Por Tarso Genro, no site Sul-21:
Em 19 de julho de 1922 quando Benito Mussolini fala no Parlamento, reforçado pelo terror das suas forças irregulares, os “Fasci de Combattimento” estão organizados e em plena ação criminosa nas ruas e nos campos italianos. São ex-soldados e oficiais, que lutaram na Primeira Guerra – marginais aventureiros sem rumo – desempregados famintos e sociopatas de todas as origens de classe. Estas forças arremeteram, já armadas, contra os camponeses, os sindicatos, os intelectuais e as organizações políticas democráticas da sociedade.
Venceram pelo medo e pela morte. Foi como se o povo fosse vítima de uma pandemia de liquidação das subjetividades e de de diluição da dignidade cívica, necessárias à vigência de qualquer regime político que seja fiador da segurança pública. E a insegurança, hoje, é a centralidade da política e suas asas desajustadas percorrem -como uma sombra sufocante- os territórios do capitalismo do desastre. Neles, as pessoas deverão se acostumar a lutar -umas contra as outras- até anular as mínimas relações de solidariedade que formaram a espécie humana.
O “Duce” que fala no Parlamento, então, já está amparado na adesão forçada, obtida pela sangrenta coerção miliciana, contra os setores mais sofridos do povo italiano. E pode discursar com arrogância: “se porventura surgisse desta crise um governo de violenta reação antifascista (…) nós responderemos com a insurreição (…) espero que o fascismo chegue a participar da vida do Estado, por meio de uma preparação à conquista legal”.
Uma semana depois, no seu escritório de Milão, ele observa os movimentos de Felippo Turati -o “patriarca do socialismo italiano”- que se prepara para conversar com o Rei. O tema era a hipótese de participação no Gabinete liberal, visando bloquear o ascenso fascista. O drama da democracia liberal representativa é, então, ou absorver os socialistas para tentar bloquear o fascismo ou absorver o fascismo e arriscar a vigência permanente do terror de Estado.
A história registra a escolha: entre 1922 e 1924 Mussolini integra o Governo -não Turati- e governa de forma conciliatória. Em 1924, em meio “a espancamentos, prisões e fraudes, os fascistas e seus aliados conseguem 2\3 das cadeiras do Parlamento”, após uma reforma política que estimula -de forma inequívoca- as alianças com a extrema direita. Italo Balbo, dirigente fascista e assassino reconhecido, anota no seu diário: ‘temos de criar no adversário a sensação de terror!”.
Às vezes a História não se repete, nem como farsa, nem como tragédia. Repete-se como alegoria,com desfechos construídos por sujeitos esquecidos, ocultos no presente imediato. Em pleno Regime Militar, o General Silvio Frota, que articulava um golpe contra Geisel, é demitido do Ministério do Exército pelo então Presidente Geisel (12 de outubro de 1977), sendo substituído pelo General Bethlem. Ele comandava o III Exército e sua ascensão foi feita sem submeter o “golpista dentro dentro do golpe” (Frota) às instâncias da Justiça Militar. A omissão reforçaria um consistente pacto corporativo, dentro do Exército Nacional, que permitia o convívio entre divergentes explícitos.
É o pacto ainda que hoje mantém Bolsonaro no poder, até hoje, no qual convivem -em relativa harmonia- militares constitucionalistas e golpistas de extrema direita. Os que ainda vivem na época da Guerra Fria e os que mandariam Petain para a prisão. De Gaulle mandou Petain -traidor da República, que apoiou a ocupação nazista- para prisão perpétua na Ilha de Yeu, mas Geisel mandou Frota para a boa reserva remunerada. É o pacto, selado numa História não lembrada, que constantemente ameaça a Constituição da República e o convívio político numa democracia estável, fundada na Lei e na Ordem da Constituição legítima.
Bolsonaro testou ao limite as instituições do país, pregando abertamente um golpe de Estado, desafiando a ciência e o mínimo bom-senso no enfrentamento da pandemia. Aumentou brutalmente o número de mortos pela catástrofe sanitária e protegeu -de forma direta e inequívoca- as possíveis atividades fora-da-lei, de cada um de seus filhos. Nenhum Presidente ficaria no poder com um currículo de primeiro ano de Governo como este construído por Bolsonaro. Ele humilhou constantemente o Itamaraty, a inteligência científica e acadêmica do país e o próprio STF, que revelou -neste contexto- uma coragem extraordinária.
