Após a sua decisão liminar, que apenas reafirmava o que diz explicitamente a Constituição, o Ministro Marco Aurélio declarou que “se o Supremo ainda for o Supremo, minha decisão tem que ser obedecida”.
Não foi.
Contrariando as normas do próprio STF, que determinavam que a decisão só poderia ser revista pelo Plenário, Toffoli anulou-a.
Contribuiu para esse desfecho ilegal e inconstitucional a inoportuna e impertinente mobilização militar e a “grita” da mídia e de procuradores de convicção religiosa, que mentiram à população, afirmando que a liminar em defesa da Constituição libertaria da prisão cerca de 169 mil pessoas, inclusive perigosos homicidas.
Mentira grosseira, pois era óbvio que a liminar não beneficiaria presos perigosos submetidos à prisão preventiva, condenados por júri popular, aqueles que tem mais de uma condenação, etc....
Na Lava Jato, por exemplo, a liminar beneficiaria potencialmente apenas meia dúzia de bagrinhos.
Destaque-se que a hipótese de prisão em segunda instância só foi estabelecida em 2016.
Por acaso alguém acredita que, até aquela data, ninguém podia ser preso no Brasil? Nosso país tem a terceira taxa de encarceramento do mundo há bastante tempo. Prendemos muito e prendemos mal.
Não somos o país da impunidade, somos o país da punição cruel. Somos o país da tortura e somos o país das execuções extrajudiciais. E somos uma nação de gente cínica, hipócrita e cruel.
E, agora, somos um país no qual o Supremo não é mais Supremo.
O papel do Supremo é a defesa da Constituição, sobretudo das suas cláusulas pétreas, nas quais estão incluídos o devido processo legal e o amplo direito à defesa.
Desse modo, a defesa da Constituição é muito mais que a defesa de um texto legal.
Ela é, na realidade, a defesa da democracia e, num sentido ainda maior, a defesa da civilização contra a barbárie. Contra a barbárie institucional.
Na relação invariavelmente assimétrica entre sujeitos individuais e coletivos e o Estado, são os primeiros que necessitam de proteção, a proteção dos direitos e das garantias individuais, a proteção da Justiça, face ao monopólio legal da força que o último possui.
No Brasil, após a cassação da liminar de Marco Aurélio, não há mais dúvida (para aqueles que ainda a tinham) de que essa proteção se esfumou, tal qual motorista de deputado do baixo clero.
Ficou claro, escancarado, após o episódio, que o sistema jurídico agora está a serviço de um projeto político que se apossou do aparelho de Estado e criou um Estado de exceção seletivo, que produz presos políticos e decisões oportunistas e teleológicas.
A decisão de permitir a prisão em segunda instância, contrariando o texto claro e explícito da Constituição, foi construída para prender Lula e afastá-lo da disputa eleitoral, ganha pelo neofascismo, que premiou Moro com o cargo de superministro da “Justiça”.
Tal decisão inconstitucional e antidemocrática já sobreviveu, incólume, a pronunciamentos contrários da ONU, de desembargadores e, agora, de ministro do Supremo.
Entretanto, esse Estado de exceção seletivo não foi erigido para prender a pessoa física de Lula.
Pois Lula, como diz Mujica, outro grande ex-presidente, não é uma pessoa; é uma causa.
Assim, o que o neofascismo brasileiro quer, com essa prisão política e esse Estado de exceção, é impedir a reação popular a um projeto antipopular e antinacional.
O projeto político que se apossou do aparelho de Estado e das instituições exige o sacrifício da Constituição, tanto na dimensão dos direitos políticos quanto dos sociais.
Exige, portanto, o sacrifício dissimulado da democracia.
E exige também o sacrifício de princípios civilizatórios, para instituir a barbárie de um ultraneoliberalismo que fará do Brasil laboratório político para um tipo de capitalismo que não se mostra mais compatível com a democracia, bem como para implantar a selvageria de um neofascismo baseado num fundamentalismo medieval.
Nesse quadro, o Supremo não é mais Supremo; é carimbador de decisões de primeira instância.
A Carta Magna não é mais Magna; é texto nanico, portaria a ser interpretada pelos interesses de ocasião.
A democracia não é mais democracia, é biombo, simulacro, para um Estado de exceção.
E a civilização, criada pelo pacto social, não é mais civilização; é barbárie destinada a implodir a convivência social pacífica e regrada e impor a violência como instrumento de contenção dos conflitos.
O Brasil enfrenta um apocalipse demente. Como o personagem Kurtz, da novela de Joseph Conrad, Coração das Trevas, e do filme de Coppola, Apocalyse Now, as forças obscurantistas romperam com todas as regras e estão enlouquecidas pelo poder, a adulação de seguidores fanáticos e a sede da riqueza fácil.
Aos democratas que sobrevivem, resta a lucidez última do moribundo Kurtz, que exclamava às trevas do seu mundo cruel e enlouquecido, sem Supremo, sem direitos, sem democracia: o Horror...o Horror....
