Por Rodrigo Martins, na revista CartaCapital:
Há quase dois anos, o tucano João Doria conseguiu um feito surpreendente. Elegeu-se prefeito da capital paulista em primeiro turno, com pouco mais de 53% dos votos válidos, algo que não ocorria desde 1988. Vestindo a fantasia de hábil “gestor”, investiu na campanha 3 milhões de reais do próprio bolso, além de surfar na onda do antipetismo que embalou o impeachment de Dilma Rousseff.
Uma vez eleito, jamais desmontou a máquina de propaganda. Empolgou-se com a ideia de disputar a Presidência da República pelo PSDB, aplicando uma rasteira em seu padrinho político, Geraldo Alckmin. O passo maior que a perna acabou impedido pela cúpula do partido, a oferecer como prêmio de consolação a candidatura para o governo de São Paulo. Doria via o pleito deste ano como favas contadas, mas as recentes rodadas de pesquisas eleitorais azedaram o clima de festa antecipada.
O ex-prefeito perdeu a dianteira da corrida eleitoral. Paulo Skaf, do MDB, agora lidera a disputa pelo governo paulista com 22% das intenções de voto, enquanto Doria registra 21%, de acordo com a última sondagem do Ibope, divulgada na sexta-feira 3. Até junho, segundo o instituto, o tucano estava numericamente à frente.
Embora a diferença esteja dentro da margem de erro da pesquisa, o presidente licenciado da Fiesp venceria o segundo turno por 36% a 32%. O levantamento CNT/MDA, publicado na quarta-feira 8, também aponta para um empate técnico. Ambos estariam com 16% das intenções de voto na etapa inicial, mas o emedebista bateria Doria no segundo turno por 29,7% a 26,8%.
Não é tudo. Dos postulantes ao Palácio dos Bandeirantes, Doria é o que tem a rejeição mais alta: 33% do eleitorado de São Paulo não votaria no tucano de modo algum, segundo o Ibope. Na capital, o índice chega a 52%. De fato, a lua de mel do paulistano com o ex-alcaide não durou muito.
Em abril, quando renunciou à prefeitura para disputar o governo do estado, apenas um ano e três meses após assumir o comando da cidade, 47% dos paulistanos consideravam a sua administração ruim ou péssima, atesta o Datafolha. E somente 18% do eleitorado fazia menções positivas.
Muita propaganda, pouca eficiência. Aproveitando-se do sentimento de negação da política que seduziu ampla parcela dos eleitores, Doria prometeu resolver quase todos os problemas da maior cidade da América do Sul com um “choque de gestão”. Apresentou-se ao eleitorado como “João Trabalhador”, fantasia que relutou em largar mesmo após eleito.
Por meses, insistiu em espalhafatosas e inócuas medidas para “limpar” a capital, posando para fotografias com trajes de gari ou de pintor de paredes. Não tardou para a população perceber o engodo criado pela equipe de marketing do tucano. Os serviços prestados pela prefeitura continuam mal avaliados e as mirabolantes promessas perderam-se pelo caminho.
Durante a campanha, Doria garantiu que iria zerar a fila para exames médicos, e chegou a celebrar o suposto feito em abril do ano passado. Em recente auditoria, o Tribunal de Contas do Município desmontou a farsa. A espera para a realização de exames em 2017 foi, em média, superior a três meses, diz o relatório do órgão. O tempo é considerado excessivo pelos profissionais da saúde e está muito acima da meta estabelecida pela prefeitura, de 30 dias para exames urgentes e 60 dias para os demais.
Na verdade, Doria parecia mais empenhado em disputar a Presidência da República no lugar de Alckmin, que há tempos patina entre 5% e 7% das intenções de voto. Não perdia uma oportunidade de buscar o confronto com Lula, enquanto fazia uma verdadeira peregrinação em busca de apoio Brasil afora.
Apenas nos sete primeiros meses de governo, acumulou 17 viagens para 16 diferentes destinos, seis deles internacionais. Dentro do País, concentrou a agenda em capitais do Nordeste, onde o PSDB historicamente tem maior dificuldade de conquistar o eleitorado.
