Por Renan Truffi, na revista CartaCapital:
Em 19 de fevereiro de 2008, o então deputado federal Michel Temer foi um dos 336 parlamentares que votaram a favor da Medida Provisória 398/2007. A proposta foi enviada ao Congresso pelo governo do então presidente Lula e criava a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), a chamada TV Pública.
Mais do que uma emissora, a EBC representou à época o cumprimento de um dispositivo da Constituição brasileira, a regulamentação da comunicação pública, que não pode ser confundida com uma emissora estatal.
Passados oito anos, o agora presidente Temer resolveu com uma canetada desmontar os principais mecanismos de independência da EBC que ele mesmo aprovou no passado. O governo editou uma Medida Provisória, a 744/2016, que acaba com o mandato fixo do diretor-presidente da empresa e extingue o conselho curador. Um dos alvos da medida é o jornalista Ricardo Melo, nomeado diretor-presidente da EBC para um mandato de quatro anos em maio último pela ainda presidenta Dilma Rousseff.
Com passagens por algumas das principais redações do País, Melo lutou até o último minuto a favor da manutenção dos princípios fundadores da EBC. Acabou derrotado na noite da quinta-feira 8, quando o ministro José Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, derrubou a liminar que o mantinha no cargo. Liminar, ressalte-se, concedida pelo próprio ministro em junho, após a primeira tentativa de Temer de remover Melo do cargo.
A pressão sobre o jornalista foi intensa desde então. Não satisfeito, Temer esperou apenas a conclusão do impeachment de Dilma Rousseff para voltar à carga. E usou um preposto, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para afastar Melo da EBC em 2 de setembro.
No mesmo dia, o governo editou uma Medida Provisória que extinguiu o mandato fixo para presidente da empresa e encerrou as atividades do conselho curador. “O objetivo sempre foi tirar o Melo, virou questão de honra. Causou perplexidade a publicação da MP antes da análise do STF. Um desrespeito total à ordem constitucional vigente”, explica Marco Aurélio de Carvalho, advogado do jornalista. A manobra não foi bem-sucedida.
Para não parecer uma afronta ao STF, Temer, que participava da reunião do G-20 na China, mandou reconduzir Melo ao comando da rede pública de comunicação algumas horas depois da segunda exoneração. Desautorizou o jovem Maia, presidente interino naquela data, que não escondeu sua irritação com a mudança de rota.
O novo governo usa o argumento do “desaparelhamento” da emissora pública, mas todos os atos rumam em direção contrária. O mandato fixo garantia independência ao presidente da emissora. O conselho curador, integrado por 15 representantes da sociedade civil, entre 22 nomeados, tinha a função de fiscalizar a gestão da empresa e o equilíbrio na cobertura jornalística e impedir a interferência do Planalto. “É o contrário. A medida aparelha completamente a EBC”, afirma Melo.
Para não deixar dúvidas sobre as intenções do novo governo, o substituto será Laerte Rimoli, obscuro jornalista de claras ligações com o PSDB, mais conhecido por assessorar políticos, entre eles o senador Aécio Neves, e atacar os adversários de seus patrões nas redes sociais.
Rimoli tornou-se diretor de Comunicação da Câmara dos Deputados durante a presidência de Eduardo Cunha. Sob sua gestão, a TV Câmara foi diversas vezes acusada de omitir trechos ou não divulgar críticas dirigidas a Cunha no plenário da Casa e nas comissões. Acumulam-se relatos de servidores a respeito da imposição de censura em programas jornalísticos da emissora.
Deputados de oposição a Cunha passaram a acusar o ex-presidente de usar a comunicação institucional da Casa em interesse próprio. A deputada Erika Kokay fez à época uma representação na qual reuniu diversos relatos de censura.
Em sua breve “primeira passagem” no comando da EBC, Rimoli deu sinais de que manterá o estilo. Em poucos dias, demitiu dezenas de gestores e encerrou contratos com comentaristas e jornalistas nacionalmente reconhecidos, entre eles, Tereza Cruvinel, Luis Nassif, Paulo Moreira Leite e Sidney Rezende. Ao comentar as medidas, ironizou: a EBC, sob seu comando, teria jornalistas e não “jabutis”.
“As demissões aconteceram sem nenhum motivo. Tratava-se de profissionais que sempre trabalharam em grandes empresas, foi uma brutalidade absurda”, argumenta Melo, que poderia ter anulado os atos, mas decidiu não interferir enquanto sua situação legal não estivesse definida.
