Na sua virulenta cruzada contra o Programa Nacional de Direitos Humanos, a mídia hegemônica utiliza novamente os batidos padrões de manipulação para salientar e omitir o que lhe interessa. Notórios direitistas, vinculados a torturadores, latifundiários e outras escórias da sociedade, são exibidos como “especialistas” em direitos humanos. Muitos não têm qualquer representatividade, mas ganham os holofotes nos telejornais, rádios e jornalões. Já os representantes dos partidos de esquerda e dos movimentos sociais, vítimas da opressão, não são aparecem nas telinhas da TV.
Reproduzo abaixo três manifestações de apoio ao PNDH que simplesmente foram ignoradas pela mídia venal. A primeira é assinada pelas entidades populares mais expressivas do país, sediadas em São Paulo, como a União Nacional dos Estudantes (UNE) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). Já a segunda é subscrita pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), um dos principais alvos da crueldade da ditadura militar. A última aborda a relação entre meios de comunicação e os direitos humanos e é firmada pelo respeitado Coletivo Intervozes.
“Em defesa da democracia e da verdade”
As entidades e militantes dos direitos humanos e da democracia de São Paulo juntam-se ao Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), rede que reúne cerca de 400 organizações de direitos humanos de todo o Brasil, para manifestar publicamente seu repúdio às muitas inverdades e posições contrárias ao III Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3), e seu apoio integral a este programa lançado pelo governo federal no dia 21 de dezembro de 2009.
Como o MNDH, entendemos que o PNDH 3, aprovado durante a 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos (2008), é um importante passo no sentido de o Estado brasileiro assumir a bandeira dos direitos humanos em sua universalidade, interdependência e indivisibilidade como política pública; expressa avanços na efetivação dos compromissos constitucionais e internacionais com direitos humanos; e resultou de amplo debate na sociedade e no Governo.
Por isto, nenhuma instância do governo federal pode alegar ter conhecido esse programa somente depois do ato do seu lançamento público no dia 21 de dezembro e, menos ainda, afirmar que o assinou sem haver lido, sob pena de mentir no primeiro caso e, no segundo, de acrescentar à mentira um atestado de irresponsabilidade.
As reações contra o PNDH 3 estão cheias de conhecidas motivações conservadoras, além de outras que, pela sua própria natureza, são inconfessáveis em público pelos seus defensores. Estas resistências, claramente explicitadas ou não ao PNDH 3, provam que vários setores da sociedade brasileira ainda se recusam a tomar os direitos humanos como compromissos efetivos tanto do Estado, quanto da sociedade e de cada pessoa.
É falso o antagonismo que se tenta propor ao dizer que o programa atenta contra direitos fundamentais, visto que o que propõe tem guarida constitucional, além de assentar seus alicerces no que é básico para uma democracia, e que quer a vida como um valor social e político para todas as pessoas, até porque, a dignidade da pessoa humana é um dos princípios fundamentais de nossa Constituição e a promoção de uma sociedade livre, justa e solidária é o objetivo de nossa Carta Política.
Há setores que estranham que o programa seja tão abrangente, trate de temas tão diversos. Ignoram que, desde há muito, pelo menos desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, direitos humanos são muito mais do que direitos civis e políticos. Vários tratados, pactos e convenções internacionais articulam o que é hoje conhecido como o Direito Internacional dos Direitos Humanos, que protege direitos de várias dimensões: civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, ambientais, de solidariedade, dos povos, entre outras.
Desconhecem também que o Brasil, por ter ratificado a maior parte destes instrumentos, é obrigado a cumpri-los, inclusive por força constitucional, e que está sob avaliação dos organismos internacionais da ONU e da OEA que, por reiteradas vezes, através de seus órgãos especializados, emitem recomendações para o Estado brasileiro – entre as quais, as mais recentes são de maio de 2009 e foram emitidas pelo Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU.
Aliás, não é novidade esta ampliação, visto que o II Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 2, de 2002) já previa inclusive vários dos temas que agora são reeditados, e a primeira versão do PNDH (1996) fora criticada e revisada exatamente por não contemplar a amplitude e complexidade que o tema dos direitos humanos exige. Por isso, além de conhecimento, um pouco de memória histórica é necessária a quem pretende informar de forma consistente a sociedade.
Em várias das manifestações e inclusive das abordagens publicadas, há claro desconhecimento (além dos que apenas fingem desconhecer) do que significa falar de direitos humanos. Talvez seja por isso que, entre as recomendações dos organismos internacionais, está a necessidade de o Brasil investir em programas de educação em direitos humanos, para que o conhecimento sobre eles seja ampliado pelos vários agentes sociais. Um dos temas que é abordado no PNDH 3, e que poderia merecer mais atenção dos críticos e demais cidadãos.
O PNDH 3 resulta de amplo debate na sociedade brasileira e no governo. Fatos atestam isso! Durante o ano de 2008, foram realizadas 27 conferências estaduais que constituíram amplo processo coletivo e democrático, coroado pela realização da 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, em dezembro daquele ano. Durante 2009, um grupo de trabalho coordenado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH) procurou traduzir as propostas aprovadas pela Conferência no texto do PNDH 3. O MNDH e suas entidades filiadas, além de outras centenas de organizações, participaram ativamente de todo o processo.
Há outros seis meses, desde julho do ano passado, o texto preliminar está disponível na internet para consulta e opinião. Internamente no governo, o fato de ter sido assinado pela maioria dos Ministérios – inclusive o Ministério da Agricultura – é expressão inequívoca da amplitude do debate e da participação coletiva que presidiu sua construção. É claro que, salvas as consultas, o texto publicado expressa a posição que foi pactuada pelo governo. Nem tudo o que está no PNDH 3 é o que as exigências mais avançadas da agenda popular de luta por direitos humanos esperam. Contém, sim, propostas polêmicas e, em alguns casos, não bem formuladas.
Todavia, considerando que é um documento programático, ou seja, que expressa a vontade de realizar ações em várias dimensões, tem força de orientação da atuação nos limites constitucionais e da lei, mesmo quando propõe a necessidade de revisão ou de alterações de algumas legislações. A título de esclarecimento, é prerrogativa da sociedade e do poder público propor ações e modificações, tanto de ordem programática quanto legal. Por isso, não deveria ser estranho que contenha propostas de modificação de algumas legislações. Assim que, alegar desconhecimento do texto ou mesmo que não foi discutido, é uma postura que ignora ou finge ignorar o processo realizado. É diferente dizer que se tem divergências em relação a um ou outro ponto do texto, de se dizer que o texto não foi discutido, ou que não esteve disponível para conhecimento público.
Juntamente ao MNDH, ainda que explicitando alguns outros detalhes que envolvem a integralidade do PNDH 3, nós, organizações, movimentos e militantes de São Paulo, entendemos que as reações veiculadas pela grande mídia comercial, com origem, em sua maioria, nos mesmos setores conservadores de sempre, devem ser tomadas como expressão de que o programa tocou em temas fundamentais e substantivos, que fazem com que caia a máscara anti-democrática destes setores.
Estas posições põem em evidência para toda a sociedade as posturas refratárias aos direitos humanos, ainda lamentavelmente tão disseminadas, e que se manifestam no patrimonialismo – que quer o Estado exclusivamente a serviço de interesses dos setores privados; no apego à propriedade privada – sem que seja cumprida a exigência constitucional de que ela cumpra sua função social; no revanchismo de setores civis e militares – que insistem em ocultar a verdade sobre o período da ditadura militar e em inviabilizar a memória como bem público e direito individual e coletivo; na permanência da tortura – mesmo que condenada pela lei; na impunidade – que livra “colarinhos brancos” e condena “ladrões de margarina”; no patriarcalismo – que violenta crianças e adolescentes, e serve de alicerce para o machismo – que mantém a violência contra a mulher e sua submissão a uma ordem que lhes subtrai o direito de decisão sobre seu próprio corpo (como o direito ao aborto), lhes impõe salários sempre menores que os dos homens, ou a situações de violência em sua própria casa; no racismo – que discrimina negros, indígenas, ciganos e outros grupos sociais; nas discriminações contra outras orientações sexuais que não sejam apenas a heterossexualidade (considerada o único padrão de “normalidade” em termos sexuais) – estigmatizando a homossexualidade (masculina ou feminina), a bissexualidade, os travestis ou transexuais, e todas as demais manifestações de homoafetividade – o que impede o reconhecimento dos casamentos, ligações e constituição de famílias fora das “normas” (atualizadas ou não) do velho patriarcado supostamente sempre heterossexual, monogâmico e monândrico; na falta de abertura para a liberdade e diversidade religiosa – que impede o cumprimento do preceito constitucional da laicidade do Estado; no elitismo – que se traduz na persistência da desigualdade em nosso País como uma das piores do mundo e, enfim, na criminalização da juventude e da pobreza, e na desmoralização e criminalização de movimentos sociais e de defensores de direitos humanos.
Como o MNDH, repudiamos também a tentativa de partidarização e eleitoralização do PNDH 3. O programa pretende ser uma política pública (e pelo público foi gerado) de Estado, e não de candidato; não pertence a um partido, mas à sociedade brasileira e, portanto, não cabe torná-lo instrumento de posicionamentos maniqueístas. Não faz qualquer sentido pretender que o PNDH 3 tenha pretensões eleitorais ou mesmo que pretenda orientar o próximo governo. Quem dera que direitos humanos tivessem chegado a tamanha importância política e fossem capazes de, efetivamente, ser o centro dos compromissos de qualquer candidato e de qualquer governo. Mas compromisso para valer, e não apenas um amontoado de frases demagogicamente esgrimidas nos palanques eleitorais.
Assim, nós – de São Paulo, do mesmo modo que o Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), reiteramos a manifestação, publicada em nota no último 31/12/2009, na qual se afirma que cobramos “uma posição do governo brasileiro, que seja coerente com os compromissos constitucionais e com os compromissos internacionais de promoção e proteção dos direitos humanos. O momento é decisivo para que o país avance em direção de uma institucionalidade democrática mais profunda, que reconheça e torne os direitos humanos, de fato, conteúdo substantivo da vida cotidiana de cada um/a dos/as brasileiros e brasileiras”.
Manifestamos nosso apoio integral APOIO ao PNDH 3, pois entendemos que o debate democrático é sempre o melhor remédio para que a sociedade possa produzir posicionamentos que sejam sempre mais coerentes e consistentes com os direitos humanos. Ao mesmo tempo, rejeitamos posições e atitudes oportunistas que, desde seu descompromisso histórico com os direitos humanos, tentam inviabilizar avanços concretos na agenda, que. quer a realização dos direitos humanos na vida de todas e de cada uma das brasileiras e dos brasileiros.
Juntamente com o MNDH, também manifestamos nosso apoio integral ao ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, e entendemos que sua permanência à frente da SEDH neste momento só contribui para reforçar o entendimento de que o PNDH 3 veio para valer. Entendemos ainda que, se alguém tem que sair do governo, são aqueles ministros – entre os quais o da Defesa, senhor Jobim, e o da Agricultura, senhor Stephanes) – ou quaisquer outros prepostos que, de forma oportunista e anti-democrática, vêm contribuindo para gerar as reações negativas e conservadoras ao que está proposto no PNDH 3.
Em suma, como organizações da sociedade civil, o MNDH e nós, que vivemos e militamos em São Paulo, estamos atentos e envidaremos todos os esforços para que as conquistas democráticas avancem sem qualquer passo atrás.
PNDH e o avanço democrático
O Partido Comunista do Brasil manifesta seu apoio ao Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3), do governo federal, por entender que ele representa uma sistematização de importantes anseios democráticos que o país ainda necessita conquistar.
Tal Programa incorporou resoluções da 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, realizada em Brasília, e de mais de 50 conferências temáticas realizadas desde 2003. A grande maioria de suas propostas deverá ser objeto de projetos de lei a serem amplamente discutidos no Congresso Nacional e por toda a sociedade. Mesmo assim ele tem sido objeto de críticas da grande imprensa e de certos setores da sociedade.
O ponto mais polêmico tem sido a proposta de criação de uma Comissão da Verdade. Tal Comissão terá dentre outros os objetivos de apurar a violação dos direitos humanos no período da ditadura militar; reconstituir a verdade histórica sobre este período; localizar e identificar os restos mortais dos desaparecidos políticos; revogar leis remanescentes do período 1964-1985 que sejam contrárias à garantia dos direitos humanos ou tenham dado sustentação a graves violações.
O Partido Comunista do Brasil defende um Projeto Nacional de Desenvolvimento com a afirmação da soberania nacional, da democracia, dos direitos sociais, da valorização do trabalho e da integração latino-americana. Neste projeto o Partido tem claro e valoriza o papel das Forças Armadas na Segurança Nacional, em particular em relação ao pré-sal e à Amazônia.
O destaque central que o Partido dá à questão nacional não significa, no entanto, deixar de lado as demais questões que compõem um Projeto Nacional de Desenvolvimento e que atenda à grande maioria da nação, em particular a questão democrática.
A nação brasileira tem o direito de conhecer a verdadeira história do país e não somente uma parte dela. Necessita conhecer melhor o golpe proferido contra as instituições democráticas no país em 1964, instituindo uma ditadura militar e rasgando a Constituição brasileira. Este regime foi responsável por graves atentados aos direitos humanos. Não há como avançar no terreno democrático sem que estas questões sejam suficientemente esclarecidas.
Várias nações latino-americanas já constituíram Comissões da Verdade, como na Argentina, Chile, El Salvador, Guatemala e Peru, numa demonstração evidente da importância que este tema passou a ter em nosso continente, como decorrência do período ditatorial vivido por quase todos os países latino-americanos.
O argumento daqueles que se manifestam contra a criação da Comissão da Verdade é de que em havendo julgamento dos torturadores, deveria haver também julgamento daqueles que cometeram atos de violência na luta contra a ditadura. Trata-se de um argumento absurdo e inconsistente de quem quer encobrir a verdade dos fatos. É tentar igualar o agressor ao agredido. Uma situação diz respeito aos torturadores que se utilizaram do aparelho de Estado para matar, torturar e praticar os mais hediondos crimes contra os direitos humanos. Outra diz respeito àqueles que se levantaram contra esta situação e que foram vítimas das prisões ilegais, tortura, sendo que muitos foram mortos, viveram anos na clandestinidade ou no exílio. Estes já foram julgados.
Além do mais, a Constituição brasileira considera que a tortura é um crime inafiançável e insusceptível de graça ou anistia. A Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que “ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”. Várias convenções internacionais consideram a tortura como um crime de lesa humanidade e, como tal, imprescritível.
O Partido Comunista do Brasil defende esta posição não como uma atitude revanchista, mas como a alternativa de uma verdadeira reconciliação nacional e como efetivo caminho de superação desta mancha que ficou na história do Brasil. Tentar ocultar os crimes contra os direitos humanos praticados no período da ditadura militar é um desserviço à democracia e à união do povo brasileiro para transformar este país numa nação forte, justa e democrática.
O direito humano à comunicação
O Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social manifesta o seu apoio ao III Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), resultado de processo que contou com a participação de milhares de militantes, organizações da sociedade civil e instituições do poder público, em diálogo intenso que durou mais de dois anos e teve seu ápice na XI Conferência Nacional dos Direitos Humanos, realizada em Brasília (DF), em dezembro de 2008.
No tocante à comunicação, o Intervozes afirma o seu apoio às medidas previstas na diretriz 22, relativas ao tema, que visam à ampliação da garantia do direito à informação e à comunicação e à defesa dos direitos da população. Tais medidas não podem ser entendidas como ameaças à liberdade de expressão, como querem fazer entender recentes críticas públicas que buscam desqualificar as propostas.
A defesa da democracia e dos direitos humanos deve incluir, de um lado, a afirmação veemente do direito de todos e todas à liberdade de expressão e, de outro, a criação de mecanismos de responsabilidades ulteriores para aqueles veículos que praticarem violações a direitos humanos por meio de sua programação, especialmente os concessionários de serviços públicos de rádio e televisão. Liberdade de expressão não pode se confundir com carta branca para violações de direitos humanos. Assim como qualquer cidadão está sujeito a punições a posteriori caso pratique ou estimule violações de direitos humanos (por meio de manifestações racistas, por exemplo), os meios de comunicação estão sujeitos aos mesmos princípios.
Esse tipo de medida está em consonância com o que prevêem pactos e acordos internacionais ratificados pelo Brasil, tais como a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose, 1969), a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (Belém, 1994) e a Convenção Internacional para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial (Durban, 2001). Está de acordo também com a Constituição Federal brasileira e a legislação do setor (em especial o artigo 52 do Código Brasileiro de Telecomunicações), além de já ser prevista desde a primeira versão do PNDH, publicada durante o governo FHC.
Diferentemente da grande maioria dos países de democracia avançada, o Brasil não tem hoje um órgão regulador que tenha incidência sobre o sistema de radiodifusão (rádio e televisão) e segue com frágeis e insuficientes mecanismos de monitoramento sobre a programação veiculada, com total dependência de ações do Ministério Público Federal. O aprimoramento desses mecanismos passa, necessariamente, pelo estabelecimento de critérios democráticos de análise, construídos em diálogo com todos os setores, seguindo o exemplo do processo realizado para definição de critérios de classificação indicativa.
Sem prejuízo de possíveis ajustes nos mecanismos específicos previstos, o que o PNDH-3 pauta acertadamente – e em consonância com o que aprovou a recém-realizada I Conferência Nacional de Comunicação – é a necessidade de estabelecer garantias para que o serviço público de radiodifusão cumpra, de fato, o interesse público. O Brasil não pode mais admitir a ocorrência de sistemáticas violações de direitos humanos no conteúdo exibido por emissoras que recebem concessões públicas, fato ainda hoje bastante comum.
Entendemos que as divergências sobre as proposições elencadas no PNDH-3 são naturais e o debate acerca das mesmas é extremamente necessário e saudável. Entretanto, não nos parece cabível que o Programa seja rotulado de peça autoritária e que represente um suposto sentimento de revanchismo ou uma forma de cerceamento de direitos de quem quer que seja. Estranhamos, sobretudo, que as críticas ao PNDH-3 estejam sendo vocalizadas justamente por atores políticos cujo histórico inclui a participação, a colaboração ou o apoio ao regime ditatorial vivenciado pela sociedade brasileira entre 1964 e 1985, e que agora se apresentam como defensores da democracia e do Estado de Direito.
Reafirmamos ainda o apoio aos processos participativos de construção de políticas públicas, como os que resultaram no PNDH-3. Por todo o exposto, esperamos que as medidas previstas no programa sejam efetivamente implementadas.
domingo, 17 de janeiro de 2010
sábado, 16 de janeiro de 2010
Cidadão Boilesen e o ombudsman da Folha
Está em cartaz nos cinemas o filme “Cidadão Boilesen”, do diretor Chaim Litewski. Resultado de 15 anos de pesquisas, ele já foi premiado no Festival Internacional de Documentários “É Tudo Verdade” e foi aplaudido de pé na Mostra de São Paulo e no Festival do Rio de Janeiro. O filme retrata a trajetória sinistra de Henning Boilesen, dinamarquês naturalizado brasileiro, executivo do Grupo Ultra (Ultragaz, Ultralar, etc.), e revela os porões da Operação Bandeirantes, a Oban, o principal centro de tortura montado pelo Exército durante os tempos sombrios da ditadura militar no país.
O documentário prova, com entrevistas, fatos e nomes, que industriais e banqueiros financiaram a Oban. Boilesen foi além. Anticomunista sádico, ele se destacou por participar diretamente das sessões de tortura. Ele inventou até uma máquina capaz de controlar, com teclados, a intensidade dos choques elétricos. Em sua homenagem, o aparelho foi batizado de “pianola Boilesen” pelos carrascos torturadores. Em 15 de abril de 1971, o sádico empresário foi morto por militantes da Ação Libertadora Nacional (ANL) e do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT).
A resposta ridícula do ombudsman
Num dos trechos, o filme confirma o envolvimento direto do Grupo Folha nos anos de chumbo da ditadura. Indignado com a revelação, o procurador Renato Khair enviou carta ao ombudsman do jornal solicitando explicações. A mensagem não foi sequer publicada, mas merece ser lida:
“No ótimo documentário ‘Cidadão Boilesen’, de Chaim Litewski, há uma citação expressa de que este jornal teria colaborado diretamente com a Operação Bandeirantes (Oban), da ditadura militar. A ‘Folha’ teria cedido as suas caminhonetes aos membros da Oban, na repressão aos opositores da ditadura. É uma acusação grave e séria. Até agora, não vi nenhuma resposta da ‘Folha’, negando veementemente qualquer tipo de participação ou apoio ao regime militar. O mínimo que se espera é que se manifeste, seja para refutar ou para confirmar tais afirmações”.
A resposta do ombudsman, que também não apareceu nas páginas da Folha, foi ridícula: “Caro Sr. Renato, durante o período ditatorial, a direção da Folha não foi informada da utilização dos seus caminhões pelos órgãos de repressão. No entanto, investigações posteriores constataram que, de fato, alguns veículos do jornal foram usados por equipes do DOI-CODI. Esses atos foram praticados à revelia dos acionistas da empresa. Atenciosamente, Carlos Eduardo Lins da Silva”.
Ditadura funcional à famíglia Frias
O ombudsman, talvez para preservar o seu posto, parece desconhecer as ligações entre o dono do Grupo Folha, Octávio Frias de Oliveira, e o setor “linha dura” dos generais. Ele também não cita que os editoriais da Folha clamaram pelo golpe militar de 1964. Até parece que não leu o livro “Ditadura escancarada”, de Élio Gaspari, que hoje serve ao jornal e também resolveu silenciar sobre o seu apoio à “ditabranda”. Na página 395, ele afirma: “Carros da empresa [Folha] eram emprestados ao DOI, que os usava como cobertura para transportar presos na busca de ‘pontos’”.
