Por Laurindo Lalo Leal Filho, na Rede Brasil Atual:
Como de hábito a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo nos reserva agradáveis surpresas. Este ano não foi diferente. Django e O jovem Karl Marx são filmes que merecem ser vistos com carinho e atenção quando entrarem em cartaz no circuito comercial.
Django é um documentário dramatizado sobre a luta do músico que dá título ao filme – o guitarrista de jazz Django Reinhardt (nascido na Bélgica, em 1910, e falecido na França, em 1953) – para manter sua integridade artística, numa França ocupada pelos nazistas.
A grande surpresa é que pela primeira vez – ao que me consta – temos a violência do regime alemão imposta sobre uma comunidade de ciganos à qual o artista se integra. Cenas de opressão e barbárie vistas em inúmeros filmes sobre o holocausto que se abateu sobre o povo judeu repetem-se no documentário, agora aplicadas a outras vítimas, reféns de igual sofrimento.
Embora centrado na figura do músico, o filme revela o ódio dos nazistas aos ciganos. Django só escapa inicialmente devido ao seu talento que encanta até mesmo os generais de Hitler. Convidado para se apresentar na Alemanha, recebe rigorosas instruções para conter os acordes dos blues, nos quais ele era exímio, mas que os líderes alemães condenavam por ser música dos negros estadunidenses.
Django, porém, não aceita as imposições nazistas e passa a ser vítima de feroz perseguição. De um artista autocentrado torna-se um participante ativo e consciente da comunidade cigana. Não vai à Alemanha, ainda que Goebbels, e talvez o próprio Hitler fossem assisti-lo em Berlim. Fica na França, é forçado a tocar para os oficiais alemães, mas desobedece as ordens de "moderação" determinadas pelos militares. Contribui, a seu modo, para a resistência francesa.
Situado entre 1943 e 1945, a perseguição às minorias dá ao filme uma trágica atualidade, além de manter vivo em toda a sua dimensão o brilho daquele que foi considerado um dos mais influentes guitarristas de todos os tempos. Uma estreia vitoriosa de Étienne Comar na direção.
A outra grata surpresa da Mostra é O Jovem Karl Marx, dirigido pelo haitiano Raoul Peck, conhecido internacionalmente pelo magnífico Eu Não Sou Seu Negro, sobre o preconceito racial nos Estados Unidos, indicado para o Oscar em 2016 e Lumumba, de 2000, entre outros.
Perseguido pela ditadura de Papa Duvalier, Peck fugiu com a família para o Congo. Emigrou depois para a Alemanha onde se formou em cinema, viveu nos Estados Unidos e na França, retornando posteriormente ao Haiti, tendo exercido o cargo de Ministro da Cultura.
Não é fácil a tarefa de reconstituir um período histórico específico da vida de Marx, ainda antes dos 30 anos, em meio à sua vida familiar, entrelaçada com pesquisas, publicações e fértil atividade política. Mas o diretor dá conta do recado com muita competência.
O filme, ainda que histórico, nos aproxima de uma realidade reconstruída com capricho, sem nunca esbarrar num romantismo empobrecedor e muito menos num panfleto político. Mas a política está ali, do começo ao fim, percorrendo os personagens no seu dia a dia em casa, nas organizações de trabalhadores, nos bares, nas fábricas e nas ruas. É a vida pulsando num tempo de fortes disputas de ideias, dentro e fora do movimento operário.
Sintomaticamente as cenas iniciais mostram a violência do estado prussiano (hoje Alemanha) contra camponeses pobres apanhando lenha caída na floresta para enfrentar o inverno. O episódio conhecido como "roubo da lenha" marcou profundamente o jovem Marx na sua indignação diante das desigualdades sociais.
Mas a presença em sua vida de outros dois fortes personagens é fundamental para o seu crescimento político e intelectual: o amigo Friederich Engels e a mulher, Jenny von Westphalen. É Engels, filho de um poderoso industrial de Manchester, quem o coloca em contato mais próximo com a realidade da classe trabalhadora inglesa e Jenny é a companheira de todos os momentos, capaz de livrá-lo de ondas de desânimo e de sugerir títulos para as suas obras.
Com a forte humanização dos personagens, muito bem representados no filme, fica mais fácil entrar nos seus respectivos universos político e intelectual. Os debates com outros ativistas ganham força teórica sem a necessidade de grandes discursos ou fabulosas elucubrações. Eles simplesmente fluem ao longo das cenas.
Tudo isso sem deixar de levar em conta um ritmo cinematográfico que conduz às vitórias políticas no interior do movimento de trabalhadores e à redação do Manifesto Comunista. Epílogo seguido de palmas entusiasmadas dos espectadores que acompanharam o filme na Mostra de São Paulo.
