Por Marcelo Zero
As declarações do embaixador frustrado sobre uma possível volta do AI-5 causaram grande comoção em nossa mídia e nos meios políticos conservadores.
Reagiram fortemente, com um misto de surpresa e indignação.
Entendo, é claro, a real indignação da esquerda com o episódio, já que foi ela a ameaçada.
Não entendo, contudo, a surpresa e a indignação da mídia oligárquica e dos meios conservadores tradicionais.
Surpresa por quê?
Há décadas (décadas!) que Jair Bolsonaro defende publicamente a ditadura e seus torturadores.
Mesmo durante a campanha, Bolsonaro ameaçou levar os opositores “vermelhos” ao exílio ou à “ponta da praia” (morte).
Não me lembro de quaisquer manifestações de surpresa ou indignação por parte desses setores.
Afinal, estavam todos juntos torcendo freneticamente pela derrota do candidato do PT.
Indignação por quê? Esses setores agora dizem ser um absurdo o ex futuro embaixador em Washington e atual presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional propor “relativizar os valores democráticos”.
Mas a relação causal é inversa.
Foi justamente a “relativização dos valores democráticos” que levou gente como Eduardo Bolsonaro ao poder.
Quando Eduardo Bolsonaro fala na volta do AI-5 todos parecem esquecer que está um vigor, há bastante tempo, um AI-5 seletivo, discreto e com aparente legitimidade, que pavimentou a chegada de Bolsonaro e de todo esse bestiário medieval ao poder.
Essa relativização dos valores democráticos, esse AI-5 seletivo começou a ser construído lá atrás com o episódio do “mensalão”, conduzido, de forma mentirosa e leviana, para criminalizar o PT, continuou com o impeachment sem crime de responsabilidade de Dilma Rousseff e culminou com a prisão política, sem provas, de Lula.
Ambos tiveram seus mandatos cassados ou inviabilizados, em atos de truculência ditatorial, com aparência de legalidade e legitimidade.
Foi esse longo processo, apoiado entusiasticamente pelo indignados de hoje, que chocou o ovo da serpente do neofascismo brasileiro, que hoje pede AI-5.
Agora que a serpente eclodiu e ameaça a todos com suas presas venenosas, eles fingem que não têm nada a ver com isso.
Na Alemanha de 1932, a direita tradicional também achou que poderia controlar Hitler.
Juntou-se a ele para exterminar os comunistas. Deu no que deu.
Claro que os tempos são outros.
O Brasil de 2019 não é a Alemanha de 1932.
E o Brasil de 2019 tampouco é o Brasil de 1968, ano do AI-5.
O que a microcefalia bolsonariana não percebe é que quarteladas e AI-5 não são mais bem-vindos.
Não por pruridos democráticos, mas porque são ineficientes e desnecessários.
Com efeito, o AI-5 seletivo, baseado na força legal da caneta jurídica, é muito mais eficiente e “legítimo” que o AI-5 tradicional, com sua brutalidade assentada nos tanques.
A Vaza Jato mostrou bem as entranhas aterradoras desses novos mecanismos de repressão.
Juízes e procuradores, com escancarado viés político, e até com projetos pessoais de poder, se juntam, e com apoio entusiástico da mídia e da direita tradicional, perseguem alvos cuidadosamente escolhidos, em nome do combate à “corrupção”, que tudo justifica e legitima.
Se analisarmos bem, veremos que, mutatis mutandi, tudo o que a ditadura tinha de pior está lá: a tortura (dessa vez psicológica), o atropelo dos direitos, o desprezo ao devido processo legal e ao direito à defesa, o ódio ao “inimigo”, o anticomunismo arcaico e troglodita, a perseguição aos familiares, etc. Até a crueldade e a desumanidade são as mesmas.
É espantoso verificar o grau de aparelhamento das instituições hoje no Brasil. Uma das promotoras do caso Marielle é bolsonarista militante e até pousou para uma foto com o deputado que rasgou uma placa que homenageava a vereadora assassinada.
Nesse contexto, para que tanques e AI-5?
É óbvio, no entanto, que tudo o que está mal pode piorar.
Não se pode descartar um endurecimento do regime, caso aconteça no Brasil algo semelhante ao que acontece hoje no Chile.
Porém, nessa eventualidade, os que hoje estão indignados com Eduardo Bolsonaro apoiariam de bom grado novas medidas repressivas, um alargamento do AI-5 seletivo, desde que isso não contrariasse seus interesses.
A preocupação maior do clã Bolsonaro não é, contudo, com eventuais revoltas populares, até mesmo porque eles intuem que, caso isso aconteça, a base conservadora se aglutinaria em torno deles.
O problema maior para eles está, ao contrário, justamente nas óbvias fraturas que surgiram no bloco no poder e no célere esvaziamento da popularidade de Bolsonaro.
Bolsonaro nunca passou de um capitão-do-mato dos grandes interesses econômico nacionais e internacionais, que querem implantar a ferro e fogo uma agenda neoliberal extremada.