É uma mentira grotesca afirmar que o apoio à ditadura “foi praticado à revelia dos acionistas da empresa”. Octávio Frias de Oliveira foi um dos mentores intelectuais do golpe militar e, durante anos, utilizou seus órgãos de imprensa para apoiar as barbaridades cometidas pela ditadura. Só nos estertores do regime, quando já tinha dizimado as forças de esquerda e sofria forte desgaste, é que a famíglia Frias encampou a bandeira das Diretas-Já. A ditadura foi bastante funcional para a elite burguesa e Octávio Frias construiu seu império midiático à custa dela. Não dá para negar!
“Frias colaborou com a ditadura”
Quando do abjeto editorial da Folha qualificando de “ditabranda” a sanguinária ditadura militar, o jornalista Rodrigo Vianna, do blog “Escrevinhador”, publicou entrevista com Carlos Eugênio Paz, ex-dirigente da ANL e um dos personagens do filme “Cidadão Boilesen”. A conversa ajuda a desmentir a grotesca resposta do ombudsman da Folha. Reproduzo trechos da entrevista:
RV- Durante o período em que você esteve à frente da ALN (1970/1972), soube do envolvimento direto do Grupo Folha com a Oban e o DOI-CODI?
O Grupo Folha, que apoiou o golpe de estado de direita de 31 de março de 1964 desde suas primeiras horas – basta ver as manchetes, as reportagens e os editoriais da Folha de S.Paulo da época –, colaborou diretamente com a repressão política. Carros de suas publicações eram usados para disfarçar investigações e cercos e chegaram inclusive a transportar companheiros presos para o DOI-CODI. Agentes da Operação Bandeirantes serviam-se dos carros do grupo para transitarem sem serem identificados por nós como policiais.
RV- A ALN chegou queimar carros da Folha? Por quê?
Sim, a Ação Libertadora Nacional queimou vários carros da Folha como represália à participação do Grupo Folha no financiamento da repressão e o uso de seus carros na repressão direta. Ao fazer isso, o Grupo Folha, participando diretamente da guerra, era passível de sofrer as sanções e as represálias da guerra.
RV- A ALN chegou a elaborar lista com nomes dos principais financiadores da Oban? Quem estava nessa lista? Alguém ligado à "Folha" constava?
A ALN tinha conhecimento de vários financiadores da Oban. Entre eles estavam o senhor Frias, presidente do Grupo Folha, o presidente da Ultragaz, Henning Albert Boilesen, o presidente do Grupo Ultra, Peri Igel, o presidente do Bradesco, Amador Aguiar, o presidente da Fiesp, Theobaldo de Nigris, que inclusive cedia a sede desta entidade para reuniões arrecadatórias, e muitos outros. Havia provas cabais e contundentes. Uma amostra disso foi o justiçamento de Boilesen, que mesmo na época ficou claro ser um quadro do sistema repressivo. Hoje, com o filme "Cidadão Boilesen", de Chaim Litewski, fica mais ainda.
RV- Em seu livro “Viagem à luta armada”, você relata o caso de Solange (militante que foi torturada na OBAN, sobreviveu, e depois ajudou a reconhecer Boilesen como torturador). Você lembra algum militante de esquerda ter dado informações diretas, semelhantes às de Solange, sobre a presença de carros da "Folha" nas operações da Oban?
Lembro sim. Houve companheiros que, presos nas mãos do DOI-CODI, foram transportados em carros da Folha. Assim como fiz no caso da companheira Solange, reservo-me o direito de não citar seus nomes, por respeito a eles e às normas de segurança. Quero dizer que compreendo o desejo de sigilo por parte de todos os companheiros da ALN e sempre o respeitarei.
RV- Como avaliou o fato da Folha – que nunca se pronunciou sobre esses episódios nebulosos – ter se referido à ditadura como "ditabranda", em recente editorial?
O Grupo Folha apoiou o golpe de estado, financiou e participou diretamente da repressão e jamais fez autocrítica disso. Aliás, comportamento adotado pela direita brasileira em seu conjunto. Hoje falam de democracia como se tivessem sido democratas a vida inteira. Roberto Marinho, por ocasião de seu falecimento, foi saudado como um democrata, Frias também. Grupos econômicos que financiaram a repressão hoje saúdam a democracia. Um dos defensores e redatores do AI-5, o coronel Jarbas Passarinho, posa de tolerante e democrata.
Ao mesmo tempo, quando falamos de abrir os arquivos da ditadura, quando pedimos os corpos de nossos desaparecidos para que suas famílias possam, enfim, chorá-los e descansar, quando queremos saber como esses assassinatos foram perpetrados, muitas vozes se levantam nos acusando de revanchistas. O Grupo Folha está, quando fala de "ditabranda", onde sempre esteve, à direita da sociedade, e defende a ditadura. Talvez eles achem que se devesse, na época, ter cometido ainda mais e mais graves crimes contra o povo brasileiro.
O documentário prova, com entrevistas, fatos e nomes, que industriais e banqueiros financiaram a Oban. Boilesen foi além. Anticomunista sádico, ele se destacou por participar diretamente das sessões de tortura. Ele inventou até uma máquina capaz de controlar, com teclados, a intensidade dos choques elétricos. Em sua homenagem, o aparelho foi batizado de “pianola Boilesen” pelos carrascos torturadores. Em 15 de abril de 1971, o sádico empresário foi morto por militantes da Ação Libertadora Nacional (ANL) e do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT).
A resposta ridícula do ombudsman
Num dos trechos, o filme confirma o envolvimento direto do Grupo Folha nos anos de chumbo da ditadura. Indignado com a revelação, o procurador Renato Khair enviou carta ao ombudsman do jornal solicitando explicações. A mensagem não foi sequer publicada, mas merece ser lida:
“No ótimo documentário ‘Cidadão Boilesen’, de Chaim Litewski, há uma citação expressa de que este jornal teria colaborado diretamente com a Operação Bandeirantes (Oban), da ditadura militar. A ‘Folha’ teria cedido as suas caminhonetes aos membros da Oban, na repressão aos opositores da ditadura. É uma acusação grave e séria. Até agora, não vi nenhuma resposta da ‘Folha’, negando veementemente qualquer tipo de participação ou apoio ao regime militar. O mínimo que se espera é que se manifeste, seja para refutar ou para confirmar tais afirmações”.
A resposta do ombudsman, que também não apareceu nas páginas da Folha, foi ridícula: “Caro Sr. Renato, durante o período ditatorial, a direção da Folha não foi informada da utilização dos seus caminhões pelos órgãos de repressão. No entanto, investigações posteriores constataram que, de fato, alguns veículos do jornal foram usados por equipes do DOI-CODI. Esses atos foram praticados à revelia dos acionistas da empresa. Atenciosamente, Carlos Eduardo Lins da Silva”.
Ditadura funcional à famíglia Frias
O ombudsman, talvez para preservar o seu posto, parece desconhecer as ligações entre o dono do Grupo Folha, Octávio Frias de Oliveira, e o setor “linha dura” dos generais. Ele também não cita que os editoriais da Folha clamaram pelo golpe militar de 1964. Até parece que não leu o livro “Ditadura escancarada”, de Élio Gaspari, que hoje serve ao jornal e também resolveu silenciar sobre o seu apoio à “ditabranda”. Na página 395, ele afirma: “Carros da empresa [Folha] eram emprestados ao DOI, que os usava como cobertura para transportar presos na busca de ‘pontos’”.
É uma mentira grotesca afirmar que o apoio à ditadura “foi praticado à revelia dos acionistas da empresa”. Octávio Frias de Oliveira foi um dos mentores intelectuais do golpe militar e, durante anos, utilizou seus órgãos de imprensa para apoiar as barbaridades cometidas pela ditadura. Só nos estertores do regime, quando já tinha dizimado as forças de esquerda e sofria forte desgaste, é que a famíglia Frias encampou a bandeira das Diretas-Já. A ditadura foi bastante funcional para a elite burguesa e Octávio Frias construiu seu império midiático à custa dela. Não dá para negar!
“Frias colaborou com a ditadura”
Quando do abjeto editorial da Folha qualificando de “ditabranda” a sanguinária ditadura militar, o jornalista Rodrigo Vianna, do blog “Escrevinhador”, publicou entrevista com Carlos Eugênio Paz, ex-dirigente da ANL e um dos personagens do filme “Cidadão Boilesen”. A conversa ajuda a desmentir a grotesca resposta do ombudsman da Folha. Reproduzo trechos da entrevista:
RV- Durante o período em que você esteve à frente da ALN (1970/1972), soube do envolvimento direto do Grupo Folha com a Oban e o DOI-CODI?
O Grupo Folha, que apoiou o golpe de estado de direita de 31 de março de 1964 desde suas primeiras horas – basta ver as manchetes, as reportagens e os editoriais da Folha de S.Paulo da época –, colaborou diretamente com a repressão política. Carros de suas publicações eram usados para disfarçar investigações e cercos e chegaram inclusive a transportar companheiros presos para o DOI-CODI. Agentes da Operação Bandeirantes serviam-se dos carros do grupo para transitarem sem serem identificados por nós como policiais.
RV- A ALN chegou queimar carros da Folha? Por quê?
Sim, a Ação Libertadora Nacional queimou vários carros da Folha como represália à participação do Grupo Folha no financiamento da repressão e o uso de seus carros na repressão direta. Ao fazer isso, o Grupo Folha, participando diretamente da guerra, era passível de sofrer as sanções e as represálias da guerra.
RV- A ALN chegou a elaborar lista com nomes dos principais financiadores da Oban? Quem estava nessa lista? Alguém ligado à "Folha" constava?
A ALN tinha conhecimento de vários financiadores da Oban. Entre eles estavam o senhor Frias, presidente do Grupo Folha, o presidente da Ultragaz, Henning Albert Boilesen, o presidente do Grupo Ultra, Peri Igel, o presidente do Bradesco, Amador Aguiar, o presidente da Fiesp, Theobaldo de Nigris, que inclusive cedia a sede desta entidade para reuniões arrecadatórias, e muitos outros. Havia provas cabais e contundentes. Uma amostra disso foi o justiçamento de Boilesen, que mesmo na época ficou claro ser um quadro do sistema repressivo. Hoje, com o filme "Cidadão Boilesen", de Chaim Litewski, fica mais ainda.
RV- Em seu livro “Viagem à luta armada”, você relata o caso de Solange (militante que foi torturada na OBAN, sobreviveu, e depois ajudou a reconhecer Boilesen como torturador). Você lembra algum militante de esquerda ter dado informações diretas, semelhantes às de Solange, sobre a presença de carros da "Folha" nas operações da Oban?
Lembro sim. Houve companheiros que, presos nas mãos do DOI-CODI, foram transportados em carros da Folha. Assim como fiz no caso da companheira Solange, reservo-me o direito de não citar seus nomes, por respeito a eles e às normas de segurança. Quero dizer que compreendo o desejo de sigilo por parte de todos os companheiros da ALN e sempre o respeitarei.
RV- Como avaliou o fato da Folha – que nunca se pronunciou sobre esses episódios nebulosos – ter se referido à ditadura como "ditabranda", em recente editorial?
O Grupo Folha apoiou o golpe de estado, financiou e participou diretamente da repressão e jamais fez autocrítica disso. Aliás, comportamento adotado pela direita brasileira em seu conjunto. Hoje falam de democracia como se tivessem sido democratas a vida inteira. Roberto Marinho, por ocasião de seu falecimento, foi saudado como um democrata, Frias também. Grupos econômicos que financiaram a repressão hoje saúdam a democracia. Um dos defensores e redatores do AI-5, o coronel Jarbas Passarinho, posa de tolerante e democrata.
Ao mesmo tempo, quando falamos de abrir os arquivos da ditadura, quando pedimos os corpos de nossos desaparecidos para que suas famílias possam, enfim, chorá-los e descansar, quando queremos saber como esses assassinatos foram perpetrados, muitas vozes se levantam nos acusando de revanchistas. O Grupo Folha está, quando fala de "ditabranda", onde sempre esteve, à direita da sociedade, e defende a ditadura. Talvez eles achem que se devesse, na época, ter cometido ainda mais e mais graves crimes contra o povo brasileiro.
sexta-feira, 15 de janeiro de 2010
Direitos humanos e a gritaria da mídia
O terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), elaborado sob a coordenação do ministro Paulo Vannuchi, está gerando baita gritaria dos setores mais retrógrados da sociedade. Parece até que está em gestação uma santíssima aliança, composta por generais, latifundiários e barões da mídia, disposta a atazanar o governo Lula. Como notou o blogueiro Rodrigo Vianna, só falta a chamamento nos jornais, rádios e televisões para as famigeradas “Marchas com Deus, pela família e pela liberdade” para lembrar os preparativos do golpe militar de 1964.
Primeiro foram os chefes das forças armadas e o ministro da Justiça, o tucano infiltrado Nelson Jobim, que acusaram o plano de propor a apuração dos crimes cometidos pela ditadura. Depois, os arcaicos latifundiários, acostumados a usar trabalho escravo e infantil e a contratar jagunços para matar lideranças rurais, afirmaram que o programa discrimina o agronegócio. Já a cúpula da igreja católica, favorável aos dois itens anteriores, discordou de um ponto secundário, o veto ao uso de símbolos religiosos nos prédios públicos, esquecendo-se que o Brasil é um país laico.
Cheiro de oportunismo eleitoreiro
Agora, são os barões da mídia e seus colunistas de aluguel que erguem sua voz monocórdia para crucificar o plano. Nos editoriais dos jornalões e dos telejornais, ele é tachado de “autoritário”, de “atentar contra a liberdade de expressão” e ser o “primeiro passo para instituir uma ditadura” – logo eles que clamaram pelo golpe de 1964 e sustentaram o regime militar. Não há espaço para contestação nos veículos hegemônicos, inclusive nas emissoras privadas de radiodifusão – que, mais uma vez, desrespeitam o fato de que são concessões públicas e não bens particulares.
A baita gritaria é até estranha. Cheira oportunismo eleitoreiro num ano de sucessão presidencial. Afinal, o PNDH-3 foi debatido durante vários meses, envolveu centenas de entidades populares e distintos partidos políticos, e teve as suas linhas mestras aprovadas na Conferencia Nacional dos Direitos Humanos, em dezembro de 2008. Na ocasião, as confrarias dos barões da mídia – Abert, teleguiada pela TV Globo; ANJ, comandada pela “ditabranda” da Folha; e ANER, liderada pela golpista revista Veja – foram omissas. Preferiram, como sempre, fugir do debate democrático.
Nada contra o amiguinho FHC
Além disso, e o que é mais estranho, esta é a oitava conferência de direitos humanos. Na sétima, ocorrida em 2002, as empresas de radiodifusão já foram criticadas por estimular à violência; nela nasceu a campanha “quem financia a baixaria é contra a cidadania”. E este é o terceiro plano de direitos humanos. Antes dele, outros dois viraram decretos presidenciais e não mereceram tanto barulho. O decreto nº 1.904, assinado em 13 de maio de 1996, também procurou regulamentar o que está inscrito como princípio na Constituição Federal de 1988. Entre outros itens, ele decidiu:
“Propor a alteração na legislação existente sobre faixa etária”; “criar um sistema de avaliação permanente sobre critérios de classificação indicativa”; “promover o mapeamento de programas radiofônicos e televisivos que estimulem a apologia do crime, da violência, da tortura, das discriminações, do racismo, da ação de grupos de extermínio, de grupos paramilitares e da pena de morte, com vista a identificar responsáveis e adotar medidas legais pertinentes”. Já o decreto nº 4.229, de 13 de maio de 2002, reafirmou as indicações anteriores e acrescentou outras duas:
“Garantir a possibilidade de fiscalização da programação das emissoras de rádio e televisão, com vistas a assegurar o controle social sobre os meios de comunicação e a penalizar, na forma da lei, as empresas que veicularem programação ou publicidade atentatória aos direitos humanos; coibir a utilização de recursos públicos, inclusive de bancos oficiais, fundações, empresas públicas e de economia mista, para patrocinar eventos e programas que estimulem a prática de violência”.
Decreto deve sair do papel
É certo que FHC era e é amiguinho dos barões da mídia. É certo, ainda, que a maioria dos itens inscritos nos decretos presidenciais nunca saiu do papel. Mesmo assim, eles foram publicados no Diário Oficial. O decreto de 2002 falava até em “controle social dos meios de comunicação”, o que tira o sono dos empresários. Mas, no passado, não houve a baita gritaria contra a “censura” e o “autoritarismo estatal”. Já no governo Lula, tudo é que progressista vira alvo da fúria patronal. Os barões da mídia temem que a lei vire algo concreto, que deixe de ser peça de decoração.
No caso da classificação indicativa, prevista nos dois decretos de FHC, ela só mereceu solução legal por meio da edição da portaria nº 1.100, de 14 de julho de 2006, que regulamentou o seu exercício em diversões públicas, e da portaria nº 1.220, de 11 de julho de 2007, que definiu os critérios para as obras audiovisuais destinadas à televisão e congêneres. A mídia hegemônica fez de tudo para barrar esta iniciativa do governo Lula. A TV Globo até acionou seus artistas globais para bombardear, em propagandas caríssimas, a classificação indicativa.
Medidas ousadas do PNDH-3
Agora, os barões da mídia temem que PNDH-3, que adquiriu formato legal no decreto nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009, seja aplicado de fato. No geral, ele mantém a mesma orientação dos dois decretos anteriores, mas avança ao indicar meios para sua aplicação e fixar responsáveis. É isto, juntamente com o discurso eleitoreiro, que apavora os empresários. Como aponta Rogério Tavares, em excelente artigo no Observatório da Imprensa, “o maior mérito do decreto 7.037 é o de apontar caminhos institucionais mais definidos para a execução das ações que recomenda”.
Entre outras medidas ousadas, que atendem a históricas demandas dos movimentos sociais que lutam contra ditadura midiática e incorporam propostas aprovadas na 1ª Conferencia Nacional de Comunicação, realizada em dezembro passado, o decreto propõe:
- “Criação de marco legal regulamentando o artigo 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos direitos humanos nos serviços de radiodifusão concedidos, permitidos ou autorizados, como condição para sua outorga e renovação, prevendo penalidades administrativas como advertência, multa, suspensão da programação e cassação, de acordo com a gravidade das violações praticadas”;
- “Suspender patrocínio e publicidade oficial em meios que veiculam programações atentatórias aos direitos humanos”;
- “Elaborar critérios de acompanhamento editorial a fim de criar um ranking nacional de veículos de comunicação comprometidos com os princípios dos direitos humanos, assim como dos que cometem violações”;
- “Avançar na regularização das rádios comunitárias e promover incentivos para que se afirmem como instrumentos permanentes de diálogo com as comunidades locais”.
Além disso, o decreto recomenda “inserir a Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados na discussão sobre outorga e renovação das concessões públicas”; que o “Ministério Público assegure aplicação de mecanismos de punição aos veículos de comunicação, autores e empresas concessionárias”; “fomentar a criação e acessibilidade de Observatórios Sociais destinados a acompanhar a cobertura da mídia em direitos humanos”; “apoiar e desenvolver programas de formação em comunicação e direitos humanos para comunicadores comunitários”.
Violadores contumazes dos direitos humanos
Uma leitura honesta, sem as manipulações midiáticas, comprova que o decreto é civilizador e garante a defesa dos mais elementares direitos humanos. Ele não tem nada de autoritário. “No mundo todo, em um estado democrático de direito, liberdade de expressão que atente contra os direitos humanos não é liberdade de expressão. É infração constitucional e, em alguns casos, também é crime regulado pelo Direito Penal. Assim deve ser tratada”, afirma Rogério Tavares.
No mesmo rumo, o professor Laurindo Lalo Leal Filho critica a gritaria da mídia. “É só se falar em algum tipo de ação da sociedade para evitar os abusos freqüentemente cometidos pelos meios de comunicação que seus controladores, imediatamente, pulam... Isto ocorre porque programas veiculados diariamente por grande parte das emissoras de rádio e TV do Brasil são violadores contumazes dos direitos humanos. Basta ver como são tratados os negros nas telenovelas, os homossexuais nos programas de auditório e os pobres nos espetáculos policialescos”.
Urgência da pressão social
Além do objetivo eleitoral, de palanque da oposição demo-tucana, a gritaria dos barões da mídia visa fazer o governo Lula recuar da sua proposta – como parece já ocorrer no ponto da punição aos torturadores. Ao sabotarem a 1ª Confecom, Abert, ANJ e ANER esperavam inviabilizá-la e não conseguiram. Tiveram que assistir a comemoração dos movimentos sociais com as vitórias arrancadas. Agora, tentarão implodir o PNDH-3. Somente com muita pressão social será possível manter a essência do plano e colocá-lo em prática, assim como bancar as decisões da Confecom.
Como afirma Michelle Prazeres, num texto publicado no sítio Direito à Comunicação, “o PNDH transforma em propostas concretas algumas reivindicações históricas e algumas práticas bem sucedidas do movimento de comunicação. Sabemos que se trata de um plano. E sabemos que os planos precisam de muita mobilização e acompanhamento para sair do papel... Que 2010 seja um ano de lutas e conquistas para o movimento de comunicação. O plano aponta neste sentido”.
Primeiro foram os chefes das forças armadas e o ministro da Justiça, o tucano infiltrado Nelson Jobim, que acusaram o plano de propor a apuração dos crimes cometidos pela ditadura. Depois, os arcaicos latifundiários, acostumados a usar trabalho escravo e infantil e a contratar jagunços para matar lideranças rurais, afirmaram que o programa discrimina o agronegócio. Já a cúpula da igreja católica, favorável aos dois itens anteriores, discordou de um ponto secundário, o veto ao uso de símbolos religiosos nos prédios públicos, esquecendo-se que o Brasil é um país laico.
Cheiro de oportunismo eleitoreiro
Agora, são os barões da mídia e seus colunistas de aluguel que erguem sua voz monocórdia para crucificar o plano. Nos editoriais dos jornalões e dos telejornais, ele é tachado de “autoritário”, de “atentar contra a liberdade de expressão” e ser o “primeiro passo para instituir uma ditadura” – logo eles que clamaram pelo golpe de 1964 e sustentaram o regime militar. Não há espaço para contestação nos veículos hegemônicos, inclusive nas emissoras privadas de radiodifusão – que, mais uma vez, desrespeitam o fato de que são concessões públicas e não bens particulares.
