terça-feira, 10 de novembro de 2009

Redistribuir a publicidade oficial (3)

A publicidade é a principal fonte de recursos da mídia hegemônica. O faturamento com anúncios publicitários, que superou R$ 21,4 bilhões em 2008, garante os investimentos neste setor de alta tecnologia e os lucros dos empresários, reforçando os impérios midiáticos. Nada é dado de graça, como costuma tergiversar a Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert) para se contrapor ao controle público. A exibição “gratuita” do conteúdo é paga pela publicidade e os altos custos de produção e veiculação são repassados ao preço da mercadoria. Além de seduzir o consumidor, o anúncio cumpre o papel ideológico de “vender” um estilo de vida, individualista e consumista.

Para o sociólogo Pedro Hurtado, “a publicidade, à margem da sua finalidade comercial, é pura e dura propaganda do modo de vida e de pensamento inerente à ideologia social predominante na atualidade: o consumismo-capitalismo. A publicidade não apenas vende produtos, mas também impõe um modo de vida, valores morais e culturais, códigos simbólicos e, em definitivo, uma ideologia... O consumismo é uma forma de pensar segundo a qual o sentido da vida consiste em comprar objetos e serviços. Esta forma de pensar se converte na principal ideologia que sustenta o sistema capitalista”.

Tímidos avanços do governo Lula

Se a correlação de forças na sociedade não possibilita, ainda, adotar medidas mais rigorosas de controle da publicidade comercial, o atual estágio das lutas sociais no país já permite, ao menos, rediscutir os critérios de distribuição das verbas publicitárias dos governos. Afinal, este dinheiro é oriundo dos tributos da sociedade. O montante de recursos é expressivo e serve para “alimentar cobras”. Os barões da mídia que abocanham estes recursos públicos são os mesmos que pregam golpes, desestabilizam governos, criminalizam as lutas dos trabalhadores e idolatram o “deus-mercado”. A publicidade oficial reforça a monopolização do setor, quando poderia servir para estimular a diversidade e pluralidade informativas numa sociedade mais democrática.

De forma discreta, o governo Lula promoveu algumas mudanças nesta área. Ele descentralizou a distribuição das verbas oficiais. “Os comerciais do Palácio do Planalto atingiram no ano passado 5.297 veículos de comunicação. O número representa uma alta de 961% sobre os 499 meios que recebiam dinheiro para divulgar propaganda do governo Lula em 2003, quando o petista tomou posse”, resmungou a Folha. A descentralização da publicidade oficial diminuiu o montante abocanhado por poucos barões da mídia. Irritados, eles agora criticam a rotulada “bolsa-mídia de Lula”, afirmando que ela serve para “alimentar a rede chapa-branca do governo”.

Estimular a diversidade informativa

Apesar da gritaria, a administração direta e indireta é uma das maiores anunciantes do país. Os gastos publicitários dos governos FHC e Lula oscilaram entre R$ 900 milhões e R$ 1,2 bilhão. O pico de FHC foi em 2001, com R$ 1,114 bilhão em anúncios; em 2008, o governo Lula investiu R$ 1,027 bilhão. Isto sem contabilizar os custos da produção dos comerciais e os gastos com os patrocínios nas áreas de esporte, cultura e outras – que atingiu R$ 918 milhões em 2008. A soma de publicidade e patrocínio injetou quase R$ 2 bilhões na mídia. Na comparação com a iniciativa privada, o maior anunciante em 2008 foi a Casas Bahia, com R$ 3,2 bilhões; o segundo lugar ficou com a Unilever, dona das marcas Kibon, Omo, Dove e Rexona, que gastou R$ 1,75 bilhão.

Quase a totalidade da publicidade oficial engorda os bolsos dos barões da mídia. O governo Lula nunca teve a coragem para investir em veículos alternativos e estes estão à míngua. Até a revista Carta Capital, que adota uma linha jornalística mais independente, sofre com esta tibieza, como já criticou Mino Carta. A desculpa usada pelo governo é que ele adota critérios mercadológicos, medidos pela audiência e tiragens. Com esta postura aparentemente “neutra”, o governo reforça a monopolização do setor. É urgente redefinir os critérios para a publicidade oficial. Países como a Itália e a França adotam normas legais para incentivar a diversidade e pluralidade informativas, barateando os custos de impressão e garantindo cotas de publicidade para veículos alternativos.

Propostas concretas

O Fórum de Mídia Livre (FML) defende o estabelecimento de critérios democráticos e transparentes de distribuição dos recursos oficiais, e não apenas a partir da reprodução da lógica mercadológica. “O Estado não vende mercadoria, presta serviço publico. O critério de veiculação não deve ser o da circulação, pois este está ligado à lógica da audiência como mercadoria. A mídia comercial vende audiência, isto é, circulação ou pontos de Ibope, remunerando seus fatores de produção em função da receita que o anunciante lhe proporciona devido ao público que pode atingir. Ora, o Estado não precisa se subordinar a tais critérios. O Estado não vende nada, apenas presta contas, logo pode e deve chegar ao cidadão através de muitos canais pelos quais o cidadão se informa”, explica Marcos Dantas, professor da UFRJ e integrante da coordenação executiva do FML.

Duas propostas concretas teriam forte impacto no estratégico quesito publicidade:

- Reserva de no mínimo 20% das verbas da publicidade oficial para os veículos alternativos e comunitários, visando estimular a pluralidade e diversidade informativas e inibir os monopólios;

- Instituição de um comitê de ético, no interior do Conselho Nacional de Comunicação Social, para fiscalizar a publicidade e coibir abusos, em especial contra o público infanto-juvenil;

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Regulamentar as concessões públicas (2)

Desde o início das transmissões de rádio, em 1922, e de televisão, nos anos 1950, o processo de concessão de outorgas às emissoras sempre foi influenciado pelo poder econômico dos donos da mídia e por suas relações promíscuas com o Estado. Concedidas sem qualquer critério objetivo, as outorgas beneficiaram os mesmos grupos empresariais, o que reforçou a propriedade cruzada e a concentração no setor. Nesta longa trajetória monopolista, as redes privadas desrespeitaram as tímidas legislações existentes. Na prática, os barões da mídia exercem uma autêntica ditadura midiática, ficando acima das leis, das normas constitucionais e do próprio Estado de Direito.

A rica experiência internacional

A Constituição de 1988, por exemplo, proíbe a formação dos monopólios, exige a produção de conteúdos regionais, obriga que as emissoras tenham finalidades educativas, culturais e artísticas e determina que elas expressem a diversidade de pensamento na sociedade. Como nunca foram regulamentados, estes princípios progressistas viraram letra morta. O atual processo de outorga e de renovação das concessões, com prazo de 15 anos para as TVs e de dez anos para as rádios, é uma verdadeira caixa-preta. A sociedade não exerce qualquer controle sobre este bem público. O Congresso Nacional, que a partir da Constituição de 1988 virou co-responsável pelas concessões e renovações, não cumpre seu papel, submetendo-se à pressão e chantagem dos barões da mídia.

Qualquer questionamento a estas distorções é tachado como “atentado à liberdade de imprensa” pela mídia hegemônica. Ela omite que vários países exercem o direito democrático, inclusive, de não renovar concessões que ferem sua legislação. Até os EUA, nação badalada pela mídia servil, controlam os seus meios de comunicação de massas. A Administração Federal de Comunicações (FCC) cancelou 141 concessões de rádio e TV entre 1934 e 1987. Em 40 desses casos, ela nem esperou que expirasse o prazo da concessão. Já o governo britânico revogou a licença da OneTV, em agosto de 2006; da StarDate, em novembro de 2006; e do canal de televendas Auctionword, em dezembro de 2006. A Espanha revogou, em julho de 2005, a concessão da TV Católica. E a França cancelou a licença da TF1, em dezembro de 2005, por ela ter negado o Holocausto.

Desrespeito à Constituição e às leis

Na defesa da democracia e da autêntica liberdade de expressão, o país necessita ser mais rigoroso na análise das concessões e renovações das outorgas. É preciso exigir o cumprimento das normas constitucionais e das leis vigentes. Várias redes privadas desrespeitam o limite mínimo de tempo de 5% para o jornalismo e máximo de 25% para a publicidade. Ainda veiculam merchandising, o comercial disfarçado, o que vetado pelo Código de Defesa do Consumidor. A maioria não exibe o conteúdo educativo exigido pelo Constituição; quando exibe é em horários de baixa audiência. O lobby da mídia também procurou sabotar a classificação indicativa, medida essencial para o resguardo do Estatuto da Criança e dos Adolescentes. Num desrespeito à legislação, várias emissoras de rádio e televisão são dirigidas por “laranjas” de políticos com mandato.

Diante destes e outros abusos, é inadmissível que as outorgas e renovações sejam dadas de forma automática, sem consulta à sociedade. Em vários países existem ouvidorias públicas para receber críticas e analisar as concessões; muitos promovem audiências sobre o tema. Em casos extremos, diante do desrespeito às leis, vários governos simplesmente revogam as concessões. A não renovação é um ato democrático, como admite a União Internacional das Telecomunicações (UIT), que “reconhece em toda sua amplitude o direito soberano de cada Estado de regulamentar o setor, devido à importância crescente das telecomunicações na salvaguarda da paz e do desenvolvimento econômico e social”.

Propostas concretas

- Garantir transparência e participação da sociedade no processo de concessão de outorgar e nas renovações das concessões para emissoras de rádio e televisão; instituir audiências púbicas e dar publicidade ao mapeamento do atual estágio de concentração e monopolização do setor;

- Exigir que as empresas de radiodifusão cumpram o fixado no artigo 221 da Constituição, que determina a difusão de conteúdos regionais e de produções independentes. Fixar patamares mínimos de 30% para o cumprimento desta norma constitucional e fixar normas para que a programação tenha finalidades informativas, educativas, culturais e artísticas;

- Instituir novos critérios de outorgas e renovação de concessões para inibir a concentração e a propriedade cruzada; para fomentar a criação de novas empresas de radiodifusão; e para garantir o respeito à diversidade e pluralidade informativas;

- Garantir a vigência do artigo 54 da Constituição, que veda que os eleitos para cargos públicos detenham concessões de radiodifusão; regulamentar a exibição de conteúdos religiosos;

- Garantir o direito de antena, com espaços nas concessionárias públicas de horário gratuito para os movimentos sociais. Aprovação dos projetos de lei dos deputados Vicente de Paula (PT-SP) e Manuela D’Ávila (PCdoB-RS) de criação do horário sindical gratuito.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Fortalecer a rede pública de comunicação

Desde a sua origem, a radiodifusão brasileira adotou o modelo privado made in EUA, diferentemente de várias nações nas quais a rede pública tem forte influência. O caso mais famoso é o da BBC de Londres, que se projetou na II Guerra Mundial, é gerida por um conselho autônomo e produz programas de qualidade. Na França, quatro redes integram o sistema público. Na Alemanha, ARD e ZDF têm 14 emissoras locais e o seu conselho, com 77 membros, reúne partidos e movimentos sociais. Mesmo nos EUA, a PBS possui um conselho independente com 27 membros e congrega 354 retransmissoras. Já a APT, segunda maior rede pública do país, tem um orçamento de US$ 2 bilhões e retransmite a sua programação para 356 emissoras locais.

No Brasil, o modelo público nunca vingou. A única iniciativa mais ousada neste campo ocorreu no governo de Getúlio Vargas com a criação da Rádio Nacional, que teve expressiva audiência. O espectro eletromagnético, um bem público e finito, tornou-se um bem privado dos barões da mídia, autênticos “latifundiários do ar”. No caso da TV, o setor privado detém cerca de 80% das emissoras, 90% da audiência e 95% das receitas publicitárias. Principal veículo de comunicação de massas, sua influência na sociedade é arrasadora. Censo do Ibope de 2005 revelou que 93,1% dos domicílios no país tinham aparelhos de televisão, número superior aos lares com geladeiras. Apontou ainda que 81% dos brasileiros assistem TV diariamente, passando 3,9 horas diárias, em média, presos às telinhas.