“Toda essa movimentação reforçou uma ideia contrária ao que dizia em campanha. Doria passou a ser visto como um carreirista, um político mais preocupado em fazer autopromoção do que gerir a cidade. O descumprimento da promessa de ficar na prefeitura até o fim do mandato também contribuiu para desgastar a sua imagem”, observa o cientista político Cláudio Couto, professor da FGV de São Paulo.
De fato, 66% dos paulistanos avaliam que Doria agiu mal ao renunciar ao cargo em abril, segundo o DataFolha. O índice é bem superior à desaprovação da mesmíssima conduta de José Serra em 2006, quando o tucano também descumpriu a promessa de permanecer até o fim do mandato. Na ocasião, 46% aprovaram a decisão e 45% rejeitaram.
“A população de São Paulo parece estar cansada de usarem a prefeitura como trampolim para outras ambições”, diz Couto. “Doria ficou pouco tempo no comando da cidade e não se dedicou a ela como deveria. Essa é a percepção que se difundiu, mesmo entre aqueles que confiaram seu voto no tucano, na ilusão de que teriam um gestor, e não um político tradicional.”
As dificuldades não param por aí. Em 2016, Doria não hesitou em acionar a sua extensa rede de amigos empresários para financiar a campanha. Agora, deve repetir a estratégia, mas terá um adversário com o mesmo potencial de angariar apoio patronal: Skaf, há 14 anos à frente da Federação das Indústrias de São Paulo, usada para projetá-lo na política.
Além disso, o tucano não terá à sua disposição a máquina estadual e tampouco sai para a disputa com a base governista unificada em torno de si. Hoje com 3% a 5% das intenções de voto, o governador Márcio França, do PSB, que assumiu o estado quando Alckmin renunciou para concorrer à Presidência, também é candidato e conseguiu construir uma aliança com 14 partidos. Siglas pequenas, mas, juntas, capazes de garantir o segundo maior tempo de tevê nas eleições estaduais.
Em conversas reservadas, líderes tucanos ligados a Alckmin não escondem o ressentimento pela traição do ex-prefeito, que tentou ocupar o lugar do padrinho na corrida presidencial. O silencioso grupo soma-se a setores do PSDB rompidos com Doria desde 2016, quando ele foi acusado de comprar votos de delegados nas prévias tucanas.
“Ele é um predador, um destruidor de partido. É um homem que não tem escrúpulos para dar os seus passos, para avançar, e não há nenhum interesse público no seu norte, na sua forma de agir”, comenta o ex-governador Alberto Goldman, que há tempos trava uma querela pública com o ex-prefeito. “Muitos (tucanos) são mais simpáticos ao Márcio França ou ao Skaf. Há dois anos, não havia muita alternativa”, emenda.
Classificado por adversários como um “semitucano”, França sabe que disputa com Doria o espólio de Alckmin, de quem se considera um sucessor natural. “Talvez a vontade dele fosse esta, mas Alckmin não tem o perfil de dizer: ‘Faça isso e pronto’. Não é o perfil dele e o PSDB, nascido de uma dissidência do MDB, tem um assembleísmo decisório muito forte”, diz o pessebista, em entrevista para o site de CartaCapital.
Apoiadores do atual governador tampouco escondem a afinidade com os tucanos. “O verdadeiro PSDB aproxima-se muito do Márcio. O que ficou de melhor, menos à direita, está tudo com ele”, comenta Eliseu Gabriel, vereador e presidente do PSB em São Paulo.
Ademais, nada garante que Doria colherá muitos frutos explorando o antipetismo, como fez no passado. Mesmo entre os eleitores do estado de São Paulo, tradicional reduto tucano, Lula lidera a corrida presidencial, com 21,8% das intenções de voto, segundo a mais recente rodada da pesquisa CNT/MDA.
Uma notícia que certamente animou a equipe do petista Luiz Marinho, que hoje possui um porcentual semelhante ao de Márcio França nas sondagens eleitorais (3% a 5% das intenções de voto) e luta para chegar ao segundo turno.
