domingo, 16 de dezembro de 2018

Os ataques aos direitos humanos na rede

Por Cristiane Sampaio, no jornal Brasil de Fato:

Em audiência pública realizada nesta quinta-feira (13) na Comissão de Direitos Humanos do Senado, em Brasília (DF), especialistas de diferentes entidades compartilharam preocupações com o contexto de disseminação de informações falsas e ataques aos direitos humanos em redes sociais.

A ONG SaferNet Brasil, por exemplo, recebeu, desde 2005, mais de 2 milhões de denúncias envolvendo crimes de ódio. O avanço da extrema direita no país também se refletiu nas redes: somente no período do segundo turno das eleições presidenciais deste ano a entidade registrou 39 mil denúncias.

Para organizações da sociedade civil organizada, o cenário que está por vir exige atenção do Estado brasileiro e dos setores sociais especialmente em relação a plataformas como o Facebook.

A rede social tem 2,2 bilhões de usuários mensais no mundo, 127 milhões deles estão no Brasil. Ela opera ainda outras plataformas, como o WhatsApp e o Instagram. Por conta disso, é um dos principais canais de divulgação das chamadas fake news.

A coordenadora-executiva do Intervozes, Bia Barbosa, destaca que o problema atinge especialmente grupos mais vulneráveis, como mulheres, LGBTs, negros e quilombolas. Tais segmentos têm problemas históricos com a cobertura da mídia tradicional, controlada, em geral, pelo poder econômico dominante – ao qual se somam, na atualidade, as grandes empresas proprietárias das plataformas de redes sociais.

Para se ter uma ideia, quase um terço dos 2 milhões de denúncias de crimes de ódio na internet recebidos pela SaferNet Brasil foram de crimes de racismo. Também são frequentes postagens relacionadas a casos de intolerância política e outras violações.

“Como é que você faz um enfrentamento não só pra desconstruir uma determinada notícia fraudulenta, mas como se rebatem ataques, preconceitos, discursos de ódio quando você tem, de um lado dessa disputa de narrativas, um poder muito forte favorecendo a circulação de determinadas informações?”, questiona Bia Barbosa, acrescentando ainda a necessidade de as plataformas utilizarem recursos e técnicas mais eficientes e transparentes para combater o problema.

Plataformas como o Facebook são acusadas frequentemente de cercearem, por exemplo, manifestações de grupos minoritários na rede. A prática é possível graças ao controle dos conteúdos visualizados pelos internautas, feito por meio de mecanismos sofisticados de tecnologia da informação.

Especialistas apontam que essa possibilidade gera problemas como a limitação da pluralidade dos debates, com a consequentemente inviabilização do contraditório, e se somam ao contexto da falta de controle mais efetivo para a veiculação de notícias falsas. Nesse cenário, surgem ainda outros problemas.

Um deles é o acesso de crianças e adolescentes aos conteúdos de ódio e às fake news, além de publicações impróprias relacionadas ao consumo de publicidade.

O alerta é do advogado Pedro Hartung, coordenador do Programa Prioridade Absoluta, do Instituto Alana. Ele destaca que, em geral, os termos de uso das redes sociais exigem que o internauta tenha idade mínima de 18 anos, mas, na prática, não há um controle para o cumprimento real dessa norma.

"[Isso] impacta severamente em crianças e adolescentes no que se refere ao livre desenvolvimento da sua personalidade, que é a possibilidade de eles terem contato com uma diversidade de informações, opiniões, expressões culturais fundamentais pro seu sadio desenvolvimento”, ressalta.

Fiscalização

O jurista e ciberativista Paulo Rená, do Instituto Beta Internet e Democracia (Idibem), destaca que o país carece de fiscalização em relação ao cumprimento da “neutralidade da rede” ou “princípio da neutralidade”, fixado pelo Marco Civil da Internet (Lei Nº 12.965).

A norma trata da ideia de que as informações que trafegam na rede devem receber igual tratamento por parte das plataformas virtuais, de forma que cheguem aos usuários com a mesma velocidade e sem crivos como os de ordem político-ideológica.

A legislação entrou em vigor no país em 2014, mas o especialista ressalta que decisões e outras medidas tomadas nos últimos anos por órgãos de fiscalização, como o Ministério Público e a Anatel, não têm apontado no sentido de garantir o cumprimento da norma.

“Isso impacta diretamente na questão das fake news. Pro futuro, a gente tem uma série de cobranças a respeito da atuação efetiva da polícia, dos órgãos do Ministério Público. O próprio Congresso pode cobrar por meio de investigações, CPIs, mas não só [disso]; o Judiciário também precisa ter uma atuação direta”, finaliza Rená.

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