A baita gritaria é até estranha. Cheira oportunismo eleitoreiro num ano de sucessão presidencial. Afinal, o PNDH-3 foi debatido durante vários meses, envolveu centenas de entidades populares e distintos partidos políticos, e teve as suas linhas mestras aprovadas na Conferencia Nacional dos Direitos Humanos, em dezembro de 2008. Na ocasião, as confrarias dos barões da mídia – Abert, teleguiada pela TV Globo; ANJ, comandada pela “ditabranda” da Folha; e ANER, liderada pela golpista revista Veja – foram omissas. Preferiram, como sempre, fugir do debate democrático.
Nada contra o amiguinho FHC
Além disso, e o que é mais estranho, esta é a oitava conferência de direitos humanos. Na sétima, ocorrida em 2002, as empresas de radiodifusão já foram criticadas por estimular à violência; nela nasceu a campanha “quem financia a baixaria é contra a cidadania”. E este é o terceiro plano de direitos humanos. Antes dele, outros dois viraram decretos presidenciais e não mereceram tanto barulho. O decreto nº 1.904, assinado em 13 de maio de 1996, também procurou regulamentar o que está inscrito como princípio na Constituição Federal de 1988. Entre outros itens, ele decidiu:
“Propor a alteração na legislação existente sobre faixa etária”; “criar um sistema de avaliação permanente sobre critérios de classificação indicativa”; “promover o mapeamento de programas radiofônicos e televisivos que estimulem a apologia do crime, da violência, da tortura, das discriminações, do racismo, da ação de grupos de extermínio, de grupos paramilitares e da pena de morte, com vista a identificar responsáveis e adotar medidas legais pertinentes”. Já o decreto nº 4.229, de 13 de maio de 2002, reafirmou as indicações anteriores e acrescentou outras duas:
“Garantir a possibilidade de fiscalização da programação das emissoras de rádio e televisão, com vistas a assegurar o controle social sobre os meios de comunicação e a penalizar, na forma da lei, as empresas que veicularem programação ou publicidade atentatória aos direitos humanos; coibir a utilização de recursos públicos, inclusive de bancos oficiais, fundações, empresas públicas e de economia mista, para patrocinar eventos e programas que estimulem a prática de violência”.
Decreto deve sair do papel
É certo que FHC era e é amiguinho dos barões da mídia. É certo, ainda, que a maioria dos itens inscritos nos decretos presidenciais nunca saiu do papel. Mesmo assim, eles foram publicados no Diário Oficial. O decreto de 2002 falava até em “controle social dos meios de comunicação”, o que tira o sono dos empresários. Mas, no passado, não houve a baita gritaria contra a “censura” e o “autoritarismo estatal”. Já no governo Lula, tudo é que progressista vira alvo da fúria patronal. Os barões da mídia temem que a lei vire algo concreto, que deixe de ser peça de decoração.
No caso da classificação indicativa, prevista nos dois decretos de FHC, ela só mereceu solução legal por meio da edição da portaria nº 1.100, de 14 de julho de 2006, que regulamentou o seu exercício em diversões públicas, e da portaria nº 1.220, de 11 de julho de 2007, que definiu os critérios para as obras audiovisuais destinadas à televisão e congêneres. A mídia hegemônica fez de tudo para barrar esta iniciativa do governo Lula. A TV Globo até acionou seus artistas globais para bombardear, em propagandas caríssimas, a classificação indicativa.
Medidas ousadas do PNDH-3
Agora, os barões da mídia temem que PNDH-3, que adquiriu formato legal no decreto nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009, seja aplicado de fato. No geral, ele mantém a mesma orientação dos dois decretos anteriores, mas avança ao indicar meios para sua aplicação e fixar responsáveis. É isto, juntamente com o discurso eleitoreiro, que apavora os empresários. Como aponta Rogério Tavares, em excelente artigo no Observatório da Imprensa, “o maior mérito do decreto 7.037 é o de apontar caminhos institucionais mais definidos para a execução das ações que recomenda”.
Entre outras medidas ousadas, que atendem a históricas demandas dos movimentos sociais que lutam contra ditadura midiática e incorporam propostas aprovadas na 1ª Conferencia Nacional de Comunicação, realizada em dezembro passado, o decreto propõe:
- “Criação de marco legal regulamentando o artigo 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos direitos humanos nos serviços de radiodifusão concedidos, permitidos ou autorizados, como condição para sua outorga e renovação, prevendo penalidades administrativas como advertência, multa, suspensão da programação e cassação, de acordo com a gravidade das violações praticadas”;
- “Suspender patrocínio e publicidade oficial em meios que veiculam programações atentatórias aos direitos humanos”;
- “Elaborar critérios de acompanhamento editorial a fim de criar um ranking nacional de veículos de comunicação comprometidos com os princípios dos direitos humanos, assim como dos que cometem violações”;
- “Avançar na regularização das rádios comunitárias e promover incentivos para que se afirmem como instrumentos permanentes de diálogo com as comunidades locais”.
Além disso, o decreto recomenda “inserir a Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados na discussão sobre outorga e renovação das concessões públicas”; que o “Ministério Público assegure aplicação de mecanismos de punição aos veículos de comunicação, autores e empresas concessionárias”; “fomentar a criação e acessibilidade de Observatórios Sociais destinados a acompanhar a cobertura da mídia em direitos humanos”; “apoiar e desenvolver programas de formação em comunicação e direitos humanos para comunicadores comunitários”.
Violadores contumazes dos direitos humanos
Uma leitura honesta, sem as manipulações midiáticas, comprova que o decreto é civilizador e garante a defesa dos mais elementares direitos humanos. Ele não tem nada de autoritário. “No mundo todo, em um estado democrático de direito, liberdade de expressão que atente contra os direitos humanos não é liberdade de expressão. É infração constitucional e, em alguns casos, também é crime regulado pelo Direito Penal. Assim deve ser tratada”, afirma Rogério Tavares.
No mesmo rumo, o professor Laurindo Lalo Leal Filho critica a gritaria da mídia. “É só se falar em algum tipo de ação da sociedade para evitar os abusos freqüentemente cometidos pelos meios de comunicação que seus controladores, imediatamente, pulam... Isto ocorre porque programas veiculados diariamente por grande parte das emissoras de rádio e TV do Brasil são violadores contumazes dos direitos humanos. Basta ver como são tratados os negros nas telenovelas, os homossexuais nos programas de auditório e os pobres nos espetáculos policialescos”.
Urgência da pressão social
Além do objetivo eleitoral, de palanque da oposição demo-tucana, a gritaria dos barões da mídia visa fazer o governo Lula recuar da sua proposta – como parece já ocorrer no ponto da punição aos torturadores. Ao sabotarem a 1ª Confecom, Abert, ANJ e ANER esperavam inviabilizá-la e não conseguiram. Tiveram que assistir a comemoração dos movimentos sociais com as vitórias arrancadas. Agora, tentarão implodir o PNDH-3. Somente com muita pressão social será possível manter a essência do plano e colocá-lo em prática, assim como bancar as decisões da Confecom.
Como afirma Michelle Prazeres, num texto publicado no sítio Direito à Comunicação, “o PNDH transforma em propostas concretas algumas reivindicações históricas e algumas práticas bem sucedidas do movimento de comunicação. Sabemos que se trata de um plano. E sabemos que os planos precisam de muita mobilização e acompanhamento para sair do papel... Que 2010 seja um ano de lutas e conquistas para o movimento de comunicação. O plano aponta neste sentido”.
quinta-feira, 14 de janeiro de 2010
Mídia agourenta se inspira no Chile
Ainda é cedo para prever o resultado do segundo turno da eleição presidencial no Chile, marcada para 17 de janeiro. O postulante da direita, o megaempresário Sebastián Piñera, está à frente das pesquisas. Diante do risco de retrocesso, colunistas da mídia e intelectuais demo-tucanos já põem as suas garrinhas de fora para analisar os motivos da sonhada derrota do candidato da presidente Michele Bachelet e para tirar conclusões precipitadas sobre a sucessão presidencial no Brasil.
Eles comemoram o fato de que a popularidade não se transfere mecanicamente – nem Chile nem no Brasil. Bachelet tem o apoio de mais de 75% da população e não conseguiu emplacar a vitória da sua aliança, a Concertación. Lula, que bate recordes de popularidade, também teria as mesmas dificuldades, apostam os neoliberais de plantão. Outra comparação saudada é que no país vizinho a esquerda saiu rachada e a direita uniu suas forças. Por isso, os demo-tucanos sonham tanto com as candidaturas de Ciro Gomes, Marina Silva e Heloisa Helena. Querem repetir a tática chilena.
Particularidades de cada país
O estrategista chinês Sun Tzu, no livro “A arte da guerra”, já ensinou que “se você não conhece nem o inimigo nem a si próprio, perderá todas as batalhas”. Neste sentido, é bom prestar atenção à tática do bloco brasileiro conversador-neoliberal. Ela tem certa consistência. De fato, não é tão simples transferir votos. Isto não se dá automaticamente. Depende do carisma da candidata, das alianças forjadas, da plataforma eleitoral, entre outros quesitos. Além disso, a tendência é que as forças de esquerda e centro-esquerda saiam divididas na batalha sucessória de outubro próximo.
Mas apenas isto não justifica o otimismo agourento dos demo-tucanos. Para a sua tristeza, cada país tem suas peculiaridades. No Chile, a Concertación já está no poder desde 1989, desde o fim da ditadura de Augusto Pinochet. No geral, ela manteve o programa econômico neoliberal e não promoveu maiores mudanças políticas e sociais. A aliança centrista sofre, portanto, um natural desgaste. No Brasil, a situação é diferente. O bloco popular-democrático que sustenta Lula está há pouco tempo no governo e não é visto, pela maioria do povo, como força conservadora. Além disso, a oposição de direita não está tão unida assim – que o digam Aécio Neves e José Serra.
“Expressão maior do pinochetismo”
De toda forma, qualquer que seja o resultado das eleições no Chile, ele dará muito que falar. O susto da presidente Michele Bachelet é evidente. No primeiro turno, em 13 de dezembro, o seu candidato, Eduardo Frei, obteve 29,6% dos votos, contra 44,05% do direitista Sebastián Piñera – uma distância folgada. Já o jovem Marco Enríquez-Ominami, de centro esquerda, teve 20,13%, e o candidato apoiado pelo Partido Comunista ficou com 6,21% dos votos. O PC e outras forças já anunciaram apoio critico a Eduardo Frei, mas o risco de retrocesso no Chile é preocupante.
O que incomoda na cobertura da mídia e no otimismo dos tucanos, alguns que inclusive viveram o terror do regime de Augusto Pinochet, é o silêncio sobre o que significaria a vitória de Piñera. Como alerta Gustavo de Mello, num excelente texto na Carta Maior, ele é a maior “expressão do pinochetismo”; freqüentou os porões da ditadura. O seu irmão, José Piñera, ministro de Pinochet, foi o criador da Administração dos Fundos de Pensões (AFP), que entregou ao capital privado os recursos dos chilenos; bancou a Lei Mineira, que isentou de impostos as multinacionais; e, como ministro do Trabalho, foi autor do Plano Laboral, que precarizou os direitos trabalhistas no país.
Fortuna nas sombras da ditadura
Na sombra do regime sanguinário, Sebastián Piñera fez fortuna. Hoje é dono de várias empresas, inclusive no ramo das comunicações. Boa parte desta riqueza foi construída com base em fraudes no sistema financeiro, segundo denúncias de autoridades da própria ditadura. Monica Madariaga, ex-ministra da Justiça, confirmou recentemente que Piñera teve ordem de prisão decretada pelas fraudes cometidas no Banco de Talca e por crimes contra a Lei Geral de Bancos.
Num artigo bastante equilibrado, Manuel Cabieses, editor da revista chilena Punto Final, adverte para os riscos da eleição de Sebastián Piñera em 17 de janeiro. Ele é taxativo na sua conclusão: “A perigosa situação interna e regional que se criaria com a vitória da direita no Chile legitima a necessidade de se bloquear esta manobra das oligarquias. A realidade indica que não há outro caminho que votar em Eduardo Frei... E pôr-se a trabalhar por uma alternativa de esquerda que permita a libertação da arapuca do ‘mal menor’”. Reproduzo abaixo trechos da sua análise:
Aliado do narcoterrorista Uribe
É certo que, no plano da economia, salvo terminar de privatizar o que ainda não privatizaram a ditadura e a Concertación, um governo de Piñera não se diferenciaria muito de um de Frei. Mas haveria mudanças regressivas em outros âmbitos. Por exemplo, em direitos humanos. Ele ditaria uma anistia para os militares já condenados ou interromperia os processos de outros criminosos e torturadores. No terreno sindical, ele imporia a flexibilização trabalhista e outras medidas para debilitar o movimento dos trabalhadores. A repressão à luta social seria ainda mais dura. Por trás de uma pretensa defesa da “segurança cidadã”, se levantaria um Estado policial.
Piñera se declara admirador do governo da Colômbia e de seus métodos. Visitou a Colômbia em julho de 2008 e percorreu esse país no avião presidencial, acompanhando Álvaro Uribe e do então ministro da Defesa, José Manuel Santos, hoje candidato presidencial. Em outubro passado, Santos enviou ao Chile três membros de seu comando de campanha, Juan Carlos Echeverry, Tomás González e Santiago Rojas, para estudar a campanha e o estilo de Piñera. “Os problemas no Chile e na Colômbia não são tão distintos. Ambos os países estão preocupados com a segurança cidadã e o gasto social em saúde e educação”, declarou um dos assessores de Santos.
O governo de Uribe gerou o mais delicado problema que hoje enfrenta a América Latina ao firmar com os EUA um acordo que submete a soberania colombiana para permitir a instalação de sete bases militares norte-americanas. Se Piñera for eleito presidente, alinhará o Chile com a Colômbia e outros países da região que arriaram a bandeira da dignidade latino-americana. Uma perigosa tendência que vem ganhando força a partir do golpe de Estado em Honduras e que busca configurar um bloco contra Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador e Nicarágua, os países da Aliança Bolivariana dos Povos da América (ALBA).
Eles comemoram o fato de que a popularidade não se transfere mecanicamente – nem Chile nem no Brasil. Bachelet tem o apoio de mais de 75% da população e não conseguiu emplacar a vitória da sua aliança, a Concertación. Lula, que bate recordes de popularidade, também teria as mesmas dificuldades, apostam os neoliberais de plantão. Outra comparação saudada é que no país vizinho a esquerda saiu rachada e a direita uniu suas forças. Por isso, os demo-tucanos sonham tanto com as candidaturas de Ciro Gomes, Marina Silva e Heloisa Helena. Querem repetir a tática chilena.
Particularidades de cada país
O estrategista chinês Sun Tzu, no livro “A arte da guerra”, já ensinou que “se você não conhece nem o inimigo nem a si próprio, perderá todas as batalhas”. Neste sentido, é bom prestar atenção à tática do bloco brasileiro conversador-neoliberal. Ela tem certa consistência. De fato, não é tão simples transferir votos. Isto não se dá automaticamente. Depende do carisma da candidata, das alianças forjadas, da plataforma eleitoral, entre outros quesitos. Além disso, a tendência é que as forças de esquerda e centro-esquerda saiam divididas na batalha sucessória de outubro próximo.
Mas apenas isto não justifica o otimismo agourento dos demo-tucanos. Para a sua tristeza, cada país tem suas peculiaridades. No Chile, a Concertación já está no poder desde 1989, desde o fim da ditadura de Augusto Pinochet. No geral, ela manteve o programa econômico neoliberal e não promoveu maiores mudanças políticas e sociais. A aliança centrista sofre, portanto, um natural desgaste. No Brasil, a situação é diferente. O bloco popular-democrático que sustenta Lula está há pouco tempo no governo e não é visto, pela maioria do povo, como força conservadora. Além disso, a oposição de direita não está tão unida assim – que o digam Aécio Neves e José Serra.
“Expressão maior do pinochetismo”
De toda forma, qualquer que seja o resultado das eleições no Chile, ele dará muito que falar. O susto da presidente Michele Bachelet é evidente. No primeiro turno, em 13 de dezembro, o seu candidato, Eduardo Frei, obteve 29,6% dos votos, contra 44,05% do direitista Sebastián Piñera – uma distância folgada. Já o jovem Marco Enríquez-Ominami, de centro esquerda, teve 20,13%, e o candidato apoiado pelo Partido Comunista ficou com 6,21% dos votos. O PC e outras forças já anunciaram apoio critico a Eduardo Frei, mas o risco de retrocesso no Chile é preocupante.
O que incomoda na cobertura da mídia e no otimismo dos tucanos, alguns que inclusive viveram o terror do regime de Augusto Pinochet, é o silêncio sobre o que significaria a vitória de Piñera. Como alerta Gustavo de Mello, num excelente texto na Carta Maior, ele é a maior “expressão do pinochetismo”; freqüentou os porões da ditadura. O seu irmão, José Piñera, ministro de Pinochet, foi o criador da Administração dos Fundos de Pensões (AFP), que entregou ao capital privado os recursos dos chilenos; bancou a Lei Mineira, que isentou de impostos as multinacionais; e, como ministro do Trabalho, foi autor do Plano Laboral, que precarizou os direitos trabalhistas no país.
Fortuna nas sombras da ditadura
Na sombra do regime sanguinário, Sebastián Piñera fez fortuna. Hoje é dono de várias empresas, inclusive no ramo das comunicações. Boa parte desta riqueza foi construída com base em fraudes no sistema financeiro, segundo denúncias de autoridades da própria ditadura. Monica Madariaga, ex-ministra da Justiça, confirmou recentemente que Piñera teve ordem de prisão decretada pelas fraudes cometidas no Banco de Talca e por crimes contra a Lei Geral de Bancos.
Num artigo bastante equilibrado, Manuel Cabieses, editor da revista chilena Punto Final, adverte para os riscos da eleição de Sebastián Piñera em 17 de janeiro. Ele é taxativo na sua conclusão: “A perigosa situação interna e regional que se criaria com a vitória da direita no Chile legitima a necessidade de se bloquear esta manobra das oligarquias. A realidade indica que não há outro caminho que votar em Eduardo Frei... E pôr-se a trabalhar por uma alternativa de esquerda que permita a libertação da arapuca do ‘mal menor’”. Reproduzo abaixo trechos da sua análise:
Aliado do narcoterrorista Uribe
É certo que, no plano da economia, salvo terminar de privatizar o que ainda não privatizaram a ditadura e a Concertación, um governo de Piñera não se diferenciaria muito de um de Frei. Mas haveria mudanças regressivas em outros âmbitos. Por exemplo, em direitos humanos. Ele ditaria uma anistia para os militares já condenados ou interromperia os processos de outros criminosos e torturadores. No terreno sindical, ele imporia a flexibilização trabalhista e outras medidas para debilitar o movimento dos trabalhadores. A repressão à luta social seria ainda mais dura. Por trás de uma pretensa defesa da “segurança cidadã”, se levantaria um Estado policial.
Piñera se declara admirador do governo da Colômbia e de seus métodos. Visitou a Colômbia em julho de 2008 e percorreu esse país no avião presidencial, acompanhando Álvaro Uribe e do então ministro da Defesa, José Manuel Santos, hoje candidato presidencial. Em outubro passado, Santos enviou ao Chile três membros de seu comando de campanha, Juan Carlos Echeverry, Tomás González e Santiago Rojas, para estudar a campanha e o estilo de Piñera. “Os problemas no Chile e na Colômbia não são tão distintos. Ambos os países estão preocupados com a segurança cidadã e o gasto social em saúde e educação”, declarou um dos assessores de Santos.
O governo de Uribe gerou o mais delicado problema que hoje enfrenta a América Latina ao firmar com os EUA um acordo que submete a soberania colombiana para permitir a instalação de sete bases militares norte-americanas. Se Piñera for eleito presidente, alinhará o Chile com a Colômbia e outros países da região que arriaram a bandeira da dignidade latino-americana. Uma perigosa tendência que vem ganhando força a partir do golpe de Estado em Honduras e que busca configurar um bloco contra Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador e Nicarágua, os países da Aliança Bolivariana dos Povos da América (ALBA).
quarta-feira, 13 de janeiro de 2010
Golpe “hondurenho” ronda o Paraguai
Desde o final do ano passado, crescem os rumores de que um golpe ronda o vizinho Paraguai. O presidente Fernando Lugo, adepto da “teologia da libertação” e batizado pelo povo de “bispo dos pobres”, enfrenta intensa resistência no Legislativo, onde seus aliados estão em franca minoria, e assiste sucessivas crises entres os poderes. No início de 2010, nova crise institucional se instalou com a recondução aos seus cargos de dois ex-ministros do Supremo Tribunal. Aproveitando-se da briga entre o Legislativo e Judiciário, as forças direitistas tentam retornar ao governo central.
A ofensiva lembra muito o golpe de junho passado em Honduras. Para depor o presidente eleito democraticamente, que encerrou décadas de domínio oligárquico no Paraguai, a direita procura dar uma fachada de “legalidade” ao golpe de estado. As suas lideranças nem escondem mais este objetivo. Falam abertamente em promover um “hondurazo”. Em recente entrevista à Rádio Nacional, da Argentina, o senador Alfredo Luís Jaeggli, do Partido Liberal, defendeu a abertura do processo de impeachment contra Lugo. Vale conferir trechos desta descarada entrevista golpista:
Defesa declarada do “hondurazo”
RN: Por que a necessidade de forçar uma situação para impedir que um presidente termine o mandato?
ALJ: Olhe, o Paraguai é o único país, junto com Haiti e Cuba, que não fez uma reforma modernizadora. Vocês tiveram sua modernização, vocês sabem, com o governo de Menem. O Brasil teve também. O Uruguai também. A Bolívia também, mas desgraçadamente teve uma involução. Já o Paraguai permanece como nos anos 50. As instituições estão totalmente obsoletas. Necessitamos de reformas modernas e este é um dos problemas que apresenta o presidente Lugo...
