Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Às vésperas de uma eleição presidencial decisiva para um país em colapso econômico e dissolução do regime político, a Venezuela se encontra no meio de um debate conduzido por dois personagens improváveis - o próprio Nicolas Maduro, candidato a reeleição, e o líder socialista espanhol José Luiz Zapatero. O assunto é o pós-eleitoral.
De volta a atividade política após uma aposentadoria compulsória em função do esfrangalhamento dos socialistas na crise de 2008-2009, que expôs as concessões sem limites ao capital financeiro da política econômica do PSOE nos sete nos que atuou como presidente do governo da Espanha, no início do ano Zapatero tornou-se o principal fiador externo dos acordos na Republica Dominicana que permitiram a convocação das eleições deste domingo na Venezuela.
Manteve uma postura firme na defesa da legitimidade das eleições até o último minuto. Criticou os líderes de oposição que passaram semanas simulando a disposição de pacto para saltar do barco na última hora e acompanhar os patronos de Washington e da União Europeia em mais uma tentativa de vencer o chavismo através da sabotagem permanente e de uma eventual intervenção militar.
Ontem, Zapatero desembarcou em Caracas, onde reuniu-se com Maduro no palácio presidencial de Miraflores. A seguir deu uma entrevista na qual anunciou que, em qualquer caso, o caminho para retirar a Venezuela da crise será a pacificação entre adversários que tenham disposição para fazer concessões mútuas e negociar um destino comum. A ideia é simples: qualquer que for o veredito das urnas, a parte vitoriosa tem obrigação de chamar a outra para sentar e negociar pontos em comum, inclusive participação em posições importantes da administração.
Maduro falou a seguir -- também no Palácio Miraflores -- para uma plateia de jornalistas e observadores internacionais convocados poucas horas antes. Foi um pronunciamento com vários momentos de humor e solidariedade.
Quando o presidente venezuelano fez uma referência a Luiz Inácio Lula da Silva, uma parte da plateia puxou o coro “Lula Livre!” e o próprio Maduro sorriu ao microfone: ”Lula Livre!”
No discurso, o presidente da Venezuela denunciou os projetos de invasão do país por tropas estrangeiras, explicando que só não foram adiante em função da “firmeza de nossas Forças Armadas” e da disposição de resistência da população.
Ao contrário de Zapatero, que desenhou um cenário pós-eleitoral, o discurso de Maduro o respeito absoluto ao resultado das urnas de domingo. Vença quem vencer, o ganhador deve ser reconhecido e empossado, disse.
Maduro lembrou que, por parte do chavismo, isso não é novidade. Desde a chegada de Chávez ao palácio, há 19 anos, ocorreram 23 eleições e consultas populares. O governo venceu 21 vezes, perdeu 2 e nunca rejeitou o resultado, coerente com uma opção “revolucionária com democracia” disse Maduro.
Não há dúvida de que a mensagem é uma boa notícia na reta final da campanha de um país conflagrado e exausto. No grande comício de encerramento, quinta-feira, o próprio Maduro antecipou questões nessa direção, quando falou sobre a necessidade de reconstruir o país, o que não será possível sem o respeito às urnas, e reerguer a economia, que exige um acordo com empresários que hoje se dedicam a especulação e a sabotagem.
Mas todos sabemos que a distância entre as boas intenções e a verdade do dia a dia costuma ser um pouco maior do que dois discursos encadeados. Como até as estatísticas demonstram, na vida real venezuelana as verdadeiras dificuldades se encontram do outro lado, com os adversários do chavismo e seus aliados externos, que tem uma tradição de contestar suas derrotas de todas as maneiras, inclusive por ações violentas.
É certo que o prestígio de Zapatero é um elemento de legitimação do processo eleitoral. É bom lembrar, contudo, que o líder do PSOE não fala pelo governo de seu país. Apesar da oratória desembaraçada, seu poder para pressionar, punir eventuais adversários e premiar aliados, é bastante reduzido.
O governo da Espanha, que procura conservar a influência sobre antigas colonias da América, hoje se encontra nas mãos do conservador Mariano Rajoy, alinhado com a linha dura do império norte-americano e da União Européia, responsáveis pelas sanções que estrangulam a economia venezuelana e punem seu povo.