Fruto do ascenso democrático, o artigo 223 da Constituição de 1988 fixou a complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. Na prática, porém, nunca houve investimento nos setores não comerciais. Nos anos do neoliberalismo, ainda houve o desmanche do pouco que existia. Em 1995, com a aprovação da Lei da TV a Cabo, as redes privadas foram obrigadas a reservar cinco canais estaduais para o uso do Executivo, Legislativo, Judiciário, um canal comunitário e outro universitário. Mesmo assim, eles padecem da falta de recursos e foram excluídos da TV aberta.

Mudanças no governo Lula

Só após sofrer brutal bombardeio midiático na eleição de 2006, o presidente Lula decidiu investir na construção de uma rede pública nacional de televisão e rádio. A criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que gerencia a TV Brasil, oito emissoras de rádio e uma agência noticiosa, sinalizou uma mudança de postura do governo. Inaugurada em dezembro de 2007, a TV Brasil dá os primeiros passos na construção de uma emissora sem fins lucrativos. Seu conselho curador é presidido pelo economista Luiz Gonzaga Belluzzo; já sua ouvidoria, dirigida pelo jornalista Laurindo Lalo Leal Filho, é um mecanismo de fiscalização da sociedade. Ela também constrói a sua própria rede nacional, fortalecendo as estruturas de 95 emissoras estaduais.

Exatamente por seu papel democratizante, a EBC sofre o cerco dos donos da mídia e ainda corre riscos. Tudo é feito para limitar o seu alcance e asfixiar seu financiamento. Antes mesmo de ser lançada, ela foi alvo de intensa oposição. A Folha de S.Paulo, por exemplo, publicou uma série de artigos para desqualificá-la e seu editorial arrematou: “Lula e o PT querem deixar sua marca particular no telecoronelismo criando um canal do Executivo; a proposta é descabida”. Os ataques visaram confundir os conceitos entre rede estatal e pública, e contaram com a descarada ajuda do ministro Hélio Costa, ex-funcionário da TV Globo e porta-voz dos radiodifusores.

A conquista da TV Brasil

A EBC é uma conquista das forças progressistas na luta contra a ditadura midiática. Ela deve ser fortalecida e aperfeiçoada. Isto não a exime dos problemas, que decorrem da sua própria origem conflituosa no interior do governo e de impasses no seu projeto editorial, entre outras lacunas. Os seus recursos são escassos, menos de 5% na comparação com a receita da Rede Globo, e a TV Brasil sequer é transmitida em canal aberto. Seu conselho curador, indicado pelo presidente Lula, não contempla a diversidade dos movimentos sociais. Estes e outros problemas comprometem a sua autonomia de gestão e de financiamento, marcas que distinguem a rede pública da estatal, e dificultam que ela tenha maior visibilidade na sociedade. Mudanças são necessários e urgentes.

As propostas unitárias apresentadas pelos movimentos sociais no 1º Fórum de TVs Públicas, em maio de 2007, continuam atuais: instalação de um “conselho representativo, plural e autônomo, com maioria da sociedade civil, como instância decisória”; “igualdade de participação e respeito à diversidade (regional, mulheres, negros) no seu conselho”; “fomento à produção independente, ampliando a presença desses conteúdos na sua grade de programação”; maior disponibilidade de “verbas do orçamento público no seu financiamento e proibição da publicidade comercial, mas garantido as produções compartilhadas, o apoio cultural e a publicidade institucional”; “que os canais públicos, que hoje são garantidos pela Lei do Cabo, estejam em sinal aberto”.

Propostas concretas para o setor

Mas o fortalecimento da rede pública não se limita ao papel estruturante da EBC. Outras medidas urgentes são necessárias para reforçar as emissoras educativas e comunitárias, compondo um sistema público de maior envergadura, que dispute a hegemonia com a ditadura do setor privado. Entre elas:

- Regulamentar o artigo 233 da Constituição Federal, que fixa a complementaridade dos sistemas privado, estatal e público de radiodifusão, garantindo um terço do espectro das emissoras para cada setor – a exemplo da “Lei dos Medios” recentemente aprovada na Argentina;

- Criação de um Fundo Nacional de Fomento à Rede Pública e Comunitária, formado a partir dos recursos do Fistel, das verbas carimbadas do Orçamento da União e da taxação da receita em publicidade veiculada nas redes privadas;

- Viabilizar que as TVs públicas e comunitárias sem transmitidas em canal aberto;

- Garantir autonomia de gestão e financiamento para as emissoras públicas, instituindo conselhos formados por representantes eleitos da sociedade para orientar sua programação e conteúdo;

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Propostas democráticas para a Confecom

Na reta final da preparação da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), marcada para os dias 14, 15 e 16 de dezembro, os milhares de participantes das suas etapas municipais e estaduais avançam na construção de propostas concretas para democratizar este setor estratégico. Além do diagnóstico dos danos causados pela ditadura midiática, os envolvidos neste processo pedagógico de discussão formulam idéias de políticas públicas e de regulamentação dos meios de comunicação. Nos próximos dias, apresentarei sete modestas contribuições a este debate.

Elas partem de duas premissas básicas. A primeira é de que a comunicação deve ser encarada como um direito humano essencial na atualidade. Deixada à selvageria do “deus-mercado”, a mídia privada manipula informações e deforma comportamentos, causando inevitáveis danos à sociedade. A segunda é de que a comunicação é um requisito da democracia. Não há como avançar na democracia no país sem democratizar os meios de comunicação. Neste sentido, as propostas procuram unificar o campo popular e democrático em torno de sete exigências:

1- Fortalecer a rede pública de comunicação;

2- Regulamentar as concessões públicas ao setor privado;

3- Adotar políticas públicas de incentivo à radiodifusão comunitária;

4- Instituir um programa nacional de inclusão digital – banda larga para todos;

5- Revisar os critérios da publicidade oficial;

6- Instituir mecanismos de participação democrática da sociedade;

7- Elaborar um novo marco regulatório para o setor.

Batalha de caráter estratégico

A luta por estas e outras demandas é decisiva na atualidade. A batalha pela democratização dos meios de comunicação não comporta ilusões e, muito menos, omissões. Diante do enorme poder da mídia hegemônica, a luta por mudanças profundas neste setor adquire um caráter estratégico. Não haverá avanços na democracia, na mobilização dos trabalhadores por seus direitos e na própria luta pela superação da barbárie capitalista, sem enfrentar e derrotar a ditadura midiática. Hoje, esta batalha comporta três desafios, que se inter-relacionam e se complementam.

O primeiro é o da denúncia da “imprensa burguesa”. Não há como democratizar os veículos sob o comando ditatorial dos Marinhos, Civitas, Frias e demais barões da mídia. Eles serão sempre aparelhos privados de hegemonia do capital. Qualquer ilusão neste campo seria desastrosa para as forças políticas e sociais de esquerda. O segundo desafio é o da construção e fortalecimento de veículos próprios das forças engajadas na luta pela superação de todas as formas de exploração e opressão. Sem construir instrumentos contra-hegemônicos de qualidade não será possível vencer a disputa de idéias, de projetos e de valores numa sociedade tão complexa como a brasileira.

Na contracorrente da lógica capitalista

Estes dois desafios não negam, porém, a urgência de um terceiro: o da luta pela democratização dos meios de comunicação. Na contracorrente da lógica capitalista, é possível erguer barreiras ao poder da mídia burguesa e construir políticas públicas que incentivem a diversidade e pluralidade informativas e culturais, conforme apontam os recentes avanços na América Latina. Neste rumo, a 1ª Confecom, antiga demanda dos movimentos sociais, pode ser uma importante alavanca. Além de envolver amplos setores da sociedade neste debate, num processo pedagógico sem precedente na história, ela pode propor medidas concretas que coíbam a ditadura midiática.

Várias entidades progressistas estão inseridas nesta luta. O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), criado em 1991, nasceu das mobilizações por avanços na Constituição de 1988 e agrega várias entidades. O Coletivo Intervozes, fundado em 2003, reúne militantes com reconhecida capacidade de elaboração. Já o Fórum de Mídia Livre, lançado em março de 2008, articula jornalistas, acadêmicos e veículos progressistas. A Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj) e a Federação de Trabalhadores em Empresas de Rádio e Televisão (Fitert) não limitam sua atuação à defesa dos interesses corporativos. Destacam-se, ainda, a Associação Brasileira das Rádios Comunitárias (Abraço) e a Associação Brasileira de Canais Comunitários (Abccom).

Unificar o campo progressista

Os partidos de esquerda também estão se dando conta da importância desta frente de atuação. O PT, que sempre contou com renomados intelectuais da área, realizou em 2008 sua 1ª Conferência Nacional de Comunicação e apontou os caminhos para uma mídia mais democrática. Já o PCdoB aprovou, em novembro de 2007, resolução específica com propostas concretas para o setor. No caso do PSB, vale registrar a corajosa ação da deputada Luiza Erundina; já no PSOL, o deputado Ivan Valente se destaca por suas denúncias das manipulações midiáticas.

Há consenso entre estas forças políticas e sociais de que não basta somente o diagnóstico sobre os efeitos nocivos da mídia hegemônica. Que ela não serve aos anseios dos trabalhadores, a história comprova de maneira cabal. Que ela é altamente concentrada e manipuladora, os fatos também evidenciam. Mais do que diagnosticar, é urgente avançar na formulação de propostas concretas que visem superar esta deformação na sociedade. Neste esforço, algumas proposições adquirem força catalisadora, capaz de unir amplos setores. Nos próximos artigos, apresento sete propostas concretas, não como pacote fechado, mas como uma modesta contribuição ao debate em curso.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Aécio e Serra: quem é o agressor?

O colunista esportivo Juca Kfouri, amigo intimo do governador José Serra – costumam assistir partidas de futebol juntos, segundo outra chegada, a ex-vereadora Soninha –, embolou de vez o meio de campo tucano para a eleição presidencial. Ele postou a seguinte denúncia em seu blog: “Aécio Neves, o governador tucano de Minas Gerais, que luta para ter o jogo inaugural da Copa do Mundo em 2014, em Belo Horizonte, deu um empurrão e um tapa em sua companheira no domingo passado, numa festa da Calvin Klein, no Hotel Fasano, no Rio de Janeiro”.

Irritado, o governador mineiro retrucou de imediato: “Isso é uma aleivosia tão grande. Eu me sinto, claro, pessoalmente ofendido por isso, mas prefiro até nem comentar para não validar algo tão distante da minha prática cotidiana. Sempre fiz política e vou continuar fazendo num patamar muito superior a esse. E o que eu posso dizer é que é uma calúnia vergonhosa”. Sua namorada, Letícia Weber, também rechaçou a acusação e alguns parlamentares tucanos já saíram em defesa de Aécio Neves, insinuando que a acusação teria mesquinhos interesses político-eleitorais.

A mídia e a cortina de silêncio

Apesar do rápido desmentido, Kfouri manteve sua denúncia. Ele citou uma postagem do blog de Joyce Pascowitch, que noticiou o crime, sem apontar o criminoso. “Um dos convidados mais importantes e famosos da festa que o estilista Francisco Costa, da Calvin Klein, deu na piscina do hotel Fasano, nesse domingo, acabou estrelando uma cena que deixou todos os convidados constrangidos. Visivelmente alterado, ele deu um tapa na moça que o acompanhava – namorada dele há algum tempo. Ela caiu no chão, levantou e revidou a agressão. A platéia era grande e alguns chegaram a separar o casal para apartar a briga. O clima, claro, ficou muito pesado”.

E numa entrevista nada esportiva ao blog do antenado jornalista Renato Rovai, Kfouri colocou ainda mais lenha na fogueira:

Rovai: Quando você recebeu a informação de que essa agressão havia ocorrido?

Kfouri: Recebi no sábado pela manhã um e-mail contando a história e comentando uma nota da Joyce Pascowitch. Vi que o assunto tinha sido tratado pela Barbara Gancia no Twitter e aí fui atrás da informação. Conversei com uma pessoa que foi na festa e que disse que estava a cinco metros do acontecido, tendo visto a moça tomar um tapa e cair no chão. Contou ainda que a viu se levantar e reagir indo pra cima dele.

