Por José Coutinho Junior, no jornal Brasil de Fato:
“Não é um acidente”! É assim que o militante do Movimento dos Atingidos pela Mineração (MAM), Marcio Zonta, classifica o rompimento de duas barragens na cidade mineira de Mariana, na noite desta quinta-feira (5). Zonta critica o fato de que nenhum órgão público faz de fato uma vistoria nas barragens e que, pelo ritmo da extração mineral, isso acaba ficando por conta das próprias empresas.
“Não há uma auditoria externa que possa dizer, 'é necessário isso e aquilo e o gasto será de tanto'. A empresa faz conforme a lucratividade dela não seja abalada. Há um descontrole total da mineração no Brasil e todas as políticas de ritmos de extração, armazenamento de rejeitos e escoamento dos minérios são especialmente monitorados e feitos pela própria empresa”, critica.
Leia a entrevista na íntegra:
Como o MAM avalia esse incidente que ocorreu na barragem de Bento Rodriguez?
A gente tem avaliado que, primeiro, não é uma catástrofe e, segundo, que não é um acidente. É um acontecimento de total responsabilidade das empresas. A mineração é uma coisa que se expande sobre a natureza e as comunidades, só que não há um planejamento da empresa para que você tenha a possibilidade para prever este tipo de acidente.
Por exemplo, a empresa faz este tipo de barragem mas não há uma fiscalização constante pelo próprio descumprimento com a legislação local, com as comunidades e com as questões ambientais. E ai você tem um acontecimento dessa proporção, que se você tivesse um mínimo de planejamento não poderia acontecer em uma região que é mineradora há mais de 300 anos, como é Minas Gerais. A Vale está lá há quase 70 anos. Há experiência o suficiente para conter este tipo de acontecimento, então a opinião do MAM é que as empresas podem coibir este tipo de acontecimento e, ao não fazer isso, ela é a principal responsável pelos mortos e desaparecidos.
A Samarco disse que licenças ambientais da barragem estavam em dia com os órgãos competentes e que ela faz o monitoramento constante…
Este é o problema, a empresa faz a própria vistoria. Não há uma auditoria externa que possa dizer “é necessário isso e aquilo e o gasto será de tanto”. A empresa faz conforme a lucratividade dela não seja abalada. Então ela faz o próprio planejamento a partir do que pretende gastar. 50% (das ações) da Samarco é da Vale. A Vale mais uma vez é a grande responsável por este acontecimento. Isso é uma coisa que acontece no Brasil. Quem faz a licença ambiental dessas mineradoras? Elas contratam as empresas que fazem, ou seja, elas mesmas fazem para apresentar os laudos para a Secretaria de Meio Ambiente, Ibama, Instituto Chico Mendes, mas é um laudo próprio. A Vale para instalar qualquer projeto contrata as empresas que formularão os laudos, não há um contraponto.
A barragem estava em obra para aumento de capacidade. Alguns jornais disseram que a barragem já tem mais de 20 anos. Essa obra resolveria o problema?
Quando a gente vai discutir o ritmo de extração mineral, não estamos falando só quanto de minério você irá retirar do solo, mas o quanto cada região aguenta as especificidades da mineração, extração, a barreira de rejeitos e escoamento é feito em uma plataforma só. Quando há irresponsabilidade ou um planejamento péssimo você tem esse tipo de acontecimento. Nós estamos falando de uma barreira de vinte anos e uma empresa como a Vale não tem um técnico que avalie os riscos? Uma empresa com o “know how” que ela tem no ramo da mineração não consegue prever que a barragem poderia romper? Então ela sabe que há esses riscos, o problema é que ela não tem compromisso nenhum com as questões ambientais e com as comunidades. Como a lógica é de exaurir a todo vapor, nós teremos vários outros casos assim, a quantidade de rejeitos que vai se formando no dia a dia é muito maior que há 20 anos. Se essa explodiu com 20, outras com menos tempo, quatro ou cinco anos, também correm o mesmo risco porque o ritmo da mineração é outro.
O corpo de bombeiros chegou a dizer que nenhuma barreira de rejeitos é segura no Brasil…
Veja bem, o corpo de bombeiros ele chega na hora do acontecimento, o prejuízo já foi. E o antes? E o planejamento anterior à exploração? Ele não existe! A empresa é unilateral nas decisões, pouco o governo inibe. Uma notificação do Ibama ou outra coisinha, mas fica totalmente a cargo da empresa o que ela faz ou não. Você tem o Ministério Público que pode incidir, fazer uma denúncia, mas é mínimo. Há um descontrole total da mineração no Brasil e todas as políticas de ritmos de extração, armazenamento de rejeitos e escoamento dos minérios são especialmente monitorados e feitos pela própria empresa. Como a empresa esta com a cabeça no lucro, ela fará de tudo que barateie os custos.
