Por Armando Boito Jr., no jornal Brasil de Fato:
Está claro para todos que o campo golpista está dividido. Nas últimas semanas o que temos visto é o agravamento do conflito entre, de um lado, aqueles que defendem a manutenção de Michel Temer na Presidência e, de outro, aqueles que propugnam a realização de uma eleição indireta para substituí-lo. Entre essas duas posições há uma gama de posições centristas daqueles que hesitam, pendendo ora para um lado, ora para outro.
Circula no campo do movimento popular uma proposta de análise que procura explicar tais divisões. Ela está presente em documentos e nos debates públicos que se fazem sobre o tema. Essa análise sustenta que teríamos uma disputa entre três alas do campo golpista: a econômica, a política e a ideológica.
A ala econômica seria composta pelos grandes empresários interessados, sobretudo, nas reformas trabalhista e previdenciária; da ala política, fariam parte os partidos e seus parlamentares que teriam uma atuação pragmática, procurando, muitos deles, agir apenas para se salvar da condenação judicial; a ala ideológica, constituída pelo sistema de justiça (Judiciário, MPF, PF), teria como objetivo combater a corrupção e o PT. Cada uma dessas alas, por perseguirem, todas elas, objetivos particulares, entraria em conflito com as demais e tais conflitos estariam cada vez mais graves. O campo golpista teria, então, ficado sem um comando unificado. A divisão da frente golpista nessas três alas e as consequências que dela se tiram nos parece incorreta.
Aquilo que nessa divisão aparece como ala política ou pragmática foi, na verdade, o agente que concebeu o programa político e ideológico do golpe do impeachment. Refiro-me ao programa “Ponte para o futuro” elaborado pelo PMDB em meados de 2015. Portanto, ao mesmo tempo em que o senador Romero Jucá pensava na solução Michel Temer para, nas suas próprias palavras, “estancar a sangria da Lava Jato” e se salvar da cadeia, ele e o seu partido sistematizavam também as bases ideológicas e os objetivos políticos do movimento golpista: congelamento do gasto público real, reforma trabalhista, reforma previdenciária, mais abertura da economia ao capital estrangeiro, alinhamento com a política externa dos EUA etc. Aquilo que é erroneamente denominado “classe política” não se sustenta no ar. Para tentar se safar da justiça, que era o interesse corporativo dos peemedebistas na condição de políticos profissionais, tiveram de se candidatar a representantes dos interesses de classe que moviam a campanha contra o governo Dilma Rousseff. Isto é, tiveram de se amalgamar com aquela que seria a ala econômica do golpe.
Tampouco a chamada ala ideológica faz jus a essa denominação. Se a ala dita pragmática é também ideológica e está vinculada à ala econômica, a ala ideológica é também pragmática. Juízes, procuradores e delegados da Polícia Federal têm motivos corporativos, econômicos, para opor-se ao governo Michel Temer. Eles estão em campanha contra a reforma da previdência. Já foram prejudicados pela reforma implantada no primeiro governo Lula da Silva e podem sê-lo, novamente, com a reforma proposta pelo governo atual.
Está claro para todos que o campo golpista está dividido. Nas últimas semanas o que temos visto é o agravamento do conflito entre, de um lado, aqueles que defendem a manutenção de Michel Temer na Presidência e, de outro, aqueles que propugnam a realização de uma eleição indireta para substituí-lo. Entre essas duas posições há uma gama de posições centristas daqueles que hesitam, pendendo ora para um lado, ora para outro.
Circula no campo do movimento popular uma proposta de análise que procura explicar tais divisões. Ela está presente em documentos e nos debates públicos que se fazem sobre o tema. Essa análise sustenta que teríamos uma disputa entre três alas do campo golpista: a econômica, a política e a ideológica.