Rovai: Você confirmou a história com outras pessoas ou confiou plenamente na sua fonte?

Kfouri: Antes de dar a nota fiz quatro ou cinco ligações pra festeiros cariocas amigos meus e todos me confirmaram a história, apesar de não terem visto a cena.

Rovai: Você diz em seu blog que a imprensa brasileira não pode repetir com nenhum candidato a candidato a presidência da República a cortina de silêncio que cercou Fernando Collor, embora seus hábitos fossem conhecidos. É possível ser mais claro em relação a essa frase.

Kfouri: É isso mesmo que você está pensando, Renato. Circulam mil histórias em relação ao Aécio, histórias que, aliás, o Mineirão canta em coro [durante a partida Brasil e Argentina, no ano passado, parte da torcida presente entoou o coro “Ô Maradona, vai se f..., o Aécio cheira mais do que você"]. Acho que a imprensa tem obrigação de investigar isso, como deveria ter feito o mesmo em relação ao caçador de marajás. Isso não pode ser tratado como coisa menor, como algo regional.

Rovai: Há muito especulação de que a informação poderia ter partido de algum tucano relacionado ao governador Serra, o que você tem a dizer sobre isso?

Kfouri: Não é verdade. Não falei com nenhum tucano a respeito do assunto, conversei apenas com os festeiros cariocas, que confirmaram a história.

“Os bons amigos na imprensa”

Juca Kfouri nega qualquer digital de José Serra na bombástica acusação, mas há quem duvide. Tanto ele como Joyce Pascowitch nunca esconderam suas ligações com o governador paulista. Afora isso, são bem conhecidas as técnicas maldosas deste grão-tucano contra seus adversários. José Sarney, presidente do Senado, até hoje não perdoa Serra pela onda de denúncias contra sua filha, que abortaram a candidatura presidencial de Roseana Sarney em 2002. Geraldo Alckmin também não engoliu as revelações sobre o seu envolvimento com a seita direitista Opus Dei, que vazaram do Palácio dos Bandeirantes durante a rinha tucana para as eleições de 2006.

Como aponta o jornalista Rodrigo Vianna, a denúncia de Kfouri “serve aos interesses de Serra. Não quero dizer com isso que Juca esteja a serviço da candidatura Serra. Longe de mim levar o leitor a esse tipo de conclusão. Mas é estranho... A nota de Juca, do que jeito que foi redigida, cumpre (involuntariamente?) um papel importante. Manda a Aécio o recado: ‘Você tem telhado de vidro, se botar as manguinhas de fora, virá pancada pra valer’... Serra manda recados através da imprensa. Conta com bons amigos para isso”.

“O paranóico e vingativo" tucano

No mesmo rumo, o blogueiro Luiz Antonio Magalhães foi ainda mais taxativo. Para ele, não há dúvida sobre a maldade do governador paulista, “especialmente pelo fato da bomba estourar bem no momento em que Aécio decidiu partir para o confronto com Serra pela vaga presidenciável tucana em 2010... Serra joga pesado, sim, as paredes do Bandeirantes sabem direitinho o quão paranóico e vingativo o governador de São Paulo é... E é bom mesmo Aécio ficar bem esperto, porque o vazamento do tal tapinha deve ser só o começo da ‘desconstrução da imagem’ do governador mineiro, como gostam de dizer os chiques tucanos paulistas”.

As duas hipotéticas agressões – a de Aécio contra a namorada e a de Serra contra Aécio – podem bagunçar de vez o ninho tucano e dificultar as pretensões do bloco neoliberal-conservador para a sucessão de 2010. O partido do rejeitado FHC já estava sem discurso e sem proposta, desesperado com a crescente popularidade de Lula. Agora ainda terá que resolver a sua rinha interna.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

As derrotas da mídia em Honduras

O acordo firmado em Honduras, que prevê o retorno de Manuel Zelaya ao governo, representa uma derrota parcial dos golpistas e da sua mídia venal, no país e fora dele. Ainda é cedo para se prever o desdobramento desta grave crise política. A burguesia hondurenha não conseguiu consolidar o golpe, desferido em junho. Enfrentou a heróica resistência das camadas populares e se isolou externamente. O acordo inibe outras aventuras dos golpistas da América Latina, incomodados com os governantes progressistas, e representa uma vitória do povo e da democracia.

É certo que o acordo não permite leituras idealistas. Afinal, Zelaya volta ao governo poucos dias antes da viciada eleição presidencial, confirmada para 29 de novembro. Ainda pelo acordado, os “gorilas” que decretaram toque de recolher, reprimiram e mataram manifestantes, e censuraram rádios e TVs independentes deverão ser anistiados. O novo governo, de “reconciliação nacional”, deverá também incluir alguns direitistas. Ou seja: o acordo é precário, decorrente da correlação de forças existente no país. Mesmo assim, os golpistas foram derrotados.

Desfecho imprevisível da crise

Como alerta o sociólogo argentino Atílio Boron, os desdobramentos do acordo são imprevisíveis. “Para Zelaya, o balanço resulta muito mais complexo e é precisamente isto que turva o panorama hondurenho. Sua restituição não remove as causas profundas que provocaram o golpe de estado. Ademais, ele aceitará os resultados de uma eleição cheia de irregularidades e cuja campanha se desenvolveu debaixo do clima de violência e terror imposto pelos golpistas? Somente quem não conhece as atitudes de Zelaya acredita que não haverá conseqüências”.

Além disso, lembra Atílio Boron, a crise introduziu um novo ator em Honduras. “Como reagirão os heróicos militantes que arriscaram suas vidas para defender o governo legítimo? Há muitos mortos e feridos, presos e humilhados pelo medo. Estas mulheres e homens que tomaram as ruas de Honduras aceitarão o esquecimento dos crimes e o perdão dos criminosos? Uma lição extraída pelos movimentos sociais e forças populares nestes quatro meses de resistência é que eles podem ser decisivos, muito mais do que antes pensavam. A crise ensinou, brutalmente, que eles podem deixar de ser objetos da história para se converterem em sujeitos e protagonistas da mesma”.

Concentrada, manipuladora e golpista

Entre outras lições, o heróico povo hondurenho compreendeu melhor o papel nefasto da mídia na atualidade. A maior parte dos jornais e das emissoras de rádio e televisão ajudou a preparar o clima para o golpe e deu total apoio aos “gorilas”, justificando os atos de repressão, as mortes e prisões, e, inclusive, a censura de veículos independentes. O discurso da liberdade de expressão, cinicamente alardeado pelos barões da mídia, foi abandonado quando os golpistas invadiram a Rádio Globo (que não tem nada a ver com a emissora golpista do Brasil) e o canal 36 de TV.

A mídia hondurenha, a exemplo da brasileira, é altamente concentrada e manipuladora. Pesquisa do jornalista Ernesto Carmona, publicada no site Rebelión, revela que três famílias controlam os quatro jornais diários do país. O diário El Heraldo, o mais histérico golpista, é de propriedade de Jorge Larach, “membro das comissões de notáveis, sempre próximo ao presidente de turno e provedor da indústria de armas e de medicamentos”. Já a televisão é monopolizada por uma única pessoa, José Rafael Ferrari, que controla os canais 5, 7 e 13. Eles não cobriram os protestos populares e deram total respaldo as medidas repressivas dos golpistas.

Conforme aponta Carmona, “um reduzido grupo de empresários, que se apropriou do direito de informar, monopoliza a ‘liberdade de expressão’, posta a serviço dos seus interesses políticos e econômicos, uma vez que explora um rentável negócio... Seus vínculos com os grupos de poder político são muito estreitos, porque eles mesmos pertencem também a estes grupos de poder. Todos estes personagens são defensores acirrados da ‘liberdade de imprensa’, tal como prega a Sociedade Interamericana de Prensa (SIP), os diários mais reacionários do continente, as cadeias mundiais de notícias, como a CNN, e todas as caixas de ressonância do golpe em Honduras”.

Imprensa nativa na berlinda

Mas não foi apenas em Honduras que a mídia hegemônica perdeu ainda mais um pouco de sua minguada credibilidade. Nos EUA, a rede Fox, rotulada pelo próprio presidente Barack Obama de “partido da direita”, apoiou abertamente os “gorilas”. Já no Brasil, os principais jornais e as emissoras de TV suavizaram suas críticas ao “governo de fato” e ao “presidente interino”, como foram carinhosamente chamados os golpistas, e concentraram os seus ataques a Manuel Zelaya, rotulando-o de “chavista e populista”. Na prática, a mídia nativa torceu pelos golpistas.

Quando Zelaya obteve refúgio na embaixada brasileira em Tegucigalpa, a mídia também mirou na “diplomacia lulista”. Ao invés de informar sobre a postura soberana do Brasil, que teve papel decisivo na solução parcial da crise, ela apostou num derramamento de sangue. Agora, com a assinatura do acordo, ela dá todo o crédito ao governo do EUA, que sempre adotou uma postura dúbia diante do golpe. Não esconde seu servilismo diante do império e nem faz autocrítica do seu apoio velado aos golpistas. Mostra que, de fato, é partidária dos golpes – em Honduras e no Brasil.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Agenda da comunicação sai da penumbra

O jornalista Beto Almeida, membro do conselho diretivo da Telesur e presidente da TV Cidade Livre de Brasília, é um profundo conhecedor da realidade latino-americana e um crítico da mídia hegemônica. No artigo abaixo, ele analisa as profundas mutações em curso na região e no setor:


O tema sempre foi tabu. Tema proibido. Temos uma fileira de vítimas da ditadura midiática – intelectuais, pensadores, sindicalistas, jornalistas e artistas – por terem defendido que o progresso tecnológico comunicacional deve ser tratado como patrimônio da humanidade e servir como fator de elevação da civilização, embelezamento das relações humanas, da própria vida.

Agora no Brasil, a convocação da 1ª Conferência Nacional de Comunicação coloca o tema na agenda política do estado e da sociedade. Permite que conheçamos a gigantesca dívida informativo-cultural que se avolumou contra o nosso povo. Um verdadeiro entulho. E novas informações vão surgindo, desmontando mitos, iluminando áreas de sombras, revelando que algo se move aqui e em boa parte da América Latina.

Argentina mostra um caminho

Ventos democráticos sopram da Argentina com sua nova lei de comunicação, quebrando o monopólio do Grupo Clarin, fortalecendo os veículos estatais e abrindo 33 por cento da comunicação para a sociedade, até para a CGT e as Universidades Públicas. Telesur, como TV da integração latino-americana e dos povos do sul, vai se consolidando, ampliando seu alcance para a África. Surge uma cadeia de rádios indígenas na Bolívia e também um jornal público, o “Câmbio”, que em seis meses de vida já tem circulação igual ao maior jornal da burguesia racista boliviana, com décadas de existência.

Na Venezuela, a Revolução Bolivariana quebra o tabu que considerava o tema comunicação intocável e faz a Constituição valer mais que os privilégios dos magnatas midiáticos: quando uma concessão de rádio e TV termina, termina mesmo, ela não tem porque ser renovada automaticamente como se fosse privilégio vitalício das oligarquias. O Equador caminha para fortalecer seu jornal público, “El Telégrafo”, e também promove uma reorganização democrática no sistema de concessões de TV e rádio, ampliando, consolidando e qualificando a comunicação pública.

A diferença do Brasil é que em todos estes países os governos populares possuem maioria parlamentar. Além disso, em países como a Argentina a TV já nasceu pública, tendo recebido forte impulso durante o governo de Perón, período em que TV, rádio e até mesmo jornais como o La Nación, grande jornal da oligarquia, foram estatizados. No Brasil, a TV já nasce nas mãos de gente como Assis Chateaubriand, seguindo o padrão comercial vulgar norte-americano, chantageando e ameaçando presidentes como Vargas e JK, impedindo que os dois levassem adiante o projeto de criação de uma TV Nacional, só recentemente recuperado pelo presidente Lula. A Argentina chegou ter políticas públicas culturais e educacionais muito expandidas pelo peronismo, de tal sorte que eliminou o analfabetismo e conquistou padrões de leitura, artísticos, culturais, científicos e educacionais elevadíssimos para um país da América Latina.