Ausentes do processo eleitoral, os setores tradicionais da oposição venezuelana se revezam entre o oportunismo e o golpismo, em função de um único critério, que é a chance de vitória na próxima eleição.
Muitos observadores não conseguem acreditar que tenham disposição de firmar um compromisso de respeito a vontade do eleitor -- caso isso implique em aceitar a vitória de Maduro.
Entrevistado pelo 247, o chanceler Jorge Arreaza disse que “o pronunciamento do Zapatero foi muito claro, com fatos objetivos. Precisamos saber qual a opinião dos verdadeiros patrões da oposição, em Washington, para saber o que vai acontecer”.
Num ato inusitado num planeta no qual o respeito à soberania dos povos é uma questão resolvida ao menos no plano da legalidade, na quarta-feira o governo canadense deu sua contribuição particular para criar um ambiente de hostilidade contra as eleições ao proibir que os 6 000 venezuelanos que residem no país possam comparecer aos consultados e a embaixada da Venezuela para votar.
O diplomata Roy Chaderton, que foi ministro das Relações Exteriores no governo Hugo Chávez e participou das negociações na República Dominicana também falou ao 247. Disse que “ essa sempre foi nossa política: respeitar a verdade das urnas. Nunca tivemos problemas com isso, pois nossa política sempre foi a favor da democracia”.
Mas, numa referência óbvia a Donald Trump e sua diplomática agressiva e errática, Chaderton lembrou que não pode lembrar “a irracionalidade da mais influente liderança do mundo atual”.
Ainda que saldo final possa se mostrar muito menor do que ficou sugerido pelo anuncio de Zapatero, é bastante provável que Nicolas Maduro saia da campanha como um personagem político maior do que se costuma imaginar em função da espessa camada de incertezas, receios (e preconceitos) que acompanha todo cidadão de carne e osso repentinamente chamado a ocupar o lugar de lideranças que se transformaram em heróis da pátria, como ocorreu no momento em que Hugo Chávez o indicou como sucessor.
Ao entrar no debate pós-eleitoral, Maduro deixa claro que não basta ter mais votos no domingo para reunir condições para reconstruir o país. Será preciso negociar e articular a reconstrução do governo.
De volta a atividade política após uma aposentadoria compulsória em função do esfrangalhamento dos socialistas na crise de 2008-2009, que expôs as concessões sem limites ao capital financeiro da política econômica do PSOE nos sete nos que atuou como presidente do governo da Espanha, no início do ano Zapatero tornou-se o principal fiador externo dos acordos na Republica Dominicana que permitiram a convocação das eleições deste domingo na Venezuela.
Manteve uma postura firme na defesa da legitimidade das eleições até o último minuto. Criticou os líderes de oposição que passaram semanas simulando a disposição de pacto para saltar do barco na última hora e acompanhar os patronos de Washington e da União Europeia em mais uma tentativa de vencer o chavismo através da sabotagem permanente e de uma eventual intervenção militar.
Ontem, Zapatero desembarcou em Caracas, onde reuniu-se com Maduro no palácio presidencial de Miraflores. A seguir deu uma entrevista na qual anunciou que, em qualquer caso, o caminho para retirar a Venezuela da crise será a pacificação entre adversários que tenham disposição para fazer concessões mútuas e negociar um destino comum. A ideia é simples: qualquer que for o veredito das urnas, a parte vitoriosa tem obrigação de chamar a outra para sentar e negociar pontos em comum, inclusive participação em posições importantes da administração.
Maduro falou a seguir -- também no Palácio Miraflores -- para uma plateia de jornalistas e observadores internacionais convocados poucas horas antes. Foi um pronunciamento com vários momentos de humor e solidariedade.
Quando o presidente venezuelano fez uma referência a Luiz Inácio Lula da Silva, uma parte da plateia puxou o coro “Lula Livre!” e o próprio Maduro sorriu ao microfone: ”Lula Livre!”
No discurso, o presidente da Venezuela denunciou os projetos de invasão do país por tropas estrangeiras, explicando que só não foram adiante em função da “firmeza de nossas Forças Armadas” e da disposição de resistência da população.