RN: E o presidente Lugo é um obstáculo para esta modernização?
ALJ: Sim, sim, sim, assim como estou te dizendo...
RN: Então o melhor é afastá-lo e colocar no lugar dele o vice-presidente [Federico] Franco, que poderia impulsionar a modernização?
ALJ: Pelo menos é isso que eu penso e a idéia de muitos outros. Nós não podemos andar para trás, nós temos que impulsionar uma revolução. Nós tivemos 60 anos de ditadura, de castigo, de vandalismo. Nós temos que democratizar, tornar esse país atraente para investidores externos...
RN: Algo similar ao que ocorreu em Honduras: afastar Zelaya para o capital se sentir mais seguro para investir?
ALJ: Olhe, eu também tenho minhas idéias que são diferentes das de vocês a respeito do que aconteceu em Honduras. Eu sou parte da Fundação Liberdade, e essa fundação é parte da Fundação Naumann. O presidente hondurenho assumiu a presidência com um modelo liberal e logo o traiu indo para o caminho do socialismo do século XXI. Desculpem-me, mas, para mim, o que ocorreu em Honduras foi totalmente legal.
RN: Mas tem que haver uma razão. Você poderia enunciar quais são as razões?
ALJ: A primeira razão é que este pobre país não tem nenhuma mudança e com este senhor possivelmente vamos andar para trás ao invés de termos uma revolução. O que este senhor quer é liquidar os partidos e dar o poder para as organizações sociais. O que ele quer é apresentar como uma panacéia o socialismo do século XXI e para a grande maioria na Câmara dos Deputados e na Câmara dos Senadores, das quais somos representantes eleitos, isso não é assim. Nós temos que fazer o contrário de tudo isso.
Nós não estamos gostando do que está ocorrendo na Bolívia, na Venezuela e tampouco na Argentina, vamos ser honestos. Um pouco menos na Nicarágua, segundo nos parece. Podemos estar equivocados, mas os índices econômicos da Bolívia e da Venezuela estão muito pior do que antes. Então o que queremos é evitar isso, porque aqui a pobreza é extrema, temos que fazer esse país avançar. Temos que conseguir que haja indústrias, investimentos, crescimento econômico, democratizar, abrir o país, e este senhor quer exatamente o contrário...
RN: Em que países da América Latina esses planos de orientação liberal diminuíram a pobreza?
ALJ: No Chile. Que lhe parece? Não está de acordo comigo? Ou você acredita que foram os socialistas no Chile que fizeram a economia crescer. Eles não mudaram sequer a legislação trabalhista chilena. Essa legislação ainda é a de Pinochet. O que acha disso?
RN: Chama a atenção, senador, que você não mencionou a conduta pessoal do presidente Lugo e sabe que eu faço essa pergunta porque sou mulher...
ALJ: Olhe, honestamente lhe digo que sou muito prático e muito sincero. Se Lugo tivesse tido a conduta moral que teve, mas tivesse feito as reformas que foram feitas no Chile, não veria problemas. Simples assim.
Urgência da solidariedade internacional
Como se observa nesta asquerosa entrevista, as forças oligárquicas do Paraguai estão decididas a derrubar Fernando Lugo para impor “reformas modernizadoras”, nos moldes do ditador Augusto Pinochet e dos presidentes neoliberais Carlos Menem e FHC. Para elas, Honduras é o exemplo a seguir para barrar o “socialismo do século XXI”. Na avaliação destas forças antidemocráticas, de caráter fascista, o presidente Fernando Lugo coloca em risco os privilégios da oligarquia. Numa entrevista ao jornal argentino Página 12, o secretário-geral do Partido Comunista do Paraguai, Najeeb Amado, e o líder camponês Ernesto Benítez alertaram para o risco iminente do golpe.
Para eles, as recorrentes crises institucionais, forjadas pelas elites e amplificadas pela mídia, têm fragilizado o presidente eleito. Sua sustentação parlamentar também estaria declinando de modo acelerado. A ampla coalizão que apoiou Lugo se desfez. Desde o início do governo, ele enfrenta absoluto bloqueio à execução do seu programa. Propôs a reforma agrária, mas até o esforço para identificar o latifúndio improdutivo é acusado de “subversivo”. A crise institucional criada no Supremo serviu, agora, para unificar as forças oligárquicas, que partem para a ofensiva golpista.
O sítio Opera Mundi observa que a situação de Lugo é delicada. “O ex-presidente da República, Nicanor Duarte, do Partido Colorado, e o líder da UNACE, general Lino Oviedo, acusaram Lugo de estar por trás de uma manobra política. A posição é acompanhada por alguns aliados do vice-presidente, Federico Franco, que vive em constante conflito com Lugo... Alguns deputados já disseram que as forças armadas poderiam ir às ruas e outros que era possível um ‘hondurazo’... Tudo indica que Lugo, que terminou 2009 com polêmicos casos de paternidade, com relação ruim com o Congresso e sob ameaças de impeachment, deverá ter um 2010 bastante difícil”.
A ofensiva lembra muito o golpe de junho passado em Honduras. Para depor o presidente eleito democraticamente, que encerrou décadas de domínio oligárquico no Paraguai, a direita procura dar uma fachada de “legalidade” ao golpe de estado. As suas lideranças nem escondem mais este objetivo. Falam abertamente em promover um “hondurazo”. Em recente entrevista à Rádio Nacional, da Argentina, o senador Alfredo Luís Jaeggli, do Partido Liberal, defendeu a abertura do processo de impeachment contra Lugo. Vale conferir trechos desta descarada entrevista golpista:
Defesa declarada do “hondurazo”
RN: Por que a necessidade de forçar uma situação para impedir que um presidente termine o mandato?
ALJ: Olhe, o Paraguai é o único país, junto com Haiti e Cuba, que não fez uma reforma modernizadora. Vocês tiveram sua modernização, vocês sabem, com o governo de Menem. O Brasil teve também. O Uruguai também. A Bolívia também, mas desgraçadamente teve uma involução. Já o Paraguai permanece como nos anos 50. As instituições estão totalmente obsoletas. Necessitamos de reformas modernas e este é um dos problemas que apresenta o presidente Lugo...
RN: E o presidente Lugo é um obstáculo para esta modernização?
ALJ: Sim, sim, sim, assim como estou te dizendo...
RN: Então o melhor é afastá-lo e colocar no lugar dele o vice-presidente [Federico] Franco, que poderia impulsionar a modernização?
ALJ: Pelo menos é isso que eu penso e a idéia de muitos outros. Nós não podemos andar para trás, nós temos que impulsionar uma revolução. Nós tivemos 60 anos de ditadura, de castigo, de vandalismo. Nós temos que democratizar, tornar esse país atraente para investidores externos...
RN: Algo similar ao que ocorreu em Honduras: afastar Zelaya para o capital se sentir mais seguro para investir?
ALJ: Olhe, eu também tenho minhas idéias que são diferentes das de vocês a respeito do que aconteceu em Honduras. Eu sou parte da Fundação Liberdade, e essa fundação é parte da Fundação Naumann. O presidente hondurenho assumiu a presidência com um modelo liberal e logo o traiu indo para o caminho do socialismo do século XXI. Desculpem-me, mas, para mim, o que ocorreu em Honduras foi totalmente legal.
RN: Mas tem que haver uma razão. Você poderia enunciar quais são as razões?
ALJ: A primeira razão é que este pobre país não tem nenhuma mudança e com este senhor possivelmente vamos andar para trás ao invés de termos uma revolução. O que este senhor quer é liquidar os partidos e dar o poder para as organizações sociais. O que ele quer é apresentar como uma panacéia o socialismo do século XXI e para a grande maioria na Câmara dos Deputados e na Câmara dos Senadores, das quais somos representantes eleitos, isso não é assim. Nós temos que fazer o contrário de tudo isso.
Nós não estamos gostando do que está ocorrendo na Bolívia, na Venezuela e tampouco na Argentina, vamos ser honestos. Um pouco menos na Nicarágua, segundo nos parece. Podemos estar equivocados, mas os índices econômicos da Bolívia e da Venezuela estão muito pior do que antes. Então o que queremos é evitar isso, porque aqui a pobreza é extrema, temos que fazer esse país avançar. Temos que conseguir que haja indústrias, investimentos, crescimento econômico, democratizar, abrir o país, e este senhor quer exatamente o contrário...
RN: Em que países da América Latina esses planos de orientação liberal diminuíram a pobreza?
ALJ: No Chile. Que lhe parece? Não está de acordo comigo? Ou você acredita que foram os socialistas no Chile que fizeram a economia crescer. Eles não mudaram sequer a legislação trabalhista chilena. Essa legislação ainda é a de Pinochet. O que acha disso?
RN: Chama a atenção, senador, que você não mencionou a conduta pessoal do presidente Lugo e sabe que eu faço essa pergunta porque sou mulher...
ALJ: Olhe, honestamente lhe digo que sou muito prático e muito sincero. Se Lugo tivesse tido a conduta moral que teve, mas tivesse feito as reformas que foram feitas no Chile, não veria problemas. Simples assim.
Urgência da solidariedade internacional
Como se observa nesta asquerosa entrevista, as forças oligárquicas do Paraguai estão decididas a derrubar Fernando Lugo para impor “reformas modernizadoras”, nos moldes do ditador Augusto Pinochet e dos presidentes neoliberais Carlos Menem e FHC. Para elas, Honduras é o exemplo a seguir para barrar o “socialismo do século XXI”. Na avaliação destas forças antidemocráticas, de caráter fascista, o presidente Fernando Lugo coloca em risco os privilégios da oligarquia. Numa entrevista ao jornal argentino Página 12, o secretário-geral do Partido Comunista do Paraguai, Najeeb Amado, e o líder camponês Ernesto Benítez alertaram para o risco iminente do golpe.
Para eles, as recorrentes crises institucionais, forjadas pelas elites e amplificadas pela mídia, têm fragilizado o presidente eleito. Sua sustentação parlamentar também estaria declinando de modo acelerado. A ampla coalizão que apoiou Lugo se desfez. Desde o início do governo, ele enfrenta absoluto bloqueio à execução do seu programa. Propôs a reforma agrária, mas até o esforço para identificar o latifúndio improdutivo é acusado de “subversivo”. A crise institucional criada no Supremo serviu, agora, para unificar as forças oligárquicas, que partem para a ofensiva golpista.
O sítio Opera Mundi observa que a situação de Lugo é delicada. “O ex-presidente da República, Nicanor Duarte, do Partido Colorado, e o líder da UNACE, general Lino Oviedo, acusaram Lugo de estar por trás de uma manobra política. A posição é acompanhada por alguns aliados do vice-presidente, Federico Franco, que vive em constante conflito com Lugo... Alguns deputados já disseram que as forças armadas poderiam ir às ruas e outros que era possível um ‘hondurazo’... Tudo indica que Lugo, que terminou 2009 com polêmicos casos de paternidade, com relação ruim com o Congresso e sob ameaças de impeachment, deverá ter um 2010 bastante difícil”.
terça-feira, 12 de janeiro de 2010
Casoy e Gandra: CCC e Opus Dei unidos
O “âncora” da TV Bandeirantes, Boris Casoy, resolveu assumir de vez o seu direitismo raivoso. Depois de humilhar os garis que desejaram feliz ano novo - “Que merda. Dois lixeiros desejando felicidades... do alto de suas vassouras... Dois lixeiros... O mais baixo da escala do trabalho” – e de receber uma bateria de duras críticas, ele decidiu radicalizar as suas posições. Nesta semana, Casoy acionou o jurista Ives Gandra, notório militante da seita fundamentalista Opus Dei, para falar sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos, de autoria do ministro Paulo Vannuchi.
Logo na abertura do Jornal da Band, o âncora, que é metido a dono da verdade, dá a sua opinião tendenciosa. “O novo decreto de direitos humanos do governo é criticado pela sociedade e até por ministros de estado. A lei estabelece censura aos meios de comunicação, é contra o direito de propriedade e de liberdade religiosa. Especialistas consideram o projeto o primeiro passo para um regime ditatorial”. Casoy mente descaradamente ao tratar plano como uma imposição autoritária do presidente, já que ele será debatido no parlamento. Quanto aos tais especialistas, ele ouve somente uma “personalidade” ligada à ditadura, ao latifúndio e aos setores mais reacionários da sociedade.
Visão tendenciosa e eleitoreira
Na sequência, um narrador em off reforça a visão preconceituosa e mentirosa. “A nova lei que o presidente Lula assinou sem ler passou pelo crivo direto da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, virtual candidata do PT à presidência da República, e dos ministros da Justiça, Tarso Genro, da Comunicação, Franklin Martins, e dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi. É um emaranhado de artigos e parágrafos que muitas vezes ataca a Constituição”. O objetivo, nesta narração, é nitidamente eleitoreiro, como palanque do tucano José Serra, o candidato da mídia hegemônica.
Criado o cenário para o desgaste do governo, o repórter Sandro Barboza inicia a entrevista com “um dos mais conceituados juristas internacionais”, Ives Gandra. O “jornalista”, que também não esconde suas posições direitistas nas perguntas, apenas deixa de informar aos telespectadores que o bajulado especialista participou da campanha presidencial de Geraldo Alckmin (o tucano que é seguidor do Opus Dei) e defende tudo o que é há de mais retrógrado e conservador na sociedade brasileira. Apesar da ânsia de vômito, vale à pena conhecer a grotesca “entrevista”:
As idéias de um direitista convicto
Jornal da Band: O projeto prevê que o proprietário rural que tiver uma fazenda invadida não poderá mais recorrer ao Judiciário.
Gandra: O que eles tão pretendendo é dar direito àquele que invadir qualquer terra fazer com que uma vez que for invadido o direito de propriedade deixa de ser do proprietário, passa a ser do invasor.
JB: A lei quer evitar a divulgação de símbolos religiosos.
Gandra: Se não pode mais haver símbolos religiosos nós temos que mudar o nome da cidade de São Paulo e todas as cidades que tem nomes de santos não poderão mais ter.
JB: Será criada uma comissão para controlar o conteúdo dos meios de comunicação.
Gandra: No momento em que se elimina a liberdade de imprensa nós estamos perante efetivamente o início de uma ditadura.
JB: Um novo imposto sobre grandes fortunas seria instituído.
Gandra: É um imposto que afasta investimentos porque aquele que formou um patrimônio depois é tributado em todas as operações e ainda vai ser tributado no seu patrimônio pessoal.
JB: As prostitutas contariam com direitos trabalhistas e carteira assinada.
Gandra: Isso não é profissão. Na prática o verdadeiro direito humano é tirar essas moças de onde elas estão e dar profissões dignas a elas.
JB: Os responsáveis pelas torturas durante a ditadura militar seriam julgados. Já os guerrilheiros que também torturaram ficariam livres de qualquer punição.
Gandra: Torturador de esquerda é um santo. Torturador de direita é um demônio. É um decreto preparatório para um regime ditatorial.
O novo “comando do terror”
Com mais esta “reporcagem” no seu currículo, Boris Casoy elimina qualquer ilusão sobre a sua neutralidade e imparcialidade jornalística. O blog Cloaca News, inclusive, conseguiu descobrir a revista Cruzeiro, de 9 de novembro de 1968, que denunciou Casoy como ativista do Comando de Caça aos Comunistas (CCC). Tem até a foto dele mais jovem. Intitulada “CCC ou comando do terror”, a matéria comprova que este agrupamento promoveu vários atentados terroristas nos anos 1960/1970, inclusive contra os artistas do Teatro Roda Vida e contra os estudantes da USP.
Agora, o âncora fecha o ciclo e se une ao Opus Dei para criar um novo “comando do terror”. Para quem não conhece esta seita religiosa, reproduzo trechos de três artigos de minha autoria:
O Opus Dei (do latim, Obra de Deus) foi fundado em outubro de 1928, na Espanha, pelo padre Josemaría Escrivá. O jovem sacerdote de 26 anos diz ter recebido a “iluminação divina” durante a sua clausura num mosteiro de Madri. Preocupado com o avanço das esquerdas no país, este excêntrico religioso, visto pelos amigos de batina como um “fanático e doente mental”, decidiu montar uma organização ultra-secreta para interferir nos rumos da Espanha. Segundo as suas palavras, ela seria “uma injeção intravenosa na corrente sanguínea da sociedade”, infiltrando-se em todos os poros de poder. Deveria reunir bispos e padres, mas, principalmente, membros laicos, que não usassem hábitos monásticos ou qualquer tipo de identificação.
Reconhecida oficialmente pelo Vaticano em 1947, esta seita logo se tornou um contraponto ao avanço das idéias progressistas na Igreja. Em 1962, o papa João 23 convocou o Concílio Vaticano II, que marca uma viragem na postura da Igreja, aproximando-a dos anseios populares. No seu fanatismo, Escrivá não acatou a mudança. Criticou o fim da missa rezada em latim, com os padres de costas para os fiéis, e a abolição do Index Librorum Prohibitorum, dogma obscurantista do século 16 que listava livros “perigosos” e proibia sua leitura pelos fiéis. “Este concílio, minhas filhas, é o concílio do diabo”, garantiu Escrivá para alguns seguidores, segundo relato do jornalista Emílio Corbiere no livro “Opus Dei: El totalitarismo católico”.
O poder no Vaticano
Josemaría Escrivá faleceu em 1975. Mas o Opus Dei se manteve e adquiriu maior projeção com a guinada direitista do Vaticano a partir da nomeação do papa polonês João Paulo II. Para o teólogo espanhol Juan Acosta, “a relação entre Karol Wojtyla e o Opus Dei atingiu o seu êxito nos anos 80-90, com a irresistível acessão da Obra à cúpula do Vaticano, a partir de onde interveio ativamente no processo de reestruturação da Igreja Católica sob o protagonismo do papa e a orientação do cardeal alemão Ratzinger”. Em 1982, a seita foi declarada “prelazia pessoal” – a única existente até hoje –, o que no Direito Canônico significa que ela só presta contas ao papa, que só obedece ao prelado (cargo vitalício hoje ocupado por dom Javier Echevarría) e que seus adeptos não se submetem aos bispos e dioceses, gozando de total autonomia.
O ápice do Opus Dei ocorreu em outubro de 2002, quando o seu fundador foi canonizado pelo papa numa cerimônia que reuniu 350 mil simpatizantes na Praça São Pedro, no Vaticano. A meteórica canonização de Josemaría Escrivá, que durou apenas dez anos, quando geralmente este processo demora décadas e até séculos, gerou fortes críticas de diferentes setores católicos. Muitos advertiram que o Opus Dei estava se tornando uma “igreja dentro da Igreja”. Lembraram um alerta do líder jesuíta Vladimir Ledochowshy que, num memorando ao papa, denunciou a seita pelo “desejo secreto de dominar o mundo”. Apesar da reação, o papa João Paulo II e seu principal teólogo, Joseph Ratzinger, ex-chefe da repressora Congregação para Doutrina da Fé e atual papa Beto 16, não vacilaram em dar maiores poderes ao Opus Dei.
Vários estudos garantem que esta relação privilegiada decorreu de razões políticas e econômicas. No livro “O mundo secreto do Opus Dei”, o jornalista canadense Robert Hutchinson afirma que esta organização acumula uma fortuna de 400 bilhões de dólares e que financiou o sindicato Solidariedade, na Polônia, que teve papel central na débâcle do bloco soviético nos anos 90. O complô explicaria a sólida amizade com o papa, que era polonês e um visceral anticomunista. Já Henrique Magalhães, numa excelente pesquisa na revista A Nova Democracia, confirma o anticomunismo de Wojtyla e relata que “fontes da Igreja Católica atribuem o poder da Obra a quitação da dívida do Banco Ambrosiano, fraudulentamente falido em 1982”.
O vínculo com os fascistas
Além do rigoroso fundamentalismo religioso, o Opus Dei sempre se alinhou aos setores mais direitistas e fascistas. Durante a Guerra Civil Espanhola, deflagrada em 1936, Escrivá deu ostensivo apoio ao general golpista Francisco Franco contra o governo republicano legitimamente eleito. Temendo represálias, ele se asilou na embaixada de Honduras, depois se internou num manicômio, “fingindo-se de louco”, antes de fugir para a França. Só retornou à Espanha após a vitória dos golpistas. Desde então, firmou sólidos laços com o ditador sanguinário Francisco Franco. “O Opus Dei praticamente se fundiu ao Estado espanhol, ao qual forneceu inúmeros ministros e dirigentes de órgãos governamentais”, afirma Henrique Magalhães.
Há também fortes indícios de que Josemaría Escrivá nutria simpatias por Adolf Hitler e pelo nazismo. De forma simulada, advogava as idéias racistas e defendia a violência. Na máxima 367 do livro Caminho, ele afirma que seus fiéis “são belos e inteligentes” e devem olhar aos demais como “inferiores e animais”. Na máxima 643, ensina que a meta “é ocupar cargos e ser um movimento de domínio mundial”. Na máxima 311, ele escancara: “A guerra tem uma finalidade sobrenatural... Mas temos, ao final, de amá-la, como o religioso deve amar suas disciplinas”. Em 1992, um ex-membro do Opus Dei revelou o que este havia lhe dito: “Hitler foi maltratado pela opinião pública. Jamais teria matado 6 milhões de judeus. No máximo, foram 4 milhões”. Outra numerária, Diane DiNicola, garantiu: “Escrivá, com toda certeza, era fascista”.
Escrivá até tentou negar estas relações. Mas, no seu processo de ascensão no Vaticano, ele contou com a ajuda de notórios nazistas. Como descreve a jornalista Maria Amaral, num artigo à revista Caros Amigos, “ao se mudar para Roma, ele estimulou ainda mais as acusações de ser simpático aos regimes autoritários, já que as suas primeiras vitórias no sentido de estabelecer o Opus Dei com estrutura eclesiástica capaz de abrigar leigos e ordenar sacerdotes se deram durante o pontificado do papa Pio XII, por meio do cardeal Eugenio Pacelli, responsável por controverso acordo da Igreja com Hitler”. Outro texto, assinado por um grupo de católicas peruanas, garante que a seita “recrutou adeptos para a organização fascista ‘Jovem Europa’, dirigida por militantes nazistas e com vínculos com o fascismo italiano e espanhol”.