Bolsonaro simula, agora já apoiado pela Globo, por FHC – resvalando para uma “tolerância” indigna com a extrema direita- que está “fazendo as pazes” com a democracia. E o faz simplesmente pela contenção dos seus impulsos psicóticos, para conquistar, não somente uma boa relação com o STF como também para estabilizar o “centrão” como comando de Governo: simula uma garantia de retorno à ordem constitucional de 88, que ele sempre desprezou e tentou, por todos os meios, lícitos e ilícitos, destruir.
As “colunas de fogo e de fumaça” de que falava Italo Balbo em 30 de julho de 1922, foram substituídas -na alegoria demencial do avanço fascista bolsonárico- pela forma que ele desafiou o mundo e as instituições, com seu comportamento genocida em relação à Pandemia. O preço que o seu pacto necrófilo pelas reformas -apoiadas massivamente pelas elites burguesas rentistas do país- cobrará do país, terá um resultado brutal para os mais pobres, até o final do presente ano.
A forma e o conteúdo programático, com que as oposições democráticas -junto com esquerda política- enfrentarão o desastre anunciado, dirá se o fascismo poderá ser derrotado ou se Bolsonaro, já liberto das travas do seu isolamento, voltará ao lugar mais simbólico do seu desastrado Governo: em frente do STF, de onde ele pretende domar a nossa República e mostrar que ela é, no fundo, uma alegoria da modernidade decadente.
Derrotar Bolsonaro em todos os seus movimentos - simulados ou verdadeiros - é o único antídoto antifascista que nos resta. Se a esquerda não promover esta derrota, dentro de uma ampla frente republicana e democrática, ninguém a promoverá. As nossas classes “superiores” já trocaram, desde a deposição de Dilma, a alma da democracia, liberal pela economia cruel das reformas ultraliberais. Mas isso é só uma parte da tragédia que, quem sabe, ainda pode ser vencida,
* Tarso Genro foi governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, ministro da Justiça, ministro da Educação e ministro das Relações Institucionais do Brasil.
Em 19 de julho de 1922 quando Benito Mussolini fala no Parlamento, reforçado pelo terror das suas forças irregulares, os “Fasci de Combattimento” estão organizados e em plena ação criminosa nas ruas e nos campos italianos. São ex-soldados e oficiais, que lutaram na Primeira Guerra – marginais aventureiros sem rumo – desempregados famintos e sociopatas de todas as origens de classe. Estas forças arremeteram, já armadas, contra os camponeses, os sindicatos, os intelectuais e as organizações políticas democráticas da sociedade.
Venceram pelo medo e pela morte. Foi como se o povo fosse vítima de uma pandemia de liquidação das subjetividades e de de diluição da dignidade cívica, necessárias à vigência de qualquer regime político que seja fiador da segurança pública. E a insegurança, hoje, é a centralidade da política e suas asas desajustadas percorrem -como uma sombra sufocante- os territórios do capitalismo do desastre. Neles, as pessoas deverão se acostumar a lutar -umas contra as outras- até anular as mínimas relações de solidariedade que formaram a espécie humana.
O “Duce” que fala no Parlamento, então, já está amparado na adesão forçada, obtida pela sangrenta coerção miliciana, contra os setores mais sofridos do povo italiano. E pode discursar com arrogância: “se porventura surgisse desta crise um governo de violenta reação antifascista (…) nós responderemos com a insurreição (…) espero que o fascismo chegue a participar da vida do Estado, por meio de uma preparação à conquista legal”.
Uma semana depois, no seu escritório de Milão, ele observa os movimentos de Felippo Turati -o “patriarca do socialismo italiano”- que se prepara para conversar com o Rei. O tema era a hipótese de participação no Gabinete liberal, visando bloquear o ascenso fascista. O drama da democracia liberal representativa é, então, ou absorver os socialistas para tentar bloquear o fascismo ou absorver o fascismo e arriscar a vigência permanente do terror de Estado.
