Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Impossível prever qual será o efeito prático do pedido de afastamento de Augusto Nardes da função de relator do julgamento das contas de 2014 do governo Dilma Rousseff.
É possível que não aconteça nada.
Mas é possível que o pedido contribua para diminuir o grau de hipocrisia de um debate dominado pelo interesse político de enfraquecer Dilma e alimentar artificialmente a abertura de um processo de impeachment sem a menor base jurídica.
Há muito tempo Augusto Nardes – um ex-deputado que iniciou carreira na Arena da ditadura, nunca fez autocrítica nem se afastou dessa área política – exibe o comportamento arrogante de quem não se sente obrigado a manter sua opinião sob reserva, como determina a Lei Orgânica da Magistratura, que deve ser cumprida mesmo num tribunal que cumpre função de assessoria do Congresso, como é o TCU.
Se havia alguma dúvida, Nardes se encarregou de dizer o que pensa com toda clareza possível numa entrevista à rádio Estadão, quinta-feira passada: “As contas presidenciais sempre foram aprovadas com ressalvas pelo TCU nos últimos 80 anos e ninguém tinha coragem de mudar esse quadro. Nós aqui não somos a Grécia, que tem a Europa para salvá-la. Nós mesmos temos que resolver os problemas do Brasil.”
Nós sabemos que o argumento da “coragem de mudar” tanto pode servir para justificar transformações positivas na história de um país como para alimentar gestos de pura demagogia com palavras heroicas. A questão é saber o que está em debate.
Eu acho que a "coragem de mudar", hoje, implica no afastamento de Nardes. O relator extrapolou – mesmo pelos padrões de tolerância aceitáveis num tribunal onde antigos políticos são escalados para julgar o que fazem os atuais políticos – sem romper ligações e amizades correspondentes.
As objeções contra as contas de Dilma em nada se diferem de críticas e ressalvas que foram apontadas na contabilidade de outros governos e consideradas regulares pelo próprio TCU, o que já permite lembrar do princípio constitucional segundo o qual “não há crime sem lei anterior que o defina.”
As chamadas pedaladas são um fenômeno banal desde 1994, num tipo de contrato de operação entre a União e a Caixa Econômica que já foi auditada e aprovada pelo plenário do tribunal em 2009 e que nem de longe pode ser acusada de ajudar a maquiagem financeira.
Ao contrário que se costuma insinuar, o governo e os bancos públicos mantêm, por contrato, uma conta-suprimento que, se positiva, rende juros para o governo; se negativa, remunera a Caixa.
Se houvesse interesse em levar em conta as informações oficiais disponíveis para uma discussão produtiva, em vez de tentar alimentar de qualquer maneira a pressão contra o governo, o debate teria sido encerrado em julho, quando Luís Inácio Adams, advogado geral da União, e o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, participaram de uma audiência na Comissão de Assuntos Econômicos.
Ali, foi demonstrado – com números jamais contestados nem desmentidos – que a Caixa pagou juros positivos à União ao longo dos últimos 21 anos. Também se recordou que o saldo foi de R$ 290 milhões em 1994 – o maior em termos valores reais, quando se leva em conta a inflação, ficou em R$ 296 milhões em 2005, o maior depois da posse de Lula – e fechou em R$ 141,6 milhões em 2014.
Como se isso não bastasse, em voto no acordão 992/2015, também lembrado aos presentes na audiência, o ministro relator José Mucio Monteiro disse com toda clareza que:
“É preciso ressalvar que não seria razoável classificar como operações de credito meros atrasos de curtíssimo prazo no repasse de recursos ao Tesouro, previstas e com condições estipuladas contratualmente (o grifo é meu) como no caso dos programas sociais pagos por intermédio da Caixa Econômica.”
A questão, mais uma vez, é política. O debate não envolve questões de contabilidade mas quem tem direito de uso sobre recursos disponíveis pelo Tesouro. Vamos reconhecer o essencial: nunca se achou necessário questionar a conta-suprimento quando ela servia aos interesses de sempre que se movem pelo Estado brasileiro.
Decidiu-se transformá-la num problema quando passou a ser utilizada para atender os programas sociais que melhoram a sorte dos mais pobres que, em outubro de 2014, garantiram uma quarta vitória consecutiva a Lula-Dilma em eleições presidenciais. As preocupações com anos recentes crescerem por uma razão previsível: os programas sociais também cresceram.
Alguma novidade?
Sim.
Qualquer que seja sua opinião sobre os programas sociais e mesmo sobre a consistência das explicações do governo, há uma questão anterior.
Um juiz não pode antecipar seu voto. É a lei e deve valer para todos.
Políticos profissionais que resolveram vestir a toga de magistrados na hora da aposentadoria também têm obrigação de submeter-se a ela.