Rimoli tentou apaziguar os ânimos em junho e disse pretender um “jornalismo arroz com feijão”. Alguns dias depois, sob seu comando, jornalistas da EBC relataram, em condição de anonimato, o caso de censura de uma reportagem publicada pela Agência Brasil. Uma das diretoras nomeadas por Temer teria retirado do ar um trecho com críticas à MP 744.
Há dúvidas sobre se Rimoli, que não atendeu aos pedidos de entrevista de CartaCapital, está autorizado a assumir o comando da EBC. A nova Lei das Estatais, sancionada por Temer em julho, define que integrantes de campanhas eleitorais não podem assumir cargos em conselhos ou diretorias de empresas públicas antes de uma quarentena de três anos.
Rimoli foi assessor de comunicação de Aécio Neves durante as eleições presidenciais de 2014. Os conselheiros da EBC, em conjunto com partidos como PT e PCdoB, pretendem ingressar na Justiça com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a exoneração de Melo e a Medida Provisória que extinguiu o Conselho Curador. A suposta inabilitação de Rimoli para o cargo tende a integrar a Adin.
Na terça-feira 6, soube-se que Rimoli, embora não ocupe o cargo, passou a receber desde junho o salário equivalente ao de diretor-presidente da EBC. À Folha de S.Paulo, o jornalista fez chacota da situação: “Só não receberia se fosse demitido. Fui afastado pela liminar. Eu era presidente, como serei daqui a pouco de novo. Eu sou a Dilma da EBC”. Parecia prever a decisão do ministro Dias Toffoli.
“A impressão que dá é de que esse governo tem pressa em fazer desmontes como se tivesse de prestar contas com quem os apoiou. A EBC não é prêmio de consolação e não pode entrar nesse tipo de negociata”, resume Rita Freire, presidente do agora extinto Conselho Curador.
Em 19 de fevereiro de 2008, o então deputado federal Michel Temer foi um dos 336 parlamentares que votaram a favor da Medida Provisória 398/2007. A proposta foi enviada ao Congresso pelo governo do então presidente Lula e criava a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), a chamada TV Pública.
Mais do que uma emissora, a EBC representou à época o cumprimento de um dispositivo da Constituição brasileira, a regulamentação da comunicação pública, que não pode ser confundida com uma emissora estatal.
Passados oito anos, o agora presidente Temer resolveu com uma canetada desmontar os principais mecanismos de independência da EBC que ele mesmo aprovou no passado. O governo editou uma Medida Provisória, a 744/2016, que acaba com o mandato fixo do diretor-presidente da empresa e extingue o conselho curador. Um dos alvos da medida é o jornalista Ricardo Melo, nomeado diretor-presidente da EBC para um mandato de quatro anos em maio último pela ainda presidenta Dilma Rousseff.
Com passagens por algumas das principais redações do País, Melo lutou até o último minuto a favor da manutenção dos princípios fundadores da EBC. Acabou derrotado na noite da quinta-feira 8, quando o ministro José Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, derrubou a liminar que o mantinha no cargo. Liminar, ressalte-se, concedida pelo próprio ministro em junho, após a primeira tentativa de Temer de remover Melo do cargo.
A pressão sobre o jornalista foi intensa desde então. Não satisfeito, Temer esperou apenas a conclusão do impeachment de Dilma Rousseff para voltar à carga. E usou um preposto, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para afastar Melo da EBC em 2 de setembro.
No mesmo dia, o governo editou uma Medida Provisória que extinguiu o mandato fixo para presidente da empresa e encerrou as atividades do conselho curador. “O objetivo sempre foi tirar o Melo, virou questão de honra. Causou perplexidade a publicação da MP antes da análise do STF. Um desrespeito total à ordem constitucional vigente”, explica Marco Aurélio de Carvalho, advogado do jornalista. A manobra não foi bem-sucedida.
Para não parecer uma afronta ao STF, Temer, que participava da reunião do G-20 na China, mandou reconduzir Melo ao comando da rede pública de comunicação algumas horas depois da segunda exoneração. Desautorizou o jovem Maia, presidente interino naquela data, que não escondeu sua irritação com a mudança de rota.
