Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Ninguém tem o direito de ficar surpreso diante das alegações finais do Ministério Público contra Lula, pedindo sua prisão em regime fechado e pagamento de uma multa absurda de R$ 87 milhões.
Há novos personagens, sim, na Lava Jato. Mas vamos deixar Aécio Neves, Michel Temer & os outros em seus merecidos lugares. A história dará conta deles, do que fizeram, da herança que deixarão. Não lhes faltarão biógrafos nem jornalistas amigos. Pertencem a uma classe social com um aparato ideológico respeitável, com um imenso banco de reservas, onde as substituições no mundo político – e também na economia – são um processo semi automático, pela genética ou por herança. O caso aqui é diferente.
Desde o início da Lava Jato era possível saber quem era o alvo real da investigação, o nome atrás de todos os outros, o apogeu de uma operação necessária de investigação sobre corrupção que se transformou num ataque aos direitos humanos e garantias devidas a um dos principais personagens da democracia brasileira.
O ataque a Lula é o momento decisivo em quase 40 anos de história brasileira, cujo ato inaugural se encontra nas grandes greves contra a ditadura de 1978. Duas vezes presidente, mais popular candidato para 2018, líder de um processo político que gerou benefícios indiscutíveis para a maioria da população, Lula se encontra naquela fronteira que pode mudar o destino de um país e de um povo, uma linha divisória da República do Galeão que emparedou Getúlio para revogar – não por coincidência – um aumento de 100% no salário mínimo, a recém-criada CLT e a Petrobras que era uma grande esperança num pedaço de papel. Em nome do que? Do Mar de Lama.
Quando se fala de prisão em regime fechado, não custa lembrar que estamos falando de um cidadão que está com 71 anos. Nesta situação, se Lula for condenado pelos crimes de que é acusado – corrução ativa, passiva e lavagem de dinheiro – as penas somadas podem chegar, por baixo, a dez ou mesmo quinze anos, o que equivale prisão perpétua. É isso aí. Até morrer.
A fixação de uma multa impagável também é uma forma de pressão contra sua liberdade. Ainda que se viva num país onde não se permite prisão por dívida, a experiência recente mostra que sempre se descobre atalhos este princípio, uma das melhores heranças deixadas a humanidade pelo revolucionário francês George Jacques Danton (1759-1794).
Não custa recordar uma questão técnica. Ao fixar uma multa neste valor, o Ministério Publico terá de enfrentar duas respeitadas auditorias internacionais, PricewatherhouseCoopers e KPMG, que enviaram laudos a Sérgio Moro isentando Lula de qualquer irregularidade na Petrobras.
Os mestres ensinam que a justiça-espetáculo não se baseia em provas nem em fatos mas constrói narrativas, que são histórias onde fatos reais, suposições, convicções e pura ficção se misturam para formar uma acusação convincente – na aparência.
Não importa lembrar que o apartamento atribuído a Lula jamais tenha sido dele. De nada vale recordar que nem ele nem a mulher jamais tiveram chaves para abrir a porta, que nunca tenham passado uma noite ali. Não importam os registros em cartório, que dizem que o imóvel pertence a empreiteira OAS, sua proprietária até hoje. O mesmo dizem documentos de uma lançamento de debêntures da OAS, onde o edifício Solarys é oferecido como garantia, incluindo o apartamento 16-A.
Importa o espetáculo, e aqui – além de multas milionárias, que sugerem aquilo que não se consegue provar – nada produz tanto impacto como as confissões. A humanidade aprendeu isso na Inquisição Medieval, quando as torturas ocorriam em público, em rituais em que eram justificadas como caminho indispensável para confissões que levariam ao perdão divino.
Assistiram-se novas lições durante os processos do Terror Stalinista, (1934-1939), quando o procurador-geral Andrey Vychinzky executou 200 000 pessoas. Antes de tomar suas vidas, arrancou sua dignidade, obtendo confissões forçadas de traição da maioria de intelectuais e dirigentes que haviam feito a Revolução de 1917 e governaram o país por mais de 20 anos.
Principal executivo da OAS, Leo Pinheiro esteve preso duas vezes na carceragem de Curitiba. Em nenhum dos três depoimentos prestados apontou Lula como proprietário. Em abril de 2017, mudou a versão, mas não foi capaz de provar o que dizia. Alegou que Lula determinou que destruísse os documentos, o que ajuda a acusação mas não resolve o problema. O fato de uma pessoa ser capaz de destruir provas não demonstra – acima de qualquer dúvida – que elas tenham existido.
As alegações finais do Ministério Público chamam a atenção por uma frase. Ali se informa que outros acusados no mesmo inquérito terão sua pena reduzida porque decidiram "espontaneamente", colaborar com as investigações. É de chorar.
A verdade é que as alegações iniciais foram entregues a Sérgio Moro numa conjuntura em que os métodos da Lava Jato começam a produzir mal estar crescente em meios jurídicos que vão muito além do PT.
"As delações se tornaram instrumentos eminentemente políticos," acusa o Estado de S. Paulo em editorial (1/6/2017). Referindo-se ao trabalho do Ministério Público, diz ainda o jornal: "o objetivo não é pegar os grandes criminosos, mas apenas aqueles que, na visão dos procuradores da República, devem ser alijados da vida nacional -- isto é, os políticos."
