“De onde menos se espera, daí é que não sai nada mesmo”, dizia o sábio Barão de Itararé.
Para aqueles que esperavam que a política externa de Biden viesse a produzir avanços significativos em relação ao desastre de Trump, a audiência pública no Senado com Antony Blinken, próximo Secretário de Estado dos EUA, foi um balde de água fria, principalmente no que tange à América Latina.
Há a promessa, é claro, da mudança de métodos.
Blinken e Biden dizem querer colocar os “valores norte-americanos” da democracia e dos direitos humanos no centro da política externa norte-americana e liderar pela força do exemplo e não pelo emprego da força.
Prometem, assim, investir na diplomacia, na reconstrução de alianças e no multilateralismo.
Juram que usarão a força militar apenas como “último recurso”.
Curiosamente, foi a mesma promessa feita pelo também Democrata Obama.
No entanto, Obama foi um dos presidentes que mais usou a força para impor os interesses dos EUA no mundo, com resultados desastrosos.
Contribuiu para a expansão do Estado Islâmico no Oriente Médio, sabotou o acordo com o Irã obtido por Lula, acirrou a Guerra Civil na Síria e destruiu a Líbia, que se tornou um território selvagem dominado por milícias bárbaras.
Foi também em sua administração que a “grande disputa pelo poder mundial”, com China, Rússia e aliados, se tornou o centro da política externa e de segurança dos EUA.
Na América Latina, sua administração deu apoio ao “golpe branco” (não tão branco assim) contra Dilma, conduziu a lawfare contra Lula e iniciou o processo de isolamento e desestabilização da Venezuela, entre várias cositas más.
Além disso, apesar da promessa da mudança nos métodos, os grandes objetivos, a não ser em algumas áreas, como a ambiental e sanitária, permanecerão basicamente os mesmos.
Os EUA já voltaram ao Acordo de Paris e à OMS, mas, no restante, não se deve esperar muita coisa.
Blinken e Biden prometem ser duros contra a China e a Rússia, regimes que eles definem como “autoritários e antidemocráticos”.
Na audiência no Senado, Blinken confirmou que Biden manterá a denúncia que Pompeo fez contra a China, por causa da minoria muçulmana Uigur.
Pompeo acusou o governo chinês de “genocídio” e que os uigures estariam sendo confinados em “campos de concentração”, algo semelhante ao que o governo Trump vinha fazendo com imigrantes, inclusive brasileiros.
Blinken também deverá manter o cancelamento da ordem que impedia que funcionários do Departamento do Estado mantivessem contatos oficiais com Taiwan, tema extremamente sensível para Beijing.
Não é, convenhamos, uma boa maneira de se apostar em diplomacia.
Embora Blinken tenha afirmado que haveria áreas em que China e EUA poderiam cooperar, a tônica principal deverá ser a da confrontação permanente não só com China, mas também com Rússia e outros países percebidos como rivais dos EUA.
Em relação à Rússia, que é sempre acusada, sem provas, pelo Partido Democrata, de interferir na política doméstica dos EUA, Blinken afirmou, entre outras coisas, que Biden fará de tudo para impedir a construção do gasoduto Nord Stream 2, que ligaria a Rússia diretamente à Alemanha e outros países, sem passar pela Ucrânia.
Biden e sua família têm ligações muito próximas com o atual regime “antirrusso” ucraniano e sua administração deverá ser francamente hostil a Putin.
A política dos EUA para o Oriente Médio deverá continuar a ser ditada pela aliança com Israel e os países do Golfo.
Blinken confirmou isso na audiência no Senado.
Disse, entre outras coisas, que Biden manterá a embaixada dos EUA em Jerusalém, iniciativa de Trump, e trabalhará a partir (build up) de suas alianças tradicionais na região. Mais do mesmo.
Embora reconheça formalmente a necessidade de que os palestinos tenham seu Estado, Blinken afirmou que “realisticamente” não vê como isso possa ocorrer em prazo breve.
Mais do mesmo, de novo.
No que tange ao Irã, embora Blinken e Biden estejam dispostos a regressar às negociações do acordo de desarmamento nuclear com o Irã, seus objetivos parecem ir bem além desse tema específico.
