domingo, 16 de dezembro de 2018

Eduardo Bolsonaro, o idiota diplomático

Por Luis Nassif, no Jornal GGN:

Peça 1 – um tosco na corte de Rio Branco

O titulo do artigo foi tomado emprestado de um clássico do continente, o "Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano".

As sandices ditas por Eduardo Bolsonaro no Twitter seriam apenas isso: sandices de um palpiteiro de rede social, não fosse a circunstância de que se trata do responsável, de fato, pela política externa brasileira, por herança paterna. É um completo sem-noção, inclusive sobre o peso da palavra de quem se tornou o chanceler de fato.

Coube a Eduardo Bolsonaro indicar o novo Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Para conseguir o cargo, Araújo aceitou endossar todo o besteirol que nasce da cabeça de Eduardo.

O último feito dessa dupla luminosa foi afastar o chefe do cerimonial do Itamarati por ter incluído Cuba e Venezuela nos convites para a posse de Jair Bolsonaro.

Peça 2 – as regras da diplomacia

A diplomacia obedece a regras universais, regidas por Convenções sobre Relações Diplomáticas que vêm desde o Congresso de Viena, de 1815.

A última atualização é a convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 1961. O país assinou o documento e regulamentou em pleno governo Castello Branco, em 8 de junho de 1965, através do Decreto no. 56.435.

Os Estados Partes na presente Convenção,

Considerando que, desde tempos remotos, os povos de todas as Nações têm reconhecido a condição dos agentes diplomáticos;

Conscientes dos propósitos e princípios da Carta das Nações unidas relativos à igualdade soberana dos Estados, à manutenção da paz e da segurança internacional e ao desenvolvimento das relações de amizade entre as Nações;

Estimando que uma Convenção Internacional sobre relações, privilégios e imunidades diplomáticas contribuirá para o desenvolvimento de relações amistosas entre as Nações, independentemente da diversidade dos seus regimes constitucionais e sociais;

Reconhecendo que a finalidade de tais privilégios e imunidades não é beneficiar indivíduos, mas, sim, a de garantir o eficaz desempenho das funções das Missões diplomáticas, em seu caráter de representantes dos Estados;

Afirmando que as normas de Direito internacional consuetudinário devem continuar regendo as questões que não tenham sido expressamente reguladas nas disposições da presente Convenção;

Essas regras são universais e todos os países as seguem não importa qual sua ideologia.

Na posse de um novo governante, todos os Chefes de Estado de países com os quais o Brasil tem relações diplomáticas são convidados. Funciona assim em todos os países assim reconhecidos do planeta. Até a Alemanha do Terceiro Reich seguia essas regras escrupulosamente, assim como a URSS, antes e durante a Guerra Fria.

As regras diplomáticas são valiosas mesmo em tempo de guerras e embargos. E todos os países as seguem, mesmo sendo inimigos. Essas regras regulam a extraterritatoriedade das Embaixadas, a segurança física do pessoal diplomático mesmo em situação de rompimento de relações e com raríssimas exceções sempre foram observadas.

No caso brasileiro, as regras do cerimonial estão consolidadas no decreto no. 70.724 de 9 de março de 1972, em pleno governo Médici.

Diz o artigo 48:

Art. 48. O Presidente da República enviará Cartas de Chancelaria aos Chefes de Estado dos países com os quais o Brasil mantém relações diplomáticas, comunicando-lhes sua posse.

§ 1º As referidas Cartas serão preparadas pelo Ministério das Relações Exteriores.


Peça 3 – a diplomacia norte-americana e Cuba

Vamos conferir como a nação modelo dos Bolsonaro se comporta no plano diplomático.

Debaixo do guarda-chuva da Convenção de Viena, os Estados Unidos mantem uma vasta estrutura diplomática em Cuba, chamada de Seção de Interesses dos Estados Unidos em Cuba, debaixo da bandeira da Suíça.

Como se pode conferir na página “Embaixada dos EUA em Cuba” o aviso:

Por favor, observe que a Embaixada dos EUA em Havana permanece aberta.

Os cidadãos americanos têm acesso a toda a gama de serviços consulares na Embaixada dos EUA em Havana.

Como está em vigor há algum tempo, a Embaixada não está emitindo vistos de não-imigrantes, exceto para emergências com risco de vida. Os cidadãos cubanos continuam sendo bem-vindos para solicitar vistos de não-imigrantes, incluindo renovações, em qualquer embaixada ou consulado dos EUA que processe vistos, fora de Cuba.

(...) A Embaixada dos EUA em Havana é a fonte final e indiscutível de nossas próprias operações. Para mais informações, visite nosso site em cu.usembassy.gov e os canais de mídia social (Facebook e Twitter) em @USEmbCuba .


