Por Felipe Bianchi, no site do Centro de Estudos Barão de Itararé:
Apesar da agenda de retrocessos imposta pelos setores que assaltaram a democracia através do impeachment e que impõem duros obstáculos para a luta pela democratização da comunicação, há muito o que ser feito neste campo. A avaliação foi feita por Renata Mielli, coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), durante o 3º Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação (3ENDC), em Brasília, no último domingo (28/5).
Diante de um auditório repleto de comunicadores, estudantes, representantes de movimentos sociais e ativistas pela democratização da comunicação, Renata alertou para a urgência de toda a sociedade civil aderir à batalha em torno desta pauta estratégica. “O movimento social precisa vir para essa luta. Não pode ser uma luta apenas do FNDC e de entidades que atuam especificamente nesse campo. Enfrentar o monopólio privado das comunicações talvez seja a luta mais dura a ser enfrentada”, opina.
Durante os últimos 13 anos, a luta orbitou em torno da pressão aos governos Lula e Dilma para que levassem a cabo um amplo debate público em torno da regulação do setor. Após o golpe, a reivindicação, que teve muito pouca atenção por parte dos governos supracitados, longe de se encerrar com as portas fechadas do Planalto, dá espaço a outras pautas. “Desde o momento em que se apagaram as luzes da nossa democracia, em 2016, estão sendo construídos processos sem debate público para restringir, ainda mais, a pluralidade e a diversidade midiática no Brasil”, denunciou Renata. “Precisamos pensar quais são as ações de rua que podemos fazer. Nós queremos discutir a concessão pública da Globo e das outras grandes emissoras, garantir o direito de resposta, defender o projeto de comunicação pública”, exemplifica.
Um dos caminhos apontados pela coordenadora do FNDC é o de parcerias da sociedade civil com instituições como o Ministério Público Federal, como no caso do Fórum Interinstitucional pelo Direito à Comunicação (Findac). “Quais instrumentos temos para lutar contra isso? Não parece, pelo cenário adverso, mas temos alternativas. O Findac é um exemplo. Temos que ocupar as brechas dentro das instituições para lutar por pontos importantes da democratização da comunicação que não seja, necessariamente, a criação de um marco regulatório para o setor”.
O desafio do FNDC e das entidades que o compõem é, justamente, o de pensar como tornar público o debate sobre a necessidade de a sociedade civil participar das escolhas que estão sendo feitas na comunicação. “Mesmo nos marcos do golpe, temos muito o que fazer. Estamos mobilizados em torno da luta contra o golpe, mas essa luta não é só pelo ’Fora Temer’ ou por ‘Diretas Já’. O movimento social precisa vir junto conosco nessa empreitada”, defende a jornalista.
Liberdade de expressão sob ataque na América Latina
A conferência sobre Meios de comunicação, regulação e democracia, que encerrou o #3ENDC, contou com a contribuição da argentina Cynthia Ottaviano e da mexicana Aleida Callejo. Ambas foram incisivas na denúncia do recrudescimento da repressão e dos ataques ao direito à comunicação pelo governo Macri.
Coordenadora do Observatório Latino-americano de Regulação, Meios e Convergência (Observacom), Callejo opina que não é um bom momento para a liberdade de expressão na região. “As tradicionais ameaças à iiberdade de expressão, como a censura, a violência policial e os mecanismos de silenciamento dos meios de comunicação, ou até as mais dramáticas, como assassinatos de jornalistas ou manifestantes, são uma realidade”, argumenta.
Além disso, a jornalista mexicana recorda que a América Latina é a região do planeta com maior concentração de meios de comunicação. “A concentração midiática é uma das formas contemporâneas de atentado mais grave contra a democracia e a liberdade de expressão. Neste tempo, a aliança entre os poderes econômico e político e grandes meios de comunicação faz com que estes se confundam entre si, podendo converterem-se em algo perverso e selvagem, destruindo a opinião pública pelo pensamento único e se apropriando da esfera pública, anulando a liberdade de expressão de fato”, sublinha.
Os monopólios ou oligopólios, históricos no continente latino-americano, não afetam apenas o pluralismo e a diversidade, mas também adquirem um poder que pode ser superior até mesmo às instituições. Nesse arranjo, afirma Callejo, os donos da mídia determinam a agenda pública, privilegiando seus interesses e atropelando a democracia. No México, por exemplo, os grandes grupos de comunicação privados dispõem de bancadas de parlamentares dedicados quase que exclusivamente a defender os interesses das empresas, relata.