Pouco antes de morrer, Josemaría Escrivá realizou uma “peregrinação” pela América Latina. Ele sempre considerou o continente fundamental para sua seita e para os negócios espanhóis. Na região, o Opus Dei apoiou abertamente várias ditaduras. No Chile, participou do regime terrorista de Augusto Pinochet. O principal ideólogo do ditador, Jaime Guzmá, era membro ativo da seita, assim como centenas de quadros civis e militares. Na Argentina, numerários foram nomeados ministros da ditadura. No Peru, a seita deu sustentação ao corrupto e autoritário Alberto Fujimori. No México, ajudou a eleger como presidente seu antigo aliado, Miguel de La Madri, que extinguiu a secular separação entre o Estado e a Igreja Católica.
Infiltração na mídia
Para semear as suas idéias religiosas e políticas de forma camuflada, Escrivá logo percebeu a importância estratégica dos meios de comunicação. Ele mesmo gostava de dizer que “temos de embrulhar o mundo em papel-jornal”. Para isso, contou com a ajuda da ditadura franquista para a construção da Universidade de Navarra, que possuí um orçamento anual de 240 milhões de euros. Jornalistas do mundo inteiro são formados nos cursos de pós-graduação desta instituição. O Opus Dei exerce hoje forte influência sobre a mídia. Um relatório confidencial entregue ao Vaticano em 1979 pelo sucessor de Escrivá revelou que a influência da seita se estendia por “479 universidades e escolas secundárias, 604 revistas ou jornais, 52 estações de rádio ou televisões, 38 agências de publicidade e 12 produtores e distribuidoras de filmes”.
Na América Latina, a seita controla o jornal El Observador (Uruguai) e tem peso nos jornais El Mercúrio (Chile), La Nación (Argentina) e O Estado de S.Paulo. Segundo várias denúncias, ela dirige a Sociedade Interamericana de Imprensa, braço da direita na mídia hemisférica. No Brasil, a Universidade de Navarra é comandada por Carlos Alberto di Franco, numerário e articulista do Estadão, responsável pela lavagem cerebral semanal de Geraldo Alckmin nas famosas “palestras do Morumbi”. Segundo a revista Época, seu “programa de capacitação de editores já formou mais de 200 cargos de chefia dos principais jornais do país”. O mesmo artigo confirma que “o jornalista Carlos Alberto Di Franco circula com desenvoltura nas esferas de poder, especialmente na imprensa e no círculo íntimo do governador Geraldo Alckmin”.
O veterano jornalista Alberto Dines, do Observatório da Imprensa, há muito denuncia a sinistra relação do Opus Dei com a mídia nacional. Num artigo intitulado “Estranha conversão da Folha”, critica seu “visível crescimento na imprensa brasileira. A Folha de S.Paulo parecia resistir à dominação, mas capitulou”. No mesmo artigo, garante que a seita “já tomou conta da Associação Nacional de Jornais (ANJ)”, que reúne os principais monopólios da mídia do país. Para ele, a seita não visa a “salvação das almas desgarradas. É um projeto de poder, de dominação dos meios de comunicação. E um projeto desta natureza não é nem poderia ser democrático. A conversão da Folha é uma opção estratégica, política e ideológica”.
A “santa máfia”
Durante seus longos anos de atuação nos bastidores do poder, o Opus Dei constituiu uma enorme fortuna, usada para bancar seus projetos reacionários – inclusive seus planos eleitorais. Os recursos foram obtidos com a ajuda de ditadores e o uso de máquinas públicas. “O Opus Dei se infiltrou e parasitou no aparato burocrático do Estado espanhol, ocupando postos-chaves. Constituiu um império econômico graças aos favores nas largas décadas da ditadura franquista, onde vários gabinetes ministeriáveis foram ocupados integralmente por seus membros, que ditaram leis para favorecer os interesses da seita e se envolveram em vários casos de corrupção, malversação e práticas imorais”, acusa um documento de católico do Peru.
A seita também acumulou riquezas através da doação obrigatória de heranças dos numerários e do dizimo dos supernumerários e simpatizantes infiltrados em governos e corporações empresariais. Com a ofensiva neoliberal dos anos 90, a privatização das estatais virou outra fonte de receitas. Poderosas multinacionais espanholas beneficiadas por este processo, como os bancos Santander e Bilbao Biscaia, a Telefônica e empresa de petróleo Repsol, tem no seu corpo gerencial adeptos do Opus.
Para católicos mais críticos, que rotulam a seita de “santa máfia”, esta fortuna também deriva de negócios ilícitos. Conforme denuncia Henrique Magalhães, “além da dimensão religiosa e política, o Opus Dei tem uma terceira face: da sociedade secreta de cunho mafioso. Em seus estatutos secretos, redigidos em 1950 e expostos em 1986, a Obra determina que ‘os membros numerários e supernumerários saibam que devem observar sempre um prudente silêncio sobre os nomes dos outros associados e que não deverão revelar nunca a ninguém que eles próprios pertencem ao Opus Dei’. Inimiga jurada da Maçonaria, ela copia sua estrutura fechada, o que frequentemente serve para encobrir atos criminosos”.
O jornalista Emílio Corbiere cita os casos de fraude e remessa ilegal de divisas das empresas espanholas Matesa e Rumasa, em 1969, que financiaram a Universidade de Navarra. Há também a suspeita do uso de bancos espanhóis na lavagem de dinheiro do narcotráfico e da máfia russa. O Opus Dei esteve envolvido na falência fraudulenta do banco Comercial (pertencente ao jornal El Observador) e do Crédito Provincial (Argentina). Neste país, os responsáveis pela privatização da petrolífera YPF e das Aerolineas Argentinas, compradas por grupos espanhóis, foram denunciados por escândalos de corrupção, mas foram absolvidos pela Suprema Corte, dirigida por Antonio Boggiano, outro membro da Opus Dei. No ano retrasado, outro numerário do Opus Dei, o banqueiro Gianmario Roveraro, esteve envolvido na quebra da Parlamat.
“A Internacional Conservadora”
O escritor estadunidense Dan Brown, autor do best seller “O Código da Vinci”, não vacila em acusar esta seita de ser um partido de fanáticos religiosos com ramificações pelo mundo. O Opus Dei teria cerca de 80 milhões de fiéis, muitos deles em cargos-chaves em governos, na mídia e em multinacionais. Henrique Magalhães garante que a “Obra é vanguarda das tendências mais conservadoras da Igreja Católica”. Num livro feito sob encomenda pelo Opus Dei, o vaticanista John Allen confessa este poderio. Ele admite que a seita possui um patrimônio de US$ 2,8 bilhões – incluindo uma luxuosa sede de US$ 60 milhões em Manhattan – e que esta fortuna serve para manter as suas instituições de fachada, como a Heights School, em Washington, onde estudam os filhos dos congressistas do Partido Republicano de George W.Bush.
Numa reportagem que tenta limpar a barra do Opus Dei, a própria revista Superinteressante, da suspeita Editora Abril, reconhece o enorme influência política desta seita. E conclui: “No Brasil, um dos políticos mais ligados à Obra é o candidato a presidente Geraldo Alckmin, que em seus tempos de governador de São Paulo costumava assistir a palestras sobre doutrina cristã ministradas por numerários e a se confessar com um padre do Opus Dei. Alckmin, porém, nega fazer parte da ordem”. Como se observa, o candidato segue à risca um dos principais ensinamentos do fascista Josemaría Escrivá: “Acostuma-se a dizer não”.
Os tentáculos no Brasil
No Brasil, o Opus Dei fincou a sua primeira raiz em 1957, na cidade de Marília, no interior paulista, com a fundação de dois centros. Em 1961, dada à importância da filial, a seita deslocou o numerário espanhol Xavier Ayala, segundo na hierarquia. “Doutor Xavier, como gostava de ser chamado, embora fosse padre, pisou em solo brasileiro com a missão de fortalecer a ala conservadora da Igreja. Às vésperas do Concílio Vaticano II, o clero progressista da América Latina clamava pelo retorno às origens revolucionárias do cristianismo e à ‘opção pelos pobres’, fundamentos da Teologia da Libertação”, explica Marina Amaral na revista Caros Amigos.
Ainda segundo seu relato, “aos poucos, o Opus Dei foi encontrando seus aliados na direita universitária... Entre os primeiros estavam dois jovens promissores: Ives Gandra Martins e Carlos Alberto Di Franco, o primeiro simpático ao monarquismo e candidato derrotado a deputado; o segundo, um secundarista do Colégio Rio Branco, dos rotarianos do Brasil. Ives começou a freqüentar as reuniões do Opus Dei em 1963; Di Franco ‘apitou’ (pediu para entrar) em 1965. Hoje, a organização diz ter no país pouco mais de três mil membros e cerca de quarenta centros, onde moram aproximadamente seiscentos numerários”.
Crescimento na ditadura
Durante a ditadura, a seita também concentrou sua atuação no meio jurídico, o que rende frutos até hoje. O promotor aposentado e ex-deputado Hélio Bicudo revela ter sido assediado duas vezes por juízes fiéis à organização. O expoente nesta fase foi José Geraldo Rodrigues Alckmin, nomeado ministro do STF pelo ditador Garrastazu Médici em 1972, e tio do atual presidenciável. Até os anos 70, porém, o poder do Opus Dei era embrionário. Tinha quadros em posições importantes, mas sem atuação coordenada. Além disso, dividia com a Tradição, Família e Propriedade (TFP) as simpatias dos católicos de extrema direita.
Seu crescimento dependeu da benção dos generais golpistas e dos vínculos com poderosas empresas. Ives Gandra e Di Franco viraram os seus “embaixadores”, relacionando-se com donos da mídia, políticos de direita, bispos e empresários. É desta fase a construção da sua estrutura de fachada – Colégio Catamarã (SP), Casa do Moinho (Cotia) e Editora Quadrante. Ela também criou uma ONG para arrecadar fundos: OSUC (Obras Sociais, Universitárias e Culturais). Esta recebe até hoje doações do Itaú, Bradesco, GM e Citigroup. Confrontado com esta denúncia, Lizandro Carmona, da OSUC, implorou à jornalista Marina Amaral: “Pelo amor de Deus, não vá escrever que empresas como o Itaú doam dinheiro ao Opus Dei”.
Ofensiva recente na região
Na fase recente, o Opus Dei está excitado, com planos ousados para conquistar maior poder político na América Latina. Em abril de 2002, a seita participou ativamente do frustrado golpe contra o presidente Hugo Chávez, na Venezuela. Um dos seus seguidores, José Rodrigues Iturbe, foi nomeado ministro das Relações Exteriores do fugaz governo golpista. A embaixada da Espanha, governada na época pelo neo-franquista Partido Popular (PP), de José Maria Aznar – cuja esposa é do Opus Dei –, deu guarita aos seus fiéis. Outro golpista ligado à seita, Gustavo Cisneiros, é megaempresário das telecomunicações no país.
Em dezembro do ano passado, o Opus Dei assistiu a derrota do seu candidato, Joaquim Laví, ex-assessor do ditador Augusto Pinochet, à presidência do Chile. Já em maio deste ano, colheu uma nova derrota com a candidatura de Lourdes Flores, declarada numerária do partido Unidade Nacional. Em compensação, a seita comemorou a vitória do narco-terrorista Álvaro Uribe na Colômbia, que também dispôs de milhões de dólares do governo George Bush. Já no México, outro conhecido simpatizante do Opus Dei, Felipe Calderon, ex-executivo da Coca-Cola, venceu uma das eleições mais fraudulentas da história deste país.
Logo na abertura do Jornal da Band, o âncora, que é metido a dono da verdade, dá a sua opinião tendenciosa. “O novo decreto de direitos humanos do governo é criticado pela sociedade e até por ministros de estado. A lei estabelece censura aos meios de comunicação, é contra o direito de propriedade e de liberdade religiosa. Especialistas consideram o projeto o primeiro passo para um regime ditatorial”. Casoy mente descaradamente ao tratar plano como uma imposição autoritária do presidente, já que ele será debatido no parlamento. Quanto aos tais especialistas, ele ouve somente uma “personalidade” ligada à ditadura, ao latifúndio e aos setores mais reacionários da sociedade.
Visão tendenciosa e eleitoreira
Na sequência, um narrador em off reforça a visão preconceituosa e mentirosa. “A nova lei que o presidente Lula assinou sem ler passou pelo crivo direto da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, virtual candidata do PT à presidência da República, e dos ministros da Justiça, Tarso Genro, da Comunicação, Franklin Martins, e dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi. É um emaranhado de artigos e parágrafos que muitas vezes ataca a Constituição”. O objetivo, nesta narração, é nitidamente eleitoreiro, como palanque do tucano José Serra, o candidato da mídia hegemônica.
Criado o cenário para o desgaste do governo, o repórter Sandro Barboza inicia a entrevista com “um dos mais conceituados juristas internacionais”, Ives Gandra. O “jornalista”, que também não esconde suas posições direitistas nas perguntas, apenas deixa de informar aos telespectadores que o bajulado especialista participou da campanha presidencial de Geraldo Alckmin (o tucano que é seguidor do Opus Dei) e defende tudo o que é há de mais retrógrado e conservador na sociedade brasileira. Apesar da ânsia de vômito, vale à pena conhecer a grotesca “entrevista”:
As idéias de um direitista convicto
Jornal da Band: O projeto prevê que o proprietário rural que tiver uma fazenda invadida não poderá mais recorrer ao Judiciário.
Gandra: O que eles tão pretendendo é dar direito àquele que invadir qualquer terra fazer com que uma vez que for invadido o direito de propriedade deixa de ser do proprietário, passa a ser do invasor.
JB: A lei quer evitar a divulgação de símbolos religiosos.
Gandra: Se não pode mais haver símbolos religiosos nós temos que mudar o nome da cidade de São Paulo e todas as cidades que tem nomes de santos não poderão mais ter.
JB: Será criada uma comissão para controlar o conteúdo dos meios de comunicação.
Gandra: No momento em que se elimina a liberdade de imprensa nós estamos perante efetivamente o início de uma ditadura.
JB: Um novo imposto sobre grandes fortunas seria instituído.
Gandra: É um imposto que afasta investimentos porque aquele que formou um patrimônio depois é tributado em todas as operações e ainda vai ser tributado no seu patrimônio pessoal.
JB: As prostitutas contariam com direitos trabalhistas e carteira assinada.
Gandra: Isso não é profissão. Na prática o verdadeiro direito humano é tirar essas moças de onde elas estão e dar profissões dignas a elas.
JB: Os responsáveis pelas torturas durante a ditadura militar seriam julgados. Já os guerrilheiros que também torturaram ficariam livres de qualquer punição.
Gandra: Torturador de esquerda é um santo. Torturador de direita é um demônio. É um decreto preparatório para um regime ditatorial.
O novo “comando do terror”
Com mais esta “reporcagem” no seu currículo, Boris Casoy elimina qualquer ilusão sobre a sua neutralidade e imparcialidade jornalística. O blog Cloaca News, inclusive, conseguiu descobrir a revista Cruzeiro, de 9 de novembro de 1968, que denunciou Casoy como ativista do Comando de Caça aos Comunistas (CCC). Tem até a foto dele mais jovem. Intitulada “CCC ou comando do terror”, a matéria comprova que este agrupamento promoveu vários atentados terroristas nos anos 1960/1970, inclusive contra os artistas do Teatro Roda Vida e contra os estudantes da USP.
Agora, o âncora fecha o ciclo e se une ao Opus Dei para criar um novo “comando do terror”. Para quem não conhece esta seita religiosa, reproduzo trechos de três artigos de minha autoria:
O Opus Dei (do latim, Obra de Deus) foi fundado em outubro de 1928, na Espanha, pelo padre Josemaría Escrivá. O jovem sacerdote de 26 anos diz ter recebido a “iluminação divina” durante a sua clausura num mosteiro de Madri. Preocupado com o avanço das esquerdas no país, este excêntrico religioso, visto pelos amigos de batina como um “fanático e doente mental”, decidiu montar uma organização ultra-secreta para interferir nos rumos da Espanha. Segundo as suas palavras, ela seria “uma injeção intravenosa na corrente sanguínea da sociedade”, infiltrando-se em todos os poros de poder. Deveria reunir bispos e padres, mas, principalmente, membros laicos, que não usassem hábitos monásticos ou qualquer tipo de identificação.
Reconhecida oficialmente pelo Vaticano em 1947, esta seita logo se tornou um contraponto ao avanço das idéias progressistas na Igreja. Em 1962, o papa João 23 convocou o Concílio Vaticano II, que marca uma viragem na postura da Igreja, aproximando-a dos anseios populares. No seu fanatismo, Escrivá não acatou a mudança. Criticou o fim da missa rezada em latim, com os padres de costas para os fiéis, e a abolição do Index Librorum Prohibitorum, dogma obscurantista do século 16 que listava livros “perigosos” e proibia sua leitura pelos fiéis. “Este concílio, minhas filhas, é o concílio do diabo”, garantiu Escrivá para alguns seguidores, segundo relato do jornalista Emílio Corbiere no livro “Opus Dei: El totalitarismo católico”.
O poder no Vaticano
Josemaría Escrivá faleceu em 1975. Mas o Opus Dei se manteve e adquiriu maior projeção com a guinada direitista do Vaticano a partir da nomeação do papa polonês João Paulo II. Para o teólogo espanhol Juan Acosta, “a relação entre Karol Wojtyla e o Opus Dei atingiu o seu êxito nos anos 80-90, com a irresistível acessão da Obra à cúpula do Vaticano, a partir de onde interveio ativamente no processo de reestruturação da Igreja Católica sob o protagonismo do papa e a orientação do cardeal alemão Ratzinger”. Em 1982, a seita foi declarada “prelazia pessoal” – a única existente até hoje –, o que no Direito Canônico significa que ela só presta contas ao papa, que só obedece ao prelado (cargo vitalício hoje ocupado por dom Javier Echevarría) e que seus adeptos não se submetem aos bispos e dioceses, gozando de total autonomia.
O ápice do Opus Dei ocorreu em outubro de 2002, quando o seu fundador foi canonizado pelo papa numa cerimônia que reuniu 350 mil simpatizantes na Praça São Pedro, no Vaticano. A meteórica canonização de Josemaría Escrivá, que durou apenas dez anos, quando geralmente este processo demora décadas e até séculos, gerou fortes críticas de diferentes setores católicos. Muitos advertiram que o Opus Dei estava se tornando uma “igreja dentro da Igreja”. Lembraram um alerta do líder jesuíta Vladimir Ledochowshy que, num memorando ao papa, denunciou a seita pelo “desejo secreto de dominar o mundo”. Apesar da reação, o papa João Paulo II e seu principal teólogo, Joseph Ratzinger, ex-chefe da repressora Congregação para Doutrina da Fé e atual papa Beto 16, não vacilaram em dar maiores poderes ao Opus Dei.
Vários estudos garantem que esta relação privilegiada decorreu de razões políticas e econômicas. No livro “O mundo secreto do Opus Dei”, o jornalista canadense Robert Hutchinson afirma que esta organização acumula uma fortuna de 400 bilhões de dólares e que financiou o sindicato Solidariedade, na Polônia, que teve papel central na débâcle do bloco soviético nos anos 90. O complô explicaria a sólida amizade com o papa, que era polonês e um visceral anticomunista. Já Henrique Magalhães, numa excelente pesquisa na revista A Nova Democracia, confirma o anticomunismo de Wojtyla e relata que “fontes da Igreja Católica atribuem o poder da Obra a quitação da dívida do Banco Ambrosiano, fraudulentamente falido em 1982”.
O vínculo com os fascistas
Além do rigoroso fundamentalismo religioso, o Opus Dei sempre se alinhou aos setores mais direitistas e fascistas. Durante a Guerra Civil Espanhola, deflagrada em 1936, Escrivá deu ostensivo apoio ao general golpista Francisco Franco contra o governo republicano legitimamente eleito. Temendo represálias, ele se asilou na embaixada de Honduras, depois se internou num manicômio, “fingindo-se de louco”, antes de fugir para a França. Só retornou à Espanha após a vitória dos golpistas. Desde então, firmou sólidos laços com o ditador sanguinário Francisco Franco. “O Opus Dei praticamente se fundiu ao Estado espanhol, ao qual forneceu inúmeros ministros e dirigentes de órgãos governamentais”, afirma Henrique Magalhães.
Há também fortes indícios de que Josemaría Escrivá nutria simpatias por Adolf Hitler e pelo nazismo. De forma simulada, advogava as idéias racistas e defendia a violência. Na máxima 367 do livro Caminho, ele afirma que seus fiéis “são belos e inteligentes” e devem olhar aos demais como “inferiores e animais”. Na máxima 643, ensina que a meta “é ocupar cargos e ser um movimento de domínio mundial”. Na máxima 311, ele escancara: “A guerra tem uma finalidade sobrenatural... Mas temos, ao final, de amá-la, como o religioso deve amar suas disciplinas”. Em 1992, um ex-membro do Opus Dei revelou o que este havia lhe dito: “Hitler foi maltratado pela opinião pública. Jamais teria matado 6 milhões de judeus. No máximo, foram 4 milhões”. Outra numerária, Diane DiNicola, garantiu: “Escrivá, com toda certeza, era fascista”.
