Por Eduardo Maretti, na Rede Brasil Atual:
“O governo passa por uma corrosão acelerada da base eleitoral e social, do apoio dos partidos e das forças políticas institucionais, e também do mercado. Sem os partidos e sem o mercado vai ser difícil construir governabilidade.” A opinião é de William Nozaki, professor de ciência política e economia da Fundação Escola de Sociologia e política de São Paulo (FespSP). Esse cenário, que abriu o debate para um possível impeachment do presidente, não é simples, mas não teria sido construído sem a colaboração do próprio governo Jair Bolsonaro.
No final da semana passada, o presidente fez a enigmática previsão de que um tsunami chegaria, mas que seu governo venceria “o obstáculo com toda certeza”. Nos dias seguintes, Bolsonaro se tornou uma ilha e o tsunami veio de todos os lados. A começar do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que declarou na terça-feira (14) a investidores, em Nova York, que a aprovação da reforma da Previdência não é suficiente para o país crescer. Disse também que o chamado “teto de gastos” (da Emenda Constitucional 95) poderia levar o país ao “colapso social”.
Na quarta-feira (15), cerca de 2 milhões de pessoas protestaram em todo o país contra os ataques à educação e às universidades. Isolado, no mesmo dia Bolsonaro estava em Dallas, no Texas. Mesmo longe do país, conseguiu alimentar a onda de protestos ao chamar os manifestantes de “idiotas úteis” e agredir uma jornalista verbalmente.
De Dallas veio a foto que simbolizou a semana do tsunami: Bolsonaro numa lanchonete junto com Hélio Negão e o general Augusto Heleno. Acima deles, uma enorme foto do cantor e compositor Willie Nelson, defensor da causa LGBT, neto de uma índia cherokee e defensor da legalização da maconha.
Editoriais da imprensa tradicional nos últimos dias têm sido duros com o presidente. “O obscurantismo agressivo do governo Jair Bolsonaro (PSL) converteu o crucial debate sobre o financiamento do ensino superior público, já tardio no país, em um confronto de bandeiras ideológicas”, publicou, por exemplo, a Folha de S. Paulo.
Finalmente, nesta sexta-feira (17), o presidente da República divulgou texto de um suposto “autor desconhecido” que lembra o episódio da renúncia de Jânio Quadros, em 1961.
No mesmo dia, em debate com o ministro Paulo Guedes no Rio de Janeiro, Rodrigo Maia voltou ao palco, defendendo políticas que gerem emprego. “Nós estamos caminhando para o aumento do desemprego, para o aumento da pobreza e no final do ano voltamos a ter fome no país”, disse o deputado.
Diante do cenário, muitas pessoas se perguntam: com menos de cinco meses de governo, sem capacidade de articulação no Congresso e talvez incapaz de fazer as reformas prometidas ao mercado, a era Bolsonaro estaria no fim?
Para Nozaki, ainda não é possível prever um desfecho porque “o jogo está sendo jogado”, mas a situação ficou muito mais difícil para Bolsonaro esta semana, devido a uma conjunção de fatores.
No último mês ficou claro que há duas lógicas contraditórias no interior do governo, que até aqui estavam coesas: “de um lado, as demandas por reformas oriundas das alas financista e lavajatista, que exigem articulações institucionais e parlamentares, e que precisam de emendas constitucionais ou projetos de lei, ou seja, da relação entre Executivo e Legislativo. De outro lado, a agenda dos bolsonaristas e olavistas, com uma disputa ideológica sistemática que exige um governo por medidas provisórias e decretos”.
Segundo Nozaki, no ciclo da Nova República como um todo, o governo Bolsonaro é o que mais editou medidas provisórias por dia e o que mais emitiu decretos nos três primeiros meses de mandato. Foram mais de 80 decretos e uma medida provisória a cada 7,4 dias. A título de comparação, Dilma Rousseff, no começo do primeiro mandato, valeu-se de cerca de 34 decretos.