O novo governo usa o argumento do “desaparelhamento” da emissora pública, mas todos os atos rumam em direção contrária. O mandato fixo garantia independência ao presidente da emissora. O conselho curador, integrado por 15 representantes da sociedade civil, entre 22 nomeados, tinha a função de fiscalizar a gestão da empresa e o equilíbrio na cobertura jornalística e impedir a interferência do Planalto. “É o contrário. A medida aparelha completamente a EBC”, afirma Melo.
Para não deixar dúvidas sobre as intenções do novo governo, o substituto será Laerte Rimoli, obscuro jornalista de claras ligações com o PSDB, mais conhecido por assessorar políticos, entre eles o senador Aécio Neves, e atacar os adversários de seus patrões nas redes sociais.
Rimoli tornou-se diretor de Comunicação da Câmara dos Deputados durante a presidência de Eduardo Cunha. Sob sua gestão, a TV Câmara foi diversas vezes acusada de omitir trechos ou não divulgar críticas dirigidas a Cunha no plenário da Casa e nas comissões. Acumulam-se relatos de servidores a respeito da imposição de censura em programas jornalísticos da emissora.
Deputados de oposição a Cunha passaram a acusar o ex-presidente de usar a comunicação institucional da Casa em interesse próprio. A deputada Erika Kokay fez à época uma representação na qual reuniu diversos relatos de censura.
Em sua breve “primeira passagem” no comando da EBC, Rimoli deu sinais de que manterá o estilo. Em poucos dias, demitiu dezenas de gestores e encerrou contratos com comentaristas e jornalistas nacionalmente reconhecidos, entre eles, Tereza Cruvinel, Luis Nassif, Paulo Moreira Leite e Sidney Rezende. Ao comentar as medidas, ironizou: a EBC, sob seu comando, teria jornalistas e não “jabutis”.
“As demissões aconteceram sem nenhum motivo. Tratava-se de profissionais que sempre trabalharam em grandes empresas, foi uma brutalidade absurda”, argumenta Melo, que poderia ter anulado os atos, mas decidiu não interferir enquanto sua situação legal não estivesse definida.
Rimoli tentou apaziguar os ânimos em junho e disse pretender um “jornalismo arroz com feijão”. Alguns dias depois, sob seu comando, jornalistas da EBC relataram, em condição de anonimato, o caso de censura de uma reportagem publicada pela Agência Brasil. Uma das diretoras nomeadas por Temer teria retirado do ar um trecho com críticas à MP 744.
Há dúvidas sobre se Rimoli, que não atendeu aos pedidos de entrevista de CartaCapital, está autorizado a assumir o comando da EBC. A nova Lei das Estatais, sancionada por Temer em julho, define que integrantes de campanhas eleitorais não podem assumir cargos em conselhos ou diretorias de empresas públicas antes de uma quarentena de três anos.
Rimoli foi assessor de comunicação de Aécio Neves durante as eleições presidenciais de 2014. Os conselheiros da EBC, em conjunto com partidos como PT e PCdoB, pretendem ingressar na Justiça com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a exoneração de Melo e a Medida Provisória que extinguiu o Conselho Curador. A suposta inabilitação de Rimoli para o cargo tende a integrar a Adin.
Na terça-feira 6, soube-se que Rimoli, embora não ocupe o cargo, passou a receber desde junho o salário equivalente ao de diretor-presidente da EBC. À Folha de S.Paulo, o jornalista fez chacota da situação: “Só não receberia se fosse demitido. Fui afastado pela liminar. Eu era presidente, como serei daqui a pouco de novo. Eu sou a Dilma da EBC”. Parecia prever a decisão do ministro Dias Toffoli.
“A impressão que dá é de que esse governo tem pressa em fazer desmontes como se tivesse de prestar contas com quem os apoiou. A EBC não é prêmio de consolação e não pode entrar nesse tipo de negociata”, resume Rita Freire, presidente do agora extinto Conselho Curador.
1 comentários:
Qual a surpresa ? ... O domínio da comunicação é essencial ao domínio do Poder. Sem as organizações Globo não teria havido impeachment. Porque iriam tolerar um contraponto ( ínfimo, mas contraponto )à lavagem cerebral levada a cabo e tolerada ( no impeachment foi desejada e pedida ) pelos beneficiários dessa lavagem ? Barba cabelo e bigode ( serviço completo ): os principais jornalistas da EBC - Nacif, etc. - opositores ou críticos ao atual poder foram todos demitidos ontem ... É terra arrasada ...
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