Por Juliano Giassi Goularti, no site Brasil Debate:
No campo da teoria macroeconômica, desde a crise da dívida nos anos 1980, a política fiscal vem sofrendo uma inflexão quanto a sua capacidade de financiar o processo de desenvolvimento. Naquela década, com um quadro de desequilíbrio nas contas públicas advindas da ruptura do padrão de financiamento, do endividamento e da inflação galopante, a visão de política econômica dominante que passou a exercer influência dentro do Estado foi o monetarismo da Escola de Chicago, protagonizado por Milton Friedman.
A partir da crise fiscal dos anos 1980, que resultou na vitória das ideias de Friedman, estabeleceu-se uma política fiscal de rigidez do fundo público, pois se partia do princípio de que a inflação e o déficit decorriam do gasto governamental. Na visão que se tornará, até hoje, dominante, a gestão macroeconômica voltaria para o equilíbrio das contas públicas e contenção de despesas para assim prover a credibilidade e confiança dos agentes econômicos.
Destarte, a crise fiscal e financeira dos anos 1980 resultou em sucessivos ajustes fiscais depois que foi assinado o acordo com o FMI em 1983. Sendo a crise de proporções estruturais, ela atravessou a década em companhia dos desajustes do setor público para salvaguardar a riqueza privada. Assim, a crise adentrou com mais força nos anos 1990.
Dentro da performance do capitalismo, na década de 1990, difundiu-se no Brasil uma mudança de política econômica que resultou numa contrarreforma do Estado. A esse respeito, o arranjo institucional assentado pelas políticas do Consenso de Washington estabeleceu reformas pró-mercado que correspondiam a metas de inflação, juros elevados, superávit primário e equilíbrio nas contas públicas. Na prática, estava ocorrendo a convergência da política econômica e a agenda dos policy makers, ou melhor, isso funcionaria como uma espécie garantia de um ambiente econômico de maior previsibilidade para os agentes formarem suas expectativas e tomarem suas decisões racionais, baseada em regras, antecipando os benefícios e internalizando os custos.
Ao aderir às propostas do Consenso de Washington materializado pelo Programa de Ação Imediata (PAI) e Plano Arida, o governo brasileiro se comprometeu com determinado programa de ajuste que envolvia disciplina fiscal, liberalização financeira e comercial, desregulamentação e privatização. Com os neoliberais tomando a dianteira, as medidas de controle do gasto público representariam um começo de arrumação da casa, isto é, a reorganização fiscal é a pedra fundamental do Plano Real no processo de estabilização dos preços. Partindo desse princípio, sem isso, qualquer esforço de combate à inflação terá curta duração e estará fadado ao fracasso.
Com as velhas receitas do FMI e do Banco Mundial desenhadas nos anos 1980 para se chegar ao equilíbrio fiscal, na década de 1990 os monetaristas neoliberais que conduziam a política econômica aprofundaram a radicalidade liberal editando um conjunto de leis e decretos de austeridade fiscal. Entre eles se destacam: i) Decreto n°. 21/1991; ii) Decreto n°. 475/1992; iii) PAI/1993; iv) Plano Arida/1993; v) Lei n°. 9.249/1995; vi) Lei nº. 9.430/1996; vii) Lei n°. 9.496/1997; viii) Medida Provisória n°. 1.602/1997; ix) Lei n°. 9.532/1997; x) Decreto n°. 2.773/1998; xi) Memorando de Política Econômica/1998; e, por fim, xii) Memorando de Política Econômica/1999.
No interior deste debate, se restringiu a política fiscal ao superávit. Seguindo essa tradição, a função da política fiscal passa a ser: i) fiadora da estabilidade macroeconômica; ii) âncora da política monetária; e, iii) farol do comportamento esperado das principais variáveis macroeconômica. Recaindo exclusivamente sobre a população pobre, a austeridade ganha amplitude política na primeira década do novo milênio com a Lei de Responsabilidade Fiscal, que acabou estabelecendo regras permanentes para os gastos públicos.