Politicamente, o governo “arbitrou” esse conflito em favor da ala bolsonarista e olavista, na avaliação do professor. Exemplos disso foram os repentes autoritários de Bolsonaro, o comportamento de seus ministros ao participar das sabatinas no Congresso ou as discussões entre os generais (Santos Cruz e Mourão) e Olavo de Carvalho.
“Todos esses elementos somados revelam que o governo é incapaz de gerir crises e, além disso, tem alta capacidade de aprofundar as crises que ele mesmo gera. Isso provocou uma reação por parte das forças institucionais que agora colocam o governo contra a parede, junto com o mercado, abrindo a possibilidade de ele ser inviabilizado.”
Tudo isso sem falar das acusações contra Flávio Bolsonaro e a explicitação de suas relações mais íntimas com as milícias, lembra Nozaki. O que se soma à parcela da sociedade organizada em torno do movimento nacional contra o desmonte da educação, e a uma parcela não organizada cada vez mais insatisfeita por conta das revelações feitas sobre a família Bolsonaro.
No final da semana passada, o presidente fez a enigmática previsão de que um tsunami chegaria, mas que seu governo venceria “o obstáculo com toda certeza”. Nos dias seguintes, Bolsonaro se tornou uma ilha e o tsunami veio de todos os lados. A começar do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que declarou na terça-feira (14) a investidores, em Nova York, que a aprovação da reforma da Previdência não é suficiente para o país crescer. Disse também que o chamado “teto de gastos” (da Emenda Constitucional 95) poderia levar o país ao “colapso social”.
Na quarta-feira (15), cerca de 2 milhões de pessoas protestaram em todo o país contra os ataques à educação e às universidades. Isolado, no mesmo dia Bolsonaro estava em Dallas, no Texas. Mesmo longe do país, conseguiu alimentar a onda de protestos ao chamar os manifestantes de “idiotas úteis” e agredir uma jornalista verbalmente.
De Dallas veio a foto que simbolizou a semana do tsunami: Bolsonaro numa lanchonete junto com Hélio Negão e o general Augusto Heleno. Acima deles, uma enorme foto do cantor e compositor Willie Nelson, defensor da causa LGBT, neto de uma índia cherokee e defensor da legalização da maconha.
Editoriais da imprensa tradicional nos últimos dias têm sido duros com o presidente. “O obscurantismo agressivo do governo Jair Bolsonaro (PSL) converteu o crucial debate sobre o financiamento do ensino superior público, já tardio no país, em um confronto de bandeiras ideológicas”, publicou, por exemplo, a Folha de S. Paulo.
Finalmente, nesta sexta-feira (17), o presidente da República divulgou texto de um suposto “autor desconhecido” que lembra o episódio da renúncia de Jânio Quadros, em 1961.
No mesmo dia, em debate com o ministro Paulo Guedes no Rio de Janeiro, Rodrigo Maia voltou ao palco, defendendo políticas que gerem emprego. “Nós estamos caminhando para o aumento do desemprego, para o aumento da pobreza e no final do ano voltamos a ter fome no país”, disse o deputado.
Diante do cenário, muitas pessoas se perguntam: com menos de cinco meses de governo, sem capacidade de articulação no Congresso e talvez incapaz de fazer as reformas prometidas ao mercado, a era Bolsonaro estaria no fim?
Para Nozaki, ainda não é possível prever um desfecho porque “o jogo está sendo jogado”, mas a situação ficou muito mais difícil para Bolsonaro esta semana, devido a uma conjunção de fatores.
No último mês ficou claro que há duas lógicas contraditórias no interior do governo, que até aqui estavam coesas: “de um lado, as demandas por reformas oriundas das alas financista e lavajatista, que exigem articulações institucionais e parlamentares, e que precisam de emendas constitucionais ou projetos de lei, ou seja, da relação entre Executivo e Legislativo. De outro lado, a agenda dos bolsonaristas e olavistas, com uma disputa ideológica sistemática que exige um governo por medidas provisórias e decretos”.
