quarta-feira, 13 de março de 2019

Capitalização não deu certo em nenhum país

Do site do Diap:

“Se ‘título de capitalização’ fosse bom/rentável, os bancos não o ‘empurrava’ para os clientes comuns”, disse representante da Prudential do Brasil Seguros de Vida, empresa norte-americana de seguros de vida, que opera no Brasil. Nesta matéria vamos falar sobre o regime de capitalização proposto no contexto da reforma da Previdência (PEC 6/19), enviada ao Congresso Nacional pelo governo, no dia 20 de fevereiro.

Para começo de conversa, vamos entender o que é regime de capitalização. A capitalização é uma espécie de poupança que o trabalhador faz para garantir a aposentadoria no futuro, na qual o dinheiro é investido individualmente, ou seja, não ‘se mistura’ com o dos demais trabalhadores. É diferente do sistema atual - de repartição - em que todos contribuem para um fundo que mantém as aposentadorias e demais benefícios previdenciários e assistenciais.

A ideia, contida na PEC 6/19, é que a capitalização substitua gradualmente o atual sistema. Essa migração foi proposta no plano de governo de Bolsonaro durante a campanha eleitoral.

Pois bem, estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), divulgado em espanhol, na segunda-feira (11), “Revertendo as Privatizações da Previdência - Reconstruindo os sistemas públicos na Europa Oriental e América Latina”, revela que “o experimento da privatização fracassou.” Acesse resumo do estudo, em português, elaborado pelo escritório da OIT no Brasil.

Privatização total ou parcial do sistema de previdência

“De 1981 a 2014, 30 países privatizaram total ou parcialmente seus sistemas de previdência social obrigatórios. [Desses] 14 são da América Latina: Chile (1º a privatizar, em 1981), Peru (1993), Argentina e Colômbia (1994), Uruguai (1996), Estado Plurinacional da Bolívia, México e República Bolivariana da Venezuela (1997), El Salvador (1998), Nicarágua (2000), Costa Rica e Equador (2001), República Dominicana (2003) e Panamá (2008); outros 14 são da Europa do Leste e da antiga União Soviética — Hungria e Cazaquistão (1998), Croácia e Polônia (1999), Letônia (2001), Bulgária, Estônia e Federação Russa (2002), Lituânia e Romênia (2004), Eslováquia (2005), Macedónia (2006), República Checa (2013) e Armênia (2014); e mais 2 países da África — Nigéria (2004) e Gana (2010).”

Repare que nenhum país membro da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que reúne 36 nações — cuja maioria é composta por economias com elevado PIB per capita e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) — e são considerados países desenvolvidos.

Re-reforma

O estudo da OIT revela, também, que desses 30 países, 18, até 2018, já fizeram a “re-reforma”, “revertendo total ou parcialmente a privatização da sua previdência social: República Bolivariana da Venezuela (2000), Equador (2002), Nicarágua (2005), Bulgária (2007), Argentina (2008), Eslováquia (2008), Estônia, Letônia e Lituânia (2009), Estado Plurinacional da Bolívia (2009), Hungria (2010), Croácia e Macedônia (2011), Polônia (2011), Federação da Rússia (2012), Cazaquistão (2013), República Tcheca (2016) e Romênia(2017).”

O estudo, portanto, revela também que Bolsonaro propõe para os trabalhadores brasileiros como “Nova Previdência”, nada mais é que fórmula antiga que não deu certo nos países que alteraram seus sistemas previdenciários e que precisaram reverter para evitar o envelhecimento precário dos trabalhadores.

“A grande maioria dos países se afastou da privatização após a crise financeira global de 2008, quando as falhas do sistema de previdência privada tornaram-se evidentes e tiveram que ser corrigidas”, mostra o estudo. E acrescenta: “Tendo em vista a reversão da privatização pela maioria dos países e a acumulação de evidências sobre os impactos sociais e econômicos negativos da privatização, pode-se afirmar que o experimento da privatização fracassou.”

Lições tiradas com a privatização da Previdência

O estudo da OIT mostra algumas lições “aprendidas” ao longo dessas 3 décadas, com as experiências obtidas com a “privatização dos sistemas de aposentadorias e pensões [que] foi apresentada como uma solução concreta para enfrentar o envelhecimento da população e garantir a sustentabilidade dos sistemas de previdência.” No entanto, acrescenta, “a privatização da previdência não produziu os resultados esperados na prática.” Assim, as privatizações demonstraram que:

1) as taxas de cobertura estagnaram ou diminuíram;

2) as prestações previdenciárias se deterioraram;

3) as desigualdade de gênero e de renda aumentaram;

4) os altos custos de transição criaram pressões fiscais enormes;

5) os elevados custos administrativos, tendo como consequência rendimentos e aposentadorias mais baixos;

6) a governança é frágil;

7) há elevada concentração no setor de seguros privados;

8) apenas o setor financeiro se beneficiou das poupanças de aposentadoria das pessoas;

9) o efeito é limitado nos mercados de capitais dos países em desenvolvimento;

10) os riscos demográficos e do mercado financeiro foram transferidos para os indivíduos; e

11) o diálogo social é deteriorado.

Conclusão e etapas para reverter a privatização

O documento da OIT, amplamente divulgado na última segunda-feira, mostra o “baixo desempenho da previdência privada obrigatória e apresenta as lições para governos que pretendem melhorar seus sistemas nacionais de previdência. O reforço do seguro social público, associado a regimes solidários não contributivos, conforme recomendado pelas normas da OIT, melhorou a sustentabilidade financeira dos sistemas de previdência e o nível de prestações garantidas, permitindo às pessoas usufruir de uma melhor vida na aposentadoria. A responsabilidade dos Estados de garantir a segurança de renda na idade avançada é melhor cumprida por meio do fortalecimento de sistemas públicos de previdência.”

A OIT propõe etapas e políticas para reverter a privatização da previdência. “Em alguns casos, a reversão da privatização pode ser realizada muito rapidamente em somente alguns meses. Para os países que consideram a reconstrução de seus sistemas públicos de previdência, existem 11 principais etapas de medidas políticas”, quais sejam:

1) iniciar o diálogo social para gerar consenso e lançar campanhas de comunicação;

2) constituir comitê de reforma tripartite técnico, encarregado de planejar e executar a re-nacionalização do sistema previdenciário;

3) promulgar lei(s) com as principais características de um programa de repartição e de benefício definido, em conformidade com as normas de seguridade social da OIT;

4) criar uma instituição de previdência pública, governança tripartite;

5) transferir membros do sistema privado para o sistema público;

6) transferir os recursos acumulados das contas individuais;

7) definir novas taxas de contribuição e começar a coletar contribuições para o novo sistema público de previdência;

8) fechar o mecanismo de coleta de contribuições do sistema privado;

9) executar serviços de inspeção e de fiscalização da contribuição;

10) criar a unidade ou entidade responsável pela administração de investimentos do sistema público de previdência; e

11) encerrar o órgão de supervisão e regulação da previdência privada obrigatória.

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