Vargas, uma experiência golpeada

Vargas seguia nesta linha. A Rádio Nacional foi a mais importante experiência comunicacional no sentido da brasilidade, da nacionalidade e de valores populares. Criou uma paixão radiofônica brasileiríssima, que não tem porque não ser recuperada. Também na Era Vargas foram criados, a Rádio Mauá – a emissora do trabalhador - o Instituto Nacional de Música, dirigido por Villa-Lobos, o Instituto Nacional de Cinema Educativo, conduzido por Roquette Pinto , o Instituto Nacional do Livro, por empenho de Carlos Drummond de Andrade, e também o Instituto Nacional do Teatro. Vargas já havia despertado para a importância da televisão quando uma conspiração internacional, de matriz norte-americana, petroleira, e com o apoio de uma conspiração nativo-oligárquica-televisiva, o levou ao suicídio. Com ele, para o túmulo, também foi o sonho de uma TV pública... JK tentou ressuscitá-lo, foi pressionado, chantageado, forçado a abandoná-lo.

Talvez não seja muito justa a simples condenação a Lula porque não teria, segundo alguns comunicadores, a mesma decisão e coragem dos presidentes da Argentina, Bolívia, Equador e Venezuela em matéria de comunicação. O peso do capitalismo aqui é infinitamente maior, mais desenvolvido, o que se constitui numa dificuldade adicional, mais complexa, juntamente com a inexperiência de uma comunicação pública como a vivida pelo povo argentino no passado. E, sobretudo, por não ter maioria parlamentar, além de contar com significativas contradições na sua base aliada, composta também por empresários da radiodifusão. Lula não pode ignorar o resultado das urnas de 2006.

Relações de forças lá e cá

Na Argentina há a retomada de uma experiência histórica bem sucedida, mas de modo gradual, nada súbito. Não se trata de uma virada de mesa ou de um ajuste de contas, muito menos um juízo final contra a oligarquia midiática, mas um retorno ao curso de um projeto nacional soberano dos argentinos também na área informativo-cultural. Mesmo com Chávez, nota-se uma gradual aplicação da Constituição, não uma eliminação da comunicação privada, mas uma atitude governamental legítima para que a lei seja cumprida por todos, demolindo o sistema de seqüestro midiático-empresarial que os radiodifusores de lá impunham sobre o povo venezuelano. Mas isto ainda está em curso, é ainda uma batalha, a grande audiência ainda está com a TV e a rádio privadas, muito embora a queda vertiginosa das vendas dos jornais conservadores seja emblemática. Quando Chávez foi eleito, em 1988, o jornal “El Nacional”, vendia 400 mil exemplares. Hoje, rasteja-se em apenas 40 mil exemplares, portanto, número proporcionalmente inverso ao seu ódio editorial diante da popularidade do chavismo.

Não tendo a mesma maioria parlamentar folgada, Lula convoca a Conferência de Comunicação. Sua tática é evidente: libertar a agenda aprisionada pela mídia e envolver a sociedade neste debate. Claro que há dúvidas se a capacidade de mobilização de todos os movimentos pela democratização da comunicação, até hoje precária e rarefeita, tornar-se-á de fato robusta e amplificada rapidamente. O que torna ainda mais surpreendente e incompreensível a posição retoricamente radical de alguns destes movimentos desconsiderando esta relação de forças, o peso político e de poder da oligarquia da mídia no Brasil, a ausência de uma maioria parlamentar, traçando uma tática irreal, baseada no impressionismo da auto-suficiência de suas próprias forças. Este cálculo leva a que não considerem o governo como o aliado fundamental neste campo de forças populares, que deve incluir, obrigatoriamente, o governo Lula, movimento sindical, movimento social, partidos políticos e até mesmo segmentos do empresariado ameaçados pela esmagadora intervenção estrangeira no setor audiovisual, e com riscos de ampliação se aprovado o PL-29, aliás apoiado por alguns dos integrantes do movimento de democratização da comunicação. Democratização para quem?

Folha versus Data-Folha

A presença e o discurso de Lula contra o monopólio da mídia na inauguração de novas instalações da Record devem ser considerados como destravamento e visibilidade desta agenda da comunicação, antes tabu. Também é significativa pesquisa feita pelo Data-Folha, apontando que já 10 por cento dos entrevistados assistem a jovem TV Brasil e que 80 por cento destes gostam do que assistem. Como também é significativo o fato de que a Folha - jornal que pediu o fechamento da TV Brasil - não tenha publicado a notícia com o resultado da pesquisa. Ou seja, a Folha sonega informação do Data-Folha.

Também é expressiva a veiculação de matéria de 13 minutos pela TV Record revelando não apenas a queda da venda de jornais no Brasil, incluindo a Folha de São Paulo, mas também como este periódico apoiou a ditadura militar (até então desconhecido do grande público) e como ainda não deu explicações sobre a publicação de documentos adulterados da ministra Dilma Rousseff. Já sabemos: na Venezuela o jornal “El Nacional” perdeu 90 por cento de seus leitores. Na Bolívia, o jornal “Cambio”, favorável às transformações conduzidas por Evo, já vende tanto quanto o maior jornal da oposição racista e conservadora. Como será o curso no Brasil da perda de credibilidade e de leitores dos jornais?

Popularizar a leitura de jornal

Esta vertiginosa queda na vendagem de jornais – lembremo-no de que eles informam a “tiragem”, mas não a “voltagem” - amplamente divulgada pela Record vem acompanhada do crescimento da internet como fonte de informação. Com o plano do governo de democratizar o acesso à banda larga, sobretudo por meio de uma empresa estatal que se encarregue desta tarefa republicana, poderemos nos defrontar a curto prazo com uma situação inusitada: uma tecnologia do século 16, a imprensa de Gutenberg, ainda hoje com números indigentes de circulação no Brasil e em linha declinante, poderá sofrer a concorrência de tecnologia de última geração para o acesso amplo à informação.

Se vier de fato a ocorrer como se anuncia, terá sido o resultado da visão retrógada da oligarquia midiática brasileira que foi sempre incapaz de expandir a popularização da leitura de jornais e revistas, revelando seu próprio medo de ter que confrontar um povo informado e letrado, com mais habilidades para o exercício da cidadania e para fazer suas legítimas exigências históricas. Que avancemos em duas linhas, expandindo o acesso à banda larga pública, mas também a leitura de jornal, que é ainda uma dívida informativo-cultural a ser paga

O que não se entende é porque foram desprezadas ou não consideradas tantas propostas e experiências que tentaram ao longo de décadas – a começar por Monteiro Lobato que queria fazer da imprensa uma alavanca para a alfabetização plena e foi rejeitado – popularizar a leitura de jornais, mesmo com a enorme taxa de ociosidade de 50 por cento da indústria gráfica brasileira. Como disse Lula recentemente, “há coisas que o mercado não sabe fazer ou não tem interesse”.

E se o mercado não é capaz de popularizar a leitura de jornal e revista, e se temos metade das gráficas paradas todo o tempo, e se temos um povo proibido praticamente de ler e se as tiragens estão caindo, se os jornais estão fechando, se temos jornalistas diplomados para o desemprego crônico, por que será que sindicatos, jornalistas, professores, não assumem a defesa, perante a Confecom, de um Programa Público de Popularização da Leitura de Jornal e Revista? Programa que se basearia no apoio público ao florescimento de jornais e revistas, fazendo as gráficas funcionarem, publicando em grandes quantidades para distribuição gratuita ao grande público sempre proibido de ler? A proposta consta das Teses da Associação Brasileira de Canais Comunitários (Abccom) à Confecom.

Coisas que o mercado não tem interesse

Temos nesta área uma Grande Depressão, como ocorreu nos EUA com a crise de 29. E lá, o estado organizou programas públicos de difusão cultural, inclusive de leitura, ocupando os criadores, os escritores, os jornalistas, os artistas, fazendo com que a informação, a arte e a cultura chegassem – pela primeira vez - aos bairros pobres e negros de Nova Iorque. Como disse Lula, há coisas que o mercado não tem interesse em fazer. No Brasil, na área da leitura, sempre estivemos numa eterna grande depressão...

Certamente a Confecom não será o ajuste final de contas, não será o “tudo ou nada” Mas, será o palco para a organização de propostas e das forças que façam avançar as várias formas de comunicação pública, estatal, comunitária, universitária. Sobretudo aquelas que envolvem uma aliança entre movimentos sindical e social, partidos políticos, segmentos empresariais não-oligopolistas e o governo Lula, encorajando-o a ir mais adiante nas medidas que estão ao seu alcance já, formatando um campo popular com força suficiente para dar sustentação à expansão, consolidação e qualificação da comunicação não seqüestrada pela ditadura do mercado cartelizado. É uma das maneiras de pavimentar as condições para termos forças suficientes para uma mudança de fôlego argentino a médio prazo.

domingo, 1 de novembro de 2009

Retorno dos jornais à origem partidária

No excelente artigo “jornais ‘independentes’ fazem retorno invertido às suas origens partidárias”, publicado na Agência Carta Maior, o professor Venício A. de Lima, um dos maiores especialistas em mídia no país, dá uma aula de história e denuncia a crescente partidarização da chamada grande imprensa. Reproduzo-o abaixo:


A imprensa – ou o de mais parecido com aquilo que hoje entendemos como tal – nasceu vinculada à política, aos políticos e aos partidos políticos.

No curso da revolução na França calcula-se que, entre 1789 e 1800, foram publicados mais de 1.350 jornais. Na Paris de 1789 e depois novamente em 1848, todos os políticos de algum destaque fundam o próprio clube e, de cada dois políticos, um dá vida a um jornal; somente entre fevereiro e maio surgem 450 clubes e mais de 200 jornais (citado in Domenico Losurdo; Democracia ou bonapartismo; Editoras UFRJ/UNESP; 2004; p. 148).

Historiadores da imprensa periódica nos países onde ela primeiro floresceu, sobretudo Inglaterra, França e Estados Unidos, concordam que ela teve sua origem na política e, numa segunda fase, se transformou em imprensa comercial, financiada por seus anunciantes e leitores.

No Brasil, as circunstâncias históricas certamente nos diferenciam de países como Inglaterra, França e Estados Unidos. Não há distinção, todavia, em relação às origens políticas e partidárias da imprensa nativa. Escrevendo especificamente sobre “as reformas dos anos 50 (que) assinalaram a passagem do jornalismo político-literário para o empresarial”, a professora Ana Paula Goulart Ribeiro afirma:

“O jornalismo que se desenvolveu, no Rio de Janeiro, a partir de 1821 (com o fim da censura prévia) era profundamente ideológico, militante e panfletário. O objetivo dos jornais, antes mesmo de informar, era tomar posição, tendo em vista a mobilização dos leitores para as diferentes causas. A imprensa, um dos principais instrumentos da luta política, era essencialmente de opinião (Imprensa e História no Rio de Janeiro dos anos 50; E-Papers; 2007; p. 25)”.

Outra periodização

A exceção à ordem dessa periodização – que deve ser mencionada aqui pela relevância de que desfruta na discussão contemporânea sobre a “democracia deliberativa” – é representada por Jürgen Habermas. O pensador alemão descreve a existência de uma primeira imprensa que era a principal instituição da “esfera pública burguesa” do final do século XVII e início do século XVIII, na Inglaterra e na França. Nesta “esfera pública” a imprensa se constituía em espaço mediador “neutro” e não impedia a delimitação entre as esferas pública e privada. Embora também comercial, não era ainda o empreendimento em escala industrial que corresponde a outra etapa do capitalismo quando, depois da fase político-partidária, ela se transforma em imprensa comercial moderna.

