segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Ser Cunha ou não ser: eis a questão

Ilustração: Marcio Baraldi

Por Tadeu Porto, no blog O Cafezinho:

Sei da heresia. Sei, também, das maldições que o próprio Shakespeare deve me lançar, sabe-se lá da onde, por eu ter ligado o nome do Eduardo Cunha a sua célebre frase… Mas convenhamos: pelo menos com a caveira de Yorick dá uma boa combinação.

Todavia, não vejo oração que se adapte melhor com o contexto atual. Uma indagação filosófica que entra como uma luva de lã numa mão a ser aquecida num inverno que está pra chegar. Afinal, é impossível dissociar o presidente da câmara do processo de golpeachment (créditos para o José Simão da Folha), portanto, a angustia de escolher o caminho do impedimento passa, inclusive, em levar de brinde uma imagem full HD do deputado carioca.

Ou melhor: a alternativa do golpe é irmã siamesa do presidente da câmara.

Esconder Cunha do impeachment, é o mesmo que tentar camuflar um elefante adulto atrás do um eucalipto: é impossível se livrar desse traste. Arrisco dizer que se o George R.R. Martin inventasse um personagem no seu clássico Game of Thrones com nome Eduardo, da casa Cunha - a ratazana branca do Rio de Janeiro - ele terminaria 100 livros sem conseguir matar o mesmo (É engraçado, pois Aécio Neves da Cunha faria parte dessa casa).

E esse, talvez, seja o grande problema da oposição: querer golpear a presidenta escondendo o Cunha do processo, pois ele é sabidamente uma figura nefasta e imoral do nosso espectro político (nojenta mesmo, pra resumir. Confesso que faço careta quando penso nas atitudes dele). Ninguém, em sã consciência, quer qualquer associação aparente com ele.

Mas, afinal, porque é impossível separar Cunha do impedimento?

Vejamos: Quem deu início ao processo, numa movimento mais descarado de chantagem e vingança que essa república talvez tenha visto? Cunha. Ou seja, já colocou suas digitais desde o início.

“Ahhhh sei lá... Temos que investigar mesmo assim. Ele começou, mas é previsto por lei: vamos analisar o crime de responsabilidade pelo impeachment sem ele”, diria alguém a favor do impedimento.

Garanto: ele estará lá mesmo assim.

Pois o segundo passo é montar uma comissão proporcional aos partidos da câmara. Oras, uma comissão parlamentar de inquérito também é montada de maneira semelhante! E adivinha quem colocou aliados em todas as CPI’s construídas esse ano? Cunha! (Se alguém duvida, dê uma olhadinha na relação dele, ou da filha, com Hugo Motta, presidente da CPI da Petrobrás, que deveria investigar os crimes dele mesmo).

[detalhe: tô me sentindo em um daqueles infográficos de impeachment da mídia tradicional dando esse passo a passo]

Então: passada a parte da comissão, se continuar avançando, vamos para os votos da casa. E adivinhem só quem foi acusado de achacar mais de 300 deputados da câmara? Quem manobrou duas votações que perdeu para votar de novo e ganhar? Quem “derrotou” o governo (comemorado pela mídia) em dezenas de seções? De novo, Cunha!

Até aí, se Dudu continuar com a força e a influência do primeiro semestre desse ano, a oposição já vai ter conseguido afastar Dilma por 180 dias. Temer assume e - tchãn, tchãn, tchãn, tchãããn - vai poder barganhar com Cunha o futuro deste no legislativo.

Resumindo: Cunha está inserido do início ao fim no golpechment! Para ele, vai ser como mais um atraso na comissão de ética, mais uma votação no apagar das luzes, mais um achaque para conseguir votos… Cunha vestirá a armadura de Cunha e terá voz e poder num processo que interessa a ele diretamente.

Portanto, querido amigo ou amiga, se você deseja mesmo tirar a Dilma do poder contente-se em abraçar e beijar Eduardo Cunha! Você estará lado a lado com ele, de mãos dadas, caminhando pelos jardins da imoralidade e da ilegalidade!

Quem escolher o caminho “ser impeachment”, “ser golpe”, enfim, “ser Cunha”, vai dar ao nosso futuro cenas mais trágicas que o final de Romeu e Julieta, sem qualquer glamour shakespeariano.

Tá certo, fatos como esses são frutos da árvore democrática, por mais irônico que seja: temos que lidar, inclusive, com a livre expressão do desejo golpista. Mas bem no fundo, no pré-sal das minhas esperanças sonhadoras, tenho convicção que o Brasil construído até aqui não vai permitir que tal coisa seja feita. Não deixaremos que uma figura como Cunha seja protagonista de uma página de qualquer livro decente de história que iremos produzir.

Por isso, vamos trabalhar com afinco, com ou sem dilema, para o golpeachment não passar.

No fim, acredito que até Shakespeare e Martin vão me perdoar por usar referências deles num texto que leva a palavra Cunha dezoito vezes! Foi por uma boa causa.

* Tadeu Porto é diretor do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense (Sindipetro-NF).

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