“Uma sociedade que não tem pluralismo e diversidade midiática não é uma sociedade livre, já que o direito à comunicação é imprescindível para abrir espaço ao cumprimento de muitos outros direitos”, acrescenta a mexicana. “Há uma ideia equivocada de que, quanto menos o Estado intervenha, maior o grau de liberdade de expressão. Nos fizeram crer que o Estado cumprir sua função significa censura, mas, na verdade, quando um governo diz que não vai colocar nenhuma regulação para que os meios não violem direitos, o Estado está faltando com sua obrigação de proteção à cidadania”.
Jornalista, professora e ex-defensora pública pela Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual (Afsca) da Argentina, Cynthia Ottaviano diz que a campanha #CalarJamais, levada a cabo pelo FNDC, se aplica, na verdade, ao conjunto de países da região. “Assistir ao ato da campanha Calar Jamais foi como andar nas calçadas do meu próprio país. Acontece o mesmo na Argentina de hoje. Uma intensificação da repressão a manifestações, listas negras com os nomes de quem luta por direitos humanos, contra comunicadores e comunicadoras”, reporta. “O que passa no Brasil também está passando na Argentina. #CalarJamais deve ser a palavra de ordem em toda a América Latina”.
Para ela, o campo de batalha comunicacional se divide entre quem quer privatizar o direito à comunicação e quem o interpreta como um direito humano, para todos e todas. “O cidadão é o sujeito central no campo de disputas, e não o empresário, o dono, os profissionais”, pontua. Os grandes conglomerados, de acordo com ela, atuam como verdadeiro partido político e reivindicam, de forma hipócrita, a bandeira da liberdade de expressão. “Como solicitar o direito de resposta ou que povos originários tenham veículos de comunicação ataca a liberdade de expressão?” questiona.
A Lei de Meios argentina, que tornou ilegal o monopólio do grupo Clarín e reconfigurou a divisão do espectro radioelétrico [espaço por onde transitam as ondas de rádio e televisão, de propriedade pública], representa um grande avanço, mas não resolve todos os problemas e já vem sendo desmontada pelo presidente Mauricio Macri. O discurso do atual governo voltou para a tese da auto-regulação. “Leis precisam de controle e participação cidadã e devem ser construídas popularmente e coletivamente. É necessário realizar audiências públicas, gerar espaços de debate e participação, para construir essa regulação. Auto-regulação é a melhor desregulação”, critica.
Professor e pesquisador da Universidade Federal do Sergipe (UFS), César Bolaño conta que, em sua última visita a Argentina, foi surpreendido pela cobertura da ampla greve geral que tomou conta das ruas do país. “Vi sindicalistas e docentes falando na televisão, algo impensável no Brasil. Nunca vi representantes da classe trabalhadora com direito ao microfone”, diz. “Fizemos a maior greve da história do país no dia 28 de abril de 2017, mas só os jornalistas deram suas interpretações, fizeram seus julgamentos e encerraram seus vereditos”.
Um dos autores do livro "Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia", que chega à sua segunda edição no marco do cinquentenário da empresa da família Marinho, Bolaño reforça a ideia de que liberdade de expressão só existe se for para todo mundo. “A direita não sequestra só essa bandeira, mas quando falamos em regulação, também tenta se apropriar da ideia de censura. E a brutal censura praticada pelos grandes meios diuturnamente? O poder midiático decide o que pode e não pode ser dito ou visto”, frisa.
Segundo o estudioso, comunicação não é o poder em si, mas uma parte dele. “A Globo não poderia ter feito o que foi feito sozinha. É preciso situar a mídia no interior de uma estrutura de poder complexa, que dialoga com uma estrutura global do sistema capitalista”, reflete. Nesse contexto, é necessário, na avaliação de Bolaño, tirar lições da falta de enfrentamento dessa agenda por parte dos governos de esquerda no Brasil. “No Brasil, muito pouco foi feito para democratizar a comunicação. Dos países vizinhos que tiveram governos progressistas, somos o que menos fez para enfrentar a agenda de criar uma lei de meios. Aqui houve mudança importante na estrutura do sistema de comunicação determinada pelo mercado, apenas”.