E como deveria ser esse planejamento de mineração que respeitasse as comunidades o meio ambiente?
O novo Código de Mineração, que está sendo debatido pouco, toca nessas questões. O que teríamos que ter hoje, minimamente: elaboração de um projeto de mineração, quem senta para discutir o projeto de mineração, a comunidade local, a mineradora, o governo federal, estadual e municipal e determina conjuntamente como deve ser este plano de mineração para cada região, levando em consideração as especificidades de cada lugar.
Então, se você tivesse estes vários atores sociais que são impactados pela mineração decidindo o projeto. Acontece que é pura balela a consulta pública feita pelas empresas. Eles reúnem a comunidade, apresentam e ficam duas ou três horas dos engenheiros falando e abrem para duas perguntas. Ou seja, já estava definido. Como a legislação pede que você tenha audiência pública, eles fazem isso.
E o Brasil é signatário da convenção da OIT que cobra a consulta sobre os povos, principalmente indígenas, quilombolas e tradicionais, se você pode implantar determinado projeto ou não naquela região. E o país não segue isso. Tudo é aprovado em Brasília. A Vale quando quer aprovar algo faz direto de lá, isso é antidemocrático e antipovo.
Quem morreu em Bento Rodrigues não foi o dono da Vale, foi o trabalhador que é sempre explorado. Os atingidos foram as comunidades. Nossa opinião é, nós temos que descentralizar o poder das empresas nas decisões sobre os bens naturais, eles são finitos. Tem que acabar com essa falácia de que bens finitos são sustentáveis. Sustentável é renovável.
Os trabalhadores e alguns especialistas dizem que a lama que atingiu as casas pode estar contaminada. A Samarco disse que não, que é somente areia…
É impossível ser só areia, a mineração é um processo químico e os rejeitos são tóxicos. Não tem como dizer que é só areia, não existe isso. Há um processo minerador e usa diversas químicas e de várias outras contaminações que surgem pela mecanização. Se fosse só areia não morreria mata ao redor da barreira. Isso vira um colapso não só para as vítimas, mas também ambiental, contamina o solo, contamina as águas e rios e é uma situação que não se resolve fácil. Não sou especialista nisso, mas você vai levar muito tempo para estabilizar ambiental, social e culturalmente. Mariana é uma cidade pequena e o impacto é ainda maior.
“Não é um acidente”! É assim que o militante do Movimento dos Atingidos pela Mineração (MAM), Marcio Zonta, classifica o rompimento de duas barragens na cidade mineira de Mariana, na noite desta quinta-feira (5). Zonta critica o fato de que nenhum órgão público faz de fato uma vistoria nas barragens e que, pelo ritmo da extração mineral, isso acaba ficando por conta das próprias empresas.
“Não há uma auditoria externa que possa dizer, 'é necessário isso e aquilo e o gasto será de tanto'. A empresa faz conforme a lucratividade dela não seja abalada. Há um descontrole total da mineração no Brasil e todas as políticas de ritmos de extração, armazenamento de rejeitos e escoamento dos minérios são especialmente monitorados e feitos pela própria empresa”, critica.
Leia a entrevista na íntegra:
Como o MAM avalia esse incidente que ocorreu na barragem de Bento Rodriguez?
A gente tem avaliado que, primeiro, não é uma catástrofe e, segundo, que não é um acidente. É um acontecimento de total responsabilidade das empresas. A mineração é uma coisa que se expande sobre a natureza e as comunidades, só que não há um planejamento da empresa para que você tenha a possibilidade para prever este tipo de acidente.
Por exemplo, a empresa faz este tipo de barragem mas não há uma fiscalização constante pelo próprio descumprimento com a legislação local, com as comunidades e com as questões ambientais. E ai você tem um acontecimento dessa proporção, que se você tivesse um mínimo de planejamento não poderia acontecer em uma região que é mineradora há mais de 300 anos, como é Minas Gerais. A Vale está lá há quase 70 anos. Há experiência o suficiente para conter este tipo de acontecimento, então a opinião do MAM é que as empresas podem coibir este tipo de acontecimento e, ao não fazer isso, ela é a principal responsável pelos mortos e desaparecidos.
A Samarco disse que licenças ambientais da barragem estavam em dia com os órgãos competentes e que ela faz o monitoramento constante…
Este é o problema, a empresa faz a própria vistoria. Não há uma auditoria externa que possa dizer “é necessário isso e aquilo e o gasto será de tanto”. A empresa faz conforme a lucratividade dela não seja abalada. Então ela faz o próprio planejamento a partir do que pretende gastar. 50% (das ações) da Samarco é da Vale. A Vale mais uma vez é a grande responsável por este acontecimento. Isso é uma coisa que acontece no Brasil. Quem faz a licença ambiental dessas mineradoras? Elas contratam as empresas que fazem, ou seja, elas mesmas fazem para apresentar os laudos para a Secretaria de Meio Ambiente, Ibama, Instituto Chico Mendes, mas é um laudo próprio. A Vale para instalar qualquer projeto contrata as empresas que formularão os laudos, não há um contraponto.