Escrivá até tentou negar estas relações. Mas, no seu processo de ascensão no Vaticano, ele contou com a ajuda de notórios nazistas. Como descreve a jornalista Maria Amaral, num artigo à revista Caros Amigos, “ao se mudar para Roma, ele estimulou ainda mais as acusações de ser simpático aos regimes autoritários, já que as suas primeiras vitórias no sentido de estabelecer o Opus Dei com estrutura eclesiástica capaz de abrigar leigos e ordenar sacerdotes se deram durante o pontificado do papa Pio XII, por meio do cardeal Eugenio Pacelli, responsável por controverso acordo da Igreja com Hitler”. Outro texto, assinado por um grupo de católicas peruanas, garante que a seita “recrutou adeptos para a organização fascista ‘Jovem Europa’, dirigida por militantes nazistas e com vínculos com o fascismo italiano e espanhol”.
Pouco antes de morrer, Josemaría Escrivá realizou uma “peregrinação” pela América Latina. Ele sempre considerou o continente fundamental para sua seita e para os negócios espanhóis. Na região, o Opus Dei apoiou abertamente várias ditaduras. No Chile, participou do regime terrorista de Augusto Pinochet. O principal ideólogo do ditador, Jaime Guzmá, era membro ativo da seita, assim como centenas de quadros civis e militares. Na Argentina, numerários foram nomeados ministros da ditadura. No Peru, a seita deu sustentação ao corrupto e autoritário Alberto Fujimori. No México, ajudou a eleger como presidente seu antigo aliado, Miguel de La Madri, que extinguiu a secular separação entre o Estado e a Igreja Católica.
Infiltração na mídia
Para semear as suas idéias religiosas e políticas de forma camuflada, Escrivá logo percebeu a importância estratégica dos meios de comunicação. Ele mesmo gostava de dizer que “temos de embrulhar o mundo em papel-jornal”. Para isso, contou com a ajuda da ditadura franquista para a construção da Universidade de Navarra, que possuí um orçamento anual de 240 milhões de euros. Jornalistas do mundo inteiro são formados nos cursos de pós-graduação desta instituição. O Opus Dei exerce hoje forte influência sobre a mídia. Um relatório confidencial entregue ao Vaticano em 1979 pelo sucessor de Escrivá revelou que a influência da seita se estendia por “479 universidades e escolas secundárias, 604 revistas ou jornais, 52 estações de rádio ou televisões, 38 agências de publicidade e 12 produtores e distribuidoras de filmes”.
Na América Latina, a seita controla o jornal El Observador (Uruguai) e tem peso nos jornais El Mercúrio (Chile), La Nación (Argentina) e O Estado de S.Paulo. Segundo várias denúncias, ela dirige a Sociedade Interamericana de Imprensa, braço da direita na mídia hemisférica. No Brasil, a Universidade de Navarra é comandada por Carlos Alberto di Franco, numerário e articulista do Estadão, responsável pela lavagem cerebral semanal de Geraldo Alckmin nas famosas “palestras do Morumbi”. Segundo a revista Época, seu “programa de capacitação de editores já formou mais de 200 cargos de chefia dos principais jornais do país”. O mesmo artigo confirma que “o jornalista Carlos Alberto Di Franco circula com desenvoltura nas esferas de poder, especialmente na imprensa e no círculo íntimo do governador Geraldo Alckmin”.
O veterano jornalista Alberto Dines, do Observatório da Imprensa, há muito denuncia a sinistra relação do Opus Dei com a mídia nacional. Num artigo intitulado “Estranha conversão da Folha”, critica seu “visível crescimento na imprensa brasileira. A Folha de S.Paulo parecia resistir à dominação, mas capitulou”. No mesmo artigo, garante que a seita “já tomou conta da Associação Nacional de Jornais (ANJ)”, que reúne os principais monopólios da mídia do país. Para ele, a seita não visa a “salvação das almas desgarradas. É um projeto de poder, de dominação dos meios de comunicação. E um projeto desta natureza não é nem poderia ser democrático. A conversão da Folha é uma opção estratégica, política e ideológica”.
A “santa máfia”
Durante seus longos anos de atuação nos bastidores do poder, o Opus Dei constituiu uma enorme fortuna, usada para bancar seus projetos reacionários – inclusive seus planos eleitorais. Os recursos foram obtidos com a ajuda de ditadores e o uso de máquinas públicas. “O Opus Dei se infiltrou e parasitou no aparato burocrático do Estado espanhol, ocupando postos-chaves. Constituiu um império econômico graças aos favores nas largas décadas da ditadura franquista, onde vários gabinetes ministeriáveis foram ocupados integralmente por seus membros, que ditaram leis para favorecer os interesses da seita e se envolveram em vários casos de corrupção, malversação e práticas imorais”, acusa um documento de católico do Peru.
A seita também acumulou riquezas através da doação obrigatória de heranças dos numerários e do dizimo dos supernumerários e simpatizantes infiltrados em governos e corporações empresariais. Com a ofensiva neoliberal dos anos 90, a privatização das estatais virou outra fonte de receitas. Poderosas multinacionais espanholas beneficiadas por este processo, como os bancos Santander e Bilbao Biscaia, a Telefônica e empresa de petróleo Repsol, tem no seu corpo gerencial adeptos do Opus.
Para católicos mais críticos, que rotulam a seita de “santa máfia”, esta fortuna também deriva de negócios ilícitos. Conforme denuncia Henrique Magalhães, “além da dimensão religiosa e política, o Opus Dei tem uma terceira face: da sociedade secreta de cunho mafioso. Em seus estatutos secretos, redigidos em 1950 e expostos em 1986, a Obra determina que ‘os membros numerários e supernumerários saibam que devem observar sempre um prudente silêncio sobre os nomes dos outros associados e que não deverão revelar nunca a ninguém que eles próprios pertencem ao Opus Dei’. Inimiga jurada da Maçonaria, ela copia sua estrutura fechada, o que frequentemente serve para encobrir atos criminosos”.
O jornalista Emílio Corbiere cita os casos de fraude e remessa ilegal de divisas das empresas espanholas Matesa e Rumasa, em 1969, que financiaram a Universidade de Navarra. Há também a suspeita do uso de bancos espanhóis na lavagem de dinheiro do narcotráfico e da máfia russa. O Opus Dei esteve envolvido na falência fraudulenta do banco Comercial (pertencente ao jornal El Observador) e do Crédito Provincial (Argentina). Neste país, os responsáveis pela privatização da petrolífera YPF e das Aerolineas Argentinas, compradas por grupos espanhóis, foram denunciados por escândalos de corrupção, mas foram absolvidos pela Suprema Corte, dirigida por Antonio Boggiano, outro membro da Opus Dei. No ano retrasado, outro numerário do Opus Dei, o banqueiro Gianmario Roveraro, esteve envolvido na quebra da Parlamat.
“A Internacional Conservadora”
O escritor estadunidense Dan Brown, autor do best seller “O Código da Vinci”, não vacila em acusar esta seita de ser um partido de fanáticos religiosos com ramificações pelo mundo. O Opus Dei teria cerca de 80 milhões de fiéis, muitos deles em cargos-chaves em governos, na mídia e em multinacionais. Henrique Magalhães garante que a “Obra é vanguarda das tendências mais conservadoras da Igreja Católica”. Num livro feito sob encomenda pelo Opus Dei, o vaticanista John Allen confessa este poderio. Ele admite que a seita possui um patrimônio de US$ 2,8 bilhões – incluindo uma luxuosa sede de US$ 60 milhões em Manhattan – e que esta fortuna serve para manter as suas instituições de fachada, como a Heights School, em Washington, onde estudam os filhos dos congressistas do Partido Republicano de George W.Bush.
Numa reportagem que tenta limpar a barra do Opus Dei, a própria revista Superinteressante, da suspeita Editora Abril, reconhece o enorme influência política desta seita. E conclui: “No Brasil, um dos políticos mais ligados à Obra é o candidato a presidente Geraldo Alckmin, que em seus tempos de governador de São Paulo costumava assistir a palestras sobre doutrina cristã ministradas por numerários e a se confessar com um padre do Opus Dei. Alckmin, porém, nega fazer parte da ordem”. Como se observa, o candidato segue à risca um dos principais ensinamentos do fascista Josemaría Escrivá: “Acostuma-se a dizer não”.
Os tentáculos no Brasil
No Brasil, o Opus Dei fincou a sua primeira raiz em 1957, na cidade de Marília, no interior paulista, com a fundação de dois centros. Em 1961, dada à importância da filial, a seita deslocou o numerário espanhol Xavier Ayala, segundo na hierarquia. “Doutor Xavier, como gostava de ser chamado, embora fosse padre, pisou em solo brasileiro com a missão de fortalecer a ala conservadora da Igreja. Às vésperas do Concílio Vaticano II, o clero progressista da América Latina clamava pelo retorno às origens revolucionárias do cristianismo e à ‘opção pelos pobres’, fundamentos da Teologia da Libertação”, explica Marina Amaral na revista Caros Amigos.
Ainda segundo seu relato, “aos poucos, o Opus Dei foi encontrando seus aliados na direita universitária... Entre os primeiros estavam dois jovens promissores: Ives Gandra Martins e Carlos Alberto Di Franco, o primeiro simpático ao monarquismo e candidato derrotado a deputado; o segundo, um secundarista do Colégio Rio Branco, dos rotarianos do Brasil. Ives começou a freqüentar as reuniões do Opus Dei em 1963; Di Franco ‘apitou’ (pediu para entrar) em 1965. Hoje, a organização diz ter no país pouco mais de três mil membros e cerca de quarenta centros, onde moram aproximadamente seiscentos numerários”.
Crescimento na ditadura
Durante a ditadura, a seita também concentrou sua atuação no meio jurídico, o que rende frutos até hoje. O promotor aposentado e ex-deputado Hélio Bicudo revela ter sido assediado duas vezes por juízes fiéis à organização. O expoente nesta fase foi José Geraldo Rodrigues Alckmin, nomeado ministro do STF pelo ditador Garrastazu Médici em 1972, e tio do atual presidenciável. Até os anos 70, porém, o poder do Opus Dei era embrionário. Tinha quadros em posições importantes, mas sem atuação coordenada. Além disso, dividia com a Tradição, Família e Propriedade (TFP) as simpatias dos católicos de extrema direita.
Seu crescimento dependeu da benção dos generais golpistas e dos vínculos com poderosas empresas. Ives Gandra e Di Franco viraram os seus “embaixadores”, relacionando-se com donos da mídia, políticos de direita, bispos e empresários. É desta fase a construção da sua estrutura de fachada – Colégio Catamarã (SP), Casa do Moinho (Cotia) e Editora Quadrante. Ela também criou uma ONG para arrecadar fundos: OSUC (Obras Sociais, Universitárias e Culturais). Esta recebe até hoje doações do Itaú, Bradesco, GM e Citigroup. Confrontado com esta denúncia, Lizandro Carmona, da OSUC, implorou à jornalista Marina Amaral: “Pelo amor de Deus, não vá escrever que empresas como o Itaú doam dinheiro ao Opus Dei”.
Ofensiva recente na região
Na fase recente, o Opus Dei está excitado, com planos ousados para conquistar maior poder político na América Latina. Em abril de 2002, a seita participou ativamente do frustrado golpe contra o presidente Hugo Chávez, na Venezuela. Um dos seus seguidores, José Rodrigues Iturbe, foi nomeado ministro das Relações Exteriores do fugaz governo golpista. A embaixada da Espanha, governada na época pelo neo-franquista Partido Popular (PP), de José Maria Aznar – cuja esposa é do Opus Dei –, deu guarita aos seus fiéis. Outro golpista ligado à seita, Gustavo Cisneiros, é megaempresário das telecomunicações no país.
Em dezembro do ano passado, o Opus Dei assistiu a derrota do seu candidato, Joaquim Laví, ex-assessor do ditador Augusto Pinochet, à presidência do Chile. Já em maio deste ano, colheu uma nova derrota com a candidatura de Lourdes Flores, declarada numerária do partido Unidade Nacional. Em compensação, a seita comemorou a vitória do narco-terrorista Álvaro Uribe na Colômbia, que também dispôs de milhões de dólares do governo George Bush. Já no México, outro conhecido simpatizante do Opus Dei, Felipe Calderon, ex-executivo da Coca-Cola, venceu uma das eleições mais fraudulentas da história deste país.
Kátia Abreu rejeita os direitos humanos
A senadora demo Kátia Abreu, presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), não gostou nem um pouco do Programa Nacional de Direitos Humanos, elaborado sob a coordenação do ministro Paulo Vannuchi após intensa discussão na sociedade. Para ela, é “uma plataforma socialista. Uma parte deste governo tem tendência bastante radical, de extrema esquerda”. Numa leitura das mais maldosas, ela garante que o documento estimula “a invasão de terras” e sugere ainda que “o agronegócio não têm preocupação e compromisso com os direitos humanos”.
Mesmo que o documento afirmasse isto, ele não estaria cometendo nenhum absurdo. A realidade comprova que parte significativa dos tradicionais latifundiários, hoje travestidos de “modernos” barões do agronegócio, não tem mesmo qualquer compromisso com os direitos humanos. Basta observar o número de mortes no campo e o enorme contingente de trabalhadores escravizados. O discurso raivoso da demo Kátia Abreu, que recentemente foi acusada pela revista CartaCapital de surrupiar terras de pequenos agricultores, é puro esperneio de quem tem culpa no cartório.
Conflitos, expulsões e assassinatos
O campo brasileiro continua sendo um dos espaços mais reacionários e atrasados da sociedade. Segundo balanço parcial da Comissão Pastoral da Terra (CPT), 25 lavradores foram mortos entre janeiro a novembro de 2009. No mesmo período, ocorreram 731 conflitos rurais e 1.612 famílias foram expulsas da terra. Também houve aumento das tentativas de assassinatos, que pulou de 36, em 2008, para 52 no ano passado, e dos casos de torturas, que passou de três para 20. “Os dados mostram que os conflitos no campo teimam em persistir, bem como a violência”, critica a CPT.
O Pará é o campeão de mortes. Segundo o teólogo José Batista Gonçalves, “mais de 800 pessoas foram assassinadas no estado nos últimos 40 anos. Somente sete mandantes foram levados a júri popular e seis foram condenados, mas nenhum cumpre pena até hoje”. Ou seja: na prática, não existe “direito humano” no campo. Os grandes fazendeiros possuem poder econômico, influência política e controlam o Judiciário. “Levar um mandante ao banco de réus, condená-lo e mantê-lo preso é uma tarefa difícil, não só no Pará, mas também em outros estados”, garante José Batista.
“Lista suja” do trabalho escravo
A selvageria visa garantir os privilégios dos grandes proprietários rurais, inclusive de poderosas multinacionais. Com base nela, muitos lavradores são expulsos da terra e outros são explorados, vivendo em condições de trabalho escravo. Como aponta Henrique Cortez, “mais de um século após a Lei Áurea, continuamos um país escravocrata. Desde 2003, mais de 26 mil pessoas foram libertadas de trabalhos forçados em todo o país”. Até hoje, o parlamento não aprovou PEC-438, que permite a expropriação para fins de reforma agrária das propriedades com trabalho escravo.
Cortez reconhece que governo Lula apertou o cerco aos escravocratas. A publicação da “lista suja” do trabalho escravo, com a divulgação dos nomes dos fazendeiros, inibiu alguns deles. Já a ação do grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho descobriu os cativeiros. Nos primeiros sete meses de 2009, foram libertados 1.492 trabalhadores rurais escravizados ou tratados de forma degradante. Pernambuco ocupou o primeiro lugar no ranking com 362 pessoas libertadas. Tocantins, estado da senadora demo Kátia Abreu, ficou em segundo com 296 resgatados. É isto que incomoda a presidenta da CNA, que rejeita qualquer programa de direitos humanos.
Mesmo que o documento afirmasse isto, ele não estaria cometendo nenhum absurdo. A realidade comprova que parte significativa dos tradicionais latifundiários, hoje travestidos de “modernos” barões do agronegócio, não tem mesmo qualquer compromisso com os direitos humanos. Basta observar o número de mortes no campo e o enorme contingente de trabalhadores escravizados. O discurso raivoso da demo Kátia Abreu, que recentemente foi acusada pela revista CartaCapital de surrupiar terras de pequenos agricultores, é puro esperneio de quem tem culpa no cartório.
Conflitos, expulsões e assassinatos
O campo brasileiro continua sendo um dos espaços mais reacionários e atrasados da sociedade. Segundo balanço parcial da Comissão Pastoral da Terra (CPT), 25 lavradores foram mortos entre janeiro a novembro de 2009. No mesmo período, ocorreram 731 conflitos rurais e 1.612 famílias foram expulsas da terra. Também houve aumento das tentativas de assassinatos, que pulou de 36, em 2008, para 52 no ano passado, e dos casos de torturas, que passou de três para 20. “Os dados mostram que os conflitos no campo teimam em persistir, bem como a violência”, critica a CPT.
O Pará é o campeão de mortes. Segundo o teólogo José Batista Gonçalves, “mais de 800 pessoas foram assassinadas no estado nos últimos 40 anos. Somente sete mandantes foram levados a júri popular e seis foram condenados, mas nenhum cumpre pena até hoje”. Ou seja: na prática, não existe “direito humano” no campo. Os grandes fazendeiros possuem poder econômico, influência política e controlam o Judiciário. “Levar um mandante ao banco de réus, condená-lo e mantê-lo preso é uma tarefa difícil, não só no Pará, mas também em outros estados”, garante José Batista.
“Lista suja” do trabalho escravo
A selvageria visa garantir os privilégios dos grandes proprietários rurais, inclusive de poderosas multinacionais. Com base nela, muitos lavradores são expulsos da terra e outros são explorados, vivendo em condições de trabalho escravo. Como aponta Henrique Cortez, “mais de um século após a Lei Áurea, continuamos um país escravocrata. Desde 2003, mais de 26 mil pessoas foram libertadas de trabalhos forçados em todo o país”. Até hoje, o parlamento não aprovou PEC-438, que permite a expropriação para fins de reforma agrária das propriedades com trabalho escravo.
Cortez reconhece que governo Lula apertou o cerco aos escravocratas. A publicação da “lista suja” do trabalho escravo, com a divulgação dos nomes dos fazendeiros, inibiu alguns deles. Já a ação do grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho descobriu os cativeiros. Nos primeiros sete meses de 2009, foram libertados 1.492 trabalhadores rurais escravizados ou tratados de forma degradante. Pernambuco ocupou o primeiro lugar no ranking com 362 pessoas libertadas. Tocantins, estado da senadora demo Kátia Abreu, ficou em segundo com 296 resgatados. É isto que incomoda a presidenta da CNA, que rejeita qualquer programa de direitos humanos.
segunda-feira, 11 de janeiro de 2010
Clarin e os órfãos da ditadura argentina
A mídia nativa tem chorado muito pela delicada situação do Clarín, reforçando o coro de que o jornal estaria sendo “perseguido” pelo governo argentino de Cristina Kirchner. Mas deixou de fazer alarde com uma denúncia recente, bem mais chocante. A Câmara Federal de San Martín mandou o juiz federal Conrado Bergesio realizar, “de forma imediata e sem mais postergações”, exames de DNA dos filhos adotivos da dona Grupo Clarín, Ernestina Herrera de Noble. Há fortes suspeitas de que eles foram “retirados” de presos políticos durante a cruel ditadura na Argentina.
A grave denúncia foi apresentada pela fundadora do movimento Avós da Praça de Maio, Chicha Mariani, que acredita que uma das filhas adotivas de Ernestina seja, na verdade, sua neta, Clara Anahí, cujos pais foram seqüestrados pelos militares em novembro de 1976. A suspeita é antiga, mas esbarrava na estranha lentidão de Bergesio. Segundo os juízes Hugo Gurruchaga e Alberto Criscuolo, o citado “se enreda em discussões que não levam a lugar algum” e, sete anos após ter herdado a causa, “não realiza a medida básica, essencial e impostergável” de cruzar os DNAs das crianças adotadas com os das 22 famílias que buscam crianças desaparecidas na ditadura.
As mentiras da família Noble
Segundo registros do cartório, Ernestina adotou duas crianças em maio de 1976, com os nomes de Marcela e Felipe Noble. Ela disse à juíza Ofélia Hejt, de San Isidro, que encontrou a menina numa caixa abandonada na porta de sua residência e ofereceu como testemunhas uma vizinha e um caseiro. Em 2001, Roberto Garcia, 85 anos, declarou ao juiz Robertto Marquevich que nunca foi caseiro da casa citada. Na verdade, ele foi motorista da família Noble durante 40 anos. Já a suposta vizinha também nunca residiu no local apontado, segundo depoimento da sua neta. “As datas apresentadas pela dona do Clarin também se revelaram falsas”, garante o jornal Página 12.
Estas e outras falsidades foram decisivas para levantar suspeitas da adoção de filhos dos presos políticos. Também contribuiu o fato da juíza Ofélia Hejt ter aprovado outra adoção, em abril de 1977, de uma criança, Andrés Blunda, de três meses, que recuperou a sua verdadeira identidade em 1984. “As irregularidades levaram o juiz Marquevich a pedir a detenção de Ernestina Noble, decisão esta que lhe custou o cargo após uma campanha desencadeada pelo jornal Clarín. O seu substituto, Conrado Bergesio, passou a conceder todas as medidas solicitadas pelos advogados da família Noble e bloqueou a obtenção das amostras de DNA”, denuncia o jornal Página 12.
Exames de DNA provam a crueldade
Agora, com a decisão da Câmara Federal de San Martín, estas análises deverão ser realizadas “de forma imediata e sem postergações”. Os exames de DNA já permitiram a identificação de nove filhos de desaparecidos políticos. Caso as análises confirmem as suspeitas, o futuro Grupo Clarín será sombrio. Ficará comprovada a relação macabra e promíscua entre os donos da empresa e os generais que ensangüentaram a Argentina. Em vários editoriais, manchetes e “reportagens”, o jornal Clarín apoiou o golpe militar e a ditadura, com suas torturas, assassinatos e desaparecidos.
