Por Gladstone Leonel da Silva Júnior, no jornal Brasil de Fato:
Poucos dias após o aniversário de cinco anos da morte do saudoso Eduardo Galeano, aquele que talvez tenha sido um dos pensadores mais vibrantes e comprometidos com nosso povo latino-americano, nos deparamos com uma América Latina fraturada.
As políticas de integração e fortalecimento dos povos, que tinham muito mais em comum do que diferenças, não eram mais uma realidade. A Unasul (União de Nações Sul-Americanas) se desintegrou, a Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) está completamente enfraquecida, a Telesul resiste debilitada em seu papel de informar e se comunicar com toda a América Latina. Os sonhos de Simón Bolívar e de todos os libertadores da América estão paralisados e fragilizados, agora, com o avanço do coronavírus.
Aquele povo que dança, trabalha, se abraça e faz política de verdade, como forma de resistência, sofre por dois fatores grandiosos de desestabilização de um rumo comum: o tão falado imperialismo e uma elite política (e também econômica) obsoleta.
O termo "imperialismo" — que, para alguns, é visto como motivo de chacota ou algo inexistente — nunca esteve tão escancarado neste século 21. A movimentação da frota naval dos Estados Unidos se deslocando rumo à Venezuela como uma ameaça, rememorando a fracassada invasão da Baia dos Porcos em Cuba décadas atrás, é a sua face mais crua e ameaçadora.
Embora o imperialismo também esteja manifestado no embargo econômico criminoso à Cuba e à Venezuela; no patrocínio de golpes de Estado e no aprofundamento do lawfare (uso abusivo das instituições jurídicas para perseguir adversários políticos) para fragilizar as lideranças populares, como pode ser verificado na Argentina, na Bolívia, no Brasil, no Equador, entre outros países.
Conforme os Estados Unidos ficam mais acuados, pela dependência que possuem do petróleo, pela perda de hegemonia econômico-militar para a China e pela pandemia arrasadora de covid-19 em um país que possui a rede de saúde toda privatizada, as manifestações agressivas da face imperialista tornam-se mais evidentes e preocupantes.
A covid-19 é uma realidade amarga, visto as vidas perdidas, àqueles que ousaram defender que a saúde deveria ser mera mercadoria, regulada pelas leis econômicas, tal como fazem com a educação. O castelo das ilusões discursivas neoliberais ruiu no advento de um vírus e o Estado fortalecido e garantidor de direitos sociais nunca foi tão importante, como demonstra a China ou até mesmo a Nova Zelândia, nesse contexto.
Não bastasse o acirramento dos ataques imperialistas aos países da América Latina, temos uma parcela da classe dominante que exerce suas atividades políticas com a mentalidade escravocrata e antidemocrática do século 19, subordinando-se aos mandos dos mais fortes e achincalhando os mais fracos. Essas são características típicas de neocolônias, ou seja, o ranço colonial de encantamento com o dominador e de repúdio ao elo mais frágil se reproduz na esfera estatal.
Temos, hoje, uma classe patronal que dá suporte a um Brasil que presta continência para os Estados Unidos, mas baixa a guarda quando os Estados Unidos retêm itens médicos e aparelhos destinados a salvar a vida do povo brasileiro durante a pandemia; que ignora as diretrizes científicas de isolamento social para salvaguardar as pessoas, mas estimula a divulgação de notícias falsas, pautadas por mero amadorismo e “achismos”.
O fato ocorrido esta semana evidencia essa síndrome do colonizado, que desestrutura uma integração sólida dos povos latino-americanos. Em plena pandemia de covid-19, as autoridades brasileiras retêm, desde o dia 1º de abril, 50 respiradores que seriam usados para o tratamento dos enfermos no Paraguai. Eles copiam o que tem de pior do seu algoz para maltratar aquele que sofre dos mesmos males e está em pior condição.
O governo brasileiro reproduziu a metáfora do vira-lata, que pensando ser um doberman latiu alto com o vizinho, mas só o fez para que os outros não vissem sua fragilidade, que, além de ter o complexo, ele não passa de um vira-lata, que abana o rabo e lambe as botas na hora em que seu dono dá o grito.
Parafraseando Chico Buarque, ao fim da campanha presidencial de 2010, hoje nós voltamos a ser o que achávamos que tínhamos deixado para trás: nós temos um governo que fala fino com Washington e fala grosso com o Paraguai, por isso é desrespeitado e considerado caricato no mundo inteiro.
A desintegração latino-americana atrapalha muito nessa pandemia. Ela se dá quando essa elite político-econômica daqui estimula no nosso povo o vírus da ignorância e do individualismo, que eles próprios possuem e alimentam nessas terras por meio de um capitalismo atrasado, subordinado e dependente. A solidariedade é o fundamento para vencer a pandemia e a base de uma integração sólida na América Latina, que enxerga o outro como a si mesmo em uma conjunção de corpos, dores e lutas que nos tocam de maneira una.
