São Paulo, 20/11/17. Foto: Lucas Martins/Jornalistas Livres |
O golpe em curso no Brasil carrega a marca da execução de um plano contra o povo, imposto pela classe dominante, que nunca pensou um projeto soberano de desenvolvimento para o país. Isso se expressa na constante aprovação de uma série de medidas antipopulares, que desmontam cotidianamente direitos sociais conquistados a muito suor e muita luta. Exemplos recentes são os impactos de medidas como a reforma do ensino médio, a lei da mordaça, bem como o corte de verbas das universidades públicas, as alterações no FIES e no PROUNI que representam um verdadeiro ataque e desmonte da educação pública brasileira.
Tais medidas, executadas pelo governo golpista de Temer, atingem a vida de toda a população, mas atinge de forma diferenciada a vida da população negra. Considerando que essas políticas contribuíram para uma ampliação do ensino, permitindo que a população negra pudesse ter uma possibilidade real de ingressar no ensino superior. É necessário também levar em conta que os ataques sofridos pelo povo negro não são apenas conjunturais, fazem parte de um processo de formação social e econômica do Brasil, baseado na escravização e coisificação dos negros e das negras.
A sociedade brasileira foi construída, desde o princípio, sob as bases do racismo, através da escravização de milhões de negros traficados de África, onde passam constituir uma extensão das posses do senhor de engenho. Estamos falando de uma sociedade construída por mais de 300 anos sob um longo processo de escravização – a última em todo o mundo a abolir o regime escravocrata. O racismo passa a acompanhar o desenvolvimento do país, se fazendo presente nas instituições que dão forma ao Estado brasileiro. Tendo como uma de suas bases a violência, que se desdobra no genocídio, feminicídio, criminalização da pobreza e no encarceramento em massa. Impactando, sobretudo, a juventude e as mulheres negras. A quantidade de mulheres negras encarceradas, por exemplo, aumentou em mais de 500% na ultima década, segundo dados da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos.
Um exemplo de como o racismo estrutura a nossa sociedade se expressa na negação histórica do nosso acesso à educação universal, pública, gratuita e de qualidade; ao passo que nos negam também o direito de ter a nossa história de luta e resistência contada nos currículos da educação básica e do ensino superior. Em 2003 o movimento negro conquistou, através da lei 10.639/03, a implementação do ensino da história e cultura afro-brasileiras nos currículos da educação fundamental e média. Tal conquista representou um passo importante no reconhecimento pelo Estado do seu papel na construção diária de uma sociedade marcada pela desigualdade racial.
Hoje, segundo dados do IBGE, cerca de 58,5% da juventude brasileira está inserida no ensino superior. Desse percentual, 45% são estudantes negros, sendo que a maioria da juventude negra está inserida em universidades privadas. Apesar de termos vivido uma ampliação no acesso ao ensino superior, ainda somos poucos e poucas a terem ingressado nesse nível de ensino, especialmente nas universidades públicas. Conseguimos acessar a universidade a partir da efetivação da política de cotas, bem como através dos programas FIES e o PROUNI que possibilitaram uma ampliação da educação superior e, consequentemente, um passo maior na democratização do acesso ao ensino.
Atualmente, o governo golpista tenta nos impor goela abaixo o esfacelamento desses programas, bem como ataques à lei de cotas. Prova disso é a tramitação no Congresso Nacional da proposta de medida provisória nº 785 de 2017, conhecida como “Reforma do FIES”, impondo um novo arranjo para o programa com maior restrição no acesso do povo pobre e periférico à universidade, na medida em que passa a classificar os estudantes em três categorias, onde apenas uma dessas contempla estudantes com renda familiar de até três salários mínimos. As outras duas categorias destinam o financiamento a estudantes que possuam renda familiar superior à renda per capita de três salários mínimos. Isso implica na exclusão de milhares de jovens negros e periféricos do acesso e permanência nas universidades. Estima-se que, com a aprovação da MP 745/17, haverá uma diminuição de mais de 600 mil vagas para as classes populares.
Estamos no mês de novembro, onde resgatamos a história de luta e resistência do povo negro. Nesse momento, resgatar a rebeldia do povo negro que há 500 anos organizam planos de revolta e esperança, significa afirmar a necessidade de construção de uma sociedade onde não sejamos criminalizados, mortos ou mesmo destituídos dos nossos direitos por conta da nossa raça. Significa também dizer que uma nova sociedade é possível e, no momento em que estamos vivendo de tantas incertezas e ataques, ela é mais que necessária.
Diante de todo esse cenário, defender e construir uma grande campanha em torno da garantia da educação pública, universal, gratuita e de qualidade é tarefa de todo o povo brasileiro. Por uma educação que conte a nossa história a partir da nossa perspectiva, contribuindo para que consigamos construir uma sociedade onde caibam todos os sonhos do nosso povo, e caiba também o sonho do povo negro. E essa é uma tarefa de todos nós, pois “sonho que se sonha só, é só um sonho que se sonha só. Mas sonho que se sonha junto é realidade”. Esse é um dos primeiros passos para a construção de um Projeto Nacional e soberano. Então vamos lá, fazê-lo.
* Elder Reis é diretor de Combate ao Racismo da UNE e militante do Levante Popular da Juventude na Bahia.
0 comentários:
Postar um comentário