Acontece que esses grandes grupos já perceberam que seus interesses ficariam melhor atendidos por uma figura menos tosca, menos primitiva e que não tivesse ligações tão óbvias com milicianos e que tais.
De fato, Bolsonaro, o troglodita, provoca aversão em setores menos primitivos da ultradireita mundial. Até mesmo Trump revelou, em suas recentes atitudes, que considera Bolsonaro um estorvo inconveniente.
Seu escancarado antiambientalismo tende a prejudicar as exportações do agronegócio.
Suas inúmeras trapalhadas em política externa também prejudicam a imagem do país no exterior e os grandes negócios internacionais do país. Com Bolsonaro, tornamo-nos párias diplomáticos, e isso não é bom para o “ambiente de negócios”.
Suas reiteradas agressões à parte da mídia oligárquica e às instituições do país, sua ignorância crassa sobre os assuntos mais elementares, seu autoritarismo escancarado, seu nepotismo explícito, sua misoginia e seu racismo, etc. também provocam insegurança política e criam um ambiente de constante conflito e enfrentamento, que amedronta investidores.
Assim, parece que o capital e seus grandes grupos decidiram que o capitão-do-mato poderá ser eventualmente substituído por alguém mais competente, mais discreto e mais palatável. É evidente que estão sendo preparadas candidaturas para substituir Bolsonaro em 2022.
Afinal, tudo o que Bolsonaro está fazendo ou pretende fazer (reforma da previdência, privatizações, venda do patrimônio público, venda de recursos estratégicos, abertura irrestrita da economia, desconstrução do Estado de Bem-Estar, aliança subalterna com os EUA, etc.) poderia ser feito com maior eficiência por políticos menos constrangedores e mais controláveis.
Dessa forma, muito provavelmente a atitude ditatorial do deputado foi motivada pelo desespero, face a esses desdobramentos políticos e às investigações que podem vincular sua família às criminosas milícias do Rio de Janeiro.
Em sua imaginação ditatorial delirante, o AI-5 viria para salvar a família e seu projeto de poder.
Não virá. Ao menos, não para isso.
Eduardo Bolsonaro fala em “guerra híbrida”, mas não aprendeu nada com Steve Bannon. Em tempos de big data e de Cambridge Analytica, as disputas política costumam ser resolvidas de outra forma, muito mais insidiosa. Usar o AI-5 da década de 1960 é como trazer um tacape para a guerra digital e simbólica deste século.
O AI-5 seletivo é suficiente. Por enquanto.
As declarações do embaixador frustrado sobre uma possível volta do AI-5 causaram grande comoção em nossa mídia e nos meios políticos conservadores.
Reagiram fortemente, com um misto de surpresa e indignação.
Entendo, é claro, a real indignação da esquerda com o episódio, já que foi ela a ameaçada.
Não entendo, contudo, a surpresa e a indignação da mídia oligárquica e dos meios conservadores tradicionais.
Surpresa por quê?
Há décadas (décadas!) que Jair Bolsonaro defende publicamente a ditadura e seus torturadores.
Mesmo durante a campanha, Bolsonaro ameaçou levar os opositores “vermelhos” ao exílio ou à “ponta da praia” (morte).
Não me lembro de quaisquer manifestações de surpresa ou indignação por parte desses setores.
Afinal, estavam todos juntos torcendo freneticamente pela derrota do candidato do PT.
Indignação por quê? Esses setores agora dizem ser um absurdo o ex futuro embaixador em Washington e atual presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional propor “relativizar os valores democráticos”.
Mas a relação causal é inversa.
Foi justamente a “relativização dos valores democráticos” que levou gente como Eduardo Bolsonaro ao poder.
Quando Eduardo Bolsonaro fala na volta do AI-5 todos parecem esquecer que está um vigor, há bastante tempo, um AI-5 seletivo, discreto e com aparente legitimidade, que pavimentou a chegada de Bolsonaro e de todo esse bestiário medieval ao poder.
Essa relativização dos valores democráticos, esse AI-5 seletivo começou a ser construído lá atrás com o episódio do “mensalão”, conduzido, de forma mentirosa e leviana, para criminalizar o PT, continuou com o impeachment sem crime de responsabilidade de Dilma Rousseff e culminou com a prisão política, sem provas, de Lula.
Ambos tiveram seus mandatos cassados ou inviabilizados, em atos de truculência ditatorial, com aparência de legalidade e legitimidade.
Foi esse longo processo, apoiado entusiasticamente pelo indignados de hoje, que chocou o ovo da serpente do neofascismo brasileiro, que hoje pede AI-5.
Agora que a serpente eclodiu e ameaça a todos com suas presas venenosas, eles fingem que não têm nada a ver com isso.
Na Alemanha de 1932, a direita tradicional também achou que poderia controlar Hitler.
Juntou-se a ele para exterminar os comunistas. Deu no que deu.
Claro que os tempos são outros.
O Brasil de 2019 não é a Alemanha de 1932.
