domingo, 2 de junho de 2019

Setores empresariais e o patrocínio do caos

Por Luciano Freitas Filho, no site Carta Maior:

“Brasil, mostra tua cara! Quero vem quem paga, pra gente ficar assim!
Brasil, qual é o teu negócio, o nome do teu sócio...” - Brasil, Cazuza.


Por trás de textos inclusivos com apelo à diversidade e de jingles ‘bem bolados’ no marketing de muitas empresas, existem performances políticas anti-éticas e nada engraçadas.

No cenário contemporâneo do mercado globalizado, diversas empresas têm feito lances altos para fomentar projetos populistas e/ou partidos de extrema-direita, em troca de mandatos que defendam seus interesses, essencialmente, neoliberais.

Nesse sentido, por mais que reconheça a importância de superarmos o debate moderno das lutas sociais apenas pelo viés econômico, reconhecendo-se, também, a disputa pelos sentidos de sujeito (s), subjetividade (s), de democracia e de sociedade, sob a ótica de categorias como cultura e diferença, persisto apostando no ativismo antifascista e de enfrentamento a discursos reacionários a partir de uma articulação em torno da “velha” bandeira da luta de classes e do combate ao Estado-mínimo neoliberal.

Considerando-se o cenário atual no Brasil, esta seria uma articulação ou costura política que operaria com a ideia de uma disputa com projetos liberais reacionários , quando ponderamos acerca do grupo político por trás dos atuais governos populistas dos partidos políticos de extrema-direita no âmbito federal e nos estaduais: o grupo empresarial.

Nem sempre no jogo da política o protagonista é aquele que está no palco. Não percamos de vista aquele que está nos bastidores. Enquanto há, atualmente, embates agressivos ou propagação de discursos de ódio entre grupos progressistas versus neoconservadores e fascistas nas redes sociais e nas ruas, boa parte dos empresários assiste a tudo ‘de camarote’, bem como instiga tais brigas na perspectiva de agirem de forma silenciosa em função de medidas e reformas no plano econômico governamental.

A título de ilustração, tomemos por base o recente aumento das ações de empresas educacionais por conta dos cortes sinalizados pelo governo federal para o setor da educação. Enquanto setores do governo agem de forma antidemocrática cortando o orçamento das universidades, acusando-as de promoverem doutrinação e ‘balbúrdias’ e, por conseguinte, censurando-as e ameaçando retirar sua autonomia e privatizar seus espaços, as empresas lucram. Em maio do ano corrente, as ações das três maiores redes de ensino privado do país dispararam após o anúncio do ministro Abraham Weintraub de contingenciamento de recursos em universidades federais: Kroton Educacional, a Estácio Participações e a Ser Educacional (conforme https://veja.abril.com.br/blog/radar/acoes-de-empresas-privadas-de-educacao-disparam-apos-cortes-do-mec/ ) .

Ao problematizar, entretanto, acerca do protagonismo de setores empresariais no fomento de políticas reacionárias, não proponho nesse texto legitimar binarismos ou essencializar o debate afirmando que todo o empresariado atua dessa forma, muito menos desqualifico a valia deles no mercado. Igualmente, não sugiro implodir as pautas identitárias ou as discussões contemporâneas que buscam superar o reducionismo econômico e ir ao embate com as interpelações fascistas.

Contudo, insisto em uma luta antifascista com um olhar atento às medidas econômicas que alargam as desigualdades e déficits entre classes. Um movimento de denúncia, boicote e enfrentamento daquelas empresas e empresários que patrocinam o caos, as barbáries e violências incitadas ou praticadas por discursos ideológicos de natureza reacionária, abertamente contrários aos direitos humanos e que instigam violências contra indivíduos e grupos LGBT, negros, mulheres e indígenas; grupos de tendências separatistas, favoráveis a armamentos, linchamentos e afins.

Dialogo frequentemente com as reflexões de Rolnik(2018) quando ela reitera a relação entre os discursos neoconservadores e/ou fascistas e os interesses empresariais. Muitos desses empresários podem ser fascistas por “convicção”, mas boa parte visa apenas a benefícios potenciais, agindo com cumplicidade, sem medir esforços, ao apoiar atos criminosos por parte de governos ultraconservadores ou regimes ditatoriais. Segundo Rolnik,

o capitalismo financeirizado precisa dessas subjetividades rudes no poder. São como seus capangas que se incumbirão do trabalho sujo imprescindível para a sustentação de um Estado neoliberal: destruir todas as conquistas democráticas e republicanas, dissolver seu imaginário e erradicar da cena seus protagonistas, entre os quais, prioritariamente, as esquerdas em todos os seus matizes (ROLNIK, 2018, p. 148).

