Por Cynara Menezes, no blog Socialista Morena:
A “carta ao leitor” da Veja desta semana é um escárnio com os brasileiros que defendem genuinamente o estado de direito, em risco desde que a mídia comercial apoiou um golpe para arrancar Dilma Rousseff da presidência. Após participar ativamente da grampolândia que se tornou nosso país, incentivando-a a ponto de revelar conversas privadas de uma suposta amante de Lula para atingi-lo, o panfleto da Abril agora resolveu condenar o “estado policial” em que nos encontramos. Coincidentemente, justo no momento em que os vazamentos atingem políticos do PSDB, o presidente que a revista ajudou a alçar ao cargo e um blogueiro de seu time de jornalistas.
“É lamentável que autoridades encarregadas de fazer cumprir a lei - policiais, procuradores, juízes - acabem se tornando violadoras da lei. A Lava-Jato é um poderoso desinfetante em um país de corrupção sórdida. Mas esse tipo de agressão - à lei, à privacidade, à liberdade de imprensa - não é digno de um Estado democrático de direito. É coisa própria de Estados policiais”, disse a revista.
Veja cita o caso do grampo ilegal de uma conversa entre a presidenta Dilma e o ex-presidente Lula em março de 2016, duas horas após findar a autorização judicial que autorizava a interceptação. Na época, a revista aplaudiu e dedicou várias páginas ao grampo, pelo qual o juiz Sergio Moro teve de se desculpar ao STF posteriormente. Agora, Veja diz que a divulgação do conteúdo da conversa “aprofundou dramaticamente” a crise política daqueles dias.
A revista tampouco condenara a injustificada condução coercitiva do ex-presidente, dias antes. Pelo contrário, recentemente publicou uma reportagem em que descreve imagens da condução de Lula feitas pelos policiais federais sem autorização do juiz Moro. “A Veja teve acesso à íntegra da gravação de todo o processo, feita por câmera digital acoplada ao uniforme de um agente da PF”, diz texto de reportagem da revista, em fevereiro deste ano.
Naquele mesmo mês, a coluna Radar, então sob o comando da jornalista Vera Magalhães, foi uma das primeiras em “noticiar” o conteúdo de uma conversa estritamente pessoal entre dona Marisa, mulher de Lula, e seu filho Lulinha. No twitter, a titular do Radar chegou a vibrar com o vazamento dos áudios. “A ex-primeira-dama Marisa Letícia compartilha da mesma ‘classe’ de Lula no trato ao telefone”, condenou a atual colunista do Estadão ao fofocar sobre a mulher do ex-presidente como se estivesse fazendo jornalismo.
Um ano depois, no editorial, a Veja diz que, na conversa, Marisa “não dizia nada que interessasse à investigação da Polícia Federal” e que ela “deveria ter sido destruída nos termos da lei, foi preservada e divulgada” —pela própria revista, que nem sequer fez um mea culpa por sua participação (e da mídia comercial como um todo) no lamentável episódio, tratando como se tivessem sido elfos os divulgadores da conversa da ex-primeira-dama.
Foi, portanto, somente quando os vazamentos deixaram de atingir apenas petistas para envolver tucanos e sua entourage no meio jornalístico que a Veja resolveu se levantar contra o “estado policial” no Brasil. O editorial-protesto ocorre após a divulgação da conversa grampeada entre Reinaldo Azevedo, um dos principais nomes da edição online da revista, e a irmã do senador Aécio Neves, Andrea. Como dizia que uma reportagem da casa onde trabalhava sobre Andrea era “nojenta”, Reinaldo acabou pedindo demissão.
“O conteúdo da conversa entre os dois nada tinha a ver com as investigações”, diz o editorial da Veja. “O material deveria ter sido incinerado. Também não foi. Configurou-se outra afronta à lei, com uma agravante: a Constituição prevê a inviolabilidade da comunicação de um jornalista com sua fonte. Esse é um dos pilares do jornalismo nos países democráticos, dado que, sem tal garantia, não existe liberdade de imprensa.” O próprio Reinaldo, porém, era um incentivador contumaz da prática de grampear adversários políticos.
Chega a ser engraçado ver a Veja cuspindo na Stasi que comeu: durante anos, a Polícia Federal tem sido a maior fonte dos “furos” da revista, e os grampos telefônicos, sua grande arma “jornalística”. Quem tem memória será capaz de lembrar que, em 2012, houve uma CPI para investigar grampos e gravações feitas em Brasília pelo banqueiro de jogo do bicho Carlinhos Cachoeira, que iam parar… nas páginas da Veja, de quem ele era informante assumidamente.
Na época, o então diretor da revista, Eurípedes Alcântara, publicou o editorial Ética jornalística: uma reflexão permanente, em que admitia a possibilidade de a revista se utilizar de meios ilegais e de criminosos para noticiar algo que considerasse “de interesse público”. “Se o preço pessoal de evitar um crime ou uma sequência de crimes dando publicidade a gravações ilegais for incorrer em uma transgressão menor, o jornalista tem o dever de considerar correr esse risco”, escreveu. E isso sendo que, em alguns casos, a revista nem sequer provou possuir os áudios que noticiava, como o suposto grampo de uma conversa envolvendo o ministro do STF Gilmar Mendes e o então senador Demóstenes Torres, no final do governo Lula, que foi capa da revista, mas jamais apareceu.
A Veja mudou? Duvido. A semanal da Abril continuará a usar de métodos pouco republicanos para tentar destruir reputações, como sempre fez com Lula. Sua falsa defesa do estado de direito é um misto de corporativismo com proteção aos aliados. Com tal histórico, só um ingênuo acreditaria que Veja se importa a mínima com a democracia.