Ninguém tem o direito de ficar surpreso diante das alegações finais do Ministério Público contra Lula, pedindo sua prisão em regime fechado e pagamento de uma multa absurda de R$ 87 milhões.
Há novos personagens, sim, na Lava Jato. Mas vamos deixar Aécio Neves, Michel Temer & os outros em seus merecidos lugares. A história dará conta deles, do que fizeram, da herança que deixarão. Não lhes faltarão biógrafos nem jornalistas amigos. Pertencem a uma classe social com um aparato ideológico respeitável, com um imenso banco de reservas, onde as substituições no mundo político – e também na economia – são um processo semi automático, pela genética ou por herança. O caso aqui é diferente.
Desde o início da Lava Jato era possível saber quem era o alvo real da investigação, o nome atrás de todos os outros, o apogeu de uma operação necessária de investigação sobre corrupção que se transformou num ataque aos direitos humanos e garantias devidas a um dos principais personagens da democracia brasileira.
O ataque a Lula é o momento decisivo em quase 40 anos de história brasileira, cujo ato inaugural se encontra nas grandes greves contra a ditadura de 1978. Duas vezes presidente, mais popular candidato para 2018, líder de um processo político que gerou benefícios indiscutíveis para a maioria da população, Lula se encontra naquela fronteira que pode mudar o destino de um país e de um povo, uma linha divisória da República do Galeão que emparedou Getúlio para revogar – não por coincidência – um aumento de 100% no salário mínimo, a recém-criada CLT e a Petrobras que era uma grande esperança num pedaço de papel. Em nome do que? Do Mar de Lama.
Quando se fala de prisão em regime fechado, não custa lembrar que estamos falando de um cidadão que está com 71 anos. Nesta situação, se Lula for condenado pelos crimes de que é acusado – corrução ativa, passiva e lavagem de dinheiro – as penas somadas podem chegar, por baixo, a dez ou mesmo quinze anos, o que equivale prisão perpétua. É isso aí. Até morrer.
A fixação de uma multa impagável também é uma forma de pressão contra sua liberdade. Ainda que se viva num país onde não se permite prisão por dívida, a experiência recente mostra que sempre se descobre atalhos este princípio, uma das melhores heranças deixadas a humanidade pelo revolucionário francês George Jacques Danton (1759-1794).
Não custa recordar uma questão técnica. Ao fixar uma multa neste valor, o Ministério Publico terá de enfrentar duas respeitadas auditorias internacionais, PricewatherhouseCoopers e KPMG, que enviaram laudos a Sérgio Moro isentando Lula de qualquer irregularidade na Petrobras.
Os mestres ensinam que a justiça-espetáculo não se baseia em provas nem em fatos mas constrói narrativas, que são histórias onde fatos reais, suposições, convicções e pura ficção se misturam para formar uma acusação convincente – na aparência.
Não importa lembrar que o apartamento atribuído a Lula jamais tenha sido dele. De nada vale recordar que nem ele nem a mulher jamais tiveram chaves para abrir a porta, que nunca tenham passado uma noite ali. Não importam os registros em cartório, que dizem que o imóvel pertence a empreiteira OAS, sua proprietária até hoje. O mesmo dizem documentos de uma lançamento de debêntures da OAS, onde o edifício Solarys é oferecido como garantia, incluindo o apartamento 16-A.
Importa o espetáculo, e aqui – além de multas milionárias, que sugerem aquilo que não se consegue provar – nada produz tanto impacto como as confissões. A humanidade aprendeu isso na Inquisição Medieval, quando as torturas ocorriam em público, em rituais em que eram justificadas como caminho indispensável para confissões que levariam ao perdão divino.
Assistiram-se novas lições durante os processos do Terror Stalinista, (1934-1939), quando o procurador-geral Andrey Vychinzky executou 200 000 pessoas. Antes de tomar suas vidas, arrancou sua dignidade, obtendo confissões forçadas de traição da maioria de intelectuais e dirigentes que haviam feito a Revolução de 1917 e governaram o país por mais de 20 anos.
Principal executivo da OAS, Leo Pinheiro esteve preso duas vezes na carceragem de Curitiba. Em nenhum dos três depoimentos prestados apontou Lula como proprietário. Em abril de 2017, mudou a versão, mas não foi capaz de provar o que dizia. Alegou que Lula determinou que destruísse os documentos, o que ajuda a acusação mas não resolve o problema. O fato de uma pessoa ser capaz de destruir provas não demonstra – acima de qualquer dúvida – que elas tenham existido.
As alegações finais do Ministério Público chamam a atenção por uma frase. Ali se informa que outros acusados no mesmo inquérito terão sua pena reduzida porque decidiram "espontaneamente", colaborar com as investigações. É de chorar.
A verdade é que as alegações iniciais foram entregues a Sérgio Moro numa conjuntura em que os métodos da Lava Jato começam a produzir mal estar crescente em meios jurídicos que vão muito além do PT.
"As delações se tornaram instrumentos eminentemente políticos," acusa o Estado de S. Paulo em editorial (1/6/2017). Referindo-se ao trabalho do Ministério Público, diz ainda o jornal: "o objetivo não é pegar os grandes criminosos, mas apenas aqueles que, na visão dos procuradores da República, devem ser alijados da vida nacional -- isto é, os políticos."
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