Blinken afirmou que os EUA trabalharão para que temas que não foram negociados, como o apoio do Irã a grupos militantes do Oriente Médio, seu programa de mísseis balísticos e questão dos direitos humanos sejam incluídos nas futuras negociações. Ora, é óbvio que isso é sabotagem do acordo. Isso é aposta no fracasso.
Em relação à América Latina, a política externa dos EUA deverá continuar a receber forte influência dos grupos anticastristas, anticomunistas e, agora também, “antibolivarianos” da Flórida.
Blinken afirmou que os EUA de Biden continuarão a reconhecer Guaidó e a Asamblea Nacional como únicos representantes legítimos do povo venezuelano.
Os EUA, disse ele, trabalharão para fazer que as sanções sejam ajustadas para “doer mais” no governo “ditatorial” de Maduro.
Ao mesmo tempo, enviarão mais “ajuda humanitária” para a Venezuela.
Blinken também prometeu ao ultraconservador senador Marco Rubio que manterá pressão sobre Cuba e que o consultará sobre os próximos passos que deverá tomar contra a “ditadura” daquele país.
Um cenário não muito promissor, para dizer o mínimo.
A política externa dos EUA para América Latina foi quase sempre imperial e instrumental.
Imperial porque os EUA viram e veem nossa região como sua zona de influência exclusiva, destinada a não ter autonomia própria. Instrumental porque sempre foi guiada exclusivamente pelos interesses do Império e pelos ditames de seus conflitos.
Na época da Guerra Fria, o objetivo maior era engajar os países da região na “luta contra o comunismo”.
Com o colapso da União Soviética, o objetivo principal passou a ser a “guerra contra as drogas e a imigração ilegal”.
Mais tarde, veio a “guerra contra o terrorismo”.
Agora, o objetivo principal, definido na administração Obama, é engajar a América Latina na grande luta pelo poder mundial contra China, Rússia e aliados.
Nesse quadro, que não leva em consideração as necessidades e interesses próprios da região, é difícil, para não dizer impossível, se construir uma relação construtiva e propositiva, a não ser que os países do nosso continente defendam, de preferência em conjunto, seus objetivos autônomos, como o Brasil fez nos governos do PT.
Democracia e direitos humanos? A última vez que os EUA tentaram defender, de fato, a democracia e os direitos humanos no Brasil foi quando Carter, em 1977, pressionou Geisel por reformas democráticas.
Pressão pontual que logo foi abandonada.
De lá para cá, seguindo uma longa tradição, os “core values” da democracia e dos direitos humanos foram usados somente como escusa mal-ajambrada para derrubar regimes progressistas, instalar ditaduras amigáveis e promover intervenções e guerras.
A política externa dos EUA, guiada, em tese, pela paz, a democracia e os direitos humanos, produz o exato oposto.
No que tange especificamente ao Brasil, pode-se esperar uma coisa: chumbo.
Os Democratas não esquecerão tão cedo que Bolsonaro e seu chanceler cruzadista aliaram-se incondicionalmente a Trump e Bannon. Também não esquecerão que o capitão secundou a tese de que as eleições nos EUA teriam sido fraudadas, agressão inadmissível à democracia norte-americana e às suas instituições.
Não há dúvida de que Biden usará dos temas ambientais e dos direitos humanos para pressionar Bolsonaro.
Uma das primeiras Executive Orders de Biden foi a do cancelamento, em nome da proteção ambiental e das populações indígenas, do oleoduto Keystone, pelo qual o Canadá exportaria parte da sua produção de óleo e gás para os EUA.
Já tem gente no Canadá acusando Biden de ser mais protecionista que Trump, algo que normalmente ocorre em administrações dos Democratas.
No mesmo diapasão, Biden poderá impor barreiras à produção brasileira, bem como pressionar outros países a fazê-lo, alegando a proteção ambiental como justificativa.
Os EUA são nossos concorrentes no mercado mundial de commodities, especialmente no mercado chinês. A substituição de importações brasileiras por norte-americanas poderia virar moeda de troca em um possível novo acordo comercial entre EUA e China. Melhor botar as barbas, as sojas, os milhos e as carnes de molho.