Ao contrário de Zapatero, que desenhou um cenário pós-eleitoral, o discurso de Maduro o respeito absoluto ao resultado das urnas de domingo. Vença quem vencer, o ganhador deve ser reconhecido e empossado, disse.
Maduro lembrou que, por parte do chavismo, isso não é novidade. Desde a chegada de Chávez ao palácio, há 19 anos, ocorreram 23 eleições e consultas populares. O governo venceu 21 vezes, perdeu 2 e nunca rejeitou o resultado, coerente com uma opção “revolucionária com democracia” disse Maduro.
Não há dúvida de que a mensagem é uma boa notícia na reta final da campanha de um país conflagrado e exausto. No grande comício de encerramento, quinta-feira, o próprio Maduro antecipou questões nessa direção, quando falou sobre a necessidade de reconstruir o país, o que não será possível sem o respeito às urnas, e reerguer a economia, que exige um acordo com empresários que hoje se dedicam a especulação e a sabotagem.
Mas todos sabemos que a distância entre as boas intenções e a verdade do dia a dia costuma ser um pouco maior do que dois discursos encadeados. Como até as estatísticas demonstram, na vida real venezuelana as verdadeiras dificuldades se encontram do outro lado, com os adversários do chavismo e seus aliados externos, que tem uma tradição de contestar suas derrotas de todas as maneiras, inclusive por ações violentas.
É certo que o prestígio de Zapatero é um elemento de legitimação do processo eleitoral. É bom lembrar, contudo, que o líder do PSOE não fala pelo governo de seu país. Apesar da oratória desembaraçada, seu poder para pressionar, punir eventuais adversários e premiar aliados, é bastante reduzido.
O governo da Espanha, que procura conservar a influência sobre antigas colonias da América, hoje se encontra nas mãos do conservador Mariano Rajoy, alinhado com a linha dura do império norte-americano e da União Européia, responsáveis pelas sanções que estrangulam a economia venezuelana e punem seu povo.
Ausentes do processo eleitoral, os setores tradicionais da oposição venezuelana se revezam entre o oportunismo e o golpismo, em função de um único critério, que é a chance de vitória na próxima eleição.
Muitos observadores não conseguem acreditar que tenham disposição de firmar um compromisso de respeito a vontade do eleitor -- caso isso implique em aceitar a vitória de Maduro.
Entrevistado pelo 247, o chanceler Jorge Arreaza disse que “o pronunciamento do Zapatero foi muito claro, com fatos objetivos. Precisamos saber qual a opinião dos verdadeiros patrões da oposição, em Washington, para saber o que vai acontecer”.
Num ato inusitado num planeta no qual o respeito à soberania dos povos é uma questão resolvida ao menos no plano da legalidade, na quarta-feira o governo canadense deu sua contribuição particular para criar um ambiente de hostilidade contra as eleições ao proibir que os 6 000 venezuelanos que residem no país possam comparecer aos consultados e a embaixada da Venezuela para votar.
O diplomata Roy Chaderton, que foi ministro das Relações Exteriores no governo Hugo Chávez e participou das negociações na República Dominicana também falou ao 247. Disse que “ essa sempre foi nossa política: respeitar a verdade das urnas. Nunca tivemos problemas com isso, pois nossa política sempre foi a favor da democracia”.
Mas, numa referência óbvia a Donald Trump e sua diplomática agressiva e errática, Chaderton lembrou que não pode lembrar “a irracionalidade da mais influente liderança do mundo atual”.
Ainda que saldo final possa se mostrar muito menor do que ficou sugerido pelo anuncio de Zapatero, é bastante provável que Nicolas Maduro saia da campanha como um personagem político maior do que se costuma imaginar em função da espessa camada de incertezas, receios (e preconceitos) que acompanha todo cidadão de carne e osso repentinamente chamado a ocupar o lugar de lideranças que se transformaram em heróis da pátria, como ocorreu no momento em que Hugo Chávez o indicou como sucessor.
Ao entrar no debate pós-eleitoral, Maduro deixa claro que não basta ter mais votos no domingo para reunir condições para reconstruir o país. Será preciso negociar e articular a reconstrução do governo.
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