A história registra a escolha: entre 1922 e 1924 Mussolini integra o Governo -não Turati- e governa de forma conciliatória. Em 1924, em meio “a espancamentos, prisões e fraudes, os fascistas e seus aliados conseguem 2\3 das cadeiras do Parlamento”, após uma reforma política que estimula -de forma inequívoca- as alianças com a extrema direita. Italo Balbo, dirigente fascista e assassino reconhecido, anota no seu diário: ‘temos de criar no adversário a sensação de terror!”.
Às vezes a História não se repete, nem como farsa, nem como tragédia. Repete-se como alegoria,com desfechos construídos por sujeitos esquecidos, ocultos no presente imediato. Em pleno Regime Militar, o General Silvio Frota, que articulava um golpe contra Geisel, é demitido do Ministério do Exército pelo então Presidente Geisel (12 de outubro de 1977), sendo substituído pelo General Bethlem. Ele comandava o III Exército e sua ascensão foi feita sem submeter o “golpista dentro dentro do golpe” (Frota) às instâncias da Justiça Militar. A omissão reforçaria um consistente pacto corporativo, dentro do Exército Nacional, que permitia o convívio entre divergentes explícitos.
É o pacto ainda que hoje mantém Bolsonaro no poder, até hoje, no qual convivem -em relativa harmonia- militares constitucionalistas e golpistas de extrema direita. Os que ainda vivem na época da Guerra Fria e os que mandariam Petain para a prisão. De Gaulle mandou Petain -traidor da República, que apoiou a ocupação nazista- para prisão perpétua na Ilha de Yeu, mas Geisel mandou Frota para a boa reserva remunerada. É o pacto, selado numa História não lembrada, que constantemente ameaça a Constituição da República e o convívio político numa democracia estável, fundada na Lei e na Ordem da Constituição legítima.
Bolsonaro testou ao limite as instituições do país, pregando abertamente um golpe de Estado, desafiando a ciência e o mínimo bom-senso no enfrentamento da pandemia. Aumentou brutalmente o número de mortos pela catástrofe sanitária e protegeu -de forma direta e inequívoca- as possíveis atividades fora-da-lei, de cada um de seus filhos. Nenhum Presidente ficaria no poder com um currículo de primeiro ano de Governo como este construído por Bolsonaro. Ele humilhou constantemente o Itamaraty, a inteligência científica e acadêmica do país e o próprio STF, que revelou -neste contexto- uma coragem extraordinária.
Bolsonaro simula, agora já apoiado pela Globo, por FHC – resvalando para uma “tolerância” indigna com a extrema direita- que está “fazendo as pazes” com a democracia. E o faz simplesmente pela contenção dos seus impulsos psicóticos, para conquistar, não somente uma boa relação com o STF como também para estabilizar o “centrão” como comando de Governo: simula uma garantia de retorno à ordem constitucional de 88, que ele sempre desprezou e tentou, por todos os meios, lícitos e ilícitos, destruir.
As “colunas de fogo e de fumaça” de que falava Italo Balbo em 30 de julho de 1922, foram substituídas -na alegoria demencial do avanço fascista bolsonárico- pela forma que ele desafiou o mundo e as instituições, com seu comportamento genocida em relação à Pandemia. O preço que o seu pacto necrófilo pelas reformas -apoiadas massivamente pelas elites burguesas rentistas do país- cobrará do país, terá um resultado brutal para os mais pobres, até o final do presente ano.
A forma e o conteúdo programático, com que as oposições democráticas -junto com esquerda política- enfrentarão o desastre anunciado, dirá se o fascismo poderá ser derrotado ou se Bolsonaro, já liberto das travas do seu isolamento, voltará ao lugar mais simbólico do seu desastrado Governo: em frente do STF, de onde ele pretende domar a nossa República e mostrar que ela é, no fundo, uma alegoria da modernidade decadente.
Derrotar Bolsonaro em todos os seus movimentos - simulados ou verdadeiros - é o único antídoto antifascista que nos resta. Se a esquerda não promover esta derrota, dentro de uma ampla frente republicana e democrática, ninguém a promoverá. As nossas classes “superiores” já trocaram, desde a deposição de Dilma, a alma da democracia, liberal pela economia cruel das reformas ultraliberais. Mas isso é só uma parte da tragédia que, quem sabe, ainda pode ser vencida,
* Tarso Genro foi governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, ministro da Justiça, ministro da Educação e ministro das Relações Institucionais do Brasil.
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