quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Três Maracanãs lotados de mortos por Covid!

Por Altamiro Borges

O que significa a trágica marca no Brasil de 250 mil mortes por Covid-19 alcançada nesta quarta-feira (24)? A Folha fez um breve comparativo desse patamar macabro – que só perde para os EUA, que atingiram 500 mil óbitos também nesta semana. Donald Trump, já destronado, e Jair Bolsonaro lideram o genocídio no mundo. Um quarto de milhão de mortes significa:

1- É como se a pandemia tivesse aniquilado totalmente a população de uma cidade média brasileira – como Americana (SP), Itaboraí (RJ) ou Novo Hamburgo (RS) – ou de um país pequeno, como São Tomé e Príncipe, na África;

2- É como se a pandemia tivesse matado três estádios do Maracanã lotados;

3- A pandemia matou até agora a mesma quantidade do total de brasileiros que morreram de qualquer causa nos dois primeiros meses de 2019;

4- O número de mortos pela Covid-19 é quase seis vezes maior do que o de mortos por homicídio no Brasil em todo 2020;

5- É como se tivessem morrido 680 pessoas por dia desde que o primeiro caso de novo coronavírus foi registrado no país. Isso equivale a 28 mortes por hora.

Como lembra o jornal, o triste marco das 250 mil mortes ocorre na mesma semana do aniversário de um ano do primeiro caso de coronavírus confirmado oficialmente no Brasil. Em 26 de fevereiro, um homem de 61 anos foi internado em um hospital em São Paulo, após retornar da Lombardia, na Itália. Duas semanas depois, em 11 de março, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou oficialmente que havia uma pandemia do novo coronavírus.

Mas o negacionista e genocida Jair Bolsonaro tratou a Covid-19 como “gripezinha" e “histeria da mídia”. Ele preferiu ser garoto-propaganda da cloroquina – sabe-se lá a que preço –, ao invés de comprar vacinas, seringas, oxigênio. Já o ministro-general da Saúde, o “craque da logística” Eduardo Pazuello (ou Pesadelo), não sabe distinguir entre Amapá e Amazonas ao enviar vacinas.

Nesse trágico e revoltante cenário, o ritmo dos contágios e das mortes segue acelerado no Brasil. Sobre a gravidade da situação vale conferir um incisivo texto assinado por alguns dos mais renomados especialistas no assunto.

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Em nenhum momento a pandemia assolou o Brasil como agora

Folha de S.Paulo, 22 de fevereiro de 2021

“E assim acaba o mundo. Não com uma explosão, mas com um gemido”, concluía T. S. Eliot em “The Hollow Men”. Uma pandemia não é menos destrutiva que uma guerra. Pode, no entanto, ser desqualificada, total ou parcialmente.

Sejamos claros: em nenhum momento a Covid-19 assolou o Brasil como agora. Crescem as internações e mortes. Disseminam-se variantes virais, provavelmente mais transmissíveis e talvez causando doença mais grave. Pior: é possível que essas variantes escapem à imunidade conferida pelas vacinas.

Que essa não é uma situação sem esperança demonstram os exemplos da Nova Zelândia, Alemanha e Espanha. E o movimento coerente (ainda que tardio) do município de Araraquara (273 km de SP). Porém, vivemos uma epidemia de cegueira que ultrapassa as previsões de Saramago. O pacto coletivo de autoengano consistia em negar o que ocorre na Europa. Agora se estende a ignorar o colapso da cidade vizinha.

Como entender que Araraquara e Jaú estejam em lockdown enquanto Bauru, a 55 km da última, faz passeatas pelo direito à aglomeração?

Sem dúvida esse é um caso para análise em antropologia e ciências do comportamento. Não que se menosprezem os danos econômicos, sociais e psicológicos do distanciamento. Mas, na emergência da saúde pública, o valor intrínseco da vida deve ser reforçado. Não sabemos tudo, mas já acumulamos fortes evidências. As “medidas não farmacêuticas”, incluindo distanciamento social por fechamento de comércio, inibição de aglomerações e uso rigoroso de máscaras são o único (amargo) caminho para interromper a progressão da Covid-19.

Não conseguiremos vacinar a tempo. É possível que o vírus se antecipe à vacina, com suas mutações de escape. A transmissão do coronavírus gera oportunidades para surgimento de variantes. É urgente, pois, interrompê-la. Mas, se continuarmos a pensar que Araraquara e Jaú são longínquas ilhas do Pacífico, marcharemos rapidamente para o colapso da saúde. Não no estado de São Paulo, mas no país.

Passamos pela fase da ilusão de “enterros falsos”. Muitos de nós já tiveram vítimas fatais na família. Também já estão soterradas as pílulas milagrosas – cloroquina, ivermectina e nitazoxanida. Os antivirais com resultados promissores são novos, caros, inacessíveis. O prefeito de Araraquara, Edinho Silva (PT), já menciona a dificuldade em conseguir oxigênio. O caos está aqui, está em todo lugar.

Pesa sobre nós uma escolha. De um lado temos o darwinismo social, em que aceitaremos a morte de centenas de milhares como uma pequena inconveniência suportada em nome da economia. Do outro, a chance de aprender com as lições positivas e negativas de outros países.

Como bom exemplo, temos a Nova Zelândia. No extremo oposto, os Estados Unidos. Ainda há tempo para deixarmos de bater continência a réplicas da Estátua da Liberdade e reconhecermos que Donald Trump levou seu país ao fundo do poço da saúde pública.

Não será o fim do mundo, mas já é uma catástrofe sem precedentes. Silenciosa, exceto pelos ruídos de ambulâncias e ventiladores mecânicos, quando existem. Ou pelos gemidos daqueles a quem falta o ar. Uma agonia tão intensa e destrutiva quanto bombardeios.

Manipular politicamente o boicote às medidas óbvias de contenção da Covid-19 foi a receita para o caos, tanto nos Estados Unidos quanto no Amazonas. Não é muito desejar que aprendamos com nossos erros. “O que a vida quer da gente”, diria Guimarães Rosa, “é coragem”.

* Luís Fernando Aranha Camargo - Professor de infectologia da Unifesp

* Dimas Tadeu Covas - Diretor do Instituto Butantan

* Marcos Boulos - Professor titular aposentado da Faculdade de Medicina da USP (FM-USP)

* Rodrigo Nogueira Angerami - Infectologista (Unicamp)

* Benedito Antônio Lopes da Fonseca - Professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP)

* Eduardo Massad - Professor da FGV-RJ e da USP

* Francisco Coutinho - Professor do Departamento de Patologia da FM-USP

* Gonzalo Vecina - Professor da Faculdade de Saúde Pública da USP

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