Como retribuição, neste sombrio período a família Noble ergueu seu império midiático. Ele hoje monopoliza os meios de comunicação na Argentina, controlando jornais, revistas, emissoras de televisão e rádios. A recente “Leis dos Medios”, proposta por Cristina Kirchner e aprovada no parlamento, visa exatamente por fim ao monopólio do Grupo Clarin, construindo na ditadura e usado para desestabilizar o país, como na promoção do locaute do agronegócio em 2008. Por isso, a lei argentina sofre tantos ataques – inclusive no Brasil. Confirmada a denúncia, qual será a postura dos barões da mídia? Manterão seu silêncio cúmplice diante dos órfãos da ditadura?
A grave denúncia foi apresentada pela fundadora do movimento Avós da Praça de Maio, Chicha Mariani, que acredita que uma das filhas adotivas de Ernestina seja, na verdade, sua neta, Clara Anahí, cujos pais foram seqüestrados pelos militares em novembro de 1976. A suspeita é antiga, mas esbarrava na estranha lentidão de Bergesio. Segundo os juízes Hugo Gurruchaga e Alberto Criscuolo, o citado “se enreda em discussões que não levam a lugar algum” e, sete anos após ter herdado a causa, “não realiza a medida básica, essencial e impostergável” de cruzar os DNAs das crianças adotadas com os das 22 famílias que buscam crianças desaparecidas na ditadura.
As mentiras da família Noble
Segundo registros do cartório, Ernestina adotou duas crianças em maio de 1976, com os nomes de Marcela e Felipe Noble. Ela disse à juíza Ofélia Hejt, de San Isidro, que encontrou a menina numa caixa abandonada na porta de sua residência e ofereceu como testemunhas uma vizinha e um caseiro. Em 2001, Roberto Garcia, 85 anos, declarou ao juiz Robertto Marquevich que nunca foi caseiro da casa citada. Na verdade, ele foi motorista da família Noble durante 40 anos. Já a suposta vizinha também nunca residiu no local apontado, segundo depoimento da sua neta. “As datas apresentadas pela dona do Clarin também se revelaram falsas”, garante o jornal Página 12.
Estas e outras falsidades foram decisivas para levantar suspeitas da adoção de filhos dos presos políticos. Também contribuiu o fato da juíza Ofélia Hejt ter aprovado outra adoção, em abril de 1977, de uma criança, Andrés Blunda, de três meses, que recuperou a sua verdadeira identidade em 1984. “As irregularidades levaram o juiz Marquevich a pedir a detenção de Ernestina Noble, decisão esta que lhe custou o cargo após uma campanha desencadeada pelo jornal Clarín. O seu substituto, Conrado Bergesio, passou a conceder todas as medidas solicitadas pelos advogados da família Noble e bloqueou a obtenção das amostras de DNA”, denuncia o jornal Página 12.
Exames de DNA provam a crueldade
Agora, com a decisão da Câmara Federal de San Martín, estas análises deverão ser realizadas “de forma imediata e sem postergações”. Os exames de DNA já permitiram a identificação de nove filhos de desaparecidos políticos. Caso as análises confirmem as suspeitas, o futuro Grupo Clarín será sombrio. Ficará comprovada a relação macabra e promíscua entre os donos da empresa e os generais que ensangüentaram a Argentina. Em vários editoriais, manchetes e “reportagens”, o jornal Clarín apoiou o golpe militar e a ditadura, com suas torturas, assassinatos e desaparecidos.
Como retribuição, neste sombrio período a família Noble ergueu seu império midiático. Ele hoje monopoliza os meios de comunicação na Argentina, controlando jornais, revistas, emissoras de televisão e rádios. A recente “Leis dos Medios”, proposta por Cristina Kirchner e aprovada no parlamento, visa exatamente por fim ao monopólio do Grupo Clarin, construindo na ditadura e usado para desestabilizar o país, como na promoção do locaute do agronegócio em 2008. Por isso, a lei argentina sofre tantos ataques – inclusive no Brasil. Confirmada a denúncia, qual será a postura dos barões da mídia? Manterão seu silêncio cúmplice diante dos órfãos da ditadura?
domingo, 10 de janeiro de 2010
Boris Casoy, os garis e a democracia
Reproduzo abaixo artigo do sociólogo, jornalista e professor Laurindo Lalo Leal Filho, publicado na Agência Carta Maior com o título “Sobre garis e democracia”. O autor, que também é ouvidor-geral da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), conhece bem as manipulações das emissoras "privadas" de televisão. Entre outros livros, é autor da obra “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial). Neste texto, Lalo denuncia mais um lance do anti-jornalismo de Boris Casoy, o âncora da TV Bandeirantes que é ícone da oposição demo-tucana:
Pouco depois de revelar o seu verdadeiro caráter em público, referindo-se preconceituosamente aos garis na passagem do ano, o apresentador de TV Boris Casoy volta à carga. Como se nada tivesse acontecido, retorna com informações truncadas, nitidamente partidarizadas. Na primeira terça-feira deste ano, dia 5, ao apresentar o Jornal da Band leu, entre uma e outra notícia sobre enchentes e nevascas, a seguinte “nota pelada” (no jargão do telejornalismo trata-se de um texto sem imagens de cobertura):
“Quando voltar do seu descanso o presidente Lula tem um tremendo abacaxi pela frente. É decidir o Plano Nacional de Direitos Humanos, cujo o texto que pode permitir o fim da anistia fez com que os chefes das Forças Armadas e o ministro Jobim da Defesa pusessem seus cargos a disposição. Lula prometeu rever o texto, mas a coisa complicou – e muito – hoje com a revelação de que os militares da FAB preferem que o governo compre os caças suecos em vez dos franceses, preferidos por Lula, que inadvertidamente até anunciou a compra dos caças franceses. Há quem veja nessa escolha da FAB uma reação ao caso da anistia”.
Intrigas para desgastar o governo Lula
A nota estabelece relação entre dois assuntos usando para conectá-los a frase “Há quem veja nessa escolha da FAB uma reação ao caso da anistia”. Sem dúvida um primor de anti-jornalismo. Para dizer o que pensa, o autor do texto esconde-se atrás do “há quem veja”, sem coragem para dizer que quem vê essa relação é ele mesmo e os demais interessados em criar algum tipo de intriga na esperança, sempre presente, de desgastar o governo.
Sobre essa ilação tendenciosa vale ler o artigo de Janio de Freitas na Folha de 7/1. Diz ele “As conclusões da FAB sobre os três concorrentes nada têm a ver com o impasse entre os comandantes militares e Lula, em torno do Plano Nacional dos Direitos Humanos e sua pretendida Comissão da Verdade. A FAB apenas recusou-se a não fazer o seu papel e o fez”. Ou seja, a Força Aérea Brasileira simplesmente fez uma análise comparativa das ofertas de aviões franceses, suecos e estadunidenses.
Saudoso dos tempos da ditadura
E mais, para dar um jeito de criar a intriga, Casoy diz que o presidente Lula “inadvertidamente até anunciou a compra dos caças franceses”. Veja o que diz Janio de Freitas: “Lula não disse querer ou haver decidido comprar o Rafale. O que comunicou de público, a propósito da conversa com o presidente francês em Brasília, por ocasião do Sete de Setembro do ano passado foi ‘a decisão de abrir negociações para a compra do Rafale’. As negociações nunca passaram de negociações”. E nelas cabem consultas a outros fornecedores interessados, como a FAB fez. Mas para Casoy nada disso interessa. O que ele quer é mostrar ao público a existência de um conflito entre a presidência da República e as Forças Armadas, talvez saudoso de 1964.
Mas as incorreções do texto lido no Jornal da Band não ficam por aí. Lá foi dito que o Plano Nacional de Direitos Humanos “pode permitir o fim da anistia”, o que não é verdade. O Programa Nacional dos Direitos Humanos não prevê a revogação da Lei da Anistia. “A proposta é da criação de uma Comissão da Verdade que, dependendo dos poderes atribuídos a ela, em tese poderia sugerir à Justiça a investigação e indiciamento de agentes públicos acusados de tortura, por exemplo. Mas antes seria preciso esperar a decisão do STF sobre o alcance da Lei de Anistia de 1979 e a decisão do Congresso efetivamente criando a Comissão da Verdade e dando a ela poderes reais de investigação”, como lembra o jornalista Luiz Carlos Azenha em seu blog.
Gotas de desinformação e tendenciosidade
Boris Casoy passou longe disso tudo. Ligeiro, aparentemente despretensioso, o texto colocado no meio do jornal tinha como objetivo dar munição à direita na sua tentativa desesperada de conseguir abalar, de qualquer forma, a solidez popular do governo Lula. São gotas de desinformação e de tendenciosidade oferecidas diariamente ao público por esse e por outros telejornais.
Mesmo não surtindo efeito imediato sobre o governo, como mostram todas as pesquisas, trata-se de um tipo de jornalismo empobrecedor, que reduz a possibilidade de uma circulação mais ampla de idéias e opiniões. Ilude e desinforma o telespectador, comprometendo de forma grave o processo de aprofundamento da democracia brasileira.
Pouco depois de revelar o seu verdadeiro caráter em público, referindo-se preconceituosamente aos garis na passagem do ano, o apresentador de TV Boris Casoy volta à carga. Como se nada tivesse acontecido, retorna com informações truncadas, nitidamente partidarizadas. Na primeira terça-feira deste ano, dia 5, ao apresentar o Jornal da Band leu, entre uma e outra notícia sobre enchentes e nevascas, a seguinte “nota pelada” (no jargão do telejornalismo trata-se de um texto sem imagens de cobertura):
“Quando voltar do seu descanso o presidente Lula tem um tremendo abacaxi pela frente. É decidir o Plano Nacional de Direitos Humanos, cujo o texto que pode permitir o fim da anistia fez com que os chefes das Forças Armadas e o ministro Jobim da Defesa pusessem seus cargos a disposição. Lula prometeu rever o texto, mas a coisa complicou – e muito – hoje com a revelação de que os militares da FAB preferem que o governo compre os caças suecos em vez dos franceses, preferidos por Lula, que inadvertidamente até anunciou a compra dos caças franceses. Há quem veja nessa escolha da FAB uma reação ao caso da anistia”.
Intrigas para desgastar o governo Lula
A nota estabelece relação entre dois assuntos usando para conectá-los a frase “Há quem veja nessa escolha da FAB uma reação ao caso da anistia”. Sem dúvida um primor de anti-jornalismo. Para dizer o que pensa, o autor do texto esconde-se atrás do “há quem veja”, sem coragem para dizer que quem vê essa relação é ele mesmo e os demais interessados em criar algum tipo de intriga na esperança, sempre presente, de desgastar o governo.
Sobre essa ilação tendenciosa vale ler o artigo de Janio de Freitas na Folha de 7/1. Diz ele “As conclusões da FAB sobre os três concorrentes nada têm a ver com o impasse entre os comandantes militares e Lula, em torno do Plano Nacional dos Direitos Humanos e sua pretendida Comissão da Verdade. A FAB apenas recusou-se a não fazer o seu papel e o fez”. Ou seja, a Força Aérea Brasileira simplesmente fez uma análise comparativa das ofertas de aviões franceses, suecos e estadunidenses.
Saudoso dos tempos da ditadura
E mais, para dar um jeito de criar a intriga, Casoy diz que o presidente Lula “inadvertidamente até anunciou a compra dos caças franceses”. Veja o que diz Janio de Freitas: “Lula não disse querer ou haver decidido comprar o Rafale. O que comunicou de público, a propósito da conversa com o presidente francês em Brasília, por ocasião do Sete de Setembro do ano passado foi ‘a decisão de abrir negociações para a compra do Rafale’. As negociações nunca passaram de negociações”. E nelas cabem consultas a outros fornecedores interessados, como a FAB fez. Mas para Casoy nada disso interessa. O que ele quer é mostrar ao público a existência de um conflito entre a presidência da República e as Forças Armadas, talvez saudoso de 1964.
Mas as incorreções do texto lido no Jornal da Band não ficam por aí. Lá foi dito que o Plano Nacional de Direitos Humanos “pode permitir o fim da anistia”, o que não é verdade. O Programa Nacional dos Direitos Humanos não prevê a revogação da Lei da Anistia. “A proposta é da criação de uma Comissão da Verdade que, dependendo dos poderes atribuídos a ela, em tese poderia sugerir à Justiça a investigação e indiciamento de agentes públicos acusados de tortura, por exemplo. Mas antes seria preciso esperar a decisão do STF sobre o alcance da Lei de Anistia de 1979 e a decisão do Congresso efetivamente criando a Comissão da Verdade e dando a ela poderes reais de investigação”, como lembra o jornalista Luiz Carlos Azenha em seu blog.
Gotas de desinformação e tendenciosidade
Boris Casoy passou longe disso tudo. Ligeiro, aparentemente despretensioso, o texto colocado no meio do jornal tinha como objetivo dar munição à direita na sua tentativa desesperada de conseguir abalar, de qualquer forma, a solidez popular do governo Lula. São gotas de desinformação e de tendenciosidade oferecidas diariamente ao público por esse e por outros telejornais.
Mesmo não surtindo efeito imediato sobre o governo, como mostram todas as pesquisas, trata-se de um tipo de jornalismo empobrecedor, que reduz a possibilidade de uma circulação mais ampla de idéias e opiniões. Ilude e desinforma o telespectador, comprometendo de forma grave o processo de aprofundamento da democracia brasileira.
Chomsky e as estratégias de manipulação
O lingüista estadunidense Noam Chomsky, que se define politicamente como “companheiro de viagem” da tradição anarquista, é considerado um dos maiores intelectuais da atualidade. Entre outros estudos, ele elaborou excelentes livros e textos sobre o papel dos meios de comunicação no sistema capitalista. É dele a clássica frase de que “a propaganda representa para a democracia aquilo que o cassetete significa para o estado totalitário”. No didático artigo abaixo, Chomsky lista as “10 estratégias de manipulação” das elites. Vale a penar ler e reler:
1- A estratégica da distração.
O elemento primordial do controle social é a estratégia da distração que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e econômicas, mediante a técnica do dilúvio ou inundações de contínuas distrações e de informações insignificantes.
A estratégia da distração é igualmente indispensável para impedir ao público de interessar-se pelos conhecimentos essenciais, na área da ciência, da economia, da psicologia, da neurobiologia e da cibernética. “Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado, sem nenhum tempo para pensar; de volta à granja como os outros animais (citação do texto “Armas silenciosas para guerras tranqüilas”)”.
2- Crias problemas, depois oferecer soluções.
Este método também é chamado “problema-reação-solução”. Cria-se um problema, uma “situação” prevista para causar certa reação no público, a fim de que este seja o mandante das medidas que se deseja fazer aceitar. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou se intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja o mandante de leis de segurança e políticas em prejuízo da liberdade. Ou também: criar uma crise econômica para fazer aceitar como um mal necessário o retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços públicos.
3- A estratégia da degradação.
Para fazer com que se aceite uma medida inaceitável, é suficiente aplicar progressivamente, em “degradado”, sobre uma duração de 10 anos. É dessa maneira que condições socioeconômicas radicalmente novas têm sido impostas durante os anos de 1980 a 1990. Desemprego em massa, precariedade, flexibilidade, salários que já não asseguram ingressos decentes, tantas mudanças que haviam provocado uma revolução se tivessem sido aplicadas de forma brusca.
4- A estratégica do deferido.
Outra maneira de se fazer aceitar uma decisão impopular é a de apresentá-la como sendo “dolorosa e necessária”, obtendo a aceitação pública no momento para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrifício imediato. Primeiro, por que o esforço não é empregado imediatamente. Em seguida, por que o público, a massa, tem sempre a tendência a esperar ingenuamente que “tudo irá melhorar amanhã” e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Isto dá mais tempo ao público para acostumar-se com a idéia de mudança e de aceitá-la com resignação quando chegue o momento.
5- Dirigir-se ao público como crianças de baixa idade.
A maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza discurso, argumentos, personagens e entonação particularmente infantis, muitas vezes próximos à debilidade, como se o espectador fosse um menino de baixa idade ou um deficiente mental. Quanto mais se intente buscar enganar ao espectador, mais se tende a adotar um tom infantilizante. Por que?
“Se você se dirige a uma pessoa como se ela tivesse a idade de 12 anos, então, em razão da sugestionabilidade, ela tenderá, com certa probabilidade, uma resposta ou reação também desprovida de um sentido critico como a de uma pessoa de 12 anos de idade (ver “Armas silenciosas para guerras tranqüilas”)”.
6- Utilizar o aspecto emocional muito mais do que a reflexão.
Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto circuito na análise racional, e por fim ao sentido critico dos indivíduos. Além do mais, a utilização do registro emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente para implantar ou enxertar idéias, desejos, medos e temores, compulsões, ou induzir comportamentos…
7- Manter o público na ignorância e na mediocridade.
Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para seu controle e sua escravidão. “A qualidade da educação dada as classes sociais inferiores deve ser a mais pobre e medíocre o possível, de forma que a distância da ignorância que paira entre as classes inferiores às classes sociais superiores seja e permaneça impossíveis para o alcance das classes inferiores (ver “Armas silenciosas para guerras tranqüilas”)”.
8- Promover ao público a ser complacente na mediocridade.
Promover ao público a achar "cool" pelo fato de ser estúpido, vulgar e inculto…
9- Reforçar a revolta pela culpabilidade.
Fazer o indivíduo acreditar que é somente ele o culpado pela sua própria desgraça, por causa da insuficiência de sua inteligência, de suas capacidades, ou de seus esforços. Assim, ao invés de rebelar-se contra o sistema econômico, o individuo se auto-desvalida e culpa-se, o que gera um estado depressivo do qual um dos seus efeitos é a inibição da sua ação. E sem ação, não há revolução!
10- Conhecer melhor os indivíduos do que eles mesmos se conhecem.
No transcorrer dos últimos 50 anos, os avanços acelerados da ciência têm gerado crescente brecha entre os conhecimentos do público e aquelas possuídas e utilizadas pelas elites dominantes. Graças à biologia, à neurobiologia e à psicologia aplicada, o “sistema” tem desfrutado de um conhecimento avançado do ser humano, tanto de forma física como psicologicamente. O sistema tem conseguido conhecer melhor o individuo comum do que ele mesmo conhece a si mesmo. Isto significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os indivíduos do que os indivíduos a si mesmos.
1- A estratégica da distração.
O elemento primordial do controle social é a estratégia da distração que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e econômicas, mediante a técnica do dilúvio ou inundações de contínuas distrações e de informações insignificantes.
A estratégia da distração é igualmente indispensável para impedir ao público de interessar-se pelos conhecimentos essenciais, na área da ciência, da economia, da psicologia, da neurobiologia e da cibernética. “Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado, sem nenhum tempo para pensar; de volta à granja como os outros animais (citação do texto “Armas silenciosas para guerras tranqüilas”)”.
2- Crias problemas, depois oferecer soluções.
Este método também é chamado “problema-reação-solução”. Cria-se um problema, uma “situação” prevista para causar certa reação no público, a fim de que este seja o mandante das medidas que se deseja fazer aceitar. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou se intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja o mandante de leis de segurança e políticas em prejuízo da liberdade. Ou também: criar uma crise econômica para fazer aceitar como um mal necessário o retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços públicos.
3- A estratégia da degradação.
Para fazer com que se aceite uma medida inaceitável, é suficiente aplicar progressivamente, em “degradado”, sobre uma duração de 10 anos. É dessa maneira que condições socioeconômicas radicalmente novas têm sido impostas durante os anos de 1980 a 1990. Desemprego em massa, precariedade, flexibilidade, salários que já não asseguram ingressos decentes, tantas mudanças que haviam provocado uma revolução se tivessem sido aplicadas de forma brusca.
4- A estratégica do deferido.
Outra maneira de se fazer aceitar uma decisão impopular é a de apresentá-la como sendo “dolorosa e necessária”, obtendo a aceitação pública no momento para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrifício imediato. Primeiro, por que o esforço não é empregado imediatamente. Em seguida, por que o público, a massa, tem sempre a tendência a esperar ingenuamente que “tudo irá melhorar amanhã” e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Isto dá mais tempo ao público para acostumar-se com a idéia de mudança e de aceitá-la com resignação quando chegue o momento.
5- Dirigir-se ao público como crianças de baixa idade.
A maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza discurso, argumentos, personagens e entonação particularmente infantis, muitas vezes próximos à debilidade, como se o espectador fosse um menino de baixa idade ou um deficiente mental. Quanto mais se intente buscar enganar ao espectador, mais se tende a adotar um tom infantilizante. Por que?
“Se você se dirige a uma pessoa como se ela tivesse a idade de 12 anos, então, em razão da sugestionabilidade, ela tenderá, com certa probabilidade, uma resposta ou reação também desprovida de um sentido critico como a de uma pessoa de 12 anos de idade (ver “Armas silenciosas para guerras tranqüilas”)”.
6- Utilizar o aspecto emocional muito mais do que a reflexão.
Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto circuito na análise racional, e por fim ao sentido critico dos indivíduos. Além do mais, a utilização do registro emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente para implantar ou enxertar idéias, desejos, medos e temores, compulsões, ou induzir comportamentos…
7- Manter o público na ignorância e na mediocridade.
Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para seu controle e sua escravidão. “A qualidade da educação dada as classes sociais inferiores deve ser a mais pobre e medíocre o possível, de forma que a distância da ignorância que paira entre as classes inferiores às classes sociais superiores seja e permaneça impossíveis para o alcance das classes inferiores (ver “Armas silenciosas para guerras tranqüilas”)”.
8- Promover ao público a ser complacente na mediocridade.
Promover ao público a achar "cool" pelo fato de ser estúpido, vulgar e inculto…
9- Reforçar a revolta pela culpabilidade.
Fazer o indivíduo acreditar que é somente ele o culpado pela sua própria desgraça, por causa da insuficiência de sua inteligência, de suas capacidades, ou de seus esforços. Assim, ao invés de rebelar-se contra o sistema econômico, o individuo se auto-desvalida e culpa-se, o que gera um estado depressivo do qual um dos seus efeitos é a inibição da sua ação. E sem ação, não há revolução!
10- Conhecer melhor os indivíduos do que eles mesmos se conhecem.