A ala econômica seria composta pelos grandes empresários interessados, sobretudo, nas reformas trabalhista e previdenciária; da ala política, fariam parte os partidos e seus parlamentares que teriam uma atuação pragmática, procurando, muitos deles, agir apenas para se salvar da condenação judicial; a ala ideológica, constituída pelo sistema de justiça (Judiciário, MPF, PF), teria como objetivo combater a corrupção e o PT. Cada uma dessas alas, por perseguirem, todas elas, objetivos particulares, entraria em conflito com as demais e tais conflitos estariam cada vez mais graves. O campo golpista teria, então, ficado sem um comando unificado. A divisão da frente golpista nessas três alas e as consequências que dela se tiram nos parece incorreta.
Aquilo que nessa divisão aparece como ala política ou pragmática foi, na verdade, o agente que concebeu o programa político e ideológico do golpe do impeachment. Refiro-me ao programa “Ponte para o futuro” elaborado pelo PMDB em meados de 2015. Portanto, ao mesmo tempo em que o senador Romero Jucá pensava na solução Michel Temer para, nas suas próprias palavras, “estancar a sangria da Lava Jato” e se salvar da cadeia, ele e o seu partido sistematizavam também as bases ideológicas e os objetivos políticos do movimento golpista: congelamento do gasto público real, reforma trabalhista, reforma previdenciária, mais abertura da economia ao capital estrangeiro, alinhamento com a política externa dos EUA etc. Aquilo que é erroneamente denominado “classe política” não se sustenta no ar. Para tentar se safar da justiça, que era o interesse corporativo dos peemedebistas na condição de políticos profissionais, tiveram de se candidatar a representantes dos interesses de classe que moviam a campanha contra o governo Dilma Rousseff. Isto é, tiveram de se amalgamar com aquela que seria a ala econômica do golpe.
Tampouco a chamada ala ideológica faz jus a essa denominação. Se a ala dita pragmática é também ideológica e está vinculada à ala econômica, a ala ideológica é também pragmática. Juízes, procuradores e delegados da Polícia Federal têm motivos corporativos, econômicos, para opor-se ao governo Michel Temer. Eles estão em campanha contra a reforma da previdência. Já foram prejudicados pela reforma implantada no primeiro governo Lula da Silva e podem sê-lo, novamente, com a reforma proposta pelo governo atual.
Segundo matéria de Leonel Rocha, publicada no blog Congresso em foco, as associações ligadas a juízes, procuradores e promotores estão revoltadas com a proposta original da reforma enviada ao Congresso porque ela equipara suas aposentadorias à dos trabalhadores do setor privado, geridas pelo INSS. O deputado Lincoln Portela (PRB-MG) apresentou, a pedido dessas associações, emenda excluindo a casta judicial da reforma. A emenda apresentada pelo deputado Portela teve o apoio da Associação Nacional dos Juízes Federais (Ajufe), da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), da Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas) e da Confederação que representa os membros do Ministério Público.
A ideologia sempre deforma a realidade de maneira interessada, e mesmo que inconscientemente. Os procuradores podem se ver como salvadores da pátria, embora ajam de fato para salvar a si mesmos. Para além da reforma da Previdência, que é um dado conjuntural, é preciso esclarecer que juízes, promotores, procuradores e delegados têm interesse econômico em coibir a corrupção. Não me refiro a este ou àquele juiz ou promotor que, sendo ele próprio corrupto, tira proveito da corrupção. Refiro-me aos interesses do conjunto dessa categoria social de Estado. A legitimidade dos seus ganhos exorbitantes, do seu elevado prestígio social e do seu poder autoritário como altos funcionários do Estado advém do fato de terem sido aprovados em concursos públicos muito concorridos e percebidos por grande parte da população como processos seletivos socialmente neutros e eficazes para selecionar aqueles que teriam mais dons e mais méritos para ocupar tais cargos. Ora, se a imagem universalista do Estado for comprometida aos olhos da população pela prática generalizada da corrupção, do compadrio e do patrimonialismo, a legitimidade de tais concursos estará abalada e, com ela, a legitimidade de todos os privilégios de juízes e consortes.
