Charge: Stephff/Tailândia |
A eleição de Jair Bolsonaro está envolta em suspeitas e dúvidas. Elas precisam ser esclarecidas o quanto antes. Não se trata de iniciar o “terceiro turno” da eleição, por inconformismo com o resultado. Vimos, em 2014, o grave dano causado pelo gesto de Aécio Neves, que resolveu questionar uma eleição normal, sem sinal de interferências que pudessem haver distorcido a vontade do eleitorado.
Em face ao que tudo indica ter ocorrido em 2018, dizer que Dilma Rousseff, naquela eleição, cometeu um “estelionato eleitoral” soa pueril. Afirmar, em campanha, que não fará uma coisa e depois fazê-la pode enfurecer quem acreditou na promessa, mas nada tem de “estelionato”. As campanhas estimulam sonhos e os eleitores sabem que nem tudo que é prometido será cumprido.
Faz tempo que as eleições brasileiras deixaram de ser trapaceadas. A modernização da sociedade, o aumento da participação popular, os avanços tecnológicos nos processos de registro dos eleitores, na sistemática da votação e da apuração aposentaram as “marmitas” e outras velhas práticas.
Apenas o bolsonarismo entrou nesta eleição obcecado pelo risco de que ela pudesse ser fraudada. Seus líderes e seguidores tinham pronto um discurso (e sabe-se lá o que mais) para reagir caso perdessem. Fosse Fernando Haddad o vencedor, as urnas eletrônicas estariam sob pesado ataque. Como triunfaram, elas passaram, subitamente, a ser confiáveis.
As desconfianças a respeito desta eleição não são as habituais. Elas não provêm de Bolsonaro haver dito isto ou aquilo. Tampouco decorrem de denúncias mirabolantes contra programas de totalização de votos.
São duas as suspeitas mais graves. De um lado, é preciso esclarecer se houve uma operação de manipulação da opinião pública para aumentar o voto em Bolsonaro e diminuir o voto em Haddad. De outro, se decisões de alto impacto eleitoral foram tomadas por integrantes do Judiciário com o intuito de beneficiar Bolsonaro.
A cada dia, avolumam-se as suspeitas de que aconteceu este ano, no Brasil, mais um episódio das novas guerras sujas eleitorais que vêm ocorrendo no mundo. São muitas as evidências, tanto diretas, provenientes do bom jornalismo, quanto indiretas, baseadas nos resultados das pesquisas de opinião.
Os dados estão na mesa: temos uma ideia (provavelmente subestimada) do tamanho da onda de mensagens falsas que inundou o eleitorado nos últimos dias do primeiro turno, sabemos os nomes de (alguns) empresários que pagaram ilegalmente por elas, conhecemos (alguns) fornecedores que venderam os serviços de “impulsionamento”.
As pesquisas de opinião fornecem outras evidências: vários levantamentos diários das intenções de voto mostraram padrões inabituais de variação no final do primeiro e do segundo turno, sugerindo algum tipo de direcionamento dos sentimentos de grandes parcelas do eleitorado e diversas pesquisas “erraram” muito além do esperado em estados-chave, como o Rio de Janeiro e Minas Gerais (até em pesquisas de boca de urna).
Depois do segundo turno, novas pesquisas apontaram quão larga foi a difusão e a credibilidade com que notícias falsas foram distribuídas e consumidas pela população.
Temos até a admissão de que eleger Bolsonaro interessava aos mesmos responsáveis por manipulações semelhantes em outros lugares. Com a candura dos onipotentes, Steve Bannon, arauto do “capitalismo esclarecido” e arquiteto das vitórias de Donald Trump e do Brexit, nunca escondeu sua atuação no Brasil.
Note-se que a questão não se limita à discussão a respeito das fake news espalhadas durante a eleição. Nas novas guerras sujas, o relevante não é somente falsificar, mas fazer chegar a quem interessa determinados conteúdos, dizendo aquilo que cada parcela deve ouvir para despertar seus medos e ódios. Sem o “impulsionamento”, as fake news são inócuas.