Impossível prever qual será o efeito prático do pedido de afastamento de Augusto Nardes da função de relator do julgamento das contas de 2014 do governo Dilma Rousseff.
É possível que não aconteça nada.
Mas é possível que o pedido contribua para diminuir o grau de hipocrisia de um debate dominado pelo interesse político de enfraquecer Dilma e alimentar artificialmente a abertura de um processo de impeachment sem a menor base jurídica.
Há muito tempo Augusto Nardes – um ex-deputado que iniciou carreira na Arena da ditadura, nunca fez autocrítica nem se afastou dessa área política – exibe o comportamento arrogante de quem não se sente obrigado a manter sua opinião sob reserva, como determina a Lei Orgânica da Magistratura, que deve ser cumprida mesmo num tribunal que cumpre função de assessoria do Congresso, como é o TCU.
Se havia alguma dúvida, Nardes se encarregou de dizer o que pensa com toda clareza possível numa entrevista à rádio Estadão, quinta-feira passada: “As contas presidenciais sempre foram aprovadas com ressalvas pelo TCU nos últimos 80 anos e ninguém tinha coragem de mudar esse quadro. Nós aqui não somos a Grécia, que tem a Europa para salvá-la. Nós mesmos temos que resolver os problemas do Brasil.”
Nós sabemos que o argumento da “coragem de mudar” tanto pode servir para justificar transformações positivas na história de um país como para alimentar gestos de pura demagogia com palavras heroicas. A questão é saber o que está em debate.
Eu acho que a "coragem de mudar", hoje, implica no afastamento de Nardes. O relator extrapolou – mesmo pelos padrões de tolerância aceitáveis num tribunal onde antigos políticos são escalados para julgar o que fazem os atuais políticos – sem romper ligações e amizades correspondentes.
As objeções contra as contas de Dilma em nada se diferem de críticas e ressalvas que foram apontadas na contabilidade de outros governos e consideradas regulares pelo próprio TCU, o que já permite lembrar do princípio constitucional segundo o qual “não há crime sem lei anterior que o defina.”
As chamadas pedaladas são um fenômeno banal desde 1994, num tipo de contrato de operação entre a União e a Caixa Econômica que já foi auditada e aprovada pelo plenário do tribunal em 2009 e que nem de longe pode ser acusada de ajudar a maquiagem financeira.
Ao contrário que se costuma insinuar, o governo e os bancos públicos mantêm, por contrato, uma conta-suprimento que, se positiva, rende juros para o governo; se negativa, remunera a Caixa.
Se houvesse interesse em levar em conta as informações oficiais disponíveis para uma discussão produtiva, em vez de tentar alimentar de qualquer maneira a pressão contra o governo, o debate teria sido encerrado em julho, quando Luís Inácio Adams, advogado geral da União, e o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, participaram de uma audiência na Comissão de Assuntos Econômicos.
Ali, foi demonstrado – com números jamais contestados nem desmentidos – que a Caixa pagou juros positivos à União ao longo dos últimos 21 anos. Também se recordou que o saldo foi de R$ 290 milhões em 1994 – o maior em termos valores reais, quando se leva em conta a inflação, ficou em R$ 296 milhões em 2005, o maior depois da posse de Lula – e fechou em R$ 141,6 milhões em 2014.
Como se isso não bastasse, em voto no acordão 992/2015, também lembrado aos presentes na audiência, o ministro relator José Mucio Monteiro disse com toda clareza que:
“É preciso ressalvar que não seria razoável classificar como operações de credito meros atrasos de curtíssimo prazo no repasse de recursos ao Tesouro, previstas e com condições estipuladas contratualmente (o grifo é meu) como no caso dos programas sociais pagos por intermédio da Caixa Econômica.”
A questão, mais uma vez, é política. O debate não envolve questões de contabilidade mas quem tem direito de uso sobre recursos disponíveis pelo Tesouro. Vamos reconhecer o essencial: nunca se achou necessário questionar a conta-suprimento quando ela servia aos interesses de sempre que se movem pelo Estado brasileiro.
Decidiu-se transformá-la num problema quando passou a ser utilizada para atender os programas sociais que melhoram a sorte dos mais pobres que, em outubro de 2014, garantiram uma quarta vitória consecutiva a Lula-Dilma em eleições presidenciais. As preocupações com anos recentes crescerem por uma razão previsível: os programas sociais também cresceram.
Alguma novidade?
Sim.
Qualquer que seja sua opinião sobre os programas sociais e mesmo sobre a consistência das explicações do governo, há uma questão anterior.
Um juiz não pode antecipar seu voto. É a lei e deve valer para todos.
Políticos profissionais que resolveram vestir a toga de magistrados na hora da aposentadoria também têm obrigação de submeter-se a ela.
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