Na ânsia de reunir argumentos para aprovar a reforma da Previdência e serenar os humores das agências internacionais de risco, o Ministério da Fazenda divulgou recentemente estudo que trata de avaliar o efeito redistributivo da política fiscal no Brasil. Usando os dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio (PNAD) de 2015 e um sofisticado modelo de microssimulação de tributos e benefícios (chamado BRAHMS), os técnicos do ministério tentam demonstrar que os gastos sociais brasileiros – principalmente por conta da Previdência Social – não seriam capazes de reduzir de forma efetiva a nossa péssima distribuição de renda.
Embora o documento esteja parcialmente correto ao reconhecer o caráter regressivo de nossa carga tributária – para o qual, porém, não arrisca uma única proposta de ajuste –, as conclusões sobre a eficiência do gasto estão seriamente comprometidas por três razões fundamentais.
Em primeiro lugar, como certamente sabem os autores do estudo, a base de dados da PNAD não é adequada para auferir a desigualdade de renda domiciliar do conjunto da população brasileira. Por ser uma pesquisa autodeclaratória, os estratos mais ricos da pirâmide social simplesmente não dão as caras e, consequentemente, a fotografia revelada pela PNAD aparece fora de foco: os endinheirados apagados e os mais pobres em alto contraste. Ora, se é assim, quando se procura identificar o impacto do pagamento de aposentadorias e pensões na redução da pobreza, o que surge é uma tendência regressiva superexagerada, visto que não está sendo considerado no 5º quintil de nossa distribuição da renda aquela fração realmente rica, que tem sua renda fortemente concentrada em ganhos de capital – de modo análogo, também o caráter regressivo da incidência tributária é amainado pela limitação da amostra da PNAD.
Em segundo lugar, não considerar as diferenças entre o Regime Geral da Previdência Social (RGPS) e o Regime Próprio da Previdência Social (RPPS) é uma profunda sacanagem. Enquanto o RGPS garante renda para os mais pobres (67% dos beneficiários do INSS recebem um salário mínimo e o valor médio é de apenas R$ 1.450) e, portanto, tem um forte impacto na redução da desigualdade, o RPPS realmente reproduz entre os aposentados do setor público a mesma assimetria de renda que se observa entre os salários dos servidores da ativa – note-se, porém, que as contribuições pagas por eles são proporcionais a seus rendimentos e não se limitam a um teto e, por isso, pagam valores muito superiores aos que são cobrados dos assalariados de renda equivalente na iniciativa privada.
Em terceiro lugar, como de costume, essa curiosa estirpe de arautos do Estado mínimo que abusa do poder público para atropelar nossa democracia se esquece de incluir em seus cálculos poéticos o impacto das despesas com os juros. Insistem na falsa tese de que a carga tributária brasileira é elevada, mas não fazem menção alguma ao fato de que, em média, 6% do nosso PIB (ou 18% dos tributos arrecadados) é drenado para o pagamento de juros da dívida pública, coisa bastante rara no resto do mundo.
Portanto, para fazer o serviço direito, deveriam antes tratar de comparar as cargas tributárias livres das despesas financeiras, o que revelaria o Brasil com uma carga tributária relativamente modesta (cerca de 26% do PIB). Isto é, com um Estado razoavelmente barato, principalmente em face das enormes carências com as quais ainda temos de lidar. Depois, deveriam ainda aplicar o microssimulador BRAHMS sobre a base de dados da Receita Federal, com o que trariam à tona a abjeta concentração de riqueza que resulta dos pagamentos com os juros. Só então, feitos todos esses ajustes, faria algum sentido refletir sobre os efeitos redistributivos da política fiscal brasileira. Sem eles, é pura trampolinagem de quem corre para se cacifar como candidato do mercado.
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