Durante três dias de Encontro, o #3ENDC promoveu diversas discussões sobre os desafios colocados para a sociedade nos campos da Internet, da democracia e das mídias alternativas. O evento reuniu 250 participantes credenciados, vindos de todas as regiões do país.
Diante de um auditório repleto de comunicadores, estudantes, representantes de movimentos sociais e ativistas pela democratização da comunicação, Renata alertou para a urgência de toda a sociedade civil aderir à batalha em torno desta pauta estratégica. “O movimento social precisa vir para essa luta. Não pode ser uma luta apenas do FNDC e de entidades que atuam especificamente nesse campo. Enfrentar o monopólio privado das comunicações talvez seja a luta mais dura a ser enfrentada”, opina.
Durante os últimos 13 anos, a luta orbitou em torno da pressão aos governos Lula e Dilma para que levassem a cabo um amplo debate público em torno da regulação do setor. Após o golpe, a reivindicação, que teve muito pouca atenção por parte dos governos supracitados, longe de se encerrar com as portas fechadas do Planalto, dá espaço a outras pautas. “Desde o momento em que se apagaram as luzes da nossa democracia, em 2016, estão sendo construídos processos sem debate público para restringir, ainda mais, a pluralidade e a diversidade midiática no Brasil”, denunciou Renata. “Precisamos pensar quais são as ações de rua que podemos fazer. Nós queremos discutir a concessão pública da Globo e das outras grandes emissoras, garantir o direito de resposta, defender o projeto de comunicação pública”, exemplifica.
Um dos caminhos apontados pela coordenadora do FNDC é o de parcerias da sociedade civil com instituições como o Ministério Público Federal, como no caso do Fórum Interinstitucional pelo Direito à Comunicação (Findac). “Quais instrumentos temos para lutar contra isso? Não parece, pelo cenário adverso, mas temos alternativas. O Findac é um exemplo. Temos que ocupar as brechas dentro das instituições para lutar por pontos importantes da democratização da comunicação que não seja, necessariamente, a criação de um marco regulatório para o setor”.
O desafio do FNDC e das entidades que o compõem é, justamente, o de pensar como tornar público o debate sobre a necessidade de a sociedade civil participar das escolhas que estão sendo feitas na comunicação. “Mesmo nos marcos do golpe, temos muito o que fazer. Estamos mobilizados em torno da luta contra o golpe, mas essa luta não é só pelo ’Fora Temer’ ou por ‘Diretas Já’. O movimento social precisa vir junto conosco nessa empreitada”, defende a jornalista.
Liberdade de expressão sob ataque na América Latina
A conferência sobre Meios de comunicação, regulação e democracia, que encerrou o #3ENDC, contou com a contribuição da argentina Cynthia Ottaviano e da mexicana Aleida Callejo. Ambas foram incisivas na denúncia do recrudescimento da repressão e dos ataques ao direito à comunicação pelo governo Macri.
Coordenadora do Observatório Latino-americano de Regulação, Meios e Convergência (Observacom), Callejo opina que não é um bom momento para a liberdade de expressão na região. “As tradicionais ameaças à iiberdade de expressão, como a censura, a violência policial e os mecanismos de silenciamento dos meios de comunicação, ou até as mais dramáticas, como assassinatos de jornalistas ou manifestantes, são uma realidade”, argumenta.
Além disso, a jornalista mexicana recorda que a América Latina é a região do planeta com maior concentração de meios de comunicação. “A concentração midiática é uma das formas contemporâneas de atentado mais grave contra a democracia e a liberdade de expressão. Neste tempo, a aliança entre os poderes econômico e político e grandes meios de comunicação faz com que estes se confundam entre si, podendo converterem-se em algo perverso e selvagem, destruindo a opinião pública pelo pensamento único e se apropriando da esfera pública, anulando a liberdade de expressão de fato”, sublinha.
Os monopólios ou oligopólios, históricos no continente latino-americano, não afetam apenas o pluralismo e a diversidade, mas também adquirem um poder que pode ser superior até mesmo às instituições. Nesse arranjo, afirma Callejo, os donos da mídia determinam a agenda pública, privilegiando seus interesses e atropelando a democracia. No México, por exemplo, os grandes grupos de comunicação privados dispõem de bancadas de parlamentares dedicados quase que exclusivamente a defender os interesses das empresas, relata.