Depois de quatro anos de forte instabilidade institucional, depois de um impeachment forçado, um presidente ilegítimo e da bagunça causada por corporações desgovernadas, é natural que muitos queiram paz, que desejem que ninguém questione a eleição e finjam que nada houve de estranho. Que foi tudo “normal”, que “um lado” derrotou “o outro” porque ficou maior, seja lá por quais motivos.
O problema é que, enquanto perdurarem as suspeitas e as dúvidas, ninguém saberá o que é verdade. Qual o “tamanho real” do bolsonarismo? Até que ponto seus valores e prioridades expressam o que pensa a maioria da sociedade? Os “impulsionamentos” estão sendo usados neste exato momento, preparando o terreno de opinião pública para o ano que vem?
Voltarão a ser usados nas próximas disputas, para eleger prefeitos e depois um novo presidente e um novo Congresso “alinhados”? Os militares que cercam Bolsonaro concordam com a estratégia da “guerra suja”? O sucesso dessas artimanhas no Brasil levará seus formuladores a exportá-las para outros países, contribuindo para lá eleger candidatos amigos do “capitalismo esclarecido”?
Conformar-se com o resultado de uma eleição feita dentro das regras é da essência da democracia. Mas quem votou no vitorioso tem que ter certeza de não haver sido ludibriado e quem preferiu o derrotado precisa confiar que não houve fraude e trapaça. O resto do mundo tem o direito de saber o que aconteceu no Brasil, para precaver-se contra assaltos antidemocráticos semelhantes.
A outra grave suspeita diz respeito à atuação do juiz que, ao tirar Lula do páreo, tornou possível a vitória do aliado e futuro chefe. Só podemos desejar que o Judiciário faça alguma coisa para se preservar.
Sérgio Moro terá inúmeras oportunidades de posar dando risadas ao lado de Bolsonaro, a quem, obviamente, pretende suceder, como fez com Aécio Neves e outros tucanos, dando-lhes a ilusão de que comungava com eles. De fato, sempre esteve muito mais à direita do que imaginavam.
Vamos, como País, fazer alguma coisa a respeito dessas suspeitas? Ou vamos deixar que tudo fique como está, como se tudo fosse “normal”?
Em face ao que tudo indica ter ocorrido em 2018, dizer que Dilma Rousseff, naquela eleição, cometeu um “estelionato eleitoral” soa pueril. Afirmar, em campanha, que não fará uma coisa e depois fazê-la pode enfurecer quem acreditou na promessa, mas nada tem de “estelionato”. As campanhas estimulam sonhos e os eleitores sabem que nem tudo que é prometido será cumprido.
Faz tempo que as eleições brasileiras deixaram de ser trapaceadas. A modernização da sociedade, o aumento da participação popular, os avanços tecnológicos nos processos de registro dos eleitores, na sistemática da votação e da apuração aposentaram as “marmitas” e outras velhas práticas.
Apenas o bolsonarismo entrou nesta eleição obcecado pelo risco de que ela pudesse ser fraudada. Seus líderes e seguidores tinham pronto um discurso (e sabe-se lá o que mais) para reagir caso perdessem. Fosse Fernando Haddad o vencedor, as urnas eletrônicas estariam sob pesado ataque. Como triunfaram, elas passaram, subitamente, a ser confiáveis.
As desconfianças a respeito desta eleição não são as habituais. Elas não provêm de Bolsonaro haver dito isto ou aquilo. Tampouco decorrem de denúncias mirabolantes contra programas de totalização de votos.
São duas as suspeitas mais graves. De um lado, é preciso esclarecer se houve uma operação de manipulação da opinião pública para aumentar o voto em Bolsonaro e diminuir o voto em Haddad. De outro, se decisões de alto impacto eleitoral foram tomadas por integrantes do Judiciário com o intuito de beneficiar Bolsonaro.
