Por Silvio Caccia Bava, no jornal Le Monde Diplomatique-Brasil:
Não nos iludamos, vivemos apenas um interregno em um processo que deve se acirrar depois de 1º de janeiro, quando toma posse o novo governo. Ocupados com a montagem da equipe ministerial, Bolsonaro, seus generais e os grupos evangélicos que o apoiam deram uma trégua na guerra de valores que está orientando a estratégia de recrutamento de sua equipe.
Colocando a economia de lado, porque esta será dirigida por economistas ultraliberais provenientes do mercado financeiro, inspirados por sua formação na Escola de Chicago e orientados a promover em larga escala a privatização de estatais para atender aos interesses especialmente do grande capital internacional e a direcionar os recursos públicos para alavancar os processos de acumulação, o governo que se constitui tem como projeto político a defesa de valores conservadores e de uma moral fundamentalista.
O ministro das Relações Exteriores nega o aquecimento global, o multilateralismo e a soberania nacional. O ministro da Educação, professor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, defende a escola sem partido. O ministro da Justiça manipula o Judiciário para perseguir a esquerda em nome do combate à corrupção… Os critérios de recrutamento não buscam gestores públicos experientes, capazes de formatar e gerir políticas públicas em benefício de um bom governo. O que vale é a orientação ideológica de direita, levando para o governo a polarização política que caracterizou a campanha eleitoral.
Nessa guerra de valores, as áreas de educação e comunicação são fundamentais. Bolsonaro propõe a militarização das escolas públicas, a volta da disciplina Moral e Cívica para valorizar o civismo, o amor à pátria e a ética, as parcerias público-privadas na educação pública e a vigilância permanente dos professores para combater o pensamento crítico. Na área de comunicação, a estratégia é continuar a saturar com fake news as redes sociais para atrair a atenção para o que não é importante e manter em alta a defesa de uma agenda de valores que reafirma toda sorte de preconceitos e discriminações.
Se esses movimentos já denotam os caminhos que esse novo governo vai trilhar – muito preocupantes por seu caráter autoritário e fundamentalista –, quando essas iniciativas saírem do papel e forem postas em prática vai se instaurar um confronto aberto na sociedade entre os defensores desses valores conservadores e a cultura pluralista e de respeito à diversidade que se desenvolveu no período democrático (1985-2016). Ainda que as forças policiais possam desempenhar um papel importante na caça aos esquerdistas, as maiores ameaças vêm da impunidade que grupos de ultradireita venham a ter ao praticar violências contra aqueles que pensam e se comportam diferentemente deles.
Como, ao que parece, o projeto político do novo governo não trata da gestão do Estado e tampouco das políticas públicas, e seu objetivo declarado é destruir a esquerda, criminalizar os movimentos sociais e combater toda forma de pensamento crítico, todos aqueles que forem identificados como participantes de qualquer manifestação de defesa de direitos e de contestação às arbitrariedades que estão por vir serão vistos como inimigos.
A ação política que se delineia, à semelhança do macarthismo nos Estados Unidos dos anos 1940-1950, é baseada fundamentalmente em delações não comprovadas, em uma intensa repressão e perseguição políticas, e em métodos de censura e difamação com base em acusações de traição ou subversão. A manipulação midiática, os interrogatórios para incriminar os “esquerdistas” (que substitui o inimigo “comunista”), a intimidação e a tortura para obtenção de confissões, a criação das “listas negras” que marcavam os perseguidos como traidores, tudo isso parece voltar do passado.
Os militantes dos movimentos sociais, dos sindicatos, das associações de defesa de direitos e das ONGs serão objeto de vigilância e repressão.
A onda conservadora que elegeu Bolsonaro contou com a participação ativa de bancadas parlamentares que comporão uma maioria no Congresso, incluindo também a grande maioria dos integrantes do Judiciário e da polícia. Assim, os três poderes da República se alinham e jogam na lata do lixo o que há de substantivo na democracia: o respeito ao outro e à pluralidade do pensamento, o pacto na defesa de direitos, a busca de uma vida digna para todos. Temos uma democracia formal, que elegeu o presidente, mas nenhum direito assegurado. Ao contrário, o governo eleito vai promover a espoliação ainda maior das maiorias, aprofundar a pobreza e a desigualdade, e tentar destruir todas as formas de representação e defesa das maiorias.
A combinação perversa do pacote de maldades anunciado pelos dirigentes da economia (reforma da previdência, corte nas políticas sociais, precarização das relações de trabalho etc.), com a imposição da agenda de valores conservadora, condena nosso país à condição de colônia exportadora de bens primários e joga o Brasil no obscurantismo, reafirmando toda sorte de discriminações, naturalizando a desigualdade, a exclusão das maiorias e a intolerância à diversidade, e sacrificando nossa capacidade de produzir conhecimentos, formar novas gerações e oferecer um futuro melhor para nossos filhos e netos.