Não foi.
Contrariando as normas do próprio STF, que determinavam que a decisão só poderia ser revista pelo Plenário, Toffoli anulou-a.
Contribuiu para esse desfecho ilegal e inconstitucional a inoportuna e impertinente mobilização militar e a “grita” da mídia e de procuradores de convicção religiosa, que mentiram à população, afirmando que a liminar em defesa da Constituição libertaria da prisão cerca de 169 mil pessoas, inclusive perigosos homicidas.
Mentira grosseira, pois era óbvio que a liminar não beneficiaria presos perigosos submetidos à prisão preventiva, condenados por júri popular, aqueles que tem mais de uma condenação, etc....
Na Lava Jato, por exemplo, a liminar beneficiaria potencialmente apenas meia dúzia de bagrinhos.
Destaque-se que a hipótese de prisão em segunda instância só foi estabelecida em 2016.
Por acaso alguém acredita que, até aquela data, ninguém podia ser preso no Brasil? Nosso país tem a terceira taxa de encarceramento do mundo há bastante tempo. Prendemos muito e prendemos mal.
Não somos o país da impunidade, somos o país da punição cruel. Somos o país da tortura e somos o país das execuções extrajudiciais. E somos uma nação de gente cínica, hipócrita e cruel.
E, agora, somos um país no qual o Supremo não é mais Supremo.
O papel do Supremo é a defesa da Constituição, sobretudo das suas cláusulas pétreas, nas quais estão incluídos o devido processo legal e o amplo direito à defesa.
Desse modo, a defesa da Constituição é muito mais que a defesa de um texto legal.
Ela é, na realidade, a defesa da democracia e, num sentido ainda maior, a defesa da civilização contra a barbárie. Contra a barbárie institucional.
Na relação invariavelmente assimétrica entre sujeitos individuais e coletivos e o Estado, são os primeiros que necessitam de proteção, a proteção dos direitos e das garantias individuais, a proteção da Justiça, face ao monopólio legal da força que o último possui.
No Brasil, após a cassação da liminar de Marco Aurélio, não há mais dúvida (para aqueles que ainda a tinham) de que essa proteção se esfumou, tal qual motorista de deputado do baixo clero.
Ficou claro, escancarado, após o episódio, que o sistema jurídico agora está a serviço de um projeto político que se apossou do aparelho de Estado e criou um Estado de exceção seletivo, que produz presos políticos e decisões oportunistas e teleológicas.
A decisão de permitir a prisão em segunda instância, contrariando o texto claro e explícito da Constituição, foi construída para prender Lula e afastá-lo da disputa eleitoral, ganha pelo neofascismo, que premiou Moro com o cargo de superministro da “Justiça”.
Tal decisão inconstitucional e antidemocrática já sobreviveu, incólume, a pronunciamentos contrários da ONU, de desembargadores e, agora, de ministro do Supremo.
Entretanto, esse Estado de exceção seletivo não foi erigido para prender a pessoa física de Lula.
Pois Lula, como diz Mujica, outro grande ex-presidente, não é uma pessoa; é uma causa.
Assim, o que o neofascismo brasileiro quer, com essa prisão política e esse Estado de exceção, é impedir a reação popular a um projeto antipopular e antinacional.
O projeto político que se apossou do aparelho de Estado e das instituições exige o sacrifício da Constituição, tanto na dimensão dos direitos políticos quanto dos sociais.
Exige, portanto, o sacrifício dissimulado da democracia.
E exige também o sacrifício de princípios civilizatórios, para instituir a barbárie de um ultraneoliberalismo que fará do Brasil laboratório político para um tipo de capitalismo que não se mostra mais compatível com a democracia, bem como para implantar a selvageria de um neofascismo baseado num fundamentalismo medieval.
Nesse quadro, o Supremo não é mais Supremo; é carimbador de decisões de primeira instância.
A Carta Magna não é mais Magna; é texto nanico, portaria a ser interpretada pelos interesses de ocasião.
A democracia não é mais democracia, é biombo, simulacro, para um Estado de exceção.
E a civilização, criada pelo pacto social, não é mais civilização; é barbárie destinada a implodir a convivência social pacífica e regrada e impor a violência como instrumento de contenção dos conflitos.
O Brasil enfrenta um apocalipse demente. Como o personagem Kurtz, da novela de Joseph Conrad, Coração das Trevas, e do filme de Coppola, Apocalyse Now, as forças obscurantistas romperam com todas as regras e estão enlouquecidas pelo poder, a adulação de seguidores fanáticos e a sede da riqueza fácil.
Aos democratas que sobrevivem, resta a lucidez última do moribundo Kurtz, que exclamava às trevas do seu mundo cruel e enlouquecido, sem Supremo, sem direitos, sem democracia: o Horror...o Horror....
* Artigo escrito com Wilmar Lacerda.
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