Todavia, é o próprio Habermas quem afirma: “Na Inglaterra, na França e nos Estados Unidos, o caminho estava preparado para a transição de uma imprensa partidária para uma imprensa comercializada mais ou menos à mesma época durante os anos 30 do século XIX. (...) Essas primeiras tentativas de uma moderna imprensa comercial devolveram ao jornal o caráter unívoco de uma empresa de economia privada destinada a gerar lucros; mas, agora, por certo, contrastando com as empresas manufatureiras dos velhos ‘editores’, dentro do novo nível atingido pela evolução da grande empresa do capitalismo avançado; já pela metade do século havia uma série de empresas jornalísticas organizadas como sociedades anônimas (Mudança Estrutural da Esfera Pública; Tempo Brasileiro, 1984; pp.216-217; tradução revisada).

Ação política conservadora

O filósofo e historiador italiano Domenico Losurdo lembra que o desaparecimento dos jornais partidários e sindicais não pode ser, no entanto, explicado como resultado exclusivo de um processo econômico. Ao contrário, deve ser compreendido como parte do processo histórico de organização política e sindical das classes subalternas e da reação conservadora que se desenvolve no final do século XIX contra a expressão relativamente autônoma dessas classes. Uma ação política que incluiu também o combate ao princípio do sufrágio universal.

Tomando como referência o que ocorreu nos Estados Unidos, afirma Losurdo: “Malgrado as tentativas do patronato, que se esforça de todas as maneiras, e, sobretudo, mediante a demissão dos operários surpreendidos na sua leitura (da ‘labor press’) para limitar sua influência, esta não é desprezível... Esta imprensa se torna o alvo e a vítima da reação conservadora que se desenvolve no final do século XIX. (...) (Os jornais partidários e sindicais) são suplantados por uma imprensa que se jacta de ser independente, mas é controlada pela grande propriedade (citado in op. cit.; pp. 159-160).

A imprensa que se autodenomina “independente” é aquela que passa a ser financiada, sobretudo, pelos anunciantes e, ao longo do tempo, busca sua legitimação no princípio liberal do “mercado livre de idéias”, externo e/ou interno à própria imprensa e, mais recentemente, através de um retorno à idéia da própria “esfera pública” habermasiana.

Mas teriam os jornais realmente se libertado de seu vínculo originário com a política, os políticos e a ação político-partidária? Teriam eles se tornado independentes?

Independência e “mercado livre de idéias”

Há mais de 60 anos, isto é, pelo menos desde a Hutchins Commission (EUA/1942-1947), a teoria liberal da independência da imprensa vem sendo “retrabalhada” e passou a se apoiar em três idéias centrais: pluralismo interno, responsabilidade social e profissionalismo.

Esse “retrabalhar” decorreu da impossibilidade de se continuar sustentando o discurso do “market place of ideas” – semelhante ao mercado “autocontrolado” de Adam Smith – em face do avanço real da oligopolização da mídia e da formação de redes regionais e nacionais de rádio e televisão. Trata-se agora de trazer o “market place of ideas” para dentro dos próprios jornais.

A idéia, no entanto, encontra dificuldades incontornáveis. Se, por um lado, a solução é inviável em sociedades onde existe uma tradição historicamente consolidada de imprensa partidária, por outro, os estudos sobre linguagem, a sociologia do jornalismo, a construção da notícia (newsmaking), o enquadramento (framing) e o agendamento (agenda setting), apesar de diferenças significativas, revelam que a prática do jornalismo profissional ocorre no contexto de uma subcultura própria; de rotinas produtivas que se transformam em normas; e de interferências editoriais – explícitas ou não – que tornam sem sentido qualquer pretensão à existência do mito da objetividade ou de uma prática jornalística neutra e isenta, vale dizer, independente.

Mídia como partido político

Foi Antonio Gramsci, referindo-se à imprensa italiana do início do século XX, quem primeiro chamou a atenção para o fato de que os jornais se transformaram nos verdadeiros partidos políticos. Muitos anos depois, entre nós, Octávio Ianni chamou a mídia de “o Príncipe eletrônico”.

Na Ciência Política contemporânea, apesar de toda a resistência em problematizar “a construção coletiva das preferências” no debate teórico sobre a democracia, já se admite que a mídia venha, historicamente, substituindo os partidos políticos em algumas de suas funções tradicionais como, por exemplo, construir a agenda pública (agendamento); gerar e transmitir informações políticas; fiscalizar as ações de governo; exercer a crítica das políticas públicas e canalizar as demandas da população.

Retorno invertido

Dentro deste amplo quadro histórico é que devemos compreender certo “mal estar” contemporâneo generalizado que está cada vez mais difícil de esconder e refere-se à crescente partidarização da grande mídia. Este não é, certamente um fenômeno restrito às democracias da América Latina, como demonstra a ousada e inédita atitude do governo Barack Obama de tratar publicamente os veículos ligados à rede Fox de televisão como “partido político de oposição”.

Se, para alguns analistas, a “crise” que a imprensa enfrenta, em decorrência da revolução digital, está levando à sua partidarização como forma (equivocada) de sobrevivência, devemos recorrer à história e verificar que, ao assumir uma posição inequivocamente partidária, a grande mídia está fazendo uma espécie de “retorno invertido” às suas origens, no contexto da reação histórica conservadora do final do século XIX.

No Brasil, a imprensa declaradamente partidária e associada a bandeiras de luta política operária teve vida curta (cf. M. Nazareth Ferreira, A Imprensa Operária no Brasil, Vozes, 1978) e, por óbvio, essa nunca foi vocação de nossa grande mídia. Por outro lado, nos países em que primeiro surgiu, a imprensa partidária, quando desapareceu, estava associada às lutas de afirmação histórica das classes subalternas.

Será possível afirmar que, na conjuntura atual, a grande mídia que abertamente se partidariza, expressa e representa os interesses dessas mesmas classes?

sábado, 31 de outubro de 2009

“Uma lição perdida na Folha de S.Paulo”

Em artigo publicado no Observatório da Imprensa, o professor Gilson Caroni demonstra que a Folha não tem nenhuma compromisso com a ética e com o bom jornalismo. Reproduzo abaixo o texto, como sempre bem escrito e consistentemente argumentado:

Em 14 de agosto de 1987, o jornalismo brasileiro perdeu um de seus profissionais mais íntegros e combativos. Vítima de um infarto fulminante, morreu na manhã de uma sexta-feira o jornalista Cláudio Abramo. Onze dias depois, em editorial na revista Senhor, Mino Carta lhe dedicaria um artigo de rara beleza. Convém destacar um trecho:

“Em patrão, diria Claudio, não convém confiar em demasia. Talvez não pensasse o mesmo dos jornalistas, aos quais tentou ensinar, além do verdadeiro jornalismo, dignidade profissional e consciência de classe. Mas os jornalistas brasileiros não estão atentos às melhores lições. Quase sempre preferem inclinar-se à vontade do dono, diretor por direito divino, em lugar de acompanhar alguns raros colegas dispostos a professar sua fé em um tipo de imprensa que transcende os interesses de uma família e de uma casta”.

Abramo esteve no comando do Estado de S.Paulo e da Folha de S.Paulo. No jornal da família Frias foi chefe de reportagem, secretário e diretor de redação. Sempre se bateu pelo rigor da apuração, pela edição correta, ignorando angulações demarcadas pelos proprietários dos veículos. Seus critérios de escolha nunca colocaram interesses empresarias acima da ética. Não fez concessões ao jornalismo declaratório. Nunca obedeceu aos cânones que estabelecem a primazia da opinião sobre a informação. Foi, sem dúvida, um professor com poucos discípulos.

Um iconoclasta que aceitou viver o sacrifício dos que não se alinham incondicionalmente. Um sacerdote a agir como mediador entre o noticiário e o leitor. A expressão exata de uma deontologia que não separa o profissional do cidadão. Pelo contrário, reforça, por ação recíproca, as duas dimensões de quem age a descoberto.

Procedimento curioso

São homens desse porte que fazem a diferença e mostram, pela ausência, uma imprensa que se perdeu de si mesma. Que ignora a relevante função social que deveria desempenhar, vinculando-se ao princípio das responsabilidades mútuas em uma estrutura democrática para melhor revitalizar o espaço público.

A Folha de S.Paulo é exemplo de como ensinamentos decisivos podem ser apagados por interesses conjunturais, ódios de classe e jornalismo de campanha. O mergulho na mediocridade parece não ter fim e, a julgar pelas últimas edições, o patético parece dar o tom de uma redação onde patrões e jornalistas partilham o mesmo imaginário, não se dando conta que jamais deixarão suas condições de origem. Nem os patrões virarão jornalistas, nem os escribas, por mais que se esforcem, participarão como membros efetivos das famílias para as quais trabalham com afinco.

Mas se a tarefa é desconstruir governos, candidaturas, não há problemas. As folhas do aquário se vergam ao menor sopro, apostando na cumplicidade ou estultice do leitor. Vejamos as façanhas mais recentes dos aguerridos funcionários do diário paulista. Nada resulta de incompetência, mas de cumprir com afinco o papel de oposição terceirizada que lhe foi imposto pelas forças políticas conservadoras.

Na edição de quarta-feira (21/10), tivemos na dobra superior da primeira página a seguinte manchete: “Bolsa de SP prevê queda de negócios pós-taxação”. No mesmo dia, o índice Bovespa voltou a subir, e o dólar voltou a se desvalorizar frente ao real. O que esperar de uma redação comprometida com um mínimo de decência? O mesmo destaque na edição seguinte. Não deu sequer chamada na primeira página de quinta (22/10), apenas uma nota na página B3 (mas sem informar o volume negociado na véspera).

O que mereceu chamada de capa nesse dia? “Belluzzo critica medidas do BC para segurar o câmbio no país”. Na verdade, como o texto esclarece, Luiz Gonzaga Belluzzo elogiou a taxação dos capitais especulativos estrangeiros (apenas opinou que as medidas foram tardias e ainda tímidas); mas quem só ler o título terá a impressão diametralmente oposta. Textualmente:
“O ministro Guido Mantega [Fazenda] usou corretamente o único instrumento do qual dispunha para lidar com o problema, que é o IOF. Medidas adicionais deveriam ter sido tomadas pelo Banco Central”.

Isso, voltamos a insistir, não revela despreparo, mas um projeto editorial que requer de todos os envolvidos o exercício de canhestros “editores de opinião”.

Desnecessário revelar que a manchete principal dessa quinta-feira (22) foi para a frase de Lula, cuidadosamente pinçada em sua longa entrevista ao jornal como a mais “polêmica”, matéria-prima para a enxurrada de cartas indignadas de cristãos, cristãos novos e agnósticos. Do ponto de vista ecumênico um procedimento curioso. Como técnica jornalística, uma opção rasteira, lamentável e autofágica.

Vegetação rasteira

Na verdade, a Folha não chegou ao fundo do poço somente na semana passada. Na anterior, havia requentado uma farsa: o suposto encontro que Lina Vieira teve com a ministra Dilma, em que a petista teria pedido para acelerar a investigação contra as empresas da família Sarney.

Há cerca de dois meses, Lina tinha “lembrado” (mas sem apresentar provas) que a alegada reunião a sós com Dilma Rousseff teria ocorrido em 19 de dezembro de 2008 (quando a ex-secretária estava em Natal e ministra, no Rio). Agora, a tal agenda teria sido encontrada (mas não mostrada), indicando data bem diversa: 9 de outubro de 2008, dia em que o próprio Planalto já havia confirmado a presença de Lina em suas dependências.

Uma discrepância de mais de dois meses tira do “relato” original de Lina Vieira, e de suas posteriores alegações, qualquer credibilidade. É inverossímil que, em agosto último, alguém em pleno gozo, supõe-se, das faculdades mentais confundisse dezembro e outubro anteriores. E desmascara mais ainda a leviandade da nova musa da oposição, ao aventar (estimulada pela reportagem?) que a suposta interferência da ministra estaria ligada à eleição de José Sarney para a presidência do Senado – assunto que, um ano atrás, sequer estava em cogitação.

