Por Ricardo Kotscho, em seu blog:
Tratava-se de um singelo café da manhã do capitão Jair Bolsonaro, em fase de relações públicas, reunido no Palácio do Planalto com a bancada feminina aliada no Congresso.
A rigor, nem mereceria manchetes na imprensa, se não fosse um detalhe instigante e perturbador: o que fazia ali ao lado dele o sorridente senhor de óculos, que não é ministro do seu governo, mas o presidente do Supremo Tribunal Federal?
Dias Toffoli virou habitué dos palácios presidenciais deste as cerimonias inaugurais, quando foi a uma série de posses de ministros do governo recém-inaugurado, como se fosse um deles.
Esta semana, ele já havia se sentado ao lado de Bolsonaro em outro café da manhã, com os presidentes dos três Poderes, para discutir um “pacto” de governabilidade proposto por ele mesmo tempos atrás.
Mais do que isso, o presidente do STF levou para a reunião um verdadeiro programa de governo, que Bolsonaro ainda não tem, estabelecendo as prioridades do país.
Claro que, em primeiro lugar, estão as reformas, tão reclamadas pela mídia e pelos bancos. Desemprego é só um detalhe.
Com todo respeito ao ministro Toffoli, que é meu amigo pessoal desde quando trabalhamos juntos no governo Lula, estou achando, no mínimo, muito esquisito esse seu papel.
Até onde sei, a principal missão do presidente do STF é analisar e julgar, junto com os outros ministros, a constitucionalidade das medidas do governo, não de participar de colóquios políticos.
Se ele mesmo propõe essas medidas, como poderá depois julgar? Não se trata do poder moderador? Será Toffoli capaz de votar contra as suas próprias propostas discutidas no tal “pacto”?
Empolgado com a presença de tão ilustre convidado para a reunião com as nobres senhoras parlamentares, o capitão mandou ver, em seu tradicional estilo “deixa que eu chuto”:
“E é muito bom nós termos aqui a Justiça ao nosso lado, ao lado do que é certo, ao lado do que é razoável e ao lado do que é bom para o nosso Brasil”.
Como assim? Parece que o capitão reformado não faz a menor ideia do que seja a separação de Poderes inscrita na Constituição para garantir a independência de cada um.
Por mais poderoso e amigo que seja, Dias Toffoli não é “a Justiça”, mas um representante do Poder Judiciário, que tem entre suas tarefas harmonizar as relações conflituosas entre Executivo e Legislativo _ não em bate papos de churrasco, mas no julgamento dos processos no plenário do STF.
O STF é um colegiado, cada ministro vale um voto, não um sistema monárquico.
E a Justiça não pode ter lado, ainda mais se esse lado for o de um governo que sistematicamente ignora a Constituição e faz as suas próprias leis.
Não cabe a ele concordar com “o que é certo, o que é razoável e bom para o Brasil”, como pontificou Bolsonaro, misturando as bolas, como de costume.
Será que estão todos perdendo a noção das coisas, os escrúpulos e a liturgia dos respectivos cargos de que falava José Sarney?
Se tivessem que ganhar a vida como grandes estrategistas, estariam todos perdidos porque conseguiram unir, contra o “pacto”, boa parte do Congresso e do Judiciário.
Mas nada disso importava às alegres parlamentares aliadas do bolsonarismo, felizes com a deferência, que só queriam aparecer nas fotos desta estranha confraternização matinal.
E vida que segue.
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