A partir das reflexões da autora (2018), estabeleço relações desses diálogos entre neoconservadores e neoliberais nos últimos 05 anos da política brasileira. Essa articulação se materializou, inclusive, em um cenário misógino ao longo do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, durante os anos de 2015 e 2016, com fomentos empresariais aos movimentos neoconservadores “Vem pra rua! ” e ao Movimento Brasil Livre/MBL, principalmente quando nos referimos ao suporte dado pela FIESP/Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Mais adiante, no processo eleitoral de 2018, destaco o papel protagonista de setores empresariais na campanha reacionária do então candidato à presidência, o deputado federal Jair Bolsonaro PSL/RJ (Havan, Riachuelo, Tecnisa, Centauro, Postos Ipiranga, Coco Bambu, Liserve, Habbib´s, entre outros). Trata-se de um apoio considerável de uma parcela de empresários que representa aproximadamente 30% do PIB brasileiro.

Dentre os apoiadores mais atuantes, evidenciamos a participação do empresário evangélico Edir Macedo (quem trouxe para a campanha um robusto suporte das Assembleias e demais igrejas evangélicas fundamentalistas), bem como o apoio substancial do empresário Luciano Hang, dono da Havan, no front eleitoral do ‘candidato 17’.

A princípio, o apoio do setor empresarial ao referido candidato seria natural, democrático, não seria questionável e nem se coadunaria com as discussões propostas nesse texto. Porém, trata-se do postulante à presidência da república que teve o repertório mais polêmico e com discursos explicitamente fascistas, no contexto das eleições de 2018. Desde defesas abertas ao holocausto, propostas de revisionismo histórico e negação da existência da ditadura nos anos 60-70 no Brasil, a falas racistas, machistas e homofóbicas, entre outras questões.

Um apoio substancial desses setores empresariais das áreas química, automobilística, têxtil, de maquinário, construção civil, aço e siderurgia, etc, por conseguinte, impõe uma troca de “favores ou gentilezas” entre governante eleito e aliados (relação de troca que nos compete problematizar, ao longo de todo o texto). Não é à toa, dessa forma, termos o empresário Paulo Guedes enquanto ministro de uma das pastas mais vitais do governo federal: o Ministério da Economia.

Por outro lado, Rolnik (2018) e demais autores, reiteram que esse cenário de fomento dos empresários aos discursos e projetos políticos de extrema-direita e/ou fascistas, bem como a regimes ditatoriais, não é um cenário restrito aos tempos atuais, mas sim um fato corriqueiro ao longo da história do Brasil e de países diversos da América Latina, América Central, África e etc.

O empresariado sempre teve protagonismo e um lobby poderoso em meio às políticas públicas ao longo do globo. A relação de empresários com os governos diversos sempre foi umbilical, independentemente dos partidos que estão no poder. Recordo, inclusive, a relação próxima dos governos Lula e Dilma com o setor empresarial (é importante evidenciar que o vice-presidente do Lula foi o empresário José Alencar). Por outro lado, esse processo e/ou relação é bem mais próxima e simbiótica com partidos liberais e de extrema-direita. E é essa relação de cumplicidade com a ideologia de extrema-direita que pomos em xeque nesse texto. A cumplicidade, sobretudo, em atos violentos, segregadores ou criminosos. É uma relação parceira e protagonista de empresários com muitos líderes fascistas que evidencia, outrossim, um projeto de poder pautado na necropolítica ( Mbembe, 2018).

A estruturação do fascismo italiano, por exemplo, se deu em especial pelo apoio da indústria automobilística. Aliás, vale destacar que a indústria automobilística sempre esteve atuante no fomento de diversos regimes ditatoriais ou mandatos de governantes da extrema-direita, em diversos períodos da história mundial. No período do nazismo, por sua vez, não somente as indústrias automobilísticas e o apoio anti-semita do Henry Ford deram suporte ao holocausto, mas também diversos setores empresariais como a IBM, Doctor Octker, Siemens, L´oréal, C&A, entre outros. Foi a Bayer, inclusive, que fomentou o “patrocínio” das substâncias tóxicas utilizadas nas câmaras de gás de boa parte dos campos de concentração nazistas. Atualmente, na França, a extrema-direita representada por Marina Le Pen é patrocinada por diversas empresas, entre elas a empresa Bic.