Não há dúvida de que Biden representa, no campo das políticas internas, um grande avanço, em relação ao desastre neofascista de Trump.
Caso consiga fazer boa parte do que prometeu, teremos bons progressos na área sanitária e de saúde e no campo ambiental.
O pacote de estímulos de quase US$ 2 trilhões, combinado com o aumento do salário-mínimo e do auxílio emergencial para as famílias, deverá promover a retomada das atividades econômicas e uma redução do desemprego, da pobreza e da desigualdade.
Ademais, a administração Biden deverá combater, de forma mais decidida, o racismo estrutural dos EUA, bem como a discriminação de gênero e a homofobia. Espera-se, também, uma política mais sensata, no que tange à imigração.
Mas, no delicado e estratégico campo da política externa, governado pelas leis de ferro do Império, é prudente não se iludir.
Nesse campo, só podemos esperar de nós mesmos, defendendo nossos interesses próprios, algo que Lula e Dilma fizeram, mas que Bolsonaro e Araújo jamais farão.
Desses dois últimos, o Brasil, definitivamente, não pode esperar nada de bom, útil ou sensato.
Nem oxigênio e vacina.
Não é, convenhamos, uma boa maneira de se apostar em diplomacia.
Embora Blinken tenha afirmado que haveria áreas em que China e EUA poderiam cooperar, a tônica principal deverá ser a da confrontação permanente não só com China, mas também com Rússia e outros países percebidos como rivais dos EUA.
Em relação à Rússia, que é sempre acusada, sem provas, pelo Partido Democrata, de interferir na política doméstica dos EUA, Blinken afirmou, entre outras coisas, que Biden fará de tudo para impedir a construção do gasoduto Nord Stream 2, que ligaria a Rússia diretamente à Alemanha e outros países, sem passar pela Ucrânia.
Biden e sua família têm ligações muito próximas com o atual regime “antirrusso” ucraniano e sua administração deverá ser francamente hostil a Putin.
A política dos EUA para o Oriente Médio deverá continuar a ser ditada pela aliança com Israel e os países do Golfo.
Blinken confirmou isso na audiência no Senado.
Disse, entre outras coisas, que Biden manterá a embaixada dos EUA em Jerusalém, iniciativa de Trump, e trabalhará a partir (build up) de suas alianças tradicionais na região. Mais do mesmo.
Embora reconheça formalmente a necessidade de que os palestinos tenham seu Estado, Blinken afirmou que “realisticamente” não vê como isso possa ocorrer em prazo breve.
Mais do mesmo, de novo.
No que tange ao Irã, embora Blinken e Biden estejam dispostos a regressar às negociações do acordo de desarmamento nuclear com o Irã, seus objetivos parecem ir bem além desse tema específico.
Blinken afirmou que os EUA trabalharão para que temas que não foram negociados, como o apoio do Irã a grupos militantes do Oriente Médio, seu programa de mísseis balísticos e questão dos direitos humanos sejam incluídos nas futuras negociações. Ora, é óbvio que isso é sabotagem do acordo. Isso é aposta no fracasso.
Em relação à América Latina, a política externa dos EUA deverá continuar a receber forte influência dos grupos anticastristas, anticomunistas e, agora também, “antibolivarianos” da Flórida.
Blinken afirmou que os EUA de Biden continuarão a reconhecer Guaidó e a Asamblea Nacional como únicos representantes legítimos do povo venezuelano.
Os EUA, disse ele, trabalharão para fazer que as sanções sejam ajustadas para “doer mais” no governo “ditatorial” de Maduro.
Ao mesmo tempo, enviarão mais “ajuda humanitária” para a Venezuela.
Blinken também prometeu ao ultraconservador senador Marco Rubio que manterá pressão sobre Cuba e que o consultará sobre os próximos passos que deverá tomar contra a “ditadura” daquele país.
Um cenário não muito promissor, para dizer o mínimo.
A política externa dos EUA para América Latina foi quase sempre imperial e instrumental.