Entre 2000 e 2005, houve um conjunto de Memorando de Política Econômica (8 ao total) e Cartas de Intenções (dez ao total) junto ao FMI que sinalizavam o compromisso do governo com a rigidez fiscal. Mesmo sem renovar o acordo com o Fundo em 2005, continuou-se seguindo uma política com generosos superávits, porém com expansão nas despesas primárias em função do crescimento real da arrecadação e de expansão dos direitos sociais e garantias fundamentais dentro do fundo público.
À vista disso, embora preservando-se o superávit primário, o ajuste econômico ortodoxo perde força relativa entre 2007 e 2010. Não havia desajuste fiscal, apesar do crescimento do gasto público. Mas, a partir de 2011, mesmo gerando superávit, com a queda do crescimento econômico e aumento nas desonerações tributárias, houve uma piora dos resultados fiscais e se começou novamente a falar em ajuste fiscal. O governo Dilma-Levy realiza um forte ajuste numa economia já fragilizada, que, por sua vez, agravaria os problemas existentes, contribuindo para a desaceleração econômica.
Assim, depois de 15 anos (1998-2013), em 2014 temos um déficit primário de 0,63% do PIB. Nos anos seguintes, o déficit expandiu para 2,47% em 2015 e 1,85% em 2016. Neste sentido, o governo Temer-Meirelles, para restabelecer o controle das despesas públicas, cria, por meio da Emenda Constitucional n.° 95, pelo prazo de 20 anos, um teto para crescimento das despesas públicas vinculado à inflação. Dessa forma, a austeridade que se arrola desde o início da década de 1980, com seu interstício heterodoxo, é questão sine qua non do fetiche do pensamento liberal ortodoxo para o país trilhar no caminho do crescimento, do emprego e da distribuição de renda e riqueza.
Para tanto, ao invés de a política fiscal ser utilizada para dar efetividade à demanda efetiva e se contrapor ao ciclo econômico, como a presente crise, os monetaristas a rebaixam como valor síntese do superávit primário como pressuposto para restabelecer a confiança na solvência da dívida pública em relação ao PIB. Assim, com seus primeiros passos em 1980, materialidade na década de 1990, continuidade na primeira década do novo milênio, com um pequeno interstício, e agora constitucionalmente definido até 2036 pela Emenda Constitucional n° 95/2016, pode-se dizer que o ajuste fiscal é permanente.
No campo da teoria macroeconômica, desde a crise da dívida nos anos 1980, a política fiscal vem sofrendo uma inflexão quanto a sua capacidade de financiar o processo de desenvolvimento. Naquela década, com um quadro de desequilíbrio nas contas públicas advindas da ruptura do padrão de financiamento, do endividamento e da inflação galopante, a visão de política econômica dominante que passou a exercer influência dentro do Estado foi o monetarismo da Escola de Chicago, protagonizado por Milton Friedman.
A partir da crise fiscal dos anos 1980, que resultou na vitória das ideias de Friedman, estabeleceu-se uma política fiscal de rigidez do fundo público, pois se partia do princípio de que a inflação e o déficit decorriam do gasto governamental. Na visão que se tornará, até hoje, dominante, a gestão macroeconômica voltaria para o equilíbrio das contas públicas e contenção de despesas para assim prover a credibilidade e confiança dos agentes econômicos.
Destarte, a crise fiscal e financeira dos anos 1980 resultou em sucessivos ajustes fiscais depois que foi assinado o acordo com o FMI em 1983. Sendo a crise de proporções estruturais, ela atravessou a década em companhia dos desajustes do setor público para salvaguardar a riqueza privada. Assim, a crise adentrou com mais força nos anos 1990.
Dentro da performance do capitalismo, na década de 1990, difundiu-se no Brasil uma mudança de política econômica que resultou numa contrarreforma do Estado. A esse respeito, o arranjo institucional assentado pelas políticas do Consenso de Washington estabeleceu reformas pró-mercado que correspondiam a metas de inflação, juros elevados, superávit primário e equilíbrio nas contas públicas. Na prática, estava ocorrendo a convergência da política econômica e a agenda dos policy makers, ou melhor, isso funcionaria como uma espécie garantia de um ambiente econômico de maior previsibilidade para os agentes formarem suas expectativas e tomarem suas decisões racionais, baseada em regras, antecipando os benefícios e internalizando os custos.
