quinta-feira, 23 de maio de 2019

Austeridade e o grande salto para a recessão

Por Pedro Paulo Zahluth Bastos, na revista CartaCapital:

“Loucura é continuar fazendo a mesma coisa e esperar resultados diferentes.” A definição de Albert Einstein parece apropriada para descrever gestores da política econômica e a imensa maioria dos economistas do mercado financeiro no Brasil.

No final de 2018, a previsão do mercado para o crescimento do PIB em 2019 era de 3%. A bolsa bombou depois que Jair Bolsonaro chegou perto de levar a eleição no primeiro turno. Enquanto isto, a confiança do empresário industrial subiu 20% entre outubro e novembro de 2018.

O que prometia Bolsonaro? Respeitar a Lei do Teto do Gasto e até mesmo cortar o gasto público ainda mais do que a lei exige para diminuir a tributação um dia. Reduzir ainda mais direitos trabalhistas e salários com a chamada Carteira Verde-Amarela. Mudar a Previdência para, de novo, cortar o gasto público com aposentados e (pasmem!) aumentar impostos (ou melhor, a “contribuição previdenciária” dos cidadãos).

Mais uma vez a realidade da demanda declinante falou mais alto e a economia arrisca uma nova recessão. Como já repeti nesta coluna em várias ocasiões, o mercado erra sistematicamente suas previsões de crescimento porque não critica e reavalia suas próprias preferências e preconceitos: especialmente sua crença na “austeridade expansionista”.

A crença é que se o governo cortar gastos (e impor maior “contribuição previdenciária”), a contração da demanda, das vendas e do emprego provocada pelos cortes vai ser mais do que compensada pelo investimento privado animado pelo aumento da confiança empresarial. Ou seja, a austeridade seria expansionista porque o efeito positivo da confiança no investimento empresarial superaria o efeito negativo da queda da demanda pública.

Por isso, dizem os austeros, Keynes estaria errado: ao invés de reagir a uma desaceleração do gasto privado com uma ação contracíclica que recupere a demanda, o governo deveria cortar seus gastos pró-ciclicamente. Como os cortes tentam conter o déficit fiscal gerado pela desaceleração da arrecadação tributária, o choque de confiança faria os empresários criarem (com seu próprio investimento) a demanda perdida que os fizera gastar menos de início.

A doutrina da “fada da confiança” já foi demolida na academia e na prática algumas vezes. Contudo, a aversão ao Estado, a impostos e a salários decentes por parte de muitos empresários e da maioria dos gestores financeiros os impede de admitir que ainda dependemos do gasto público e do consumo dos trabalhadores para sair da crise.

Se quiserem mais um teste, o fracasso de suas expectativas em mover a demanda agregada desde a eleição de Bolsonaro serve? O melhor indicador de demanda agregada disponível hoje é o IBC-Br calculado pelo Banco Central. A partir de junho de 2018, a economia retomou a trajetória de recuperação lenta verificada até a greve dos caminhoneiros. Nada justificava o aumento da confiança empresarial verificado entre outubro e dezembro de 2018, exceto os preconceitos compartilhados com Jair Bolsonaro em relação ao gasto público e aos salários “altos”.

Pior, a demanda agregada caiu fortemente no primeiro trimestre de 2019 enquanto a confiança empresarial e o Ibovespa batiam recordes. Em janeiro de 2019, a confiança empresarial chegou ao maior valor desde junho de 2010, ano em que a economia cresceu 7,5%. Ou seja, o choque de confiança nada fez para elevar a demanda agregada e entregar o milagre do crescimento. Pelo contrário.


Tudo indica que, depois do surto exportador e da breve recomposição de estoques de bens de capital e bens de consumo verificados em 2017, nossa recuperação lenta esbarrou 1) na grande capacidade ociosa que inibe os investimentos privados que a fada da confiança quer estimular; 2) no desemprego e na estagnação salarial que limitam o crescimento do consumo; 3) na desaceleração da economia mundial e regional que se manifestou na queda das exportações; 4) na forte contração do gasto público.

De fato, como para reanimar a confiança (e contrair a demanda), o ministro Guedes cortou em março o gasto federal (cerca de 20% do PIB) em 3,2% em relação ao mesmo mês do ano anterior. No acumulado do primeiro trimestre, o corte é de 1,2%, que subtrai o PIB em cerca de 0,24%.

O corte nos governos regionais foi ainda mais radical segundo o Banco Central, gerando um superávit de quase 1% do PIB (0,98%) no acumulado trimestral. Uma verdadeira chacina no gasto público.

Não há como uma economia combalida por meia década de austeridade possa reagir positivamente a um novo choque de contração da demanda pública desta magnitude. Este choque real é muito mais efetivo do que o choque imaginário produzido pela elevação inefável da confiança empresarial graças à retórica anti-estado e anti-trabalhista de Bolsonaro e Guedes. Não surpreende que a confiança não resistiu e, em maio de 2019, já se aproxima do índice de outubro de 2018.

Sabemos que não foi a primeira vez que o mercado e empresários se animaram com a austeridade. Antes de Bolsonaro e Guedes, aconteceu o mesmo quando Joaquim Levy foi nomeado no final de 2014: ao invés do crescimento esperado pelo mercado em 0,8%, tivemos uma recessão de 3,8%. A confiança subiu de novo no impeachment de Dilma Rousseff, na aprovação da PEC do Teto do Gasto e da Reforma Trabalhista. O milagre do crescimento faltou ao encontro, pois depende é da demanda efetiva.

A cada ocasião, os alienistas nos diziam que o choque de confiança ia tirar a economia do fundo do poço pelos próprios cabelos. E loucos eram os outros, que criticavam mais uma rodada de austeridade. Dada a insistência, resta perguntar quanto crescimento econômico minúsculo ou negativo será necessário para que os economistas do mercado comecem a criticar seus próprios preconceitos. Ou melhor, quanto tempo levará para os alienistas do mercado, como o de Machado, perceberem que loucos não são os outros?

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