A barragem estava em obra para aumento de capacidade. Alguns jornais disseram que a barragem já tem mais de 20 anos. Essa obra resolveria o problema?
Quando a gente vai discutir o ritmo de extração mineral, não estamos falando só quanto de minério você irá retirar do solo, mas o quanto cada região aguenta as especificidades da mineração, extração, a barreira de rejeitos e escoamento é feito em uma plataforma só. Quando há irresponsabilidade ou um planejamento péssimo você tem esse tipo de acontecimento. Nós estamos falando de uma barreira de vinte anos e uma empresa como a Vale não tem um técnico que avalie os riscos? Uma empresa com o “know how” que ela tem no ramo da mineração não consegue prever que a barragem poderia romper? Então ela sabe que há esses riscos, o problema é que ela não tem compromisso nenhum com as questões ambientais e com as comunidades. Como a lógica é de exaurir a todo vapor, nós teremos vários outros casos assim, a quantidade de rejeitos que vai se formando no dia a dia é muito maior que há 20 anos. Se essa explodiu com 20, outras com menos tempo, quatro ou cinco anos, também correm o mesmo risco porque o ritmo da mineração é outro.
O corpo de bombeiros chegou a dizer que nenhuma barreira de rejeitos é segura no Brasil…
Veja bem, o corpo de bombeiros ele chega na hora do acontecimento, o prejuízo já foi. E o antes? E o planejamento anterior à exploração? Ele não existe! A empresa é unilateral nas decisões, pouco o governo inibe. Uma notificação do Ibama ou outra coisinha, mas fica totalmente a cargo da empresa o que ela faz ou não. Você tem o Ministério Público que pode incidir, fazer uma denúncia, mas é mínimo. Há um descontrole total da mineração no Brasil e todas as políticas de ritmos de extração, armazenamento de rejeitos e escoamento dos minérios são especialmente monitorados e feitos pela própria empresa. Como a empresa esta com a cabeça no lucro, ela fará de tudo que barateie os custos.
E como deveria ser esse planejamento de mineração que respeitasse as comunidades o meio ambiente?
O novo Código de Mineração, que está sendo debatido pouco, toca nessas questões. O que teríamos que ter hoje, minimamente: elaboração de um projeto de mineração, quem senta para discutir o projeto de mineração, a comunidade local, a mineradora, o governo federal, estadual e municipal e determina conjuntamente como deve ser este plano de mineração para cada região, levando em consideração as especificidades de cada lugar.
Então, se você tivesse estes vários atores sociais que são impactados pela mineração decidindo o projeto. Acontece que é pura balela a consulta pública feita pelas empresas. Eles reúnem a comunidade, apresentam e ficam duas ou três horas dos engenheiros falando e abrem para duas perguntas. Ou seja, já estava definido. Como a legislação pede que você tenha audiência pública, eles fazem isso.
E o Brasil é signatário da convenção da OIT que cobra a consulta sobre os povos, principalmente indígenas, quilombolas e tradicionais, se você pode implantar determinado projeto ou não naquela região. E o país não segue isso. Tudo é aprovado em Brasília. A Vale quando quer aprovar algo faz direto de lá, isso é antidemocrático e antipovo.
Quem morreu em Bento Rodrigues não foi o dono da Vale, foi o trabalhador que é sempre explorado. Os atingidos foram as comunidades. Nossa opinião é, nós temos que descentralizar o poder das empresas nas decisões sobre os bens naturais, eles são finitos. Tem que acabar com essa falácia de que bens finitos são sustentáveis. Sustentável é renovável.
Os trabalhadores e alguns especialistas dizem que a lama que atingiu as casas pode estar contaminada. A Samarco disse que não, que é somente areia…
É impossível ser só areia, a mineração é um processo químico e os rejeitos são tóxicos. Não tem como dizer que é só areia, não existe isso. Há um processo minerador e usa diversas químicas e de várias outras contaminações que surgem pela mecanização. Se fosse só areia não morreria mata ao redor da barreira. Isso vira um colapso não só para as vítimas, mas também ambiental, contamina o solo, contamina as águas e rios e é uma situação que não se resolve fácil. Não sou especialista nisso, mas você vai levar muito tempo para estabilizar ambiental, social e culturalmente. Mariana é uma cidade pequena e o impacto é ainda maior.
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