Ao aderir às propostas do Consenso de Washington materializado pelo Programa de Ação Imediata (PAI) e Plano Arida, o governo brasileiro se comprometeu com determinado programa de ajuste que envolvia disciplina fiscal, liberalização financeira e comercial, desregulamentação e privatização. Com os neoliberais tomando a dianteira, as medidas de controle do gasto público representariam um começo de arrumação da casa, isto é, a reorganização fiscal é a pedra fundamental do Plano Real no processo de estabilização dos preços. Partindo desse princípio, sem isso, qualquer esforço de combate à inflação terá curta duração e estará fadado ao fracasso.
Com as velhas receitas do FMI e do Banco Mundial desenhadas nos anos 1980 para se chegar ao equilíbrio fiscal, na década de 1990 os monetaristas neoliberais que conduziam a política econômica aprofundaram a radicalidade liberal editando um conjunto de leis e decretos de austeridade fiscal. Entre eles se destacam: i) Decreto n°. 21/1991; ii) Decreto n°. 475/1992; iii) PAI/1993; iv) Plano Arida/1993; v) Lei n°. 9.249/1995; vi) Lei nº. 9.430/1996; vii) Lei n°. 9.496/1997; viii) Medida Provisória n°. 1.602/1997; ix) Lei n°. 9.532/1997; x) Decreto n°. 2.773/1998; xi) Memorando de Política Econômica/1998; e, por fim, xii) Memorando de Política Econômica/1999.
No interior deste debate, se restringiu a política fiscal ao superávit. Seguindo essa tradição, a função da política fiscal passa a ser: i) fiadora da estabilidade macroeconômica; ii) âncora da política monetária; e, iii) farol do comportamento esperado das principais variáveis macroeconômica. Recaindo exclusivamente sobre a população pobre, a austeridade ganha amplitude política na primeira década do novo milênio com a Lei de Responsabilidade Fiscal, que acabou estabelecendo regras permanentes para os gastos públicos.
Entre 2000 e 2005, houve um conjunto de Memorando de Política Econômica (8 ao total) e Cartas de Intenções (dez ao total) junto ao FMI que sinalizavam o compromisso do governo com a rigidez fiscal. Mesmo sem renovar o acordo com o Fundo em 2005, continuou-se seguindo uma política com generosos superávits, porém com expansão nas despesas primárias em função do crescimento real da arrecadação e de expansão dos direitos sociais e garantias fundamentais dentro do fundo público.
À vista disso, embora preservando-se o superávit primário, o ajuste econômico ortodoxo perde força relativa entre 2007 e 2010. Não havia desajuste fiscal, apesar do crescimento do gasto público. Mas, a partir de 2011, mesmo gerando superávit, com a queda do crescimento econômico e aumento nas desonerações tributárias, houve uma piora dos resultados fiscais e se começou novamente a falar em ajuste fiscal. O governo Dilma-Levy realiza um forte ajuste numa economia já fragilizada, que, por sua vez, agravaria os problemas existentes, contribuindo para a desaceleração econômica.
Assim, depois de 15 anos (1998-2013), em 2014 temos um déficit primário de 0,63% do PIB. Nos anos seguintes, o déficit expandiu para 2,47% em 2015 e 1,85% em 2016. Neste sentido, o governo Temer-Meirelles, para restabelecer o controle das despesas públicas, cria, por meio da Emenda Constitucional n.° 95, pelo prazo de 20 anos, um teto para crescimento das despesas públicas vinculado à inflação. Dessa forma, a austeridade que se arrola desde o início da década de 1980, com seu interstício heterodoxo, é questão sine qua non do fetiche do pensamento liberal ortodoxo para o país trilhar no caminho do crescimento, do emprego e da distribuição de renda e riqueza.
Para tanto, ao invés de a política fiscal ser utilizada para dar efetividade à demanda efetiva e se contrapor ao ciclo econômico, como a presente crise, os monetaristas a rebaixam como valor síntese do superávit primário como pressuposto para restabelecer a confiança na solvência da dívida pública em relação ao PIB. Assim, com seus primeiros passos em 1980, materialidade na década de 1990, continuidade na primeira década do novo milênio, com um pequeno interstício, e agora constitucionalmente definido até 2036 pela Emenda Constitucional n° 95/2016, pode-se dizer que o ajuste fiscal é permanente.
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