* Gladstone Leonel da Silva Júnior é professor adjunto da Faculdade de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF).
As políticas de integração e fortalecimento dos povos, que tinham muito mais em comum do que diferenças, não eram mais uma realidade. A Unasul (União de Nações Sul-Americanas) se desintegrou, a Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) está completamente enfraquecida, a Telesul resiste debilitada em seu papel de informar e se comunicar com toda a América Latina. Os sonhos de Simón Bolívar e de todos os libertadores da América estão paralisados e fragilizados, agora, com o avanço do coronavírus.
Aquele povo que dança, trabalha, se abraça e faz política de verdade, como forma de resistência, sofre por dois fatores grandiosos de desestabilização de um rumo comum: o tão falado imperialismo e uma elite política (e também econômica) obsoleta.
O termo "imperialismo" — que, para alguns, é visto como motivo de chacota ou algo inexistente — nunca esteve tão escancarado neste século 21. A movimentação da frota naval dos Estados Unidos se deslocando rumo à Venezuela como uma ameaça, rememorando a fracassada invasão da Baia dos Porcos em Cuba décadas atrás, é a sua face mais crua e ameaçadora.
Embora o imperialismo também esteja manifestado no embargo econômico criminoso à Cuba e à Venezuela; no patrocínio de golpes de Estado e no aprofundamento do lawfare (uso abusivo das instituições jurídicas para perseguir adversários políticos) para fragilizar as lideranças populares, como pode ser verificado na Argentina, na Bolívia, no Brasil, no Equador, entre outros países.
Conforme os Estados Unidos ficam mais acuados, pela dependência que possuem do petróleo, pela perda de hegemonia econômico-militar para a China e pela pandemia arrasadora de covid-19 em um país que possui a rede de saúde toda privatizada, as manifestações agressivas da face imperialista tornam-se mais evidentes e preocupantes.
A covid-19 é uma realidade amarga, visto as vidas perdidas, àqueles que ousaram defender que a saúde deveria ser mera mercadoria, regulada pelas leis econômicas, tal como fazem com a educação. O castelo das ilusões discursivas neoliberais ruiu no advento de um vírus e o Estado fortalecido e garantidor de direitos sociais nunca foi tão importante, como demonstra a China ou até mesmo a Nova Zelândia, nesse contexto.
Não bastasse o acirramento dos ataques imperialistas aos países da América Latina, temos uma parcela da classe dominante que exerce suas atividades políticas com a mentalidade escravocrata e antidemocrática do século 19, subordinando-se aos mandos dos mais fortes e achincalhando os mais fracos. Essas são características típicas de neocolônias, ou seja, o ranço colonial de encantamento com o dominador e de repúdio ao elo mais frágil se reproduz na esfera estatal.
Temos, hoje, uma classe patronal que dá suporte a um Brasil que presta continência para os Estados Unidos, mas baixa a guarda quando os Estados Unidos retêm itens médicos e aparelhos destinados a salvar a vida do povo brasileiro durante a pandemia; que ignora as diretrizes científicas de isolamento social para salvaguardar as pessoas, mas estimula a divulgação de notícias falsas, pautadas por mero amadorismo e “achismos”.
O fato ocorrido esta semana evidencia essa síndrome do colonizado, que desestrutura uma integração sólida dos povos latino-americanos. Em plena pandemia de covid-19, as autoridades brasileiras retêm, desde o dia 1º de abril, 50 respiradores que seriam usados para o tratamento dos enfermos no Paraguai. Eles copiam o que tem de pior do seu algoz para maltratar aquele que sofre dos mesmos males e está em pior condição.
O governo brasileiro reproduziu a metáfora do vira-lata, que pensando ser um doberman latiu alto com o vizinho, mas só o fez para que os outros não vissem sua fragilidade, que, além de ter o complexo, ele não passa de um vira-lata, que abana o rabo e lambe as botas na hora em que seu dono dá o grito.
Parafraseando Chico Buarque, ao fim da campanha presidencial de 2010, hoje nós voltamos a ser o que achávamos que tínhamos deixado para trás: nós temos um governo que fala fino com Washington e fala grosso com o Paraguai, por isso é desrespeitado e considerado caricato no mundo inteiro.
A desintegração latino-americana atrapalha muito nessa pandemia. Ela se dá quando essa elite político-econômica daqui estimula no nosso povo o vírus da ignorância e do individualismo, que eles próprios possuem e alimentam nessas terras por meio de um capitalismo atrasado, subordinado e dependente. A solidariedade é o fundamento para vencer a pandemia e a base de uma integração sólida na América Latina, que enxerga o outro como a si mesmo em uma conjunção de corpos, dores e lutas que nos tocam de maneira una.
* Gladstone Leonel da Silva Júnior é professor adjunto da Faculdade de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF).
0 comentários:
Postar um comentário