumentativos, como o fato de que a compra de Pasadena “não se tratava, repito, de um negócio sem expressão, mas de um negócio relevante, de quase dois bilhões de dólares!!!”
Tampouco se ocupou Gandra de registrar e rebater a jurisprudência consolidada do STJ sobre improbidade, que:
... Considera indispensável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos artigos 9o. e 11 da Lei 8.429/92, ou pelo menos eivada de culpa grave, nas do artigo 10 (AIA 30/AM, 2010/0157996-6).
Em termos estritamente jurídicos, portanto, o parecer em questão não deveria merecer maiores considerações – da mídia, da comunidade jurídica e, ao que tudo indica, do próprio Gandra, este “velho advogado, com 56 anos de advocacia”.
Mas é possível que o Gandra que assina o parecer não se importe muito com tais fragilidades. Afinal, como se sabe, ele está longe de ser um neófito. Ao mesmo tempo em que reconhece haver limites estruturais entre o direito e a política, ele sabe que é possível – embora de todo indesejado – contorcer o primeiro para instrumentalizar a segunda.
No que parece ser apenas um exercício intelectual desinteressado, Gandra se esforça para indicar suposta “culpa” de Dilma em relação aos fatos graves e trágicos trazidos à tona pela Operação Lava Jato. Nós não precisamos de nenhum esforço para perceber que, afinal, ele age informado pelo bom e velho dolo.
Neste cenário, a saída de Foster seria sucedida pela nomeação de alguém bem visto pelo “mercado”, a estatal tornaria a contar com “confiança” de investidores e acionistas, e os olhos da opinião pública se voltariam para o rito mais formal e procedimentalizado da apuração das responsabilidades, no âmbito da operação Lava Jato.
O direito, leia-se, teria melhores condições de desempenhar tarefa que lhe é cara nas sociedades modernas: produzir juízos sobre condutas de maneira relativamente isolada dos interesses políticos e econômicos, de modo que a atribuição de sanções, enquanto exercício da coerção estatal que se pretende legítimo, possa operar segundo códigos próprios – nos quais se destacam, por exemplo, direitos e garantias processuais.
Ao produzir e divulgar “parecer” no qual defende a viabilidade de abertura de processo de impeachment contra a presidenta Dilma, porém, Ives Gandra parece apostar no contrário.
A tese de Gandra é de que, ao longo dos últimos oito anos, Dilma teria sido “omissa” na gestão da companhia.
A prova da “omissão”, segundo o parecer, é que Dilma, então Presidente do Conselho de Administração da Petrobras, assinou a compra da refinaria de Pasadena, argumentando, mais tarde, que não foi alertada sobre a inclusão de cláusulas agora tidas como geradoras de prejuízo.
Este tipo de “omissão”, prossegue Gandra, constitui violação do art. 11 da lei 8.429/1992 e, portanto, caracteriza “improbidade administrativa”. E tal “improbidade” tem caráter “continuado”, na medida em que Dilma manteve a diretoria da empresa ao longo dos últimos oito anos – período no qual, hoje se sabe, houve a prática de diversos ilícitos na empresa.
Satisfeito, portanto, conclui o parecerista, o requisito de admissibilidade para o processo de impeachment – cujo início e desfecho, porém, ele ressalta, dependem do Congresso Nacional.
É preciso apenas alguma memória – e não o profundo conhecimento da obra de Ives Gandra – para que o leitor receba estas afirmações com estranhamento e crítica.
Afinal, não faz muito tempo, o jurista mereceu destaque nas páginas da Folha de São Paulo, ao demonstrar sua contrariedade em relação aos aspectos jurídicos da ação penal 470, o chamado processo do “mensalão”.
Tratando do tema no âmbito de entrevista, Gandra foi especialmente virulento em relação à teoria do “domínio do fato”, a qual dizia “não aceitar”, pois:
– Com ela, eu passo a trabalhar com indícios e presunções. Eu não busco a verdade material. Você tem pessoas que trabalham com você. Uma delas comete um crime e o atribui a você. E você não sabe de nada. Não há nenhuma prova senão o depoimento dela – e basta um só depoimento. Como você é a chefe dela, pela teoria do domínio do fato, está condenada, você deveria saber. Todos os executivos brasileiros correm agora esse risco. É uma insegurança jurídica monumental. Como um velho advogado, com 56 anos de advocacia, isso me preocupa. A teoria que sempre prevaleceu no Supremo foi a do “in dubio pro reo”.