Segundo Nozaki, no ciclo da Nova República como um todo, o governo Bolsonaro é o que mais editou medidas provisórias por dia e o que mais emitiu decretos nos três primeiros meses de mandato. Foram mais de 80 decretos e uma medida provisória a cada 7,4 dias. A título de comparação, Dilma Rousseff, no começo do primeiro mandato, valeu-se de cerca de 34 decretos.
Politicamente, o governo “arbitrou” esse conflito em favor da ala bolsonarista e olavista, na avaliação do professor. Exemplos disso foram os repentes autoritários de Bolsonaro, o comportamento de seus ministros ao participar das sabatinas no Congresso ou as discussões entre os generais (Santos Cruz e Mourão) e Olavo de Carvalho.
“Todos esses elementos somados revelam que o governo é incapaz de gerir crises e, além disso, tem alta capacidade de aprofundar as crises que ele mesmo gera. Isso provocou uma reação por parte das forças institucionais que agora colocam o governo contra a parede, junto com o mercado, abrindo a possibilidade de ele ser inviabilizado.”
Tudo isso sem falar das acusações contra Flávio Bolsonaro e a explicitação de suas relações mais íntimas com as milícias, lembra Nozaki. O que se soma à parcela da sociedade organizada em torno do movimento nacional contra o desmonte da educação, e a uma parcela não organizada cada vez mais insatisfeita por conta das revelações feitas sobre a família Bolsonaro.
Impeachment?
Na opinião de Nozaki, embora o jogo esteja “sendo jogado”, não está claro que caminho o governo vai tomar diante da instabilidade. “Mas o conjunto das forças políticas e econômicas tem essa opção (o impeachment) posta no tabuleiro como uma das possíveis.”
O mercado, o centrão e as forças institucionais podem ter concluído que a instabilidade permanente provocada pelo bolsonarismo pode inviabilizar até mesmo a reforma da Previdência. Não há como Bolsonaro obter os 3/5 dos votos na Câmara.
Para Oswaldo Amaral, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), não se pode dizer no momento que o governo Bolsonaro está no fim. Mas é evidente que sua agenda vai fracassar se ele não souber negociar com o Congresso.
O impeachment ainda não é visível no horizonte de Bolsonaro, na opinião do professor da Unicamp. “O governo vai durar até o momento em que os vários agentes políticos e econômicos perceberem que ele não vai mudar de comportamento, e então vão pensar numa alternativa. Acho que esse momento não chegou e que o mercado ainda acredita numa composição com o Rodrigo Maia e o centrão, para aprovar a reforma da Previdência.”
A adesão do centrão dependeria de o governo saber negociar politicamente, o que até agora o Planalto e seus líderes demonstraram não entender como se faz.
Na opinião de Nozaki, embora o jogo esteja “sendo jogado”, não está claro que caminho o governo vai tomar diante da instabilidade. “Mas o conjunto das forças políticas e econômicas tem essa opção (o impeachment) posta no tabuleiro como uma das possíveis.”
O mercado, o centrão e as forças institucionais podem ter concluído que a instabilidade permanente provocada pelo bolsonarismo pode inviabilizar até mesmo a reforma da Previdência. Não há como Bolsonaro obter os 3/5 dos votos na Câmara.
Para Oswaldo Amaral, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), não se pode dizer no momento que o governo Bolsonaro está no fim. Mas é evidente que sua agenda vai fracassar se ele não souber negociar com o Congresso.
O impeachment ainda não é visível no horizonte de Bolsonaro, na opinião do professor da Unicamp. “O governo vai durar até o momento em que os vários agentes políticos e econômicos perceberem que ele não vai mudar de comportamento, e então vão pensar numa alternativa. Acho que esse momento não chegou e que o mercado ainda acredita numa composição com o Rodrigo Maia e o centrão, para aprovar a reforma da Previdência.”
A adesão do centrão dependeria de o governo saber negociar politicamente, o que até agora o Planalto e seus líderes demonstraram não entender como se faz.
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