Por Guilherme Boulos, na revista CartaCapital:
Os liberais brasileiros não nasceram ontem. Fazem parte de uma longa tradição, quase uma linhagem de... herdeiros. Bem, não é o perfil mais adequado a um self-made man como alguns gostam, mas o fato é que o Brasil, por sua formação histórica, nunca foi o terreno mais fácil para seguir os ideais do liberalismo clássico.
Nosso país preservou a escravidão por quase 400 anos. Depois disso, não foi criado por aqui um ambiente exatamente propício à competição livre e à igualdade de condições. Nasceu o capitalismo da casa-grande.
Os liberais tupiniquins, desde o princípio, tiveram de fazer “concessões” ao conservadorismo mais rançoso. Desde sempre fora do lugar, a turma de Roberto Campos, o economista liberal que foi ministro da ditadura e posicionou-se contra as Diretas Já, “adaptou” seus princípios, misturando liberalismo econômico com autoritarismo político, intolerância aos negros, índios, pobres e qualquer representação popular.
Há uma base objetiva na heterodoxia do liberalismo à brasileira. Aqui, mais do que em outras terras, o capital sempre mamou nas tetas do Estado. A lógica é: Estado mínimo na hora de privatizar os lucros, máximo quando se trata de socializar os prejuízos. Sem falar nos eternos incentivos, perdões de dívidas e no laissez-faire da sonegação fiscal.
Entre trancos e barrancos, os liberais perseveraram e hoje crescem. São dezenas de institutos, fundações, grupos e grupelhos a vender receitas para a salvação nacional.
Sua renovação tem produzido “novidades” um tanto decepcionantes. É o caso do MBL, que, envergonhado em juntar-se aos 3% que defendem o governo de Michel Temer, busca crescer por meio do conservadorismo cultural. Mais uma do ornitorrinco liberal brasileiro.
Aliás, quem conseguiria vencer as eleições com a atual agenda liberal, que inclui rapinar metade do PIB nacional para pagar a dívida pública, impor cortes irracionais de investimentos e dilacerar os direitos trabalhistas? Aécio Neves? Temer? Quem?
E tem mais gente nova disposta a entrar na onda. Luciano Huck, que trama sua estreia nos palcos da política, é um exemplo de homem rico: tem pai endinheirado, amizades com (ex-) governadores como Sérgio Cabral e com (ex?) senadores como Aécio. Autêntico liberal brasileiro. E olha que esse ainda demonstra compaixão, remunerada, aos pobres.
Nada é tão ruim, porém, que não possa piorar: o mais recente expoente das ideias liberais, pronto para ser o guardião da espada de Milton Friedman nas próximas eleições, é ninguém menos que Jair Bolsonaro.
Em recente viagem aos Estados Unidos, em eventos promovidos pela XP Investimentos, Bolsonaro declarou seu amor incondicional ao livre-mercado e tentou vender sua imagem como defensor do Estado mínimo.
O ultrarreacionário, apoiador aberto da tortura, quer se apresentar como alternativa palatável aos donos do mundo, como um Donald Trump brasileiro. Apesar da repugnância que inspira, não é improvável que consiga. Seu público-alvo são os mesmos investidores que acusaram frustração pelo governo ultraliberal de Temer não ser suficientemente espoliador.
Recentemente, esnobaram a reforma trabalhista, aquela que rasgou mais de cem artigos da CLT, como “anticapitalista”. “Então, quer dizer que ainda não vamos poder reduzir salários?”, perguntou um deles. Claro, em um país como o nosso, o liberalismo deve consistir em tratar direitos sociais, humanos e trabalhistas como bandeiras da esquerda ou privilégios de uma nação dos “sem-mérito”.
Sem qualquer apreço à democracia, historicamente os liberais nativos comungam do poder com o capital internacional, por meio de ditaduras e golpes institucionais. Por sua vez, o nada invisível mercado mundial está sempre pronto para surfar em ondas brasileiras, conservadoras ou liberais. “Nada mais conservador do que um liberal no poder”, já se dizia nos tempos do Segundo Reinado.
Bolsonaro é a expressão mais caricatural das adaptações do liberalismo brasileiro. Autoritário na política, medieval nos costumes e subserviente aos grandes interesses econômicos. Vale a máxima de que sua liberdade termina onde meu lucro começa. É uma ameaça que deve ser seriamente combatida.
