quarta-feira, 18 de maio de 2016

Temer compra brigas demais na chegada

Por Tereza Cruvinel, em seu blog:

Foi complicada e quase engraçada, se não fosse tudo triste, a conversa que tive ontem com um correspondente estrangeiro. Ele não consegue entender que Michel Temer, sendo presidente interino, palavra que ele toma em seu sentido literal como sinônima de provisório, esteja governando como alguém que acabou de ser eleito. Muito menos que possa anular as últimas medidas tomadas por Dilma, que não feriram a lei e foram tomadas quando ela ainda era presidente em pleno gozo de suas prerrogativas presidenciais. Ou seja, antes de seu afastamento do cargo pelo Senado, em 12 de maio. E menos ainda porque é que um governo estreante compra tantas brigas na primeira semana.

- Mas se ele pode tudo, por que não foi logo declarado como presidente efetivo, o que proporcionaria um mais forte sinal de estabilidade ao Brasil?

Explico que o Senado ainda tem que julgar a presidente Dilma, e que só se ela for condenada ele se tornará presidente de fato. Mas a lei, ele insiste, não fixa limites de poder para o presidente interino no período provisório? Não, digo eu, o Congresso nunca aprimorou esta lei aprovada há 66 anos, quando o Brasil era outro. Itamar Franco, na interinidade, em 1992, fez um governo “feijão-com-arroz”, como dizia ele mesmo, procurando manter a governabilidade e gerindo como podia a economia minada pela inflação. Depois que Collor foi condenado, aí sim, montou um ministério definitivo e começou a pensar num eficiente plano anti-inflacionário, que acabou sendo o Real. Temer tomou outro caminho.

O estrangeiro olha um decreto de Temer para justificar sua confusão. Ele se assina como “Michel Temer, vice-presidente da República no exercício da Presidência”. Se ele ainda é vice, devia estar apenas substituindo Dilma mas age como quem já a sucedeu no cargo, diz o colega, mudando estruturas e políticas de Estado. E até anulando medidas que geraram direitos, efeitos ou expectativas.

Isso é fato e nem tento explicar que as medidas já anuladas ou na fila de revogações são muito especiais, pelo significado político que carregam. A extinção do Minc é bem emblemática. Os artistas, os produtores culturais e os intelectuais perfilaram-se majoritariamente contra o impeachment.

Ontem o ministro das Cidades, Bruno Araújo (PSDB-PE), revogou portaria dos últimos dias de Dilma autorizando a Caixa Econômica Federal a contratar a construção de até 11.250 unidades habitacionais do programa Minha Casa, Minha Vida, para serem construídas por entidades ligadas aos movimentos sociais e destinadas a famílias que ganham até R$ 1.800. Esta linha do programa liberou muito pouco dinheiro ao longo do governo dela, embora as entidades tenham conseguido produzir as casas a custos menores que os praticados pelas empreiteiras que ganharam muito dinheiro com o Minha Casa, Minha Vida. Ela finalmente atendeu ao apelo de Guilherme Boulos e outros líderes do MTST e aumentou a verba com esta portaria que agora está sendo revogada. Foi assinada no dia 11.

Ou seja, é o Governo Temer comprando briga com um dos mais aguerridos movimentos sociais por conta de uma verba pequena, que não vai salvar as contas nacionais e beneficiaria mais de onze mil famílias pobres. Depois não reclama. Protestos já estão marcados para domingo, 22.

- É lamentável, mas era previsível. Dissemos desde o começo que o processo golpista visava atacar também direitos sociais. Hoje foi só o primeiro corte, e não tenha dúvidas de que vamos responder nas ruas de todo o país", afirmou Boulos.

Também ontem houve a exoneração ilegal do diretor-presidente da EBC, Ricardo Melo, tema da carta aberta que escrevi a Temer, na condição de fundadora da empresa. Foi publicada ontem aqui no 247.

As próximas medidas a serem anuladas vão atingir os sem-terra e os quilombolas. São as demarcações de terras que irritaram o B de Boi da Bancada BBB – Boi, Bala e Bíblia.

Há um sentido nada oculto nelas, o de retaliar os que se opuseram ou não apoiaram a derrubada de Dilma. Mas isso não esclarece a dúvida do estrangeiro: “Mas por que um governo que precisa se legitimar e se afirmar compra estas brigas logo na chegada?”.

Isso, eu nem tento explicar.

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