Essa SEÇÃO DE INTERESSES é chefiada por um Chargé d´Affaires, um nível baixo de Embaixador e tem todos os serviços de uma Embaixada: concede vistos, autentica faturas e dá proteção a cidadãos americanos que visitam Cuba. São 8.000 por mês, em voos regulares diários entre EUA e Cuba.

Independentemente das idiossincrasias de Donald Trump, a diplomacia sempre busca formas de cooperação, como no acordo bilateral sobre busca e resgate marítimo e aeronáutico, merecendo uma saudação do encarregado de negócios, embaixador Jeffrey Delautentis:

Felicito as autoridades de busca e resgate dos EUA e de Cuba por essa conquista histórica. Desde que cheguei em agosto de 2014, passei a apreciar a coordenação entre a Guarda Costeira dos EUA e o sistema de busca e salvamento marítimo e aeronáutico de Cuba.

Por isso, é um grande prazer assinar este acordo de busca e salvamento em nome do governo dos EUA.

Recentemente, os EUA enviaram para Cuba um diplomata sênior, Philipe Goldberg, que assumiu o cargo em fevereiro deste ano.

No site do Departamento de Estado, há uma página explicando as relações com Cuba.

“Embora as sanções econômicas permaneçam em vigor, os Estados Unidos são um dos principais fornecedores de alimentos e produtos agrícolas de Cuba, com exportações desses bens avaliadas em US $ 247 milhões em 2016. Os Estados Unidos também são fornecedores significativos de bens humanitários para Cuba, incluindo medicamentos. e produtos médicos. As remessas dos Estados Unidos, estimadas em US $ 3 bilhões em 2016, desempenham um papel importante na economia controlada por Cuba”.

Assim sendo, o Itamaraty enviar convites para a posse a Cuba está estritamente dentro das regras diplomáticas de países civilizados.

Os perfeitos idiotas latino-americanos, aboletados no poder, desconhecem qualquer regra de nações organizadas.

Peça 4 – negócios à parte

Nas páginas do Office of United States Trade Representative informa-se que:

Desde 2000, certas exportações americanas de produtos agrícolas e dispositivos médicos foram permitidas. Outros itens autorizados para exportação mais recentemente incluem certos materiais de construção para construção residencial privada, bens e serviços para uso por empresários cubanos do setor privado e equipamentos agrícolas para pequenos agricultores.

- Cuba foi o 127º maior mercado de exportação de bens dos Estados Unidos em 2015.

- As exportações de bens dos EUA para Cuba em 2015 foram de US $ 180 milhões, uma queda de 40% (US $ 119 milhões) em relação a 2014 e uma queda de 51% em relação a 2005.

- As principais categorias de exportação (HS de 2 dígitos) em 2015 foram: carne (US $ 78 milhões), ração animal (US $ 44 milhões), grãos diversos, sementes, frutas (US $ 22 milhões), produtos químicos diversos (US $ 13 milhões) e produtos químicos inorgânicos (US $ 9 milhões).

- As exportações americanas de produtos agrícolas para Cuba totalizaram US $ 150 milhões em 2015. 

- As principais categorias incluem: frango (US $ 78 milhões), farelo de soja (US $ 55 milhões), soja (US $ 10 milhões), milho (US $ 5 milhões) e laticínios (US $ 412 mil).

- Em 2017 subiram para US$ 217,3 milhões e para US$ 239,6 milhões até outubro de 2018 (clique aqui).

Os carregamentos de grãos são transportados por navios de bandeira americana que aportam em Havana toda semana. Os preços de commodities agrícolas são subsidiados pelo governo norte-americano. Logo, indiretamente Cuba é subsidiada pelo Tesouro dos EUA.

As remessas dos Estados Unidos para Cuba são estimadas em US $ 3 bilhões em 2016.

Peça 5 – os riscos para o país

Não se trata de mera curiosidade, essa nova forma de genealogia do poder no Brasil. A diplomacia tem impacto profundo no comércio exterior, nos acordos de cooperação, na compra e venda de produtos sensíveis.

Além disso, é responsável pela segurança do cidadão brasileiro em todos os países com os quais o Brasil mantem relações diplomáticas.

No entanto, montou-se uma seleção de recursos humanos pelo avesso. A indicação de cada Ministro depende exclusivamente de sua capacidade de endossar o besteirol da família Bolsonaro.

Nem se culpe os Bolsonaro por essa desmoralização internacional. Eles ao menos têm o álibi da ignorância rotunda. Culpados são os que permitiram que o país chegasse nesse nível de "refundação", através da desmoralização dos partidos políticos e das instituições.

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