Mas nada disso açula o animus investigandi jornalistas da Folha, clara e entusiasticamente empenhada em “fazer escada” para ex-secretária da Receita Federal. Resta saber o que fará esse jornal se o Planalto provar documentalmente que, em 9 de outubro de 2008, Lina Vieira esteve na presença da ministra Dilma Rousseff juntamente com outras pessoas – e que, portanto, o tal encontro a sós não ocorreu. Dará primeira página? Noticiará o que seja?

O “delenda Dilma” da casa está a cada dia mais pelúcido. Mas não somos tão tolos como pode parecer. Começamos a ler a Folha nos tempos de Cláudio Abramo. Aquele que ensinava o bom jornalismo. Bem diferente da vegetação rasteira que prevalece nas páginas do jornal atualmente.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

O ódio mortal da Veja ao sindicalismo

A revista Veja desta semana voltou à carga contra o sindicalismo brasileiro. Depois de atacar a UNE, rotulando seus dirigentes de “juventude hitlerista”, e de satanizar os “bandidos” do MST, ela destila ódio contra as centrais sindicais. Em cinco páginas, ela desqualifica o sindicalismo e o governo Lula, relembrando o bordão fascista da “república sindical”, que ajudou a criar o clima para o golpe militar de 1964. A “reporcagem” evidencia que já passou da hora do sindicalismo deflagrar uma massiva campanha nacional de boicote às assinaturas desta publicação repugnante.

O texto é só adjetivação. A partir de alguns casos isolados, ela generaliza a crítica aos sindicatos, negando a necessidade da ação coletiva dos trabalhadores. Já na abertura, ele acusa: “De olho no dinheiro do imposto sindical, as centrais de trabalhadores contratam capangas armados a R$ 180 por cabeça para invadir territórios rivais e roubar filiados umas das outras. Poucos negócios no Brasil são tão lucrativos quanto montar um sindicato. Na república sindical instalada no país pelo governo petista, conseguir representar uma categoria de trabalhadores virou excelente negócio”.

Asfixia financeira dos sindicatos

“Excelente negócio” faz a Editora Abril, dona da Veja, nos seus acordos de publicidade e noutras maracutaias com os governos. Vide os contratos bilionários com o governador tucano José Serra na compra sem licitação de suas publicações. Na prática, a famíglia Civita até hoje não engoliu a conquista democrática da legalização das centrais sindicais obtida durante o governo Lula, mais de um século após do nascimento dos sindicatos no Brasil. Direitista convicta, ela preferia que as centrais ainda estivessem na ilegalidade, com seus dirigentes presos, torturados e assassinados.

A exemplo dos ataques desferidos contra a UNE e o MST, o objetivo deste “partido da direita” é asfixiar financeiramente o movimento sindical, entravando as lutas dos trabalhadores. Todo o artigo é construído para vender a falsa idéia de que o sindicalismo se sustenta com verbas ilícitas. “Para começar, o sindicato tem o monopólio local garantido por lei. Essa categoria é minha e ninguém tasca”. Aqui fica patente, até para alguns “ingênuos”, que o patronato gostaria de ver a total pulverização dos sindicatos, a implantação do mais selvagem plurisindicalismo no país.

Preconceito elitista ou ignorância?

“A segunda característica desse ramo especialíssimo de negócio é o fato de que dinheiro cai no caixa automaticamente, sem que seja preciso mexer uma palha. As contribuições, para filiados ou não, são compulsórias. Delas, dos impostos e da morte, ninguém escapa”, prossegue a revista elitista. A jornalista-teleguiada Laura Diniz, autora da reporcagem, não “mexeu um palha” para acompanhar os sindicalistas nas visitas de madrugada às portas de fábricas, ou numa assembléia ou numa tensa greve. Talvez a ignorante nem saiba no que consiste a ação sindical classista, alvo permanente da intransigência patronal, da repressão policial e das manipulações da mídia.

“A terceira faceta do negócio é ainda mais atraente. A lei garante a inviolabilidade das finanças. Isso significa que os sindicatos estão dispensados de prestar conta sobre como gastam o dinheiro arrecadado compulsoriamente. Quando se somam essas facilidades todas, fica evidente que os sindicalistas chegaram não apenas ao Planalto, mas ao paraíso”, esbraveja a jornalista tapada. Ela parece que nunca ouviu falar das tensas assembléias sindicais de prestação de contas ou se deu ao trabalho de ler os balancetes publicados por centenas de sindicatos. Talvez ela devesse ficar mais preocupada com os lucros do seu patrãozinho, que a explora sem piedade ou transparência!

Sucessão presidencial antecipada

Além de generalizar as críticas aos sindicatos – para ser coerente, ela deveria rejeitar os reajustes salariais e os direitos trabalhistas conquistados pela entidade da sua categoria –, a repórter editou a matéria com o nítido intento de desgastar o presidente Lula. A revista Veja, principal palanque a oposição da direita, agradece seu servilismo. A “reporcagem” está cheia de ataques grosseiros ao governo, “que tem 12% dos cargos de confiança ocupados por pessoas ligadas às centrais”. Melhor era quando eles eram ocupados pela elite, que durante séculos levou o Brasil à miséria.

Na sua visão simplista, a intensa disputa por bases sindicais – que sempre existiu e que deveria forçar as centrais a disciplinarem os processos eleitorais – decorre unicamente das benesses do “paizão Lula”. A legalização das centrais, novamente, seria a principal culpada pelo chamado “gangsterismo sindical”. Esta conquista democrática teria “agraciado as centrais com 10% do imposto arrecadado pelos sindicatos, porcentagem que antes ficava para o governo. Foi um presentão do ‘paizão’ Lula – como, na ocasião, se referiu ao presidente um sindicalista”.

Campanha de boicote à Veja

O artigo também critica o fato de o governo ter garantido a autonomia dos sindicatos na gestão financeira. Este seria outro “mimo ofertado por Lula aos companheiros sindicalistas. Em março de 2008, ele vetou dispositivo que autorizava o Tribunal de Contas da União (TCU) a fiscalizar as contas dos sindicatos”. Neste ponto, a repórter ouve somente o sociólogo José Pastore, mas deixa de informar seus leitores que o citado é um dos maiores inimigos do sindicalismo no país, tendo sido assessor do candidato tucano Geraldo Alckmin na sucessão presidencial de 2006.

Outros tucanos enrustidos são ouvidos. Para o professor Otávio Pinto e Silva, “o modelo sindical brasileiro reúne as três piores características possíveis. Primeiro a unicidade sindical, seguida do sustento das entidades por contribuições compulsórias e, claro, a blindagem contra fiscalização”. Já para o magoado Leôncio Martins Rodrigues, o sindicalismo está em declínio. “Mas no Brasil, ao menos por enquanto, os dirigentes não precisam se preocupar, já que têm o sustento garantido por um governo ‘companheiro’”, arremata a colunista, que mais opina do que informa.

A matéria não deixa dúvidas sobre o ódio da Veja ao sindicalismo e confirma que a campanha de 2010 será das mais sujas. O objetivo é acuar os sindicatos, que “já deram incontáveis provas de lealdade ao governo do qual dependem... Mas o maior favor prestado ao ‘governo companheiro’ é o ensurdecedor silêncio que dedicam aos escândalos da administração petista. Lula, o ‘paizão’, tem retribuído à altura – fingindo ignorar que seus ‘filhos’ agem como gângsteres na luta para manter os lucrativos territórios”. Este virulento ataque evidencia que a campanha de boicote às assinaturas da Veja é mais do que urgente.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

A luta pelo horário sindical gratuito

Na pauta unitária definida pelas seis centrais sindicais legalizadas do país (CUT, FS, CTB, UGT, NCST e CGTB), que será apresentada na 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), uma novidade começa a incomodar os barões da mídia: a do horário sindical gratuito. A coluna Painel da Folha já registrou esta demanda, que se soma a outras nove reivindicações – veja artigo abaixo. O jornal da famíglia Frias, que faz um silêncio sepulcral sobre a intensa preparação da Confecom, mas que já publicou um editorial contra esta iniciativa democrática do governo Lula, parece que não gostou muito desta justa proposta do sindicalismo brasileiro.

Apesar do inevitável terrorismo da ditadura midiática, as centrais estão dispostas a peitar a briga pelo horário sindical gratuito. A idéia foi aprovada por consenso na reunião da semana passada e, inclusive, já começa a ganhar corpo. O deputado federal Vicente de Paula, ex-presidente da CUT, já apresentou projeto de lei com este nobre objetivo. Na sua justificativa, ele alega que “a liberdade de expressão só é plena se houver garantia de acesso igualitário aos meios de comunicação”. Por isso, ele defende o chamado direito de antena. “Trata-se de assegurar espaço na mídia convencional, sobretudo no rádio e na TV, aos legítimos representantes dos interesses da sociedade”.

O exemplo de Portugal

Já prevendo a gritaria dos empresários, que encaram a concessão pública da radiodifusão como direito privado e sagrado, Vicentinho lembra que vários países garantem este direito. Ele cita o caso de Portugal. “Lá, esse direito aparece na Constituição, como complemento da liberdade de expressão. O item 1 do artigo 40 da Constituição portuguesa define que ‘os partidos políticos e organizações sindicais, profissionais e representativas das atividades econômicas, bem como as organizações sociais de âmbito nacional, têm o direito, de acordo com a sua relevância e representatividade e segundo critérios objetivos, a tempos de antena no serviço público de rádio e televisão”.

O deputado federal do PT-SP também observa que a Constituição brasileira de 1988 já prevê o direito de antena no parágrafo terceiro do artigo 17. O texto fixa que “os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão”. O que ele propõe é ampliar esta conquista democrática. “O direito de antena no país ainda está aquém daquele que encontramos em Portugal. Entendemos ser preciso ampliar o rol de entidades que podem usufruir desse direito, de modo a estimular a pluralidade e dinamicidade ainda maiores ao nosso cenário político. Por isso, apresento este projeto de lei, que dispõe sobre o direito de acesso gratuito das associações sindicais ao rádio e à televisão... Trata-se de um passo primordial na ampliação do direito de antena no país, contribuindo para a democratização das comunicações brasileiras”.

Urgente participação do sindicalismo

Pelo projeto apresentado, “será assegurado às centrais sindicais reconhecidas nos termos da lei número 11.648, de 31 de março de 2008, o direito de acesso gratuito ao rádio e televisão”. Os programas deverão “discutir temas de interesse dos seus representados; transmitir mensagens sobre a atuação da associação sindical; divulgar a posição da associação em relação a temas político-comunitários”. Ele veda “proselitismo de qualquer natureza; divulgação de propaganda de candidatos a cargos eletivos e a defesa de interesses pessoais ou partidários; a utilização do espaço para fins comerciais”.

O projeto determina que “cada central sindical tem assegurada a realização de um programa em cadeia nacional, a cada ano, com duração de dois minutos; e a utilização do tempo total de no mínimo dez e no máximo quarenta minutos, por ano, para inserções de trinta segundos ou um minuto, nas redes nacionais... O tempo total destinado a inserções de trinta segundos ou de um minuto, nas redes nacionais, será concedido a cada central sindical proporcionalmente ao número de empregados sindicalizados nos sindicatos a ela filiados”.

Para evitar a mentirosa chiadeira dos barões da mídia, que alegam perder dinheiro com o direito de antena, o projeto define que “as emissoras de rádio e televisão terão compensação fiscal pela cedência do horário gratuito previsto nesta lei”. Apesar disto, já dá para prever a cara de nojo do casal Willian Bonner e Fátima Bernardes no Jornal Nacional da Globo. Só mesmo com a intensa participação do sindicalismo na 1ª Confecom será possível garantir esta conquista democrática, contrapondo-se à recorrente criminalização das lutas sociais promovida pelos barões da mídia.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Imprensa livre é imprensa privada?

Reproduzo abaixo o excelente texto do sociólogo Emir Sader, publicado na Agência Carta Maior. Ele ajuda nas reflexões em curso no processo de preparação da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), que têm mobilizado milhares de pessoas no país inteiro.