E a ala econômica? Tudo que pudemos aprender observando a crise política brasileira é que o poder econômico converte-se, facilmente, em poder político: financiamento empresarial de campanha eleitoral, pagamento de propinas a funcionários públicos, fornecimento de meios materiais para a campanha do impeachment etc. O PMDB agiu como instrumento do grande empresariado quando elaborou o programa “Ponte para o futuro”. Ele agiu como representante político do poder econômico. A ala econômica é também política.
Já afirmamos que muitos deputados têm agido para salvar a própria pele. Os políticos profissionais da classe dominante têm interesses específicos devido à sua inserção particular no processo político. Mas separá-los da classe e das frações de classe que representam é um erro. Eles podem se salvar, mas não lograrão fazê-lo contra os interesses dessas últimas.
O que divide, em última instância, o campo golpista não são as particularidades das assim chamadas ala econômica, ala política e ala ideológica do golpe, tampouco os conflitos que seriam oriundos dos objetivos específicos de cada uma dessas alas, mas o fato de que a frente política que promoveu o golpe ser uma frente composta por classes e frações de classes com interesses distintos. Uniram-se na luta contra o PT; estão se separando sob o governo Michel Temer. As instituições como os partidos políticos, o sistema de justiça, a mídia, devem ser analisadas como instituições vinculadas, direta ou indiretamente, de maneira mais complexa ou mais simples, às classes e frações de classe em presença. Mas esclarecer essa ideia seria tema para outro artigo.
A ideologia sempre deforma a realidade de maneira interessada, e mesmo que inconscientemente. Os procuradores podem se ver como salvadores da pátria, embora ajam de fato para salvar a si mesmos. Para além da reforma da Previdência, que é um dado conjuntural, é preciso esclarecer que juízes, promotores, procuradores e delegados têm interesse econômico em coibir a corrupção. Não me refiro a este ou àquele juiz ou promotor que, sendo ele próprio corrupto, tira proveito da corrupção. Refiro-me aos interesses do conjunto dessa categoria social de Estado. A legitimidade dos seus ganhos exorbitantes, do seu elevado prestígio social e do seu poder autoritário como altos funcionários do Estado advém do fato de terem sido aprovados em concursos públicos muito concorridos e percebidos por grande parte da população como processos seletivos socialmente neutros e eficazes para selecionar aqueles que teriam mais dons e mais méritos para ocupar tais cargos. Ora, se a imagem universalista do Estado for comprometida aos olhos da população pela prática generalizada da corrupção, do compadrio e do patrimonialismo, a legitimidade de tais concursos estará abalada e, com ela, a legitimidade de todos os privilégios de juízes e consortes.
E a ala econômica? Tudo que pudemos aprender observando a crise política brasileira é que o poder econômico converte-se, facilmente, em poder político: financiamento empresarial de campanha eleitoral, pagamento de propinas a funcionários públicos, fornecimento de meios materiais para a campanha do impeachment etc. O PMDB agiu como instrumento do grande empresariado quando elaborou o programa “Ponte para o futuro”. Ele agiu como representante político do poder econômico. A ala econômica é também política.
Já afirmamos que muitos deputados têm agido para salvar a própria pele. Os políticos profissionais da classe dominante têm interesses específicos devido à sua inserção particular no processo político. Mas separá-los da classe e das frações de classe que representam é um erro. Eles podem se salvar, mas não lograrão fazê-lo contra os interesses dessas últimas.
O que divide, em última instância, o campo golpista não são as particularidades das assim chamadas ala econômica, ala política e ala ideológica do golpe, tampouco os conflitos que seriam oriundos dos objetivos específicos de cada uma dessas alas, mas o fato de que a frente política que promoveu o golpe ser uma frente composta por classes e frações de classes com interesses distintos. Uniram-se na luta contra o PT; estão se separando sob o governo Michel Temer. As instituições como os partidos políticos, o sistema de justiça, a mídia, devem ser analisadas como instituições vinculadas, direta ou indiretamente, de maneira mais complexa ou mais simples, às classes e frações de classe em presença. Mas esclarecer essa ideia seria tema para outro artigo.
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