Por Lu Sudré, no jornal Brasil de Fato:
A greve dos setores da educação neste 15 de maio foi a principal notícia da semana na imprensa brasileira. Segundo a Confederação Nacional de Trabalhadores da Educação (CNTE), mais de 1 milhão de pessoas participaram dos protestos, que marcaram a primeira grande paralisação contra o governo Bolsonaro (PSL).
Diferentemente de outras coberturas jornalísticas relacionadas a mobilizações populares, as manifestações contra o corte de 30% no orçamento das universidades e institutos federais foram amplamente divulgadas na mídia comercial.
A Globo News, por exemplo, fez uma cobertura intensa dos atos ao longo do dia, com transmissões ao vivo das manifestações e entrada constantes de repórteres in loco. Frases em cartazes e palavras de ordem contra Bolsonaro também foram registradas.
Na avaliação do jornalista Rodrigo Vianna, a cobertura do canal fechado da Rede Globo mostrou o que realmente estava acontecendo nas ruas, sem o afastamento comum adotado pela emissora em outras reportagens, na tentativa de esvaziar as manifestações.
“Ao longo do dia [a GloboNews] colocou as imagens das ruas, colocou inclusive imagens dos detalhes dos cartazes que as pessoas portavam. Em vários momentos ressaltava-se na cobertura que era uma manifestação por mais educação, que era uma manifestação pacífica. Isso tudo, de alguma maneira, ajudou também a dar tranquilidade para que as pessoas fossem para rua. Uma cobertura correta no sentido de dar a dimensão do que foram essas manifestações, tão amplas nas ruas do Brasil. O que não ocorreu em outros momentos”, comenta Vianna.
O blogueiro relembra que durante a greve geral de 28 de abril de 2017, contra a reforma da Previdência do governo Temer, a cobertura jornalística da GloboNews tentou “esfriar as manifestações e carimbá-las com a marca de violência e desordem”. Ontem, no entanto, a tônica foi outra.
Mesmo com uma cobertura mais amena na TV aberta, para Vianna, as contínuas crises e medidas impopulares do governo Bolsonaro provocaram um redirecionamento no posicionamento político da Globo, maior veículo de comunicação do país.
“A cobertura da mídia, principalmente a da Globo, mostra que um pedaço da elite brasileira lavou as mãos em relação ao Bolsonaro. A Globo, de alguma maneira, dialoga com um setor que apoiou Bolsonaro para derrotar Haddad, mas é um setor da centro-direita tradicional. É o setor financeiro, aqueles setores que se articularam em torno do PSDB e do DEM, partido do Rodrigo Maia. A Globo fala por essa elite tradicional, que não gosta muito dessa loucura comportamental que o Bolsonaro levou para o governo”, analisa o jornalista.
Samuel Lima, pesquisador do Observatório da Ética Jornalística da Universidade Federal de Santa Catarina (ObjETHOS/UFSC), compartilha da opinião que a cobertura jornalística da grande imprensa e principalmente da Globo foi diferenciada neste 15 de maio.
De acordo com o analisado por Lima, ao longo do dia, a Globo passou do silêncio para uma cobertura atenta às manifestações.
“O Jornal Hoje dedicou 11m20s [para a cobertura dos atos], nos quais eles destacam o eixo da narrativa que as manifestações foram pacíficas, destacam o número dos participantes e deixam claro qual o eixo político desse dia nacional de luta. É raro ver isso acontecer. Cinquenta por cento do jornal de ontem foi dedicado a cobertura das manifestações do dia nacional de luta em defesa da educação, com uma edição bastante simpática ao movimento”, observa.
O professor do departamento de jornalismo da UFSC acrescenta ainda que, após reproduzirem a declaração de Bolsonaro sobre os atos – na qual o presidente classificou os estudantes como “idiotas úteis”, “imbecis”, e “massa de manobra” –, Sandra Annenberg, âncora do jornal, ressaltou a repercussão negativa da fala para os estudantes.
Lima cita que até mesmo as imagens veiculadas pelos jornais da Globo mostravam as manifestações com um plano aberto, que demonstravam o tamanho real dos protestos, dando ênfase a importância e capilaridade das críticas a Bolsonaro.
Previdência na mira
Na análise dos especialistas entrevistados pelo Brasil de Fato, o reposicionamento da emissora em relação à cobertura das manifestações contra Bolsonaro é político e tem como pano de fundo as articulações pela aprovação da reforma da Previdência.
Samuel Lima explica que os grupos que controlam a comunicação no Brasil fizeram um pacto de apoio à proposta defendida pelo governo. Porém, a baixa aprovação do governo e a ausência de articulações seguras no Congresso motivaram mudanças na cobertura da Globo.
