Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Apenas num país onde a vida intelectual transformou-se num cotidiano miserável é possível imaginar que imagens sorridentes do jantar de Leandro Karnal e Sérgio Moro tenham se transformado num ato de surpresa e decepção política.
A miséria do pensamento é uma consequência inevitável do regime de pensamento único, ao qual a vida intelectual brasileira encontra-se submetido por razões que, acredito, nem é preciso explicar aqui.
A carreira meteórica de Karnal como novo intelectual midiático de plantão explica-se pelo contexto em que ele apareceu, foi lavrado e deu frutos.
A experiência cultural de toda sociedades de massas ensina que a criação de um ambiente rico e diversificado não é fruto de indivíduos – gênios reais, imitações ou falsificações – mas uma construção coletiva, que necessita de espaço e estimulo para nascer, florescer e frutificar. Já vivemos ambientes assim, em outras épocas, inclusive em determinados momentos do regime militar.
No Brasil de 2017, vivemos uma situação de miséria intelectual poucas vezes vista em nossa história – tragédia que ajuda a entender o golpe de 2016 e as tentativas de avanço sem limites sobre o patrimônio do país e conquistas sociais importantes.
Sem espaço para o debate real de ideias, sem confrontos abertos entre visões de mundo e de projetos culturais e/ou políticos, basta uma pequena nota fora do tom - um ruído levemente desafinado no coro dos contentes - para se produzir uma migalha que será disputada por homens e mulheres famintos, ávidos por ideias e explicações que façam algum sentido.
Há uma parcela imensa de brasileiros que se encontra órfã do monopólio ideológico da grande mídia e não tenho dúvida de que o relativo sucesso de Leandro Karnal explica-se por isso.
Escutavam e liam aquilo que queriam ler e ouvir mas que ele nunca disse nem afirmou. Certamente sugeriu, mas sempre manteve um discurso ambíguo e sinuoso, que nunca atravessou limites convencionais nem formulou rupturas com uma situação de controle ideológico no país de hoje.
Era aquele convidado que faz piadas irreverentes num jantar de grã-finos mas, no fim da noite, não deixa de agradar os donos da casa.
Num coral de comentaristas conservadores cuja calibre intelectual em geral nivela-se pela indigência, Karnal sempre me pareceu uma pessoa que dizia aquilo que se ouvia de outras bocas – em geral, embrulhado por uma retórica que tentava afirmar uma certa superioridade intelectual sem compromissos políticos claros. A primeira vez que isso ocorreu abertamente foi no jantar em Curitiba, com palavras simpáticas a Sérgio Moro.
A fotografia colocada no Facebook apresenta uma cena que se repete na maioria dos países submetidos a uma situação de exceção, seja o Brasil de hoje, sejam os Estados Unidos sob o macarthismo, para ficar em dois exemplos. Quando resolvem assumir em público uma postura que mantinham sob reserva privada, personalidades públicas são obrigadas a prestar contas pelo que diziam antes - e depois.
Até então, Karnal era um professor de história que fazia comentários políticos dando a impressão que discutia comportamentos culturais. Essa impressão acabou.
Sempre achei um defeito em seus comentários. O raciocínio podia ser bom – mas nunca chegava a uma conclusão, a uma opinião com começo, meio e fim.
A decepção produzida pelo episódio ensina duas coisas. A primeira, sobre o país e os humores dos brasileiros. A crise atingiu uma profundidade tamanha que ninguém consegue obter alguma audiência junto a parcela mais qualificada dos brasileiros sem ao menos dar a entender que possui uma visão crítica da Lava Jato e do impeachment.
A segunda lição envolve o público que ficou decepcionado com Karnal. A vaia que recebe hoje não tem a ver com patrulha. É tão legítima como o aplauso que lhe dirigiam até ontem. Resta a recomendação de sempre, que todo mundo ouvia de boas professoras ainda no curso fundamental: deveriam ter lido e ouvido seus comentários com mais atenção, espírito crítico e mesmo desconfiança pelo excesso de piruetas mentais que nem sempre mostravam aonde queria chegar.
De qualquer modo, alguns fatos já falavam por si. Num país onde nem Jô Soares pode manter seu programa de televisão, Leandro Karnal é personagem frequente da TV Cultura, colunista do Estado de S. Paulo e na TV Bandeirantes.´
Até por causa de nossa miséria, não custava lembrar uma velha lição das tristezas do mundo: quando a esmola é demais, até o santo desconfia.