No período da ditadura no Brasil (1964-1985), particularmente, vários empresários e setores empresariais atuaram no fomento ao regime militar e na perseguição política de ativistas (perseguição a qual eles denominavam de luta antiterrorista). A polícia dizia que tinha a qualificação, mas não tinha a ‘e$trutura’. Dentre os patrocínios que destacamos, citemos os da Rede Globo, o endosso de empreiteiras e o suporte à delação, tortura e prisão de militantes, por parte do presidente da Ultragaz na época da Ditadura, o dinamarquês Henning Boilesen (ver documentário: https://www.youtube.com/watch?v=yGxIA90xXeY. Cidadão Boilesen-um dos empresários que financiou a tortura no Brasil).

Essa é uma relação de troca entre fascistas e neoliberais para legitimação de projetos de poder, os quais propiciem manutenção de privilégios com base na violação de direitos, no estímulo às desigualdades e nas diversas formas de opressão. É uma disputa pelo privilégio de um Estado-máximo a uma casta selecionada, em detrimento de um Estado-mínimo para uma maioria de civis.

Conforme reiterei em texto anterior, não há fascismo que se consolide ou se mantenha sem o sustento do capital. É um jogo com início e hora marcada para acabar. Assim, quando é conveniente, quando todas as medidas econômicas austeras são aprovadas, os mesmos apoiadores empresariais serão os mesmos responsáveis pela derrubada dos governantes de extrema-direita ou regimes fascistas e ditatoriais que eles deram suporte. Recentemente, o geógrafo britânico David Harvey, autor de "A loucura da razão econômica: Marx e a economia do século XXI" (Boitempo), defendeu reduzir drasticamente a influência do mercado na sociedade, quando afirma que é o capital quem tem o peso maior para definir o processo democrático.

No Brasil, nesse sentido, prever a queda do presidente Jair Bolsonaro, seja por pressão a uma renúncia ou por um impeachment, implica em minha ousadia ao afirmar que essa não será uma ação necessariamente resultante da pressão popular ou de parlamentares de oposição, mas sim do poder de manobra e controle dos setores empresariais. No momento, por enquanto, o atual presidente ainda tem a serventia de promover o desmonte de vários setores estatais, desestabilização da comunicação democrática, desqualificação dos educadores e intelectuais brasileiros, bem como atuar por via de um obscurantismo rudimentar para desviar olhares das benesses obtidas pelos empresários, com apoio dos parlamentares e do Chefe de Estado.

Por outro lado, o amadorismo do presidente e de sua equipe, suas ações destemperadas e arroubos contínuos, os erros técnicos em redações oficiais, o repasse de informações truncadas, equivocadas, as ‘gafes diplomáticas’ constantes e etc, bem como o fato do mesmo não ter postura e pensamento liberal, uma vez que não tem a diplomacia, serenidade e/ou demais requisitos básicos de um Chefe de Estado liberal, pode acelerar sua queda ou derrubada por parte dos setores empresariais. No porvir, serão essas e outras questões mais hediondas, como atos de corrupção, que servirão a esse empresariado para a derrubada do “mito”.

Todavia, não comemoremos essa queda, uma vez que o mesmo empresariado que envidou esforços para eleger Bolsonaro, bem como envidará esforços para derrubá-lo, pode ser o mesmo setor a fazer ascender um novo líder ultra-conservador que venha a ‘salvar a pátria’ e, dessa forma, dar continuidade às medidas econômicas “duras”. Somado a isso, entendamos que o fascismo tupiniquim atual, o bolsonarismo, está para além do Bolsonaro. Os fundamentalistas religiosos, os setores da sociedade civil e militares ultra-conservadores permanecerão na disputa.

Em outras palavras, buscamos problematizar acerca de como protestar, reivindicar, resistir e lutar contra as opressões diversas vividas no hoje, sem perder de vista o fomento de boa parte dos empresários a estas mesmas opressões/violências. Enquanto houver política de Estado-mínimo e um tipo de necropolítica fomentada por empresários e que dá suporte ao feminicídio, ao genocídio dos povos indígenas e da juventude negra, no Brasil, não podemos perder de vista as formas de agir frente a este setor, questionando, expondo-lhes, boicotando-os e os denunciando. Esta é a “velho-nova” luta de classes!

Referências

ROLNIK, Suely. A nova modalidade de golpe: um seriado em três temporadas. In: Esferas da insurreição. São Paulo: n-1, 2018. P.146-193.

Ações de empresas privadas de educação disparam após cortes do MEC. https://veja.abril.com.br/blog/radar/acoes-de-empresas-privadas-de-educacao-disparam-apos-cortes-do-mec/

* Luciano Freitas Filho, doutorando em Educação pela UFRJ. Membro da Comissão Dom Helder Câmara de Direitos Humanos da UFPE. Professor formador da Secretaria de Educação de Pernambuco,

0 comentários: