Por Ana Luiza Matos de Oliveira, Ana Paula Guidolin e Pedro Rossi, no site Brasil Debate:
O governo tem uma mão direita, o “lado masculino”, e uma mão esquerda, o “lado feminino”, disse certa vez o sociólogo Pierre Bourdieu (e que pode ser visto aqui, a partir do minuto 11:20). Para ele, atribui-se socialmente ao lado masculino as instituições que organizam a economia e ao lado feminino é atribuída a área social.
Essa distinção pode ser observada no plano da subjetividade, no qual o cuidado e a sensibilidade são vistos como características “naturais” (mas socialmente atribuídas) ao “lado feminino”, enquanto o “lado masculino” é associado ao rigor, à razão e à disciplina.
Tal distinção também pode ser vista no gênero dos que atuam nessas áreas: a proporção de mulheres nas áreas sociais é muito maior do que nas áreas que operam a política fiscal e monetária. O Banco Central brasileiro, por exemplo, desde sua primeira administração em 1965, teve 30 presidentes, nenhuma mulher. Também, só teve duas diretoras mulheres (Tereza Grossi e Carolina de Assis Barros) em uma história de centenas de diretores (cada gestão tem 9 diretorias)[1].
Já nas áreas sociais é mais frequente que mulheres estejam em posições de comando (apesar de hoje, no Governo Temer, conhecido por ser um governo de homens brancos velhos, dos 29 cargos com status de Ministro apenas um ser ocupado por uma mulher, no caso Grace Mendonça, Advogada-Geral da União). Além disso, na ponta das políticas sociais atua um grande número de mulheres: professoras, médicas, enfermeiras, assistentes sociais etc. Assim, dentro do governo se explicita uma divisão de gênero por áreas de atuação, que expressam a forma como a sociedade brasileira se organiza. Essa divisão, obviamente, não é natural nem desejável: a sociedade como um todo se beneficiaria se essa divisão por áreas não estivesse tão delimitada em termos de gênero.
Mas, partindo desse ponto, na hierarquia dos ministérios, o “masculino domina o feminino” quando o Ministério da Fazenda, que controla o orçamento, domina e impõe cortes sobre as áreas sociais como educação, saúde, previdência social etc. Momentos como o atual, de austeridade fiscal, são momentos de reafirmação dessa hierarquia: um lado dominado por homens se impõe a um lado dominado por mulheres. Assim, a falta de representatividade política não é um problema com fim em si mesmo. Existe uma rede de relações de poder de gênero que invade a esfera da política econômica, não se limitando às questões culturais.
Também, a escolha do uso dos recursos não é puramente técnica, é política também. As consequências de tais cortes vão além da questão financeira, gerando um desgaste emocional e uma queda no bem-estar das mulheres. Tal situação justifica o enquadramento do gênero feminino como uma minoria, não por seu tamanho, mas sim por seu poder relativo.
A fragilização dos serviços públicos é a fragilização da participação das mulheres na política pública como enfermeiras, professoras, assistentes sociais, mas, para além disso, são as mulheres as mais prejudicadas pelos cortes sociais, dada a desigualdade da repartição do trabalho doméstico por gênero que persiste na sociedade brasileira.
Em 2017, as mulheres brasileiras dedicavam aos afazeres domésticos quase o dobro do tempo que os homens, com uma média de horas semanais de 20,9 horas, enquanto para os homens a média ficou em 10,8 horas por semana, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar de 2017. Nesse sentido, também, ao promover o corte nas políticas sociais, a austeridade é machista por contribuir à sobrecarga das mulheres, que se desdobram na chamada dupla jornada, conciliando o trabalho fora de casa (remunerado, porém, em grande parte precário, e prejudicado pela flexibilização das condições de trabalho e dos direitos sociais) ao dentro de casa (não remunerado, desvalorizado e com repartição desigual em relação aos homens/companheiros do domicílio).
Cria-se um círculo vicioso no qual as mulheres são privadas de tempo, energia e recursos monetários para lutar por mais igualdade. Quem cuida das crianças quando não há mais vagas em creches públicas? Quem cuida dos idosos que adoecem por falta de recursos médicos?
Assim, a defesa do gasto social, a luta contra a austeridade fiscal e contra a destruição dos espaços públicos é também uma atitude feminista.
Essa distinção pode ser observada no plano da subjetividade, no qual o cuidado e a sensibilidade são vistos como características “naturais” (mas socialmente atribuídas) ao “lado feminino”, enquanto o “lado masculino” é associado ao rigor, à razão e à disciplina.
Tal distinção também pode ser vista no gênero dos que atuam nessas áreas: a proporção de mulheres nas áreas sociais é muito maior do que nas áreas que operam a política fiscal e monetária. O Banco Central brasileiro, por exemplo, desde sua primeira administração em 1965, teve 30 presidentes, nenhuma mulher. Também, só teve duas diretoras mulheres (Tereza Grossi e Carolina de Assis Barros) em uma história de centenas de diretores (cada gestão tem 9 diretorias)[1].
Já nas áreas sociais é mais frequente que mulheres estejam em posições de comando (apesar de hoje, no Governo Temer, conhecido por ser um governo de homens brancos velhos, dos 29 cargos com status de Ministro apenas um ser ocupado por uma mulher, no caso Grace Mendonça, Advogada-Geral da União). Além disso, na ponta das políticas sociais atua um grande número de mulheres: professoras, médicas, enfermeiras, assistentes sociais etc. Assim, dentro do governo se explicita uma divisão de gênero por áreas de atuação, que expressam a forma como a sociedade brasileira se organiza. Essa divisão, obviamente, não é natural nem desejável: a sociedade como um todo se beneficiaria se essa divisão por áreas não estivesse tão delimitada em termos de gênero.
Mas, partindo desse ponto, na hierarquia dos ministérios, o “masculino domina o feminino” quando o Ministério da Fazenda, que controla o orçamento, domina e impõe cortes sobre as áreas sociais como educação, saúde, previdência social etc. Momentos como o atual, de austeridade fiscal, são momentos de reafirmação dessa hierarquia: um lado dominado por homens se impõe a um lado dominado por mulheres. Assim, a falta de representatividade política não é um problema com fim em si mesmo. Existe uma rede de relações de poder de gênero que invade a esfera da política econômica, não se limitando às questões culturais.
Também, a escolha do uso dos recursos não é puramente técnica, é política também. As consequências de tais cortes vão além da questão financeira, gerando um desgaste emocional e uma queda no bem-estar das mulheres. Tal situação justifica o enquadramento do gênero feminino como uma minoria, não por seu tamanho, mas sim por seu poder relativo.
A fragilização dos serviços públicos é a fragilização da participação das mulheres na política pública como enfermeiras, professoras, assistentes sociais, mas, para além disso, são as mulheres as mais prejudicadas pelos cortes sociais, dada a desigualdade da repartição do trabalho doméstico por gênero que persiste na sociedade brasileira.
Em 2017, as mulheres brasileiras dedicavam aos afazeres domésticos quase o dobro do tempo que os homens, com uma média de horas semanais de 20,9 horas, enquanto para os homens a média ficou em 10,8 horas por semana, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar de 2017. Nesse sentido, também, ao promover o corte nas políticas sociais, a austeridade é machista por contribuir à sobrecarga das mulheres, que se desdobram na chamada dupla jornada, conciliando o trabalho fora de casa (remunerado, porém, em grande parte precário, e prejudicado pela flexibilização das condições de trabalho e dos direitos sociais) ao dentro de casa (não remunerado, desvalorizado e com repartição desigual em relação aos homens/companheiros do domicílio).
Cria-se um círculo vicioso no qual as mulheres são privadas de tempo, energia e recursos monetários para lutar por mais igualdade. Quem cuida das crianças quando não há mais vagas em creches públicas? Quem cuida dos idosos que adoecem por falta de recursos médicos?
Assim, a defesa do gasto social, a luta contra a austeridade fiscal e contra a destruição dos espaços públicos é também uma atitude feminista.
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