Django é um documentário dramatizado sobre a luta do músico que dá título ao filme – o guitarrista de jazz Django Reinhardt (nascido na Bélgica, em 1910, e falecido na França, em 1953) – para manter sua integridade artística, numa França ocupada pelos nazistas.
A grande surpresa é que pela primeira vez – ao que me consta – temos a violência do regime alemão imposta sobre uma comunidade de ciganos à qual o artista se integra. Cenas de opressão e barbárie vistas em inúmeros filmes sobre o holocausto que se abateu sobre o povo judeu repetem-se no documentário, agora aplicadas a outras vítimas, reféns de igual sofrimento.
Embora centrado na figura do músico, o filme revela o ódio dos nazistas aos ciganos. Django só escapa inicialmente devido ao seu talento que encanta até mesmo os generais de Hitler. Convidado para se apresentar na Alemanha, recebe rigorosas instruções para conter os acordes dos blues, nos quais ele era exímio, mas que os líderes alemães condenavam por ser música dos negros estadunidenses.
Django, porém, não aceita as imposições nazistas e passa a ser vítima de feroz perseguição. De um artista autocentrado torna-se um participante ativo e consciente da comunidade cigana. Não vai à Alemanha, ainda que Goebbels, e talvez o próprio Hitler fossem assisti-lo em Berlim. Fica na França, é forçado a tocar para os oficiais alemães, mas desobedece as ordens de "moderação" determinadas pelos militares. Contribui, a seu modo, para a resistência francesa.
Situado entre 1943 e 1945, a perseguição às minorias dá ao filme uma trágica atualidade, além de manter vivo em toda a sua dimensão o brilho daquele que foi considerado um dos mais influentes guitarristas de todos os tempos. Uma estreia vitoriosa de Étienne Comar na direção.
A outra grata surpresa da Mostra é O Jovem Karl Marx, dirigido pelo haitiano Raoul Peck, conhecido internacionalmente pelo magnífico Eu Não Sou Seu Negro, sobre o preconceito racial nos Estados Unidos, indicado para o Oscar em 2016 e Lumumba, de 2000, entre outros.
Perseguido pela ditadura de Papa Duvalier, Peck fugiu com a família para o Congo. Emigrou depois para a Alemanha onde se formou em cinema, viveu nos Estados Unidos e na França, retornando posteriormente ao Haiti, tendo exercido o cargo de Ministro da Cultura.
Não é fácil a tarefa de reconstituir um período histórico específico da vida de Marx, ainda antes dos 30 anos, em meio à sua vida familiar, entrelaçada com pesquisas, publicações e fértil atividade política. Mas o diretor dá conta do recado com muita competência.
O filme, ainda que histórico, nos aproxima de uma realidade reconstruída com capricho, sem nunca esbarrar num romantismo empobrecedor e muito menos num panfleto político. Mas a política está ali, do começo ao fim, percorrendo os personagens no seu dia a dia em casa, nas organizações de trabalhadores, nos bares, nas fábricas e nas ruas. É a vida pulsando num tempo de fortes disputas de ideias, dentro e fora do movimento operário.
Sintomaticamente as cenas iniciais mostram a violência do estado prussiano (hoje Alemanha) contra camponeses pobres apanhando lenha caída na floresta para enfrentar o inverno. O episódio conhecido como "roubo da lenha" marcou profundamente o jovem Marx na sua indignação diante das desigualdades sociais.
Mas a presença em sua vida de outros dois fortes personagens é fundamental para o seu crescimento político e intelectual: o amigo Friederich Engels e a mulher, Jenny von Westphalen. É Engels, filho de um poderoso industrial de Manchester, quem o coloca em contato mais próximo com a realidade da classe trabalhadora inglesa e Jenny é a companheira de todos os momentos, capaz de livrá-lo de ondas de desânimo e de sugerir títulos para as suas obras.
Com a forte humanização dos personagens, muito bem representados no filme, fica mais fácil entrar nos seus respectivos universos político e intelectual. Os debates com outros ativistas ganham força teórica sem a necessidade de grandes discursos ou fabulosas elucubrações. Eles simplesmente fluem ao longo das cenas.
Tudo isso sem deixar de levar em conta um ritmo cinematográfico que conduz às vitórias políticas no interior do movimento de trabalhadores e à redação do Manifesto Comunista. Epílogo seguido de palmas entusiasmadas dos espectadores que acompanharam o filme na Mostra de São Paulo.
0 comentários:
Postar um comentário