A ideologia liberal – dominante nestes tempos – costuma caracterizar se um país é democrático, pelo seu regime político, fazendo suas perguntas clássicas: se há pluralismo partidário, separação de poderes no Estado, eleições periódicas e imprensa livre. Não contempla a natureza social do país, se há universalização de direitos básicos, se se trata de uma democracia social ou apenas do sistema político.

Um dos problemas dessa visão redutiva que marca o liberalismo, seccionando a esfera político-institucional do resto da formação social, é que vai buscar a resposta no lugar errado. Saber se um país é democrático é saber se sua sociedade é democrática. O sistema político é uma parte dela e deveria estar em função não de si mesmo, mas de criar uma sociedade democrática.

Mas o pior desses critérios é tentar fazer passar que imprensa privada é critério de democracia. Imprensa privada (isto é, fundada na propriedade privada, na empresa privada) como sinônimo de imprensa livre é uma contradição nos termos. Imprensa centrada na empresa privada significa a subordinação do jornalismo a critérios de empresa – lucro, custo-benefício, etc., etc., a ser financiado por um dos agentes sociais mais importantes – as grandes empresas. O que faz com que a chamada imprensa “livre” seja, ao contrário, uma imprensa caudatária dos setores mais ricos da sociedade, presa a seus interesses, de rabo preso com as elites dominantes.

A chamada imprensa “livre” representa os interesses do mercado, dos setores que anunciam nos veículos produzidos por essas empresas, que são mercadorias, que transformam as noticias e as colunas que publicam em mercadorias, que são compradas e vendidas, como toda mercadoria.

Antes de serem vendidos aos leitores, os jornais – assim como os outros veículos – são primeiro vendidos às agencias de publicidade, que são os instrumentos fundamentais de financiamento da imprensa “livre”. “Um anúncio de uma página em Les Echos (publicação econômica francesa), com tarifa normal, rende mais do que a totalidade de suas vendas nas bancas” – diz Serge Halimi, em artigo no Le Monde Diplomatique de outubro.

São então “livres” de quê? Do controle social, da transparência do seu financiamento, da construção democrática da opinião pública. Prisioneiros do mercado, dos anúncios, das agências de publicidade, das grandes empresas privadas, do dinheiro.

Uma imprensa livre, democrática, transparente, não pode ser uma imprensa privada, isto é, mercantil. Tem que ser uma imprensa pública, de propriedade social e não privada (e familiar, como é o caso das empresas jornalísticas brasileiras).

A Conferência Nacional de Comunicação, a ser realizada em dezembro, é um momento único para redefinir as leis brasileiras, promovendo a construção e o fortalecimento de uma imprensa realmente livre, democrática, transparente, pública.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Unidade do sindicalismo para a Confecom

Na semana passada, as seis centrais sindicais legalizadas do país se reuniram na capital paulista para definir uma pauta unitária dos trabalhadores com vistas à 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), marcada para dezembro. Foi um evento de grande significado. Além de reforçar a unidade do sindicalismo, já manifestada em várias outras batalhas – como na luta pela redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais –, o seminário evidenciou que as centrais estão atentas para o tema estratégico da democratização dos meios de comunicação.

Os dirigentes da CUT, FS, CTB, UGT, NCST e CGTB foram unânimes em condenar o papel nocivo da mídia hegemônica, altamente concentrada e manipuladora. Houve consenso de que não haverá avanços na luta dos trabalhadores e na democracia brasileira sem que seja derrotada a ditadura midiática. Vários oradores criticaram os veículos privados de comunicação, que realizam intensa campanha de criminalização das lutas sociais e apostam no individualismo exacerbado e no consumismo doentio, negando a importância da ação coletiva dos trabalhadores.

Propostas unitárias das centrais

Ao final, os participantes aprovaram, por unanimidade, uma pauta unitária do sindicalismo para a Confecom. Ela procura concentrar as energias nas questões fundamentais, evitando dispersão nas reivindicações dos trabalhadores. Ela servirá de instrumento para os debates nas etapas estaduais da conferência, garantindo uma ação sindical unificada. Reproduzo abaixo a pauta aprovada:

1- Fortalecimento da rede pública de comunicação:

Regulamentação do artigo 223 da Constituição que garante o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. Criação de um fundo público, com recursos previstos no orçamento da União e a taxação das publicidades comerciais. Autonomia de gestão e financiamento.

2- Novo marco regulatório:

Reformulação das leis e normas existentes e a elaboração de novas deve abranger o sistema de telefonia, internet, cabo, celular, novas tecnologias e novas formas de comunicação propiciadas pela era digital. Prevalência da propriedade de capital nacional e combate à propriedade vertical (domínio do mesmo grupo controlador) e cruzada (o mesmo grupo controlando vários tipos de mídia);

3- Por um plano nacional de fortalecimento da radiodifusão comunitária, contra a criminalização:

Descentralização dos processos de concessão, redução dos prazos de tramitação e zoneamento da radiofreqüência para definir o canal e a potência para cada localidade. Instalação de um conselho representativo, plural e autônomo, com maioria da sociedade civil, como instancia decisória; igualdade de participação e respeito à diversidade no seu conselho; fomento à produção independente, ampliando a presença destes conteúdos na sua grade de programação; destinação de verbas do orçamento público no seu financiamento e proibição da publicidade comercial, mas garantindo as produções compartilhadas o apoio cultural e a publicidade institucional. Que os canais públicos, que hoje são garantidos pela lei do cabo, estejam em sinal aberto;

4- Plano de inclusão digital com internet banda larga gratuita

Implantação, através da Telebras, de um plano nacional de banda larga gratuita, prestado em regime público, com recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicação (Fust);

5- Novos critérios para a distribuição da publicidade oficial:

Estímulo à diversidade e à pluralidade informativa por meio do estabelecimento de critérios democráticos e transparentes de distribuição dos recursos oficiais que não deve ser guiada apenas pelos indicadores da circulação e audiência;

6- Rediscutir os critérios para as concessões públicas:

Estabelecer mecanismos de participação da sociedade no processo de outorga, renovação e fiscalização das concessões públicas, que hoje é de 15 anos para TVs e de dez anos para as rádios;

7- Controle social:

Recomposição, com a participação tripartite, do Conselho de Comunicação Social em âmbito nacional e sua estruturação nos Estados e Municípios, com instrumentos que permitam a fiscalização a fim de aferir o cumprimento dos artigos 221 e 223 da Constituição;

8- Concessão de um canal aberto para as centrais sindicais:

Outorga de concessão de canal aberto para as centrais sindicais, com o intuito de atender o artigo 221 da Constituição Federal que estabelece a preferência nas emissoras de rádio e TV de finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente; regionalização da produção cultural, artística e jornalística, visando fortalecer os valores éticos e sociais.

9- Horário Sindical Gratuito:

Garantia do direito de antena por meio do horário sindical gratuito nos espaços da programação dos meios de comunicação objetos de concessão para as centrais sindicais;

10- Recriação da Embrafilme.

Para produção de conteúdo nacional, regional ou independente, com garantia de distribuição e comercialização em todos os municípios.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

A virtude pedagógica da Confecom

Apesar das escaramuças e rasteiras, a convocação da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) já pode ser considerada uma grande vitória. Num curto espaço de tempo, milhares de brasileiros estão se envolvendo no debate estratégico sobre o papel da mídia na atualidade. Na semana passada, segundo balanço parcial, ocorreram mais de 60 etapas municipais, conferências livres da juventude, encontros sindicais e outros eventos para discutir o temário da Confecom. O saldo pedagógico deste rico processo, agregando milhares de pessoas, é incalculável.

Diagnóstico e propostas concretas

No conjunto, estas iniciativas cumprem dois objetivos básicos. Em primeiro lugar, elas colocam no banco de réus a mídia hegemônica, altamente concentrada e perigosamente manipuladora. Em todos estes eventos, os participantes criticam a crescente monopolização do setor, sua conduta de criminalização das lutas sociais – o alvo do momento é o MST –, as deformações dos valores humanistas e civilizatórios, a sua postura golpista. Como os barões da mídia se recusam a tratar de seus defeitos e nem sequer divulgam a Confecom, é a sociedade que escancara os seus podres.

O segundo mérito é que, além de fazer o diagnóstico do setor, os presentes também apresentam propostas para democratizar os meios de comunicação. Alguns consensos vão se forjando nestes debates: 1) novo marco regulatório, que coíba a concentração do setor e garanta a diversidade informativa; 2) revisão dos critérios de concessão pública para as emissores privadas de rádio e TV; 3) fortalecimento da rede pública de comunicação; 4) fim da criminalização da radiodifusão comunitária; 5) política pública de inclusão digital, garantindo “banda larga para todos”; 6) revisão dos critérios da publicidade oficial, incentivando a pluralidade; 7) medidas de estimulo à participação popular e ao controle social, com a criação dos conselhos de comunicação.

Cai a máscara dos barões da mídia

Os latifundiários da mídia fizeram de tudo para sabotar o debate democrático na sociedade sobre os meios de comunicação. Eles impediram a regulamentação dos dispositivos da Constituição de 1988; abortaram todas as iniciativas democratizantes do setor; chantagearam e enquadraram os poderes públicos; desqualificaram os críticos da monopolização e da manipulação midiática, apresentando-os como partidários da censura; contiveram ao máximo a convocação da Confecom.

Quando o governo Lula finalmente decidiu convocar a conferência, eles tentaram sabotá-la. Num gesto desesperado, seis das oito entidades empresariais abandonaram a comissão organizadora do evento. Com isso, os barões da mídia demonstraram que não têm qualquer compromisso com a democracia; que o discurso da “liberdade de expressão” é pura retórica; que eles não defendem a “liberdade de imprensa”, mas sim a “liberdade dos monopólios”. Esta conduta autoritária pode representar um tiro no pé. No esforço pedagógico da Confecom, cai a máscara dos barões da mídia.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Veja tenta intimidar Luís Nassif

Os fascistas da Veja adoram criticar e desqualificar tudo e todos, mas não aceitam críticas. Eles defendem a chamada “liberdade de imprensa” para o oligopólio da família Civita, mas detestam a autêntica “liberdade de expressão”. De há muito, a revista e seus colunistas de aluguel atacam sem piedade o jornalista Luís Nassif. A campanha de baixarias é nojenta. Mas, diante da reação corajosa da vítima, que produziu um indispensável “dossiê Veja” revelando os podres políticos e econômicos deste pasquim da direita nativa, a poderosa empresa tenta silenciá-lo.

Na semana passada, a 27ª Vara Cível de São Paulo condenou Luís Nassif a pagar indenização de 100 salários mínimos por “danos morais” ao imoral redator-chefe desta revista, Mario Sabino. O juiz Vitor Kümpel não entrou no mérito das críticas apresentadas contra o chefão da Veja, todas elas com forte sustentação, mas preferiu proteger a “honra” do algoz. De imediato, Nassif reagiu às tentativas de intimidação da revista. O corajoso jornalista, que enfrenta os mafiosos da Abril, merece toda a solidariedade dos democratas. Reproduzo o texto do seu indispensável blog:

“Não me intimidaram”

Ainda não tenho os dados à mão. Mas, pelo que sou informado, fui condenado a pagamento de 100 salários mínimos pelo juiz Vitor Frederico Kümpel, da 27ª Vara Cível, em processo movido por Mário Sabino e pela revista Veja. No primeiro processo – de Eurípedes Alcântara – fui absolvido. Pode haver apelação nas duas sentenças.

Ao longo dessa longa noite dos celerados, a Abril lançou contra mim os ataques mais sórdidos que uma empresa de mídia organizada já endereçou contra qualquer pessoa. Escalou dois parajornalistas para ataques sistemáticos, que superaram qualquer nível de razoabilidade. Atacaram a mim, à minha família, ataques à minha vida profissional, à minha vida pessoal, em um nível só comparável ao das mais obscenas comunidades do Orkut. Não me intimidaram.