Evidentemente não é o fim da história. Mas o enfrentamento dessa onda conservadora vai exigir dos democratas novas formas de fazer política e coragem para defender seus direitos.
Colocando a economia de lado, porque esta será dirigida por economistas ultraliberais provenientes do mercado financeiro, inspirados por sua formação na Escola de Chicago e orientados a promover em larga escala a privatização de estatais para atender aos interesses especialmente do grande capital internacional e a direcionar os recursos públicos para alavancar os processos de acumulação, o governo que se constitui tem como projeto político a defesa de valores conservadores e de uma moral fundamentalista.
O ministro das Relações Exteriores nega o aquecimento global, o multilateralismo e a soberania nacional. O ministro da Educação, professor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, defende a escola sem partido. O ministro da Justiça manipula o Judiciário para perseguir a esquerda em nome do combate à corrupção… Os critérios de recrutamento não buscam gestores públicos experientes, capazes de formatar e gerir políticas públicas em benefício de um bom governo. O que vale é a orientação ideológica de direita, levando para o governo a polarização política que caracterizou a campanha eleitoral.
Nessa guerra de valores, as áreas de educação e comunicação são fundamentais. Bolsonaro propõe a militarização das escolas públicas, a volta da disciplina Moral e Cívica para valorizar o civismo, o amor à pátria e a ética, as parcerias público-privadas na educação pública e a vigilância permanente dos professores para combater o pensamento crítico. Na área de comunicação, a estratégia é continuar a saturar com fake news as redes sociais para atrair a atenção para o que não é importante e manter em alta a defesa de uma agenda de valores que reafirma toda sorte de preconceitos e discriminações.
Se esses movimentos já denotam os caminhos que esse novo governo vai trilhar – muito preocupantes por seu caráter autoritário e fundamentalista –, quando essas iniciativas saírem do papel e forem postas em prática vai se instaurar um confronto aberto na sociedade entre os defensores desses valores conservadores e a cultura pluralista e de respeito à diversidade que se desenvolveu no período democrático (1985-2016). Ainda que as forças policiais possam desempenhar um papel importante na caça aos esquerdistas, as maiores ameaças vêm da impunidade que grupos de ultradireita venham a ter ao praticar violências contra aqueles que pensam e se comportam diferentemente deles.
Como, ao que parece, o projeto político do novo governo não trata da gestão do Estado e tampouco das políticas públicas, e seu objetivo declarado é destruir a esquerda, criminalizar os movimentos sociais e combater toda forma de pensamento crítico, todos aqueles que forem identificados como participantes de qualquer manifestação de defesa de direitos e de contestação às arbitrariedades que estão por vir serão vistos como inimigos.
A ação política que se delineia, à semelhança do macarthismo nos Estados Unidos dos anos 1940-1950, é baseada fundamentalmente em delações não comprovadas, em uma intensa repressão e perseguição políticas, e em métodos de censura e difamação com base em acusações de traição ou subversão. A manipulação midiática, os interrogatórios para incriminar os “esquerdistas” (que substitui o inimigo “comunista”), a intimidação e a tortura para obtenção de confissões, a criação das “listas negras” que marcavam os perseguidos como traidores, tudo isso parece voltar do passado.
Os militantes dos movimentos sociais, dos sindicatos, das associações de defesa de direitos e das ONGs serão objeto de vigilância e repressão.
A onda conservadora que elegeu Bolsonaro contou com a participação ativa de bancadas parlamentares que comporão uma maioria no Congresso, incluindo também a grande maioria dos integrantes do Judiciário e da polícia. Assim, os três poderes da República se alinham e jogam na lata do lixo o que há de substantivo na democracia: o respeito ao outro e à pluralidade do pensamento, o pacto na defesa de direitos, a busca de uma vida digna para todos. Temos uma democracia formal, que elegeu o presidente, mas nenhum direito assegurado. Ao contrário, o governo eleito vai promover a espoliação ainda maior das maiorias, aprofundar a pobreza e a desigualdade, e tentar destruir todas as formas de representação e defesa das maiorias.
A combinação perversa do pacote de maldades anunciado pelos dirigentes da economia (reforma da previdência, corte nas políticas sociais, precarização das relações de trabalho etc.), com a imposição da agenda de valores conservadora, condena nosso país à condição de colônia exportadora de bens primários e joga o Brasil no obscurantismo, reafirmando toda sorte de discriminações, naturalizando a desigualdade, a exclusão das maiorias e a intolerância à diversidade, e sacrificando nossa capacidade de produzir conhecimentos, formar novas gerações e oferecer um futuro melhor para nossos filhos e netos.
Evidentemente não é o fim da história. Mas o enfrentamento dessa onda conservadora vai exigir dos democratas novas formas de fazer política e coragem para defender seus direitos.
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