Por Eleonora de Lucena e Rodolfo Lucena, no site Tutaméia:
“Estão permitindo a captura do patrimônio público através da venda de tudo o que o Brasil tiver, na área do petróleo, da energia elétrica. Agora querem vender a Eletrobrás, uma coisa impensável. É uma violência. Tudo que é contra o interesse nacional é uma violência”, diz o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira em entrevista ao Tutaméia.
Referindo-se ao grupo que hoje comanda o Planalto, diz: “É uma coisa patética. É um povo sem rumo, governado por gente que não tem absolutamente nenhum interesse nesse povo”.
Trata-se de “uma elite econômica liberal que está absolutamente identificada com os interesses das elites internacionais rentistas e financistas, e não com os interesses do povo brasileiro. Apoiaram um golpe parlamentar em nome do combate à corrupção e colocaram no governo um corrupto completo”.
Ministro dos governos José Sarney e Fernando Henrique Cardoso, Bresser começou a conversa nos estúdios do Tutaméia avaliando a decisão de Donald Trump de impedir a venda da empresa norte-americana Qualcomm para a Broadcom, de Cingapura.
“Qualquer país que queira se desenvolver precisa ter um certo nacionalismo econômico. Os países ricos sempre tiveram e continuam tendo. Falam mal do nacionalismo, defendem o liberalismo internacionalista, a cooperação entre os países de todo mundo. E defendem fortemente e firmemente os interesses de sua nação. Todos fazem isso”.
Bresser lembrou que, como Trump, Emmanuel Macron também bloqueou uma desnacionalização. “É uma coisa absolutamente correta; tem certas empresas que não se deve desnacionalizar. Trump está fazendo o certo. Macron fez a mesma coisa na França. Aqui no Brasil a coisa é diferente. Aqui a gente vende tudo, desde que o Brasil virou um país com uma política liberal, colonialista, dependente, desde os anos 1990. Houve tentativa de mudança por parte do Lula. Agora voltou com uma violência total”.
Governo Temer é uma vergonha
Para ele, “o que houve no Brasil nesse golpe foi um cinismo absoluto. Sabiam que estavam dando um golpe, porque sabiam que o motivo do impeachment não era as pedaladas. Aquilo era mera justificativa. Queriam voltar ao poder”.
O ex-ministro critica a hegemonia neoliberal no país. Diz que o PSDB, que ajudou a fundar, hoje representa o neoliberalismo financeiro rentista. E identifica um aspecto curioso nesse cenário:
“Queriam um governo que fosse responsável fiscalmente. O governo Temer é uma vergonha, é o oposto”. O economista classifica como um absurdo o teto de gastos definido por Temer. “Fizeram para mostrar que eram neoliberais e que mereceriam o apoio da sociedade brasileira, agora vítima de uma hegemonia neoliberal, enganaram”.
Bresser classifica o grupo que se instalou no poder como uma quadrilha. “Se houvesse justiça no Brasil, estavam todos presos. André Singer chama de partido da justiça. Acho que ele está errado, devia mudar o nome para partido da injustiça”.
Para o capitalismo, eleições são um mal necessário
Economista e cientista social, Bresser aponta as eleições deste ano como uma possibilidade de mudança no quadro. Essa hegemonia neoliberal está acabando, prevê. Ele afirma que Lula foi um bom presidente e é o maior líder desde Getúlio Vargas. Gostaria que ele fosse candidato, mas acha pequena a possibilidade de isso acontecer.
“Nunca a eleição é irrestrita, limpa. As eleições no capitalismo são, para o capitalismo, um mal necessário. O liberalismo é antidemocrático, sempre foi. Tiveram que aceitar [a democracia] porque a pressão foi grande. Então procuram tornar a democracia a menos democrática possível”.
Para isso, diz, há várias estratégias: comprar deputados, senadores, controlar a mídia e, neste caso, é ter influência suficiente no judiciário para impedir que algum candidato seja candidato.
Bresser diz que Ciro Gomes está preparado e tem boas condições de ser presidente e elogia Guilherme Boulos: “É uma força da natureza; vai ser um grande líder político. O PT vai ter que tomar uma decisão”.
Nesse quadro geral, o ex-ministro avalia que “o Supremo também age politicamente, está também condicionado pelas hegemonias ideológicas do liberalismo.
Rentistas são gente sem compromisso com o povo
Bresser conta ao Tutaméia que acaba de escrever um novo livro. “Em Busca do Desenvolvimento Perdido” é o título, brincando com a obra de Michel Proust. Trata de uma proposta para o país, esmiuçando o novo desenvolvimentismo, teoria que elabora há anos.
Na entrevista, ele expõe a evolução do pensamento neoliberal e as mudanças ocorridas no capitalismo desde que Karl Marx avaliou o modelo.
“Todo o capitalismo é injusto, todo o capitalismo é corrupto”, declara, emendando que o sistema é eficiente. “O capitalismo que Marx conheceu era o dos empresários, voltado para o desenvolvimento econômico”.
Depois, relata, tecnoburocratas substituíram os empresários. E, agora, os herdeiros dos tecnoburocratas os substituíram na propriedade das empresas. É o capitalismo financeiro-rentista.
“Esses rentistas são gente de muito baixa qualidade, incapazes de gerir sua riqueza, de ter uma ideologia que a justifique. Chamaram os financistas, que são jovens tecnoburocratas que administram a riqueza dos rentistas. São os intelectuais orgânicos do capitalismo financeiro rentista. Coisa horrível, são pessoas que não têm nenhum compromisso com o povo”, afirma.
Nesse contexto de hegemonia rentista, não há saída?, perguntamos. A resposta de Bresser: “Tem saída, claro. Tem um ativo que é sempre muito grande, que é o povo. Esse povo existe e já não é mais uma ralé absolutamente dominada. Participam politicamente. Eles têm voz. A gente tem que conquistá-los com uma proposta. Não basta só protestar”.
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