“Uma sociedade que não tem pluralismo e diversidade midiática não é uma sociedade livre, já que o direito à comunicação é imprescindível para abrir espaço ao cumprimento de muitos outros direitos”, acrescenta a mexicana. “Há uma ideia equivocada de que, quanto menos o Estado intervenha, maior o grau de liberdade de expressão. Nos fizeram crer que o Estado cumprir sua função significa censura, mas, na verdade, quando um governo diz que não vai colocar nenhuma regulação para que os meios não violem direitos, o Estado está faltando com sua obrigação de proteção à cidadania”.
Jornalista, professora e ex-defensora pública pela Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual (Afsca) da Argentina, Cynthia Ottaviano diz que a campanha #CalarJamais, levada a cabo pelo FNDC, se aplica, na verdade, ao conjunto de países da região. “Assistir ao ato da campanha Calar Jamais foi como andar nas calçadas do meu próprio país. Acontece o mesmo na Argentina de hoje. Uma intensificação da repressão a manifestações, listas negras com os nomes de quem luta por direitos humanos, contra comunicadores e comunicadoras”, reporta. “O que passa no Brasil também está passando na Argentina. #CalarJamais deve ser a palavra de ordem em toda a América Latina”.
Para ela, o campo de batalha comunicacional se divide entre quem quer privatizar o direito à comunicação e quem o interpreta como um direito humano, para todos e todas. “O cidadão é o sujeito central no campo de disputas, e não o empresário, o dono, os profissionais”, pontua. Os grandes conglomerados, de acordo com ela, atuam como verdadeiro partido político e reivindicam, de forma hipócrita, a bandeira da liberdade de expressão. “Como solicitar o direito de resposta ou que povos originários tenham veículos de comunicação ataca a liberdade de expressão?” questiona.
A Lei de Meios argentina, que tornou ilegal o monopólio do grupo Clarín e reconfigurou a divisão do espectro radioelétrico [espaço por onde transitam as ondas de rádio e televisão, de propriedade pública], representa um grande avanço, mas não resolve todos os problemas e já vem sendo desmontada pelo presidente Mauricio Macri. O discurso do atual governo voltou para a tese da auto-regulação. “Leis precisam de controle e participação cidadã e devem ser construídas popularmente e coletivamente. É necessário realizar audiências públicas, gerar espaços de debate e participação, para construir essa regulação. Auto-regulação é a melhor desregulação”, critica.
Professor e pesquisador da Universidade Federal do Sergipe (UFS), César Bolaño conta que, em sua última visita a Argentina, foi surpreendido pela cobertura da ampla greve geral que tomou conta das ruas do país. “Vi sindicalistas e docentes falando na televisão, algo impensável no Brasil. Nunca vi representantes da classe trabalhadora com direito ao microfone”, diz. “Fizemos a maior greve da história do país no dia 28 de abril de 2017, mas só os jornalistas deram suas interpretações, fizeram seus julgamentos e encerraram seus vereditos”.
Um dos autores do livro "Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia", que chega à sua segunda edição no marco do cinquentenário da empresa da família Marinho, Bolaño reforça a ideia de que liberdade de expressão só existe se for para todo mundo. “A direita não sequestra só essa bandeira, mas quando falamos em regulação, também tenta se apropriar da ideia de censura. E a brutal censura praticada pelos grandes meios diuturnamente? O poder midiático decide o que pode e não pode ser dito ou visto”, frisa.
Segundo o estudioso, comunicação não é o poder em si, mas uma parte dele. “A Globo não poderia ter feito o que foi feito sozinha. É preciso situar a mídia no interior de uma estrutura de poder complexa, que dialoga com uma estrutura global do sistema capitalista”, reflete. Nesse contexto, é necessário, na avaliação de Bolaño, tirar lições da falta de enfrentamento dessa agenda por parte dos governos de esquerda no Brasil. “No Brasil, muito pouco foi feito para democratizar a comunicação. Dos países vizinhos que tiveram governos progressistas, somos o que menos fez para enfrentar a agenda de criar uma lei de meios. Aqui houve mudança importante na estrutura do sistema de comunicação determinada pelo mercado, apenas”.
Durante três dias de Encontro, o #3ENDC promoveu diversas discussões sobre os desafios colocados para a sociedade nos campos da Internet, da democracia e das mídias alternativas. O evento reuniu 250 participantes credenciados, vindos de todas as regiões do país.
0 comentários:
Postar um comentário