domingo, 24 de janeiro de 2021
Globo tenta desconstruir o monstro que pariu
Por quase 30 anos, Bolsonaro andou perambulando entre o baixo clero parlamentar, se envolvendo nas politiqueirias de baixo nível características desse segmento político, defendendo os interesses de grupos milicianos nas periferias do Rio de Janeiro, cuidando de garantir uma boquinha na política para cada um de seus filhos.
Sua presença e projeção em termos de política geral não ia além das declarações em favor da tortura e de torturadores que se esmerava em fazer toda vez que alguma câmara de televisão se aproximasse dele. Mas, em razão de sua absoluta insignificância, não eram muitas as que se dispunham a isso.
No entanto, tudo mudou a partir do momento em que a rede Globo e o conjunto das elites vinculadas aos interesses financeiros e imperialistas tomaram a decisão de eliminar o protagonismo do PT para que elas voltassem a assumir diretamente o controle do governo da nação, que haviam perdido em 2002.
Num primeiro momento, acreditavam que logo encontrariam algum nome de sua confiança capaz de gerar e conquistar o apoio da maioria dos setores de classe média que eles haviam manipulado nas campanhas midiáticas contra Lula, Dilma e o PT. Mas, nenhum dos nomes cogitados para tal tarefa conseguiu emplacar e se tornar o polo de atração dessas massas que eles tinham atordoado em suas furibundas campanhas de ódio contra o PT e contra tudo o que soasse à política. Não foi possível sustentar nem o nome de Aécio, nem o de Alckmin, nem nenhum outro nome dentre o elenco daqueles que lhes eram confiáveis.
É provável que, naquele momento, o único ser confiável que poderia contar com um significativo apoio por parte importante do eleitorado de classe média seria o juiz Sérgio Moro, que havia sido objeto de uma tremenda campanha de endeusamento publicitário capitaneada pela rede Globo e acompanhada por todos os outros integrantes da corporação midiática. Moro já havia dado suficientes provas de sua total adesão ao projeto de retomada do comando do aparelho político nacional por parte das elites financeiras e do grande capital imperialista. No entanto, seria muito arriscado retirá-lo da importantíssima função que ele estava exercendo naquele momento. Só ele tinha demonstrado ter suficiente falta de pudor para decidir sem nenhuma base legal eliminar do jogo político o candidato que despontava como o preferido em todas as enquetes de opinião realizadas, em outras palavras, eliminar Lula do pleito eleitoral.
Ou seja, embora Sérgio Moro fosse por então um nome com bastante apelo junto às massas de classe média e ainda que gozasse da total confiança das elites econômicas e do imperialismo, o risco de uma disputa direta contra Lula era por demais assustadora.
Sendo assim, à rede Globo e ao conjunto das elites do dinheiro não lhes restou outra alternativa senão investir no nome de Jair Bolsonaro. Sim, teriam de apostar todas suas fichas naquele politiqueiro limitado, grosseiro, inculto, desprovido de outras qualidades sociológicas além das de saber tirar proveito de cunho pessoal de tudo em que participasse. E foi assim que a rede Globo, a elite financeira e o grande capital imperialista decidiram dar à luz o “novo” Bolsonaro.
Precisamos reconhecer que para levar a cabo esta tarefa, a Globo e seus aliados midiáticos demonstraram ter um elevado nível de competência, capaz de transformar a imagem de um dos politiqueiros mais desprezíveis e abomináveis de nossa história em alguém com características de frescura e inovação, um ser alheio às práticas de corrupção e banditismo tão características do baixo clero parlamentar e das milícias com os quais ele sempre esteve envolvido .
Mesmo dispondo de inúmeros materiais de vídeo e áudio com entrevistas realizadas por eles mesmos, nas quais Jair Bolsonaro expunha de alto e bom tom tudo o que ele sempre significou, a rede Globo e seus aliados preferiram fazer de conta que não sabiam de nada. Foi como se estivéssemos diante de uma situação nova nas disputas políticas do país. Era a velha política (encarnada pelo PT) contra alguém de fora, um novato estreante na política (Bolsonaro), a quem valia a pena dar uma chance. Ou seja, valia tudo para derrotar Lula e o PT, até mesmo apresentar a podridão como se fosse frescura.
Enquanto pôde se dedicar exclusivamente às medidas do agrado de seus patrocinadores (eliminação das leis da CLT, reforma previdenciária e fim das aposentadorias, redução dos investimentos em saúde e educação, etc.), o apoio das elites ao governo Bolsonaro seguia de vento em popa. Pelo menos era assim que a rede Globo e o resto da mídia corporativa dava a entender.
Entrega do pré-sal às multinacionais, desmantelamento da Petrobrás, destruição de nossa indústria naval, aniquilamento de nossas maiores empresas de engenharia, milhões de novos desempregados como consequência disto... Nada abalava a confiança da rede Globo, do resto da mídia corporativa e do mercado em Jair Bolsonaro e em seu fiel escudeiro Paulo Guedes.
No entanto, apareceu algo novo para aguar a festa da rede Globo e de uma parte do capital rentista (uma parte, é bom deixar claro, não de todo): a pandemia da covid-19.
Com a maneira monstruosa como Bolsonaro e seu governo está lidando com as questões da pandemia, ficou muito difícil, quase impossível, para a rede Globo e para vários outros grupos continuar sustentando uma boa imagem de Bolsonaro. Como aceitar deixar numa boa a imagem de um governo que permitiu que o Brasil se tornasse um dos principais campos de extermínio em todo o mundo? Como deixar numa boa a imagem de um governante que não demonstra um mínimo de sentimento pela dor causada pela aterradora cifra de 210 mil mortes? Como deixar numa boa a imagem de um governo que desorienta a população quanto aos cuidados a tomar com a pandemia, ao mesmo tempo que trata de dificultar o acesso de nossa população às vacinas?
Está mais do que claro que a rede Globo, seus aliados da corporação midiática, e o conjunto dos capitalistas financeiros não estão nem um pouco chateados pela elevadíssima taxa de desemprego existente, também não pela desarticulação do movimento sindical, menos ainda pela privatização da Petrobrás, ou pela falta de recursos aos programas assistenciais para as populações carentes. Não, nada disto. Nesse tipo de coisas, eles estão inteiramente afinados com Bolsonaro e seu governo.
Neste momento, por questões relacionadas com o descaso de Bolsonaro com a pandemia de covid-19, a Globo quer descontruir a imagem de Bolsonaro. Esta vai ser uma tarefa dura para seus especialistas em marketing. Talvez, até mais difícil do que foi a manipulação que permitiu fazer de Bolsonaro “uma coisa nova e cheia de leveza na política”. Dura, porque a Globo vai ter de desmascarar a si própria para que sua nova versão possa ser aceita.
A desconstrução da imagem de Bolsonaro é imperativa e necessária, mas essa desconstrução deve vir acompanhada da desconstrução da imagem da própria rede Globo e de toda a corporação midiática que a acompanha em sua trajetória.
* Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.
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