Apelaram então para a indústria das ações judiciais – a mesma que a mídia vive criticando como ameaça à liberdade de imprensa. Cinco ações – quatro em nome de jornalistas da Veja, uma em nome da Abril – todas bancadas pela Abril e tocadas pelos mesmos advogados, sob silêncio total da mídia. Não vou entrar no mérito da sentença do juiz, nem no valor estipulado.

Mas no final do ano fui procurado por um emissário pessoal de Roberto Civita propondo um acordo: retirariam as ações em troca de eu cessar as críticas e retirar as ações e o pedido de direito de resposta. A proposta foi feita em nome da “liberdade de imprensa”. Não aceitei. Em nome da liberdade de imprensa.

Podem vencer na Justiça graças ao poder financeiro que lhes permite abrir várias ações simultaneamente. Quatro ações que percam não os afetará. Uma que eu perca me afetará financeiramente, além dos custos de defesa contra as outras quatro.

Mas no campo jornalístico, perderam para um blog e para a extraordinária solidariedade que recebi de blogueiros que sequer conhecia, de vocês, de tantos amigos jornalistas que me procuraram pessoalmente, sabendo que qualquer demonstração pública de solidariedade colocaria em risco seus empregos. Melhor que isso, só a solidariedade que uniu minhas filhas em defesa do pai.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

A mídia e a “liberdade de expressão”

Nesta quinta-feira, dia 22, a Editora Fundação Perseu Abramo e o Portal Vermelho promovem o debate “mídia hegemônica e liberdade de expressão”, com as presenças dos professores Venício A. de Lima e Bernardo Kucinski e do jornalista Luis Nassif. O evento, a partir das 19 horas, ocorrerá na Rua Rego Freitas, 196, próximo ao Metrô República, no centro da capital paulista, e os interessados devem se inscrever previamente pelo telefone 3054-1800 (falar com Danielle). Após o debate, haverá o coquetel de lançamento do livro “Diálogos da perplexidade – Reflexões críticas sobre a mídia”, de autoria dos dois professores, renomados especialistas no tema.

Segundo a resenha divulgada pela editora, o livro é subdividido em quatro capítulos, reunindo as conversas informais e instigantes de Venício A. de Lima e Bernardo Kucinski. Eles trocam idéias sobre a concentração da mídia, as diferenças conceituais entre liberdade de imprensa e liberdade de expressão, os caminhos para a democratização dos meios de comunicação, o papel da internet na atualidade, a crise dos jornais impressos, entre outros temas. O prefácio da obra é assinado por Muniz Sodré, importante e ativo intelectual brasileiro.

“Entre os temas abordados em ‘Diálogos da Perplexidade’ estão o funcionamento das redações dentro e fora do país, uma crítica reforçada em relação ao modelo autoritário enraizado e já aceito pela sociedade brasileira, o futuro e as mudanças que vêm ocorrendo nos jornais impressos, a transformação dos fatos em espetáculo pela mídia e até as eleições de Obama. O livro discorre sobre temas bastante discutidos, sem cair em lugar-comum. Um exemplo disso é quando Kucinski e Venício viram do avesso conceitos como o de liberdade de expressão e ideologia, mergulham no debate acerca do diploma para jornalistas e esmiúçam o conceito de Estado, assim como o papel do sindicato dos jornalistas no Brasil”, descreve a resenha.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Lilian Martins fará muita falta

Presença constante e marcante nos eventos partidários, a comunista Lilian Martins não participou da conferência estadual do PCdoB de São Paulo, no último final de semana. Ela faleceu na manhã de sábado em decorrência de graves problemas de saúde. Distante da capital, soube de sua morte por telefone. Fui informado, também, que a sua ausência causou profunda comoção nas centenas de militantes que participaram do evento. Os mais antigos, que tiveram o prazer de conviver com ela nos fóruns partidários ou nas noitadas, choraram. Os mais novos, os recém-filiados, ouviram as inúmeras histórias desta dedicada e despojada militante comunista.

Conheci Lilian ainda no tenso período da ditadura militar. Minha primeira reunião partidária, em julho de 1979, ocorreu na casa dela e do seu companheiro, Domingos, no bairro do Parque Santa Madalena, na periferia de São Paulo. Fui conduzido ao local sem saber quem eram os donos. A clandestinidade exigia certas normas de segurança. Na ocasião, chamou-me a atenção o tamanho da sala, desproporcional com relação aos outros cômodos. Lilian me explicou que ela era grande para permitir reuniões e o convívio com amigos. O casal, formado em história pela USP, havia decidido construir a sua casa no bairro proletário para estreitar as relações com os trabalhadores.

Mulher versátil, cheia de energia

Aprendi muito com a “professora Lilian”, que desde aquela época já era uma inquieta estudiosa do marxismo e uma apaixonada pela história do Brasil. Vivia “cerrando sua bóia” e pernoitando na sua casa. Quando do retorno do exílio de João Amazonas, fiquei cuidando de seus dois filhos, enquanto o casal foi recepcionar o presidente do PCdoB. Naquele mesmo dia, faleceu Diógenes Arruda. Varamos a madrugada conversando sobre a história destes dois dirigentes comunistas – um que retornava e outro que partia. Pouco depois, deixei a Zona Leste e passei a acompanhar a trajetória de Lilian como uma das principais lideranças da Apeoesp e das greves dos professores.

Lilian Martins era uma mulher versátil, cheia de energia. Apesar da intensa atividade, nunca caiu no praticismo doentio. Dedicava-se ao estudo, gostava das polêmicas teóricas, procurava evitar o dogmatismo. Mantinha relações com lideranças de distintas correntes, sendo admirada por sua capacidade intelectual. Nunca se distanciou das lutas do povo, seja como sindicalista ou como principal dirigente em Santos, onde sonhava em retomar a trajetória do “Porto Vermelho”. Era avessa ao pragmatismo. Na fase mais recente, ela se dedicava a ensinar, a formar novas gerações, como secretária de formação do PCdoB-SP. Lilian Martins fará muita falta aos comunistas.

Reproduzo abaixo o poema de José Carlos Tiziu, operário da Zona Leste que também teve o privilégio de conviver com esta bela pessoa:

A uma camarada - Homenagem à Lilian Martins

Um dia no passado
Numa longínqua periferia
Fizeste de várias pedras brutas
Diamantes vermelhos

Rostos e mãos
Marcados pela dura realidade das fábricas
Secularmente explorados

Pacientemente,
Às vezes com firmeza de genitora que cuida de sua prole
Nos lapidou

Nos apresentou livros, músicas, filmes
A BBC de Londres, a Rádio Tirana
Os versos de Brecht

Tornamo-nos poetas, operários, professores
Mulheres emancipadas
e, acima de tudo,
Militantes que ousam questionar o óbvio

Como pedras brutas aprendemos
também na divergência
a dialética da vida

Fizeste de uma escola
A fortaleza de múltiplas sementes
Que germinaram para a vida política

Velho Haroldo de Azevedo...
Seu Jardim vermelho
Por muito tempo floriu

A estrada deste outubro tão dolorido
Nos leva a Mercedes Soza
Numa América que transborda de esperanças
Que paga seu tributo a gerações passadas

Os versos que podemos deixar gravados na memória
Querida camarada Lílian:
O Partido Comunista de Sapopemba, São Mateus e Vila Prudente
Seguirá em frente,
Não vacilará!

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

MST, Honduras e Olimpíadas na FM-98,1

Reproduzo abaixo os comentários mais recentes transmitidos na rádio Jornal Brasil Atual (FM-98,1). Segundo o editor Osvaldo Colibri, o programa jornalístico, exibido de segunda a sexta-feira das 7 às 8 horas da manhã, tem crescido em audiência. Bancado por vários sindicatos, ele analisa os principais fatos internacionais e nacionais sob a ótica dos trabalhadores. Na coluna semanal “O outro lado da notícia”, procuro desmascarar as manipulações da mídia hegemônica.

A Cutrale e o MST

A destruição de alguns pés de laranja numa fazenda no interior de São Paulo, de propriedade da poderosa empresa Cutrale – maior exportadora de sucos do país – ganhou os holofotes da mídia. As cenas são repetidas a exaustão para vender a imagem de que os sem terra são vândalos, quase terroristas. Teleguiada pela mídia, a oposição conservadora endureceu seu discurso pela criação da CPI contra o MST e contra a atualização dos índices de produtividade rural, prometida pelo governo Lula.

A mídia só não informa que a tal fazenda da Cutrale está numa terra grilada, de propriedade do Estado, e que os pés de laranja foram plantados para evitar a desapropriação da área antes improdutiva. Também não fala que a Cutrale tem vários processos na justiça, inclusive por débitos trabalhistas. O dono da Cutrale, um dos mais ricos empresários do mundo, aparece como vítima. Já os trabalhadores sem terra surgem como vilões. A mídia realmente tem lado, tem classe. Nela não há qualquer pluralidade informativa. Ela defende unicamente os interesses dos poderosos, inclusive para garantir os seus lucros. O anúncio de uma página na revista Veja, por exemplo, custa cerca de R$ 200 mil reais, e a Cutrale é uma grande anunciante. Daí não ser criticada pela mídia venal e corrompida.

Os golpistas de Honduras

O golpe em Honduras, que depôs o presidente democraticamente eleito Manuel Zelaya no final de junho, tem servido para extrair várias lições. Ele mostra que as elites rejeitam a democracia quando ela coloca em risco seus poderosos interesses. Mostra, também, que a eleição de Barack Obama não alterou o papel nocivo dos EUA. Mudou a cara, mas não a essência saqueadora. Na prática, o governo imperial dos EUA faz o jogo dos gorilas golpistas de Honduras, assim como reforça o governo narcoterrorista de Álvaro Uribe, instalando sete bases militares na Colômbia.

Além disso, o golpe confirma o papel deprimente da mídia hegemônica. Editoriais da Folha, Estadão, O Globo e de outros jornais tentam justificar o golpe. As emissoras de TV tentam confundir os telespectadores, apresentando os golpistas como governo interino, governo de fato. Usam as palavras para enganar os ingênuos. Já a revista Veja, o panfleto direitista dos EUA editado no Brasil, revela sua simpatia pelos gorilas e ataca a diplomacia brasileira. Zelaya e Lula seriam os culpados pelas desgraças do sofrido povo hondurenho. Nem mesmo o fechamento de uma rádio e de uma emissora de TV independentes, ocupadas por soldados do exército golpista, serve para reforçar a critica a censura. O discurso da “liberdade de imprensa” é falso. A mídia hegemônica não tem qualquer compromisso com a democracia, seja em Honduras ou no Brasil.

Torcida contra as Olimpíadas

Na sua ânsia para desgastar o presidente Lula e para servir de palanque ao tucano José Serra, a mídia hegemônica chega a torcer contra o Brasil. Nas vésperas da decisão sobre o país sede das Olimpíadas de 2016, colunistas bem pagos fizeram propaganda aberta contra o país. Estimularam o espírito de vira-lata, de baixa estima dos brasileiros, para difundir que o país não teria condição para sediar os jogos. Eles esconderam que o Comitê Olímpico Internacional (COI) considerou o relatório brasileiro, organizado pelo ministro dos Esportes, Orlando Silva, como o mais favorável à competição mundial – o que garantiu a folgada vitória do Brasil.

Agora, com o povo nas ruas festejando esta vitória, um velho sonho dos brasileiros e dos latino-americanos, a mídia tenta travestir sua posição. Tenta vender a imagem de patriota. Ao mesmo tempo, ela já começa sua onda denuncista, falando em corrupção sem apresentar provas, para desgastar o governo. A mídia não tem jeito mesmo. Torceu pela crise mundial, apostando que seus efeitos baixaram a popularidade do presidente Lula. Deu com os burros n’água. Torceu para que a gripe suína causasse a morte de milhões de brasileiros. Também perdeu. Torceu contra as Olimpíadas e se deu mal. O que mais ela fará até a eleição presidencial de 2010. Tudo indica que o jogo será dos mais sujos.