“O posicionamento da Globo vai explicitar cada vez mais uma necessidade que a imprensa tem nesse momento de salvar o que ela puder pro dia seguinte. Eles estão tentando se diferenciar, mas ao mesmo tempo enxergar uma saída porque ninguém aposta por quanto tempo Jair Bolsonaro permanecerá no governo. É imprevisível. A quantidade de erro político que ele comete por dia é proporcional ao tamanho da destruição que está fazendo no país”, critica o pesquisador do ObjETHOS.
Rodrigo Vianna também avalia que “a rede Globo está alinhada com uma centro-direita tradicional, que, preocupada com a reforma da Previdência, não faz questão de defender as pautas tresloucadas do governo Bolsonaro”.
"A cobertura jornalística indica sinais que há um setor da mídia e, portanto, da elite brasileira, que se afasta do Bolsonaro. Isso também indica que esses setores podem buscar se livrar dele para que a pauta liberal possa sobreviver, porque com ele está difícil. Pode naufragar todo mundo junto", diz o jornalista.
Outras coberturas
Veículos mais alinhados ao governo, como Band e Record, conforme observou Samuel Lima, deram espaço para as justificativas do governo para os cortes na educação, mas ainda assim ponderaram a forma como o contingenciamento foi feito. Em relação aos jornais impressos, Rodrigo Vianna destaca a cobertura da Folha de S. Paulo, do Estadão e do O Globo.
“A capa desses três jornais não embarcam na narrativa de Bolsonaro de que foi uma manifestação de desordeiros, de imbecis, de esquerdistas. Destaca as multidões, uma cobertura jornalística correta, e a batalha pela educação, contra os cortes. Eles estão juntos na pauta liberal da reforma da Previdência, mas não estão juntos com o resto. Me parece que também já estão se alinhando com essa ideia que talvez com o Bolsonaro seja impossível avançar essa pauta, porque ele não consegue articular nada no Congresso”, pontua o jornalista.
Artigo publicado no Globo nesta quinta-feira (16) é um exemplo da postura política do grupo comunicacional perante ao governo Bolsonaro. O colunista Ascânio Seleme foi enfático em sua crítica, ao afirmar que a “República do Tiro no Pé” se consolidou no entorno do presidente.
A greve dos setores da educação neste 15 de maio foi a principal notícia da semana na imprensa brasileira. Segundo a Confederação Nacional de Trabalhadores da Educação (CNTE), mais de 1 milhão de pessoas participaram dos protestos, que marcaram a primeira grande paralisação contra o governo Bolsonaro (PSL).
Diferentemente de outras coberturas jornalísticas relacionadas a mobilizações populares, as manifestações contra o corte de 30% no orçamento das universidades e institutos federais foram amplamente divulgadas na mídia comercial.
A Globo News, por exemplo, fez uma cobertura intensa dos atos ao longo do dia, com transmissões ao vivo das manifestações e entrada constantes de repórteres in loco. Frases em cartazes e palavras de ordem contra Bolsonaro também foram registradas.
Na avaliação do jornalista Rodrigo Vianna, a cobertura do canal fechado da Rede Globo mostrou o que realmente estava acontecendo nas ruas, sem o afastamento comum adotado pela emissora em outras reportagens, na tentativa de esvaziar as manifestações.
“Ao longo do dia [a GloboNews] colocou as imagens das ruas, colocou inclusive imagens dos detalhes dos cartazes que as pessoas portavam. Em vários momentos ressaltava-se na cobertura que era uma manifestação por mais educação, que era uma manifestação pacífica. Isso tudo, de alguma maneira, ajudou também a dar tranquilidade para que as pessoas fossem para rua. Uma cobertura correta no sentido de dar a dimensão do que foram essas manifestações, tão amplas nas ruas do Brasil. O que não ocorreu em outros momentos”, comenta Vianna.
O blogueiro relembra que durante a greve geral de 28 de abril de 2017, contra a reforma da Previdência do governo Temer, a cobertura jornalística da GloboNews tentou “esfriar as manifestações e carimbá-las com a marca de violência e desordem”. Ontem, no entanto, a tônica foi outra.
Mesmo com uma cobertura mais amena na TV aberta, para Vianna, as contínuas crises e medidas impopulares do governo Bolsonaro provocaram um redirecionamento no posicionamento político da Globo, maior veículo de comunicação do país.