A cada dia, avolumam-se as suspeitas de que aconteceu este ano, no Brasil, mais um episódio das novas guerras sujas eleitorais que vêm ocorrendo no mundo. São muitas as evidências, tanto diretas, provenientes do bom jornalismo, quanto indiretas, baseadas nos resultados das pesquisas de opinião.
Os dados estão na mesa: temos uma ideia (provavelmente subestimada) do tamanho da onda de mensagens falsas que inundou o eleitorado nos últimos dias do primeiro turno, sabemos os nomes de (alguns) empresários que pagaram ilegalmente por elas, conhecemos (alguns) fornecedores que venderam os serviços de “impulsionamento”.
As pesquisas de opinião fornecem outras evidências: vários levantamentos diários das intenções de voto mostraram padrões inabituais de variação no final do primeiro e do segundo turno, sugerindo algum tipo de direcionamento dos sentimentos de grandes parcelas do eleitorado e diversas pesquisas “erraram” muito além do esperado em estados-chave, como o Rio de Janeiro e Minas Gerais (até em pesquisas de boca de urna).
Depois do segundo turno, novas pesquisas apontaram quão larga foi a difusão e a credibilidade com que notícias falsas foram distribuídas e consumidas pela população.
Temos até a admissão de que eleger Bolsonaro interessava aos mesmos responsáveis por manipulações semelhantes em outros lugares. Com a candura dos onipotentes, Steve Bannon, arauto do “capitalismo esclarecido” e arquiteto das vitórias de Donald Trump e do Brexit, nunca escondeu sua atuação no Brasil.
Note-se que a questão não se limita à discussão a respeito das fake news espalhadas durante a eleição. Nas novas guerras sujas, o relevante não é somente falsificar, mas fazer chegar a quem interessa determinados conteúdos, dizendo aquilo que cada parcela deve ouvir para despertar seus medos e ódios. Sem o “impulsionamento”, as fake news são inócuas.
Depois de quatro anos de forte instabilidade institucional, depois de um impeachment forçado, um presidente ilegítimo e da bagunça causada por corporações desgovernadas, é natural que muitos queiram paz, que desejem que ninguém questione a eleição e finjam que nada houve de estranho. Que foi tudo “normal”, que “um lado” derrotou “o outro” porque ficou maior, seja lá por quais motivos.
O problema é que, enquanto perdurarem as suspeitas e as dúvidas, ninguém saberá o que é verdade. Qual o “tamanho real” do bolsonarismo? Até que ponto seus valores e prioridades expressam o que pensa a maioria da sociedade? Os “impulsionamentos” estão sendo usados neste exato momento, preparando o terreno de opinião pública para o ano que vem?
Voltarão a ser usados nas próximas disputas, para eleger prefeitos e depois um novo presidente e um novo Congresso “alinhados”? Os militares que cercam Bolsonaro concordam com a estratégia da “guerra suja”? O sucesso dessas artimanhas no Brasil levará seus formuladores a exportá-las para outros países, contribuindo para lá eleger candidatos amigos do “capitalismo esclarecido”?
Conformar-se com o resultado de uma eleição feita dentro das regras é da essência da democracia. Mas quem votou no vitorioso tem que ter certeza de não haver sido ludibriado e quem preferiu o derrotado precisa confiar que não houve fraude e trapaça. O resto do mundo tem o direito de saber o que aconteceu no Brasil, para precaver-se contra assaltos antidemocráticos semelhantes.
A outra grave suspeita diz respeito à atuação do juiz que, ao tirar Lula do páreo, tornou possível a vitória do aliado e futuro chefe. Só podemos desejar que o Judiciário faça alguma coisa para se preservar.
Sérgio Moro terá inúmeras oportunidades de posar dando risadas ao lado de Bolsonaro, a quem, obviamente, pretende suceder, como fez com Aécio Neves e outros tucanos, dando-lhes a ilusão de que comungava com eles. De fato, sempre esteve muito mais à direita do que imaginavam.
Vamos, como País, fazer alguma coisa a respeito dessas suspeitas? Ou vamos deixar que tudo fique como está, como se tudo fosse “normal”?
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