terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Desnacionalizar a Embraer é inaceitável

Por Haroldo Lima, no Blog do Renato:

A pretensão americana de comprar a Embraer atinge nossa soberania. A Embraer foi fundada em 1969 e até sua privatização em 1994, durante 25 anos, foi alvo de muito investimento público, feito para garantir ao Brasil um espaço na produção de aeronaves e em serviços especiais de defesa aérea. Não é uma empresa qualquer, é estratégica.

Para o Brasil, o ponto mais vulnerável em toda essa história, é que o governo que está à frente do país é, desenganadamente, antinacional. Não fosse assim, poderia acionar a ação “golden share”, que lhe dá poder de veto em casos como a transferência de controle acionário da companhia. Quando foram criadas, as ações “golden share” tinham primordialmente esta função.

No Reino Unido, em 1979, o governo neoliberal de Margareth Thatcher desencadeou um grande processo de privatizações. Como algumas das estatais a serem vendidas tinham sentido estratégico, o Estado britânico considerou que não poderia abrir mão do controle delas, mesmo que fossem empresas privadas. Por isso, criou as ações “golden share”, que ficariam em mãos do Estado, e que lhes davam poderes especiais.

Aqui no Brasil, um ensaio privatista começou com Sarney, ganhou foros de lei com Fernando Collor, arrefeceu-se, mas continuou, com Itamar Franco e chegou ao auge com FHC. Tudo seguindo o modelo deflagrado por Margareth Thatcher, depois incorporado no Consenso de Washington e finalmente imposto pelo FMI aos países subalternos. O Sarney fez 18 privatizações, o Itamar 17, o Collor estabeleceu a meta de privatizar 68 estatais, só teve tempo de entregar 18 e FHC, só no primeiro governo, privatizou 80.

Algumas privatizações tiveram alto significado. Collor privatizou a Usiminas, das mais modernas e rentáveis estatais da época. Itamar, embora diminuindo o furor privatista, privatizou a Companhia Siderúrgica Nacional e a Embraer. FHC, a Companhia Vale do Rio Doce e a Telebrás. Em geral, os negócios foram escabrosos, verdadeiras negociatas, sobretudo os da época de FHC.

A Empresa Brasileira de Aeronáutica, Embraer, quando era estatal, desenvolveu o avião de maior sucesso da história da empresa, o ERJ-145, (50 passageiros) e, em 1989, os ERJ 135/145, também muito festejados.

A Embraer foi “vendida” em 1994, por R$154,1 milhões, uma pechincha, tudo pago em “moedas podres”, um escândalo. (FSP 08/12/1994). Depois, os novos proprietários retiraram do nome da companhia a expressão “Brasileira”, ficando apenas “Embraer”. Com novas reestruturações, o grupo norte-americano Oppenheimer Funds se tornou o maior acionista da empresa.

Como a Embraer fora um investimento estatal em área estratégica, em sua privatização, forças que defendiam interesses nacionais vincularam ao Estado brasileiro uma ação “golden share”. A privatização da Embraer foi a que mobilizou, até a época, a maior participação do capital estrangeiro. Hoje a Embraer é a terceira maior exportadora do Brasil, atrás apenas da Vale e da Petrobras.

A Foça Aérea brasileira, sem a qual a Embraer não teria existido, tem acertado com ela o desenvolvimento de projetos de defesa, entre os quais o do caça Gripen E e o do jato de transporte KC-390. Por causa disso, a Embraer diminuiu a fabricação de aviões de médio porte, deixando de ser a terceira fabricante mundial dessas aeronaves e passando à condição de quarta. Em compensação, enveredou por projetos de defesa.

É nessa situação que a gigante americana Boeing quer adquirir a Embraer, para competir com a europeia Airbus que, em outubro de 2017, comprou a canadense Bombardier, maior concorrente da Embraer na produção de aeronaves médias. A Boeing e a Airbus procuram se fortalecer, ante o suposto avanço das empresas chinesas no setor.

As tratativas da Boeing com a Embraer, pelo que se noticia, vêm de algum tempo, mas o governo brasileiro não sabia. Foram reveladas pelo jornal americano The Wall Street Journal.

O valor de mercado da Embraer é de US$3,7 bilhões, mas, sabedores de que o Estado brasileiro detém uma “golden share”, com poder de vetar a transferência de controle da empresa, os eventuais compradores manifestam-se dispostos a pagar mais, esperando que o governo brasileiro abra mão da sua prerrogativa de veto.

Segundo se propala, Michel Temer teria dito que não aceita a venda do controle da Embraer e por isso não abriria mão da “golden share”. Mas o ministro Henrique Meireles solicitou, no dia 19 de julho de 2017, do Tribunal de Contas da União, o exame das possibilidades de abrir mão das ações “golden share” não só da Embraer, mas também da Vale e do IRB-Brasil Resseguros.

Por onde se vê que o problema maior que enfrentamos é o de não haver por parte do governo em exercício nenhuma convicção sobre a defesa da soberania do Brasil, no caso atual da Embraer.

As forças nacionais e democráticas devem denunciar essas ameaças e devem lutar para que a ação “golden share” prevaleça.

De qualquer sorte, a hipótese de capital americano passar a controlar a Embraer está em cogitação, o que mostra que a privatização de uma empresa estratégica é um processo longo e que, se um interesse nacional prevalece em algum instante, mais à frente ele é removido e a privatização de uma estratégica mostra o que de fato é, uma desnacionalização.

Essas observações realçam dois aspectos para o ano eleitoral de 2018: o de como é fundamental pôr no governo forças comprometidas com a Nação brasileira e de como os setores progressistas que se aglutinam em torno de Lula, Ciro e Manuela devem colocar, em suas plataformas políticas, a realização de “plebiscitos revogatórios”, destinados a anular, com a força do povo, atos reacionários e antinacionais desse governo – como a lei do teto das despesas públicas por 20 anos, a reforma trabalhista e a entrega do controle da Embraer ao capital estrangeiro, se isto vier a acontecer.

* Haroldo Lima é membro da Comissão Política Nacional do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil.

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