“A cobertura da mídia, principalmente a da Globo, mostra que um pedaço da elite brasileira lavou as mãos em relação ao Bolsonaro. A Globo, de alguma maneira, dialoga com um setor que apoiou Bolsonaro para derrotar Haddad, mas é um setor da centro-direita tradicional. É o setor financeiro, aqueles setores que se articularam em torno do PSDB e do DEM, partido do Rodrigo Maia. A Globo fala por essa elite tradicional, que não gosta muito dessa loucura comportamental que o Bolsonaro levou para o governo”, analisa o jornalista.
Samuel Lima, pesquisador do Observatório da Ética Jornalística da Universidade Federal de Santa Catarina (ObjETHOS/UFSC), compartilha da opinião que a cobertura jornalística da grande imprensa e principalmente da Globo foi diferenciada neste 15 de maio.
De acordo com o analisado por Lima, ao longo do dia, a Globo passou do silêncio para uma cobertura atenta às manifestações.
“O Jornal Hoje dedicou 11m20s [para a cobertura dos atos], nos quais eles destacam o eixo da narrativa que as manifestações foram pacíficas, destacam o número dos participantes e deixam claro qual o eixo político desse dia nacional de luta. É raro ver isso acontecer. Cinquenta por cento do jornal de ontem foi dedicado a cobertura das manifestações do dia nacional de luta em defesa da educação, com uma edição bastante simpática ao movimento”, observa.
O professor do departamento de jornalismo da UFSC acrescenta ainda que, após reproduzirem a declaração de Bolsonaro sobre os atos – na qual o presidente classificou os estudantes como “idiotas úteis”, “imbecis”, e “massa de manobra” –, Sandra Annenberg, âncora do jornal, ressaltou a repercussão negativa da fala para os estudantes.
Lima cita que até mesmo as imagens veiculadas pelos jornais da Globo mostravam as manifestações com um plano aberto, que demonstravam o tamanho real dos protestos, dando ênfase a importância e capilaridade das críticas a Bolsonaro.
Previdência na mira
Na análise dos especialistas entrevistados pelo Brasil de Fato, o reposicionamento da emissora em relação à cobertura das manifestações contra Bolsonaro é político e tem como pano de fundo as articulações pela aprovação da reforma da Previdência.
Samuel Lima explica que os grupos que controlam a comunicação no Brasil fizeram um pacto de apoio à proposta defendida pelo governo. Porém, a baixa aprovação do governo e a ausência de articulações seguras no Congresso motivaram mudanças na cobertura da Globo.
“O posicionamento da Globo vai explicitar cada vez mais uma necessidade que a imprensa tem nesse momento de salvar o que ela puder pro dia seguinte. Eles estão tentando se diferenciar, mas ao mesmo tempo enxergar uma saída porque ninguém aposta por quanto tempo Jair Bolsonaro permanecerá no governo. É imprevisível. A quantidade de erro político que ele comete por dia é proporcional ao tamanho da destruição que está fazendo no país”, critica o pesquisador do ObjETHOS.
Rodrigo Vianna também avalia que “a rede Globo está alinhada com uma centro-direita tradicional, que, preocupada com a reforma da Previdência, não faz questão de defender as pautas tresloucadas do governo Bolsonaro”.
"A cobertura jornalística indica sinais que há um setor da mídia e, portanto, da elite brasileira, que se afasta do Bolsonaro. Isso também indica que esses setores podem buscar se livrar dele para que a pauta liberal possa sobreviver, porque com ele está difícil. Pode naufragar todo mundo junto", diz o jornalista.
Outras coberturas
Veículos mais alinhados ao governo, como Band e Record, conforme observou Samuel Lima, deram espaço para as justificativas do governo para os cortes na educação, mas ainda assim ponderaram a forma como o contingenciamento foi feito. Em relação aos jornais impressos, Rodrigo Vianna destaca a cobertura da Folha de S. Paulo, do Estadão e do O Globo.
“A capa desses três jornais não embarcam na narrativa de Bolsonaro de que foi uma manifestação de desordeiros, de imbecis, de esquerdistas. Destaca as multidões, uma cobertura jornalística correta, e a batalha pela educação, contra os cortes. Eles estão juntos na pauta liberal da reforma da Previdência, mas não estão juntos com o resto. Me parece que também já estão se alinhando com essa ideia que talvez com o Bolsonaro seja impossível avançar essa pauta, porque ele não consegue articular nada no Congresso”, pontua o jornalista.
Artigo publicado no Globo nesta quinta-feira (16) é um exemplo da postura política do grupo comunicacional perante ao governo Bolsonaro. O colunista Ascânio Seleme foi enfático em sua crítica, ao afirmar que a “República do Tiro no Pé” se consolidou no entorno do presidente.
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