A “carta ao leitor” da Veja desta semana é um escárnio com os brasileiros que defendem genuinamente o estado de direito, em risco desde que a mídia comercial apoiou um golpe para arrancar Dilma Rousseff da presidência. Após participar ativamente da grampolândia que se tornou nosso país, incentivando-a a ponto de revelar conversas privadas de uma suposta amante de Lula para atingi-lo, o panfleto da Abril agora resolveu condenar o “estado policial” em que nos encontramos. Coincidentemente, justo no momento em que os vazamentos atingem políticos do PSDB, o presidente que a revista ajudou a alçar ao cargo e um blogueiro de seu time de jornalistas.
“É lamentável que autoridades encarregadas de fazer cumprir a lei - policiais, procuradores, juízes - acabem se tornando violadoras da lei. A Lava-Jato é um poderoso desinfetante em um país de corrupção sórdida. Mas esse tipo de agressão - à lei, à privacidade, à liberdade de imprensa - não é digno de um Estado democrático de direito. É coisa própria de Estados policiais”, disse a revista.
Veja cita o caso do grampo ilegal de uma conversa entre a presidenta Dilma e o ex-presidente Lula em março de 2016, duas horas após findar a autorização judicial que autorizava a interceptação. Na época, a revista aplaudiu e dedicou várias páginas ao grampo, pelo qual o juiz Sergio Moro teve de se desculpar ao STF posteriormente. Agora, Veja diz que a divulgação do conteúdo da conversa “aprofundou dramaticamente” a crise política daqueles dias.
A revista tampouco condenara a injustificada condução coercitiva do ex-presidente, dias antes. Pelo contrário, recentemente publicou uma reportagem em que descreve imagens da condução de Lula feitas pelos policiais federais sem autorização do juiz Moro. “A Veja teve acesso à íntegra da gravação de todo o processo, feita por câmera digital acoplada ao uniforme de um agente da PF”, diz texto de reportagem da revista, em fevereiro deste ano.
Naquele mesmo mês, a coluna Radar, então sob o comando da jornalista Vera Magalhães, foi uma das primeiras em “noticiar” o conteúdo de uma conversa estritamente pessoal entre dona Marisa, mulher de Lula, e seu filho Lulinha. No twitter, a titular do Radar chegou a vibrar com o vazamento dos áudios. “A ex-primeira-dama Marisa Letícia compartilha da mesma ‘classe’ de Lula no trato ao telefone”, condenou a atual colunista do Estadão ao fofocar sobre a mulher do ex-presidente como se estivesse fazendo jornalismo.
Um ano depois, no editorial, a Veja diz que, na conversa, Marisa “não dizia nada que interessasse à investigação da Polícia Federal” e que ela “deveria ter sido destruída nos termos da lei, foi preservada e divulgada” —pela própria revista, que nem sequer fez um mea culpa por sua participação (e da mídia comercial como um todo) no lamentável episódio, tratando como se tivessem sido elfos os divulgadores da conversa da ex-primeira-dama.
Foi, portanto, somente quando os vazamentos deixaram de atingir apenas petistas para envolver tucanos e sua entourage no meio jornalístico que a Veja resolveu se levantar contra o “estado policial” no Brasil. O editorial-protesto ocorre após a divulgação da conversa grampeada entre Reinaldo Azevedo, um dos principais nomes da edição online da revista, e a irmã do senador Aécio Neves, Andrea. Como dizia que uma reportagem da casa onde trabalhava sobre Andrea era “nojenta”, Reinaldo acabou pedindo demissão.
“O conteúdo da conversa entre os dois nada tinha a ver com as investigações”, diz o editorial da Veja. “O material deveria ter sido incinerado. Também não foi. Configurou-se outra afronta à lei, com uma agravante: a Constituição prevê a inviolabilidade da comunicação de um jornalista com sua fonte. Esse é um dos pilares do jornalismo nos países democráticos, dado que, sem tal garantia, não existe liberdade de imprensa.” O próprio Reinaldo, porém, era um incentivador contumaz da prática de grampear adversários políticos.
Chega a ser engraçado ver a Veja cuspindo na Stasi que comeu: durante anos, a Polícia Federal tem sido a maior fonte dos “furos” da revista, e os grampos telefônicos, sua grande arma “jornalística”. Quem tem memória será capaz de lembrar que, em 2012, houve uma CPI para investigar grampos e gravações feitas em Brasília pelo banqueiro de jogo do bicho Carlinhos Cachoeira, que iam parar… nas páginas da Veja, de quem ele era informante assumidamente.
Na época, o então diretor da revista, Eurípedes Alcântara, publicou o editorial Ética jornalística: uma reflexão permanente, em que admitia a possibilidade de a revista se utilizar de meios ilegais e de criminosos para noticiar algo que considerasse “de interesse público”. “Se o preço pessoal de evitar um crime ou uma sequência de crimes dando publicidade a gravações ilegais for incorrer em uma transgressão menor, o jornalista tem o dever de considerar correr esse risco”, escreveu. E isso sendo que, em alguns casos, a revista nem sequer provou possuir os áudios que noticiava, como o suposto grampo de uma conversa envolvendo o ministro do STF Gilmar Mendes e o então senador Demóstenes Torres, no final do governo Lula, que foi capa da revista, mas jamais apareceu.
A Veja mudou? Duvido. A semanal da Abril continuará a usar de métodos pouco republicanos para tentar destruir reputações, como sempre fez com Lula. Sua falsa defesa do estado de direito é um misto de corporativismo com proteção aos aliados. Com tal histórico, só um ingênuo acreditaria que Veja se importa a mínima com a democracia.
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