Curioso, portanto, que agora Gandra flerte com uma visão formalista de “culpa”, muito parecida com a maneira pela qual a teoria do “domínio do fato”, tal como aplicada pelo STF naquele caso, constrói o vínculo entre o agente e o resultado típico.
Afinal, repita-se, para Gandra Dilma é “culpada” de “improbidade administrativa” porque – como presidente do Conselho de Administração da Petrobrás e, depois, da República –, deveria saber de tudo o que se passava na empresa. Em suma, “como você é a chefe dela, pela teoria do domínio do fato, está condenada, você deveria saber”.
E, segue Gandra, na medida em que foram descobertos ilícitos na empresa, Dilma deveria ter demitido toda a diretoria, pois lhe cabia proceder à “responsabilização de quem conviveu com os autores dos desvios, durante a gestão comum, no último mandato do presidente Lula e no seu 1º mandato” (trecho do parecer, sem destaques no original). Em outras palavras, “todos os executivos (da empresa) correm agora (...) risco. É uma insegurança jurídica monumental”.
O estranhamento e a crítica do leitor, no entanto, não o levarão a encontrar no parecer qualquer solução para a aparente inconsistência nos posicionamentos do signatário.
É que os fundamentos jurídicos do estudo (sic) se limitam à repetição da literalidade de textos legais, que não se conectam sistemicamente a não ser pelo voluntarismo analítico de Gandra.
Neste balaio, por exemplo, entram normativos que disciplinam matérias absolutamente díspares, como o dever do Estado de ressarcir danos causados a particular e a Lei das S/A.
Formulações doutrinárias (e, acima de tudo, contemporâneas) sobre culpa, o tema central do parecer, cujo exame anima carreiras acadêmicas inteiras na Europa e nos Estados Unidos, cedem lugar a arroubos argumentativos, como o fato de que a compra de Pasadena “não se tratava, repito, de um negócio sem expressão, mas de um negócio relevante, de quase dois bilhões de dólares!!!”
Tampouco se ocupou Gandra de registrar e rebater a jurisprudência consolidada do STJ sobre improbidade, que:
... Considera indispensável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos artigos 9o. e 11 da Lei 8.429/92, ou pelo menos eivada de culpa grave, nas do artigo 10 (AIA 30/AM, 2010/0157996-6).
Em termos estritamente jurídicos, portanto, o parecer em questão não deveria merecer maiores considerações – da mídia, da comunidade jurídica e, ao que tudo indica, do próprio Gandra, este “velho advogado, com 56 anos de advocacia”.
Mas é possível que o Gandra que assina o parecer não se importe muito com tais fragilidades. Afinal, como se sabe, ele está longe de ser um neófito. Ao mesmo tempo em que reconhece haver limites estruturais entre o direito e a política, ele sabe que é possível – embora de todo indesejado – contorcer o primeiro para instrumentalizar a segunda.
No que parece ser apenas um exercício intelectual desinteressado, Gandra se esforça para indicar suposta “culpa” de Dilma em relação aos fatos graves e trágicos trazidos à tona pela Operação Lava Jato. Nós não precisamos de nenhum esforço para perceber que, afinal, ele age informado pelo bom e velho dolo.
1 comentários:
Quando emitiu sua avaliação sobre o domínio do fato o Sr. Ives Gandra não demonstrou preocupação nenhuma com a Verdade Real, o Direito ou a Justiça.
Sua preocupação manifesta apenas a possibilidade de um dos seus grandes clientes empresários brasileiros ser condenado por alguma falcatrua feita por um dos seus funcionários.
Agora, superado o susto, e entendido que a aplicação da Teoria do Domínio do Fato não fará parte da Jurisprudência nacional, e que foi utilizada exclusivamente para criminalizar o PT, ele pode tranquilamente defender a Teoria do Domínio do Fato, pois seus clientes estão imunes à aplicação da distorcida Teoria.
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