Da mesma forma, a alegoria de um hábil gestor, descolado da política tradicional, não cabe mais em Doria. “Muitos não o conheciam e passaram a conhecê-lo. Não dá para vestir fantasia de mais nada”, observa Goldman. “Alguns talvez ainda não tenham percebido quem ele é, mas é sintomático que a rejeição na cidade de São Paulo seja muito maior do que no conjunto do estado.”
* Colaborou Laura Castanho.
Uma vez eleito, jamais desmontou a máquina de propaganda. Empolgou-se com a ideia de disputar a Presidência da República pelo PSDB, aplicando uma rasteira em seu padrinho político, Geraldo Alckmin. O passo maior que a perna acabou impedido pela cúpula do partido, a oferecer como prêmio de consolação a candidatura para o governo de São Paulo. Doria via o pleito deste ano como favas contadas, mas as recentes rodadas de pesquisas eleitorais azedaram o clima de festa antecipada.
O ex-prefeito perdeu a dianteira da corrida eleitoral. Paulo Skaf, do MDB, agora lidera a disputa pelo governo paulista com 22% das intenções de voto, enquanto Doria registra 21%, de acordo com a última sondagem do Ibope, divulgada na sexta-feira 3. Até junho, segundo o instituto, o tucano estava numericamente à frente.
Embora a diferença esteja dentro da margem de erro da pesquisa, o presidente licenciado da Fiesp venceria o segundo turno por 36% a 32%. O levantamento CNT/MDA, publicado na quarta-feira 8, também aponta para um empate técnico. Ambos estariam com 16% das intenções de voto na etapa inicial, mas o emedebista bateria Doria no segundo turno por 29,7% a 26,8%.
Não é tudo. Dos postulantes ao Palácio dos Bandeirantes, Doria é o que tem a rejeição mais alta: 33% do eleitorado de São Paulo não votaria no tucano de modo algum, segundo o Ibope. Na capital, o índice chega a 52%. De fato, a lua de mel do paulistano com o ex-alcaide não durou muito.
Em abril, quando renunciou à prefeitura para disputar o governo do estado, apenas um ano e três meses após assumir o comando da cidade, 47% dos paulistanos consideravam a sua administração ruim ou péssima, atesta o Datafolha. E somente 18% do eleitorado fazia menções positivas.
Muita propaganda, pouca eficiência. Aproveitando-se do sentimento de negação da política que seduziu ampla parcela dos eleitores, Doria prometeu resolver quase todos os problemas da maior cidade da América do Sul com um “choque de gestão”. Apresentou-se ao eleitorado como “João Trabalhador”, fantasia que relutou em largar mesmo após eleito.
Por meses, insistiu em espalhafatosas e inócuas medidas para “limpar” a capital, posando para fotografias com trajes de gari ou de pintor de paredes. Não tardou para a população perceber o engodo criado pela equipe de marketing do tucano. Os serviços prestados pela prefeitura continuam mal avaliados e as mirabolantes promessas perderam-se pelo caminho.
Durante a campanha, Doria garantiu que iria zerar a fila para exames médicos, e chegou a celebrar o suposto feito em abril do ano passado. Em recente auditoria, o Tribunal de Contas do Município desmontou a farsa. A espera para a realização de exames em 2017 foi, em média, superior a três meses, diz o relatório do órgão. O tempo é considerado excessivo pelos profissionais da saúde e está muito acima da meta estabelecida pela prefeitura, de 30 dias para exames urgentes e 60 dias para os demais.
Na verdade, Doria parecia mais empenhado em disputar a Presidência da República no lugar de Alckmin, que há tempos patina entre 5% e 7% das intenções de voto. Não perdia uma oportunidade de buscar o confronto com Lula, enquanto fazia uma verdadeira peregrinação em busca de apoio Brasil afora.
Apenas nos sete primeiros meses de governo, acumulou 17 viagens para 16 diferentes destinos, seis deles internacionais. Dentro do País, concentrou a agenda em capitais do Nordeste, onde o PSDB historicamente tem maior dificuldade de conquistar o eleitorado.
“Toda essa movimentação reforçou uma ideia contrária ao que dizia em campanha. Doria passou a ser visto como um carreirista, um político mais preocupado em fazer autopromoção do que gerir a cidade. O descumprimento da promessa de ficar na prefeitura até o fim do mandato também contribuiu para desgastar a sua imagem”, observa o cientista político Cláudio Couto, professor da FGV de São Paulo.