E o Brasil de 2019 tampouco é o Brasil de 1968, ano do AI-5.
O que a microcefalia bolsonariana não percebe é que quarteladas e AI-5 não são mais bem-vindos.
Não por pruridos democráticos, mas porque são ineficientes e desnecessários.
Com efeito, o AI-5 seletivo, baseado na força legal da caneta jurídica, é muito mais eficiente e “legítimo” que o AI-5 tradicional, com sua brutalidade assentada nos tanques.
A Vaza Jato mostrou bem as entranhas aterradoras desses novos mecanismos de repressão.
Juízes e procuradores, com escancarado viés político, e até com projetos pessoais de poder, se juntam, e com apoio entusiástico da mídia e da direita tradicional, perseguem alvos cuidadosamente escolhidos, em nome do combate à “corrupção”, que tudo justifica e legitima.
Se analisarmos bem, veremos que, mutatis mutandi, tudo o que a ditadura tinha de pior está lá: a tortura (dessa vez psicológica), o atropelo dos direitos, o desprezo ao devido processo legal e ao direito à defesa, o ódio ao “inimigo”, o anticomunismo arcaico e troglodita, a perseguição aos familiares, etc. Até a crueldade e a desumanidade são as mesmas.
É espantoso verificar o grau de aparelhamento das instituições hoje no Brasil. Uma das promotoras do caso Marielle é bolsonarista militante e até pousou para uma foto com o deputado que rasgou uma placa que homenageava a vereadora assassinada.
Nesse contexto, para que tanques e AI-5?
É óbvio, no entanto, que tudo o que está mal pode piorar.
Não se pode descartar um endurecimento do regime, caso aconteça no Brasil algo semelhante ao que acontece hoje no Chile.
Porém, nessa eventualidade, os que hoje estão indignados com Eduardo Bolsonaro apoiariam de bom grado novas medidas repressivas, um alargamento do AI-5 seletivo, desde que isso não contrariasse seus interesses.
A preocupação maior do clã Bolsonaro não é, contudo, com eventuais revoltas populares, até mesmo porque eles intuem que, caso isso aconteça, a base conservadora se aglutinaria em torno deles.
O problema maior para eles está, ao contrário, justamente nas óbvias fraturas que surgiram no bloco no poder e no célere esvaziamento da popularidade de Bolsonaro.
Bolsonaro nunca passou de um capitão-do-mato dos grandes interesses econômico nacionais e internacionais, que querem implantar a ferro e fogo uma agenda neoliberal extremada.
Acontece que esses grandes grupos já perceberam que seus interesses ficariam melhor atendidos por uma figura menos tosca, menos primitiva e que não tivesse ligações tão óbvias com milicianos e que tais.
De fato, Bolsonaro, o troglodita, provoca aversão em setores menos primitivos da ultradireita mundial. Até mesmo Trump revelou, em suas recentes atitudes, que considera Bolsonaro um estorvo inconveniente.
Seu escancarado antiambientalismo tende a prejudicar as exportações do agronegócio.
Suas inúmeras trapalhadas em política externa também prejudicam a imagem do país no exterior e os grandes negócios internacionais do país. Com Bolsonaro, tornamo-nos párias diplomáticos, e isso não é bom para o “ambiente de negócios”.
Suas reiteradas agressões à parte da mídia oligárquica e às instituições do país, sua ignorância crassa sobre os assuntos mais elementares, seu autoritarismo escancarado, seu nepotismo explícito, sua misoginia e seu racismo, etc. também provocam insegurança política e criam um ambiente de constante conflito e enfrentamento, que amedronta investidores.
Assim, parece que o capital e seus grandes grupos decidiram que o capitão-do-mato poderá ser eventualmente substituído por alguém mais competente, mais discreto e mais palatável. É evidente que estão sendo preparadas candidaturas para substituir Bolsonaro em 2022.
Afinal, tudo o que Bolsonaro está fazendo ou pretende fazer (reforma da previdência, privatizações, venda do patrimônio público, venda de recursos estratégicos, abertura irrestrita da economia, desconstrução do Estado de Bem-Estar, aliança subalterna com os EUA, etc.) poderia ser feito com maior eficiência por políticos menos constrangedores e mais controláveis.
Dessa forma, muito provavelmente a atitude ditatorial do deputado foi motivada pelo desespero, face a esses desdobramentos políticos e às investigações que podem vincular sua família às criminosas milícias do Rio de Janeiro.
Em sua imaginação ditatorial delirante, o AI-5 viria para salvar a família e seu projeto de poder.
Não virá. Ao menos, não para isso.
Eduardo Bolsonaro fala em “guerra híbrida”, mas não aprendeu nada com Steve Bannon. Em tempos de big data e de Cambridge Analytica, as disputas política costumam ser resolvidas de outra forma, muito mais insidiosa. Usar o AI-5 da década de 1960 é como trazer um tacape para a guerra digital e simbólica deste século.
O AI-5 seletivo é suficiente. Por enquanto.
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