Apenas num país onde a vida intelectual transformou-se num cotidiano miserável é possível imaginar que imagens sorridentes do jantar de Leandro Karnal e Sérgio Moro tenham se transformado num ato de surpresa e decepção política.
A miséria do pensamento é uma consequência inevitável do regime de pensamento único, ao qual a vida intelectual brasileira encontra-se submetido por razões que, acredito, nem é preciso explicar aqui.
A carreira meteórica de Karnal como novo intelectual midiático de plantão explica-se pelo contexto em que ele apareceu, foi lavrado e deu frutos.
A experiência cultural de toda sociedades de massas ensina que a criação de um ambiente rico e diversificado não é fruto de indivíduos – gênios reais, imitações ou falsificações – mas uma construção coletiva, que necessita de espaço e estimulo para nascer, florescer e frutificar. Já vivemos ambientes assim, em outras épocas, inclusive em determinados momentos do regime militar.
No Brasil de 2017, vivemos uma situação de miséria intelectual poucas vezes vista em nossa história – tragédia que ajuda a entender o golpe de 2016 e as tentativas de avanço sem limites sobre o patrimônio do país e conquistas sociais importantes.
Sem espaço para o debate real de ideias, sem confrontos abertos entre visões de mundo e de projetos culturais e/ou políticos, basta uma pequena nota fora do tom - um ruído levemente desafinado no coro dos contentes - para se produzir uma migalha que será disputada por homens e mulheres famintos, ávidos por ideias e explicações que façam algum sentido.
Há uma parcela imensa de brasileiros que se encontra órfã do monopólio ideológico da grande mídia e não tenho dúvida de que o relativo sucesso de Leandro Karnal explica-se por isso.
Escutavam e liam aquilo que queriam ler e ouvir mas que ele nunca disse nem afirmou. Certamente sugeriu, mas sempre manteve um discurso ambíguo e sinuoso, que nunca atravessou limites convencionais nem formulou rupturas com uma situação de controle ideológico no país de hoje.
Era aquele convidado que faz piadas irreverentes num jantar de grã-finos mas, no fim da noite, não deixa de agradar os donos da casa.
Num coral de comentaristas conservadores cuja calibre intelectual em geral nivela-se pela indigência, Karnal sempre me pareceu uma pessoa que dizia aquilo que se ouvia de outras bocas – em geral, embrulhado por uma retórica que tentava afirmar uma certa superioridade intelectual sem compromissos políticos claros. A primeira vez que isso ocorreu abertamente foi no jantar em Curitiba, com palavras simpáticas a Sérgio Moro.
A fotografia colocada no Facebook apresenta uma cena que se repete na maioria dos países submetidos a uma situação de exceção, seja o Brasil de hoje, sejam os Estados Unidos sob o macarthismo, para ficar em dois exemplos. Quando resolvem assumir em público uma postura que mantinham sob reserva privada, personalidades públicas são obrigadas a prestar contas pelo que diziam antes - e depois.
Até então, Karnal era um professor de história que fazia comentários políticos dando a impressão que discutia comportamentos culturais. Essa impressão acabou.
Sempre achei um defeito em seus comentários. O raciocínio podia ser bom – mas nunca chegava a uma conclusão, a uma opinião com começo, meio e fim.
A decepção produzida pelo episódio ensina duas coisas. A primeira, sobre o país e os humores dos brasileiros. A crise atingiu uma profundidade tamanha que ninguém consegue obter alguma audiência junto a parcela mais qualificada dos brasileiros sem ao menos dar a entender que possui uma visão crítica da Lava Jato e do impeachment.
A segunda lição envolve o público que ficou decepcionado com Karnal. A vaia que recebe hoje não tem a ver com patrulha. É tão legítima como o aplauso que lhe dirigiam até ontem. Resta a recomendação de sempre, que todo mundo ouvia de boas professoras ainda no curso fundamental: deveriam ter lido e ouvido seus comentários com mais atenção, espírito crítico e mesmo desconfiança pelo excesso de piruetas mentais que nem sempre mostravam aonde queria chegar.
De qualquer modo, alguns fatos já falavam por si. Num país onde nem Jô Soares pode manter seu programa de televisão, Leandro Karnal é personagem frequente da TV Cultura, colunista do Estado de S. Paulo e na TV Bandeirantes.´
Até por causa de nossa miséria, não custava lembrar uma velha lição das tristezas do mundo: quando a esmola é demais, até o santo desconfia.
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