De fato, 66% dos paulistanos avaliam que Doria agiu mal ao renunciar ao cargo em abril, segundo o DataFolha. O índice é bem superior à desaprovação da mesmíssima conduta de José Serra em 2006, quando o tucano também descumpriu a promessa de permanecer até o fim do mandato. Na ocasião, 46% aprovaram a decisão e 45% rejeitaram.
“A população de São Paulo parece estar cansada de usarem a prefeitura como trampolim para outras ambições”, diz Couto. “Doria ficou pouco tempo no comando da cidade e não se dedicou a ela como deveria. Essa é a percepção que se difundiu, mesmo entre aqueles que confiaram seu voto no tucano, na ilusão de que teriam um gestor, e não um político tradicional.”
As dificuldades não param por aí. Em 2016, Doria não hesitou em acionar a sua extensa rede de amigos empresários para financiar a campanha. Agora, deve repetir a estratégia, mas terá um adversário com o mesmo potencial de angariar apoio patronal: Skaf, há 14 anos à frente da Federação das Indústrias de São Paulo, usada para projetá-lo na política.
Além disso, o tucano não terá à sua disposição a máquina estadual e tampouco sai para a disputa com a base governista unificada em torno de si. Hoje com 3% a 5% das intenções de voto, o governador Márcio França, do PSB, que assumiu o estado quando Alckmin renunciou para concorrer à Presidência, também é candidato e conseguiu construir uma aliança com 14 partidos. Siglas pequenas, mas, juntas, capazes de garantir o segundo maior tempo de tevê nas eleições estaduais.
Em conversas reservadas, líderes tucanos ligados a Alckmin não escondem o ressentimento pela traição do ex-prefeito, que tentou ocupar o lugar do padrinho na corrida presidencial. O silencioso grupo soma-se a setores do PSDB rompidos com Doria desde 2016, quando ele foi acusado de comprar votos de delegados nas prévias tucanas.
“Ele é um predador, um destruidor de partido. É um homem que não tem escrúpulos para dar os seus passos, para avançar, e não há nenhum interesse público no seu norte, na sua forma de agir”, comenta o ex-governador Alberto Goldman, que há tempos trava uma querela pública com o ex-prefeito. “Muitos (tucanos) são mais simpáticos ao Márcio França ou ao Skaf. Há dois anos, não havia muita alternativa”, emenda.
Classificado por adversários como um “semitucano”, França sabe que disputa com Doria o espólio de Alckmin, de quem se considera um sucessor natural. “Talvez a vontade dele fosse esta, mas Alckmin não tem o perfil de dizer: ‘Faça isso e pronto’. Não é o perfil dele e o PSDB, nascido de uma dissidência do MDB, tem um assembleísmo decisório muito forte”, diz o pessebista, em entrevista para o site de CartaCapital.
Apoiadores do atual governador tampouco escondem a afinidade com os tucanos. “O verdadeiro PSDB aproxima-se muito do Márcio. O que ficou de melhor, menos à direita, está tudo com ele”, comenta Eliseu Gabriel, vereador e presidente do PSB em São Paulo.
Ademais, nada garante que Doria colherá muitos frutos explorando o antipetismo, como fez no passado. Mesmo entre os eleitores do estado de São Paulo, tradicional reduto tucano, Lula lidera a corrida presidencial, com 21,8% das intenções de voto, segundo a mais recente rodada da pesquisa CNT/MDA.
Uma notícia que certamente animou a equipe do petista Luiz Marinho, que hoje possui um porcentual semelhante ao de Márcio França nas sondagens eleitorais (3% a 5% das intenções de voto) e luta para chegar ao segundo turno.
Da mesma forma, a alegoria de um hábil gestor, descolado da política tradicional, não cabe mais em Doria. “Muitos não o conheciam e passaram a conhecê-lo. Não dá para vestir fantasia de mais nada”, observa Goldman. “Alguns talvez ainda não tenham percebido quem ele é, mas é sintomático que a rejeição na cidade de São Paulo seja muito maior do que no conjunto do estado.”
* Colaborou Laura Castanho.
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