Com o lema “bandido bom é bandido morto” sempre engatilhado, Jair Bolsonaro se apresentou ao país ao longo dos anos como um grande defensor da lei e da ordem. Em seu programa de governo, prometia “tolerância zero” com o crime. Deputado federal, Bolsonaro defendia abertamente que “a Polícia Militar tem que matar é mais”. Na presidência, volta e meia se gaba nas redes sociais de estar “derrotando o crime”.
Seu ministro da Justiça, Sergio Moro, ganhou fama no país como justiceiro, ao liderar a operação Lava-Jato. Alçado ao governo com a vitória de Bolsonaro, cujo principal adversário prendeu, a meta prioritária de Moro é aprovar o “projeto anticrime”, que segundo ele irá “melhorar a qualidade de vida” dos cidadãos brasileiros, que desejam “viver em um país mais seguro” – embora especialistas em segurança pública digam que, na verdade, apenas contribuirá para aumentar o genocídio de jovens negros nas favelas ao dar aos policiais “licença para matar”.
Com tal currículo público de “inimigos do crime”, era de se esperar que Bolsonaro e Moro se empenhassem na solução do caso que mais causou repercussão internacional e danos à imagem do país nos últimos anos: o assassinato da vereadora Marielle Franco, do PSOL, do motorista Anderson Gomes, em março de 2018. Certo? Errado. Nem Moro nem Bolsonaro nunca se mostraram especialmente interessados em descobrir quem matou e quem mandou matar Marielle.
Pelo contrário, durante a pré-campanha, Bolsonaro foi o único entre os 13 presidenciáveis que ignorou a morte bárbara da vereadora. Na primeira declaração que deu sobre o caso, um mês depois do assassinato, o então pré-candidato à presidência se mostrou cético em relação à elucidação do crime. “Se não tiver alguém denunciando e que tenha participado do evento, eu acho que dificilmente vai chegar a uma conclusão”, disse Bolsonaro, salientando suas diferenças ideológicas com a vereadora.
Se o candidato do PSL era lacônico, o mesmo não se pode dizer dos seus aliados, que foram flagrados em várias ocasiões atacando a memória de Marielle. Os futuros deputados Rodrigo Amorim (estadual) e Daniel Silveira (federal) foram fotografados rasgando uma placa em homenagem à vereadora. Uma desembargadora bolsonarista chegou a espalhar o boato de que a vereadora era “casada com um traficante”. Um assessor de Flávio Bolsonaro e o primo de Carluxo, Leo Índio, também debocharam de Marielle em redes sociais.
Já presidente e entrevistado à época em que foram feitas as prisões de Élcio Queiroz e Ronnie Lessa, Bolsonaro se mostrou mais interessado em saber quem mandou matá-lo, em referência a Adélio Bispo (autor da facada que o levou à presidência), mesmo sabendo que o inquérito foi encerrado apontando não haver mandante algum e que o agressor tem problemas mentais.
Moro, por sua vez, pouco falou do assassinato de Marielle desde que foi designado para a Justiça. Na primeira entrevista coletiva ao ser nomeado, disse que ainda ia tomar pé do caso. “Não desconheço o problema que envolve o assassinato da ex-vereadora Marielle Franco e do sr. Anderson Gomes, acho que é um crime que tem que ser solucionado. Assumindo o ministério, pretendo me inteirar melhor dessas questões e ver o que é possível fazer no âmbito do ministério”, disse.
Depois que assumiu, porém, Moro continuou a ser um homem de poucas palavras em relação ao crime, apesar da cobrança da Anistia Internacional, que coletou 800 mil assinaturas de cidadãos pedindo uma solução para o caso, e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos por um desfecho. “O Estado tem a obrigação de garantir uma investigação completa, independente e imparcial sobre esses assassinatos. Instamos o Brasil a concluir a investigação o quanto antes, levando os responsáveis intelectuais e materiais à justiça e oferecendo reparação e indenização às famílias”, disseram especialistas da CIDH e da ONU.
Em março, quando completou um ano do crime e a prisão dos suspeitos Élcio Queiroz e Ronnie Lessa foi anunciada, o ministro soltou duas notas, através do perfil do ministério do twitter, dizendo que a Polícia Federal “tem contribuído e continuará contribuindo” para as investigações. No perfil pessoal de Moro no twitter, inaugurado em abril, nunca foi dita nenhuma palavra a respeito de Marielle Franco.
Em agosto, a viúva de Marielle, Monica Benício, se queixou em entrevista ao Correio Braziliense que o ministro da Justiça se recusava a recebê-la, diferentemente do antecessor, Raul Jungmann, no governo Temer. “Jungmann nunca deixou de me receber, sempre tive com ele um amplo diálogo a respeito das investigações, coisa que o atual ministro se recusa a fazer. Foram muitas tentativas para que me recebesse e conversássemos a respeito da investigação, que é de competência da Polícia Federal, sob comando do próprio Moro”, disse Monica. “Tentei contato por meio de assessores, mas nunca fui recebida.”
Há duas semanas o ministro da Justiça finalmente concordou em receber a viúva de Marielle, que lhe pediu justamente maior empenho. “Solicitei que ele desse mais peso político ao caso, manifestando publicamente sua preocupação com a não elucidação até agora e inserindo essa cobrança de forma permanente em sua agenda, uma vez que todos nós passamos vergonha após um ano e sete meses de um crime político dessa proporção não estar solucionado. Estou convencida de que é necessária uma cooperação mútua das autoridades”, afirmou.
A falta de empenho do governo Bolsonaro em cobrar a solução do assassinato contrasta com o aparente esforço em tentar apagar a imagem da vereadora da memória dos brasileiros. Em outubro, a revista Época revelou que a TV Brasil censurou um especial sobre Jackson do Pandeiro onde a imagem de Marielle aparecia durante 5 segundos, numa xilogravura, ao lado do homenageado. Duas semanas depois, a emissora pública exibiu no youtube outra versão do vídeo, sem a vereadora.
Por que tanta aversão da extrema direita a Marielle, mesmo depois de morta? Por que um governo que se diz tão comprometido com o combate ao crime nunca se mostrou seriamente empenhado em elucidar o assassinato da vereadora? Por que Bolsonaro e Moro, que se dizem “inimigos do crime” e “contra a impunidade”, não demonstram estar interessados em mandar os responsáveis para a cadeia? Não seria fundamental para dirimir as dúvidas em torno do fato de que um dos principais suspeitos é vizinho do presidente e que dois dos presos até agora, Élcio Queiroz e Josinaldo Lucas Freitas, aparecem em fotos com ele?
A impunidade no caso Marielle Franco só tem servido para desgastar a imagem do Brasil internacionalmente e para criar as mais variadas teorias sobre o crime – inclusive a de que as autoridades do país não cobram um desfecho do caso por ter algo a esconder.
1 comentários:
Pergunta honesta: você realmente gostaria que esse governo se empenhasse em elucidar esse crime?
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