Imperial porque os EUA viram e veem nossa região como sua zona de influência exclusiva, destinada a não ter autonomia própria. Instrumental porque sempre foi guiada exclusivamente pelos interesses do Império e pelos ditames de seus conflitos.
Na época da Guerra Fria, o objetivo maior era engajar os países da região na “luta contra o comunismo”.
Com o colapso da União Soviética, o objetivo principal passou a ser a “guerra contra as drogas e a imigração ilegal”.
Mais tarde, veio a “guerra contra o terrorismo”.
Agora, o objetivo principal, definido na administração Obama, é engajar a América Latina na grande luta pelo poder mundial contra China, Rússia e aliados.
Nesse quadro, que não leva em consideração as necessidades e interesses próprios da região, é difícil, para não dizer impossível, se construir uma relação construtiva e propositiva, a não ser que os países do nosso continente defendam, de preferência em conjunto, seus objetivos autônomos, como o Brasil fez nos governos do PT.
Democracia e direitos humanos? A última vez que os EUA tentaram defender, de fato, a democracia e os direitos humanos no Brasil foi quando Carter, em 1977, pressionou Geisel por reformas democráticas.
Pressão pontual que logo foi abandonada.
De lá para cá, seguindo uma longa tradição, os “core values” da democracia e dos direitos humanos foram usados somente como escusa mal-ajambrada para derrubar regimes progressistas, instalar ditaduras amigáveis e promover intervenções e guerras.
A política externa dos EUA, guiada, em tese, pela paz, a democracia e os direitos humanos, produz o exato oposto.
No que tange especificamente ao Brasil, pode-se esperar uma coisa: chumbo.
Os Democratas não esquecerão tão cedo que Bolsonaro e seu chanceler cruzadista aliaram-se incondicionalmente a Trump e Bannon. Também não esquecerão que o capitão secundou a tese de que as eleições nos EUA teriam sido fraudadas, agressão inadmissível à democracia norte-americana e às suas instituições.
Não há dúvida de que Biden usará dos temas ambientais e dos direitos humanos para pressionar Bolsonaro.
Uma das primeiras Executive Orders de Biden foi a do cancelamento, em nome da proteção ambiental e das populações indígenas, do oleoduto Keystone, pelo qual o Canadá exportaria parte da sua produção de óleo e gás para os EUA.
Já tem gente no Canadá acusando Biden de ser mais protecionista que Trump, algo que normalmente ocorre em administrações dos Democratas.
No mesmo diapasão, Biden poderá impor barreiras à produção brasileira, bem como pressionar outros países a fazê-lo, alegando a proteção ambiental como justificativa.
Os EUA são nossos concorrentes no mercado mundial de commodities, especialmente no mercado chinês. A substituição de importações brasileiras por norte-americanas poderia virar moeda de troca em um possível novo acordo comercial entre EUA e China. Melhor botar as barbas, as sojas, os milhos e as carnes de molho.
Não há dúvida de que Biden representa, no campo das políticas internas, um grande avanço, em relação ao desastre neofascista de Trump.
Caso consiga fazer boa parte do que prometeu, teremos bons progressos na área sanitária e de saúde e no campo ambiental.
O pacote de estímulos de quase US$ 2 trilhões, combinado com o aumento do salário-mínimo e do auxílio emergencial para as famílias, deverá promover a retomada das atividades econômicas e uma redução do desemprego, da pobreza e da desigualdade.
Ademais, a administração Biden deverá combater, de forma mais decidida, o racismo estrutural dos EUA, bem como a discriminação de gênero e a homofobia. Espera-se, também, uma política mais sensata, no que tange à imigração.
Mas, no delicado e estratégico campo da política externa, governado pelas leis de ferro do Império, é prudente não se iludir.
Nesse campo, só podemos esperar de nós mesmos, defendendo nossos interesses próprios, algo que Lula e Dilma fizeram, mas que Bolsonaro e Araújo jamais farão.
Desses dois últimos, o Brasil, definitivamente, não pode esperar nada de bom, útil ou sensato.
Nem oxigênio e vacina.
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