Os liberais brasileiros não nasceram ontem. Fazem parte de uma longa tradição, quase uma linhagem de... herdeiros. Bem, não é o perfil mais adequado a um self-made man como alguns gostam, mas o fato é que o Brasil, por sua formação histórica, nunca foi o terreno mais fácil para seguir os ideais do liberalismo clássico.
Nosso país preservou a escravidão por quase 400 anos. Depois disso, não foi criado por aqui um ambiente exatamente propício à competição livre e à igualdade de condições. Nasceu o capitalismo da casa-grande.
Os liberais tupiniquins, desde o princípio, tiveram de fazer “concessões” ao conservadorismo mais rançoso. Desde sempre fora do lugar, a turma de Roberto Campos, o economista liberal que foi ministro da ditadura e posicionou-se contra as Diretas Já, “adaptou” seus princípios, misturando liberalismo econômico com autoritarismo político, intolerância aos negros, índios, pobres e qualquer representação popular.
Há uma base objetiva na heterodoxia do liberalismo à brasileira. Aqui, mais do que em outras terras, o capital sempre mamou nas tetas do Estado. A lógica é: Estado mínimo na hora de privatizar os lucros, máximo quando se trata de socializar os prejuízos. Sem falar nos eternos incentivos, perdões de dívidas e no laissez-faire da sonegação fiscal.
Entre trancos e barrancos, os liberais perseveraram e hoje crescem. São dezenas de institutos, fundações, grupos e grupelhos a vender receitas para a salvação nacional.
Sua renovação tem produzido “novidades” um tanto decepcionantes. É o caso do MBL, que, envergonhado em juntar-se aos 3% que defendem o governo de Michel Temer, busca crescer por meio do conservadorismo cultural. Mais uma do ornitorrinco liberal brasileiro.
Aliás, quem conseguiria vencer as eleições com a atual agenda liberal, que inclui rapinar metade do PIB nacional para pagar a dívida pública, impor cortes irracionais de investimentos e dilacerar os direitos trabalhistas? Aécio Neves? Temer? Quem?
E tem mais gente nova disposta a entrar na onda. Luciano Huck, que trama sua estreia nos palcos da política, é um exemplo de homem rico: tem pai endinheirado, amizades com (ex-) governadores como Sérgio Cabral e com (ex?) senadores como Aécio. Autêntico liberal brasileiro. E olha que esse ainda demonstra compaixão, remunerada, aos pobres.
Nada é tão ruim, porém, que não possa piorar: o mais recente expoente das ideias liberais, pronto para ser o guardião da espada de Milton Friedman nas próximas eleições, é ninguém menos que Jair Bolsonaro.
Em recente viagem aos Estados Unidos, em eventos promovidos pela XP Investimentos, Bolsonaro declarou seu amor incondicional ao livre-mercado e tentou vender sua imagem como defensor do Estado mínimo.
O ultrarreacionário, apoiador aberto da tortura, quer se apresentar como alternativa palatável aos donos do mundo, como um Donald Trump brasileiro. Apesar da repugnância que inspira, não é improvável que consiga. Seu público-alvo são os mesmos investidores que acusaram frustração pelo governo ultraliberal de Temer não ser suficientemente espoliador.
Recentemente, esnobaram a reforma trabalhista, aquela que rasgou mais de cem artigos da CLT, como “anticapitalista”. “Então, quer dizer que ainda não vamos poder reduzir salários?”, perguntou um deles. Claro, em um país como o nosso, o liberalismo deve consistir em tratar direitos sociais, humanos e trabalhistas como bandeiras da esquerda ou privilégios de uma nação dos “sem-mérito”.
Sem qualquer apreço à democracia, historicamente os liberais nativos comungam do poder com o capital internacional, por meio de ditaduras e golpes institucionais. Por sua vez, o nada invisível mercado mundial está sempre pronto para surfar em ondas brasileiras, conservadoras ou liberais. “Nada mais conservador do que um liberal no poder”, já se dizia nos tempos do Segundo Reinado.
Bolsonaro é a expressão mais caricatural das adaptações do liberalismo brasileiro. Autoritário na política, medieval nos costumes e subserviente aos grandes interesses econômicos. Vale a máxima de que sua liberdade termina onde meu lucro começa. É uma ameaça que deve ser seriamente combatida.
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