No transcorrer dos últimos 50 anos, os avanços acelerados da ciência têm gerado crescente brecha entre os conhecimentos do público e aquelas possuídas e utilizadas pelas elites dominantes. Graças à biologia, à neurobiologia e à psicologia aplicada, o “sistema” tem desfrutado de um conhecimento avançado do ser humano, tanto de forma física como psicologicamente. O sistema tem conseguido conhecer melhor o individuo comum do que ele mesmo conhece a si mesmo. Isto significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os indivíduos do que os indivíduos a si mesmos.
O presente de Natal do Jornal Nacional
Reproduzo abaixo o excelente texto do professor Venício A. de Lima, publicado no Observatório de Imprensa. A TV Globo já afia as suas garras para a sucessão presidencial deste ano:
Qualquer lista séria dos principais jornais do mundo incluirá o Le Monde. Fundado pelo general Charles de Gaulle (1890-1970), em dezembro de 1944, era parte do programa maior de libertação da França que se seguiu ao fim da ocupação nazista na Segunda Grande Guerra.
Dirigido ao longo de 25 anos por um membro da Resistência e respeitado intelectual – Hubert Beuve-Méry (1902-1989) –, o Le Monde consolidou sua posição de "independência" com as denúncias de tortura perpetradas pelo exército francês na Argélia, convencendo seus leitores de que a guerra colonial "não era apenas uma questão política, mas era também moral". Tornou-se, desde então, uma referência na e da França.
Depois de 65 anos de existência, o Le Monde decidiu eleger, pela primeira vez, um personagem do ano em 2009. E essa escolha recaiu sobre o presidente Lula. O tema mereceu a primeira página do jornal francês na edição de 24 de dezembro, mais capa e longa matéria na sua revista semanal.
O que é notícia?
Serviria ao interesse público saber que um dos mais importantes jornais do mundo escolheu um presidente brasileiro – qualquer que seja o presidente brasileiro – como "Homem do Ano" e quais as razões que justificaram tal escolha? Constituiria esse fato uma "notícia" a ser divulgada no Brasil? Aparentemente, sim. O portal G1, das Organizações Globo, por exemplo, postou matéria às 10h46 do dia 24/12 com o título "Le Monde escolhe Lula com homem do ano 2009”.
Vejamos qual foi o julgamento dos editores dos nossos principais telejornais sobre a "noticiabilidade" da escolha do Le Monde.
O Repórter Brasil Noite, da TV Brasil, deu chamada...
“O jornal francês Le Monde elege o presidente Lula o homem do ano de 2009. É a primeira vez que o diário de Paris, com 65 anos de história, faz esse tipo de indicação”.
... e nota com o seguinte texto:
“Pela primeira vez o Le Monde escolhe o homem do ano: Lula”.
“Apresentadora Carla Ramos: Pela primeira vez, em seus 65 anos, o jornal francês Le Monde escolheu a personalidade do ano e o eleito foi o presidente Lula. Segundo o jornal, um dos mais tradicionais da França, a escolha levou em conta a projeção internacional que o presidente Lula ganhou com as iniciativas de diálogo entre os países pobres e ricos. O jornal diz que Lula mudou a cara da América Latina e transformou o Brasil em uma potência. Mas o Le Monde lembrou que o Brasil ainda tem problemas estruturais na educação, casos de corrupção e uma Justiça preguiçosa”.
O Jornal da Record não deu chamada, mas deu nota com o texto abaixo:
“Presidente Lula é eleito o homem do ano pelo Le Monde”.
“Apresentador Celso Freitas: O presidente Lula foi eleito personalidade do ano pelo jornal francês Le Monde. É a primeira vez, em 65 anos de história, que o jornal elege uma personalidade. Em uma reportagem de quatro páginas com o título ‘O homem do ano’, a revista semanal do veículo destacou a preocupação de Lula com o desenvolvimento econômico do Brasil, além dos esforços do presidente na luta contra a desigualdade social e na defesa do meio ambiente”.
O Jornal da Band deu chamada, nota e comentário:
“Jornal da maior prestígio da França elege Lula homem do ano”.
“Apresentador Ricardo Boechat: O presidente Lula foi eleito pela segunda vez o homem do ano. Depois do jornal espanhol El País, agora o título veio do francês Le Monde”.
“Apresentadora Ticiana Villas Boas: É a primeira vez, em 65 anos de história do jornal, que o Le Monde faz esse tipo de indicação. A publicação justificou a escolha de Lula como o homem do ano por sua trajetória de antigo sindicalista, por seu sucesso à frente de um país tão complexo como o Brasil, pela preocupação com o desenvolvimento econômico, com o combate à desigualdade e com a defesa do meio ambiente”.
“No começo do mês, o presidente já havia recebido a mesma homenagem do jornal espanhol El País. Em um artigo escrito pelo primeiro-ministro, José Luis Zapatero, Lula foi chamado de homem que assombra o mundo”.
“Comentário de Joelmir Beting: Para o Le Monde, francês, Lula é o homem do ano. Agora, para a revista Time americana, o cara do ano é Ben Bernanke, presidente do Banco Central dos Estados Unidos. Pararraios da crise global, ele usa e abusa. Para Lula, a crise não passou de ‘marolinha’, sua versão light aqui no Brasil. Para Bernanke, ela custou um desembolso em pronto-socorro, até agora, de US$ 2,7 trilhões, ou dois PIBs do Lula.
O SBT Brasil também deu chamada e nota:
“O presidente Lula é o homem do ano. É o que diz um dos jornais mais importantes do mundo”.
“Apresentador César Filho: O presidente Lula ganhou o prêmio de ‘homem do ano’ de um dos jornais mais importantes do mundo: o Le Monde, da França. Pela primeira vez, em 65 anos, o Le Monde escolheu a personalidade mais importante do ano. Lula foi eleito pela trajetória singular à frente de um país tão complexo como o Brasil. Esta é a segunda homenagem a Lula na imprensa internacional só neste mês. No dia 11, ele entrou na lista das 100 personalidades mais importantes de 2009 feita pelo jornal espanhol El País. Em um artigo assinado pelo próprio primeiro-ministro da Espanha, José Luis Zapatero, Lula foi classificado de ‘homem que assombra o mundo’”.
E o Jornal Nacional da Rede Globo, telejornal de maior audiência do país, editado e apresentado pelo jornalista que, segundo pesquisa do Datafolha, é a personalidade que recebe da nossa população a segunda maior nota na escala de "confiabilidade" entre todos os brasileiros? Para o JN, a escolha de um presidente brasileiro como "Homem do Ano" pelo Le Monde não é notícia. O assunto simplesmente não entrou na pauta do telejornal.
Direito a informação e censura
Qual seria a justificativa editorial do JN para, ao contrário dos outros telejornais brasileiros, sonegar de seus muitos milhões de telespectadores essa informação? Seria pedagógico conhecer essas razões, já que o JN considera – e anuncia, inclusive, nas universidades brasileiras – que pratica o paradigma do "bom jornalismo", a ser seguido por todos nós.
Seria, sobretudo, pedagógico discutir o critério jornalístico do JN à luz do direito à informação do telespectador. Esse direito tem sido veementemente evocado e defendido, não pelo seu sujeito, o cidadão, mas por grupos de mídia concessionários do serviço público de radiodifusão na permanente e incansável campanha que movem contra as "ameaças" de censura advindas do que consideram um Estado autoritário, incluindo decisões judiciais.
Seria a censura – partindo de onde? – uma possível justificativa para a omissão do JN, inexplicável do ponto de vista jornalístico? Até que as razões sejam tornadas públicas, o telespectador do JN terá que se contentar com esse "presente de Natal" às avessas, no 24 de dezembro de 2009: omitir e esconder uma informação à qual ele – o telespectador – tem direito.
Qualquer lista séria dos principais jornais do mundo incluirá o Le Monde. Fundado pelo general Charles de Gaulle (1890-1970), em dezembro de 1944, era parte do programa maior de libertação da França que se seguiu ao fim da ocupação nazista na Segunda Grande Guerra.
Dirigido ao longo de 25 anos por um membro da Resistência e respeitado intelectual – Hubert Beuve-Méry (1902-1989) –, o Le Monde consolidou sua posição de "independência" com as denúncias de tortura perpetradas pelo exército francês na Argélia, convencendo seus leitores de que a guerra colonial "não era apenas uma questão política, mas era também moral". Tornou-se, desde então, uma referência na e da França.
Depois de 65 anos de existência, o Le Monde decidiu eleger, pela primeira vez, um personagem do ano em 2009. E essa escolha recaiu sobre o presidente Lula. O tema mereceu a primeira página do jornal francês na edição de 24 de dezembro, mais capa e longa matéria na sua revista semanal.
O que é notícia?
Serviria ao interesse público saber que um dos mais importantes jornais do mundo escolheu um presidente brasileiro – qualquer que seja o presidente brasileiro – como "Homem do Ano" e quais as razões que justificaram tal escolha? Constituiria esse fato uma "notícia" a ser divulgada no Brasil? Aparentemente, sim. O portal G1, das Organizações Globo, por exemplo, postou matéria às 10h46 do dia 24/12 com o título "Le Monde escolhe Lula com homem do ano 2009”.
Vejamos qual foi o julgamento dos editores dos nossos principais telejornais sobre a "noticiabilidade" da escolha do Le Monde.
O Repórter Brasil Noite, da TV Brasil, deu chamada...
“O jornal francês Le Monde elege o presidente Lula o homem do ano de 2009. É a primeira vez que o diário de Paris, com 65 anos de história, faz esse tipo de indicação”.
... e nota com o seguinte texto:
“Pela primeira vez o Le Monde escolhe o homem do ano: Lula”.
“Apresentadora Carla Ramos: Pela primeira vez, em seus 65 anos, o jornal francês Le Monde escolheu a personalidade do ano e o eleito foi o presidente Lula. Segundo o jornal, um dos mais tradicionais da França, a escolha levou em conta a projeção internacional que o presidente Lula ganhou com as iniciativas de diálogo entre os países pobres e ricos. O jornal diz que Lula mudou a cara da América Latina e transformou o Brasil em uma potência. Mas o Le Monde lembrou que o Brasil ainda tem problemas estruturais na educação, casos de corrupção e uma Justiça preguiçosa”.
O Jornal da Record não deu chamada, mas deu nota com o texto abaixo:
“Presidente Lula é eleito o homem do ano pelo Le Monde”.
“Apresentador Celso Freitas: O presidente Lula foi eleito personalidade do ano pelo jornal francês Le Monde. É a primeira vez, em 65 anos de história, que o jornal elege uma personalidade. Em uma reportagem de quatro páginas com o título ‘O homem do ano’, a revista semanal do veículo destacou a preocupação de Lula com o desenvolvimento econômico do Brasil, além dos esforços do presidente na luta contra a desigualdade social e na defesa do meio ambiente”.
O Jornal da Band deu chamada, nota e comentário:
“Jornal da maior prestígio da França elege Lula homem do ano”.
“Apresentador Ricardo Boechat: O presidente Lula foi eleito pela segunda vez o homem do ano. Depois do jornal espanhol El País, agora o título veio do francês Le Monde”.
“Apresentadora Ticiana Villas Boas: É a primeira vez, em 65 anos de história do jornal, que o Le Monde faz esse tipo de indicação. A publicação justificou a escolha de Lula como o homem do ano por sua trajetória de antigo sindicalista, por seu sucesso à frente de um país tão complexo como o Brasil, pela preocupação com o desenvolvimento econômico, com o combate à desigualdade e com a defesa do meio ambiente”.
“No começo do mês, o presidente já havia recebido a mesma homenagem do jornal espanhol El País. Em um artigo escrito pelo primeiro-ministro, José Luis Zapatero, Lula foi chamado de homem que assombra o mundo”.
“Comentário de Joelmir Beting: Para o Le Monde, francês, Lula é o homem do ano. Agora, para a revista Time americana, o cara do ano é Ben Bernanke, presidente do Banco Central dos Estados Unidos. Pararraios da crise global, ele usa e abusa. Para Lula, a crise não passou de ‘marolinha’, sua versão light aqui no Brasil. Para Bernanke, ela custou um desembolso em pronto-socorro, até agora, de US$ 2,7 trilhões, ou dois PIBs do Lula.
O SBT Brasil também deu chamada e nota:
“O presidente Lula é o homem do ano. É o que diz um dos jornais mais importantes do mundo”.
“Apresentador César Filho: O presidente Lula ganhou o prêmio de ‘homem do ano’ de um dos jornais mais importantes do mundo: o Le Monde, da França. Pela primeira vez, em 65 anos, o Le Monde escolheu a personalidade mais importante do ano. Lula foi eleito pela trajetória singular à frente de um país tão complexo como o Brasil. Esta é a segunda homenagem a Lula na imprensa internacional só neste mês. No dia 11, ele entrou na lista das 100 personalidades mais importantes de 2009 feita pelo jornal espanhol El País. Em um artigo assinado pelo próprio primeiro-ministro da Espanha, José Luis Zapatero, Lula foi classificado de ‘homem que assombra o mundo’”.
E o Jornal Nacional da Rede Globo, telejornal de maior audiência do país, editado e apresentado pelo jornalista que, segundo pesquisa do Datafolha, é a personalidade que recebe da nossa população a segunda maior nota na escala de "confiabilidade" entre todos os brasileiros? Para o JN, a escolha de um presidente brasileiro como "Homem do Ano" pelo Le Monde não é notícia. O assunto simplesmente não entrou na pauta do telejornal.
Direito a informação e censura
Qual seria a justificativa editorial do JN para, ao contrário dos outros telejornais brasileiros, sonegar de seus muitos milhões de telespectadores essa informação? Seria pedagógico conhecer essas razões, já que o JN considera – e anuncia, inclusive, nas universidades brasileiras – que pratica o paradigma do "bom jornalismo", a ser seguido por todos nós.
Seria, sobretudo, pedagógico discutir o critério jornalístico do JN à luz do direito à informação do telespectador. Esse direito tem sido veementemente evocado e defendido, não pelo seu sujeito, o cidadão, mas por grupos de mídia concessionários do serviço público de radiodifusão na permanente e incansável campanha que movem contra as "ameaças" de censura advindas do que consideram um Estado autoritário, incluindo decisões judiciais.
Seria a censura – partindo de onde? – uma possível justificativa para a omissão do JN, inexplicável do ponto de vista jornalístico? Até que as razões sejam tornadas públicas, o telespectador do JN terá que se contentar com esse "presente de Natal" às avessas, no 24 de dezembro de 2009: omitir e esconder uma informação à qual ele – o telespectador – tem direito.
sábado, 9 de janeiro de 2010
Gilmar Mendes vai processar O Globo?
O corrosivo blog Cloaca News, que tem como missão “desmascarar a máfia midiática que infesta nosso país” e que vasculha a mídia privada para descobrir “as últimas do jornalismo do esgoto (e dos coliformes favoritos da imprensa golpista)”, foi quem alertou para a mais recente patifaria do jornal O Globo. No editorial “Ponto nevrálgico”, de 5 de janeiro, o jornalão da famíglia Marinho simplesmente deturpou as palavras do ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa.
Dois dias antes, numa entrevista ao mesmo jornal, o ministro do STF abordou o grave problema da corrupção no país. Bastante direto e seco, já que conhece as manipulações da mídia, Barbosa demonstrou ceticismo diante do combate a esta chaga. Mesmo reconhecendo que hoje “há, sim, mais transparência na revelação dos atos de corrupção”, ele se disse descrente das instituições – principalmente do Judiciário. “As instituições concebidas para combatê-la são organizadas de forma que elas sejam impotentes, incapazes na prática de ter uma ação eficaz”.
Jornal deturpa palavras do ministro
A entrevista foi cautelosa, como deve ser a de um magistrado – bem diferente do exibicionismo de Gilmar Mendes, presidente do STF. Barbosa, que relatou as denúncias do “mensalão do PT” e batalhou para abrir o processo contra o senador Eduardo Azeredo no caso “mensalão do PSDB”, nem sequer tratou das denúncias contra o governador de José Roberto Arruda no “mensalão do DEM”. Ele criticou a impunidade existente e cobrou maior pressão da sociedade na fiscalização. Elogiou o engajamento dos estudantes e criticou a passividade de outros setores da sociedade. Nenhuma palavra sobre o governo Lula ou contra os movimentos sociais brasileiros.
De forma descarada, porém, o editorial d’O Globo deturpou totalmente suas palavras. Para este panfleto oposicionista, a entrevista seria mais uma peça de condenação do governo Lula e dos movimentos sociais. “[Barbosa] colocou o dedo em um ponto nevrálgico da atual conjuntura: como o governo Lula abriu os cofres do Tesouro para cooptar de vez sindicatos – aliados antigos – e organizações da sociedade civil tradicionalmente ativas na fiscalização do poder público, caso da UNE. Porque todos, ou quase todos, se converteram em correias de transmissão do lulismo, paira grande e conivente silêncio no meio sindical e em organizações ditas sociais”.
Crime previsto no Código Penal
Diante da manipulação grosseira, o blog Cloaca News alerta que o “editorial do jornalão carioca pode dar três anos de cadeia para a famíglia Marinho”. Ele cita o artigo 299 do Código Penal que tipifica o crime de falsidade ideológica: “Omitir, em documento púbico ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita”. As penas previstas no artigo 299 são de “reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular”.
“Em que trecho da entrevista o ministro diz que ‘o governo Lula abriu os cofres do Tesouro para cooptar de vez sindicatos’? Em que parte da entrevista, declara que as organizações da sociedade civil ‘se converteram em correias de transmissão do lulismo’? Quantas vezes Joaquim Barbosa enunciou o nome do presidente Lula e o substantivo ‘lulismo’ em sua fala ao jornalão carioca”? Diante destes crimes, o blog propõe que “a maior corporação máfio-midiática brasileira” seja processada. “Se houvesse penas, também, para os casos de lesa-jornalismo, lesa-verdade e lesa-inteligência, certamente os proprietários e editorialistas da corporação platinada pegariam prisão perpétua. Sem direito a sursis”.
Cadê o Heraldo Pereira da TV Globo?
Para apimentar a proposta do irreverente blog, fica a pergunta: quem irá processar O Globo pelo editorial? Será que o ministro Gilmar Mendes – ou “Gilmar Dantas”, como costuma chamá-lo o jornalista Paulo Henrique Amorim – tomará a iniciativa? Afinal, a rasteira deturpação prejudica diretamente a imagem do STF, que ele preside com tantos holofotes. Caso tope esta nobre tarefa, Gilmar Mendes poderia até acionar versátil Heraldo Pereira, repórter e âncora da TV Globo, para escrever uma reportagem sobre os padrões de manipulação do jornalismo brasileiro.
Afinal, segundo denúncia antiga da própria Cloaca News, o jornalista global costuma batalhar, nas suas horas vagas, alguns extras no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), a escola do ministro Gilmar Mendes. Mestrando em direito pela UnB, ele é responsável pelo modelo seis do curso de introdução ao direito para profissionais de comunicação da instituição. Quando a denúncia veio à tona, seu nome foi misteriosamente retirado da página do IDP na internet.
Dois dias antes, numa entrevista ao mesmo jornal, o ministro do STF abordou o grave problema da corrupção no país. Bastante direto e seco, já que conhece as manipulações da mídia, Barbosa demonstrou ceticismo diante do combate a esta chaga. Mesmo reconhecendo que hoje “há, sim, mais transparência na revelação dos atos de corrupção”, ele se disse descrente das instituições – principalmente do Judiciário. “As instituições concebidas para combatê-la são organizadas de forma que elas sejam impotentes, incapazes na prática de ter uma ação eficaz”.
Jornal deturpa palavras do ministro
A entrevista foi cautelosa, como deve ser a de um magistrado – bem diferente do exibicionismo de Gilmar Mendes, presidente do STF. Barbosa, que relatou as denúncias do “mensalão do PT” e batalhou para abrir o processo contra o senador Eduardo Azeredo no caso “mensalão do PSDB”, nem sequer tratou das denúncias contra o governador de José Roberto Arruda no “mensalão do DEM”. Ele criticou a impunidade existente e cobrou maior pressão da sociedade na fiscalização. Elogiou o engajamento dos estudantes e criticou a passividade de outros setores da sociedade. Nenhuma palavra sobre o governo Lula ou contra os movimentos sociais brasileiros.
De forma descarada, porém, o editorial d’O Globo deturpou totalmente suas palavras. Para este panfleto oposicionista, a entrevista seria mais uma peça de condenação do governo Lula e dos movimentos sociais. “[Barbosa] colocou o dedo em um ponto nevrálgico da atual conjuntura: como o governo Lula abriu os cofres do Tesouro para cooptar de vez sindicatos – aliados antigos – e organizações da sociedade civil tradicionalmente ativas na fiscalização do poder público, caso da UNE. Porque todos, ou quase todos, se converteram em correias de transmissão do lulismo, paira grande e conivente silêncio no meio sindical e em organizações ditas sociais”.
Crime previsto no Código Penal
Diante da manipulação grosseira, o blog Cloaca News alerta que o “editorial do jornalão carioca pode dar três anos de cadeia para a famíglia Marinho”. Ele cita o artigo 299 do Código Penal que tipifica o crime de falsidade ideológica: “Omitir, em documento púbico ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita”. As penas previstas no artigo 299 são de “reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular”.
“Em que trecho da entrevista o ministro diz que ‘o governo Lula abriu os cofres do Tesouro para cooptar de vez sindicatos’? Em que parte da entrevista, declara que as organizações da sociedade civil ‘se converteram em correias de transmissão do lulismo’? Quantas vezes Joaquim Barbosa enunciou o nome do presidente Lula e o substantivo ‘lulismo’ em sua fala ao jornalão carioca”? Diante destes crimes, o blog propõe que “a maior corporação máfio-midiática brasileira” seja processada. “Se houvesse penas, também, para os casos de lesa-jornalismo, lesa-verdade e lesa-inteligência, certamente os proprietários e editorialistas da corporação platinada pegariam prisão perpétua. Sem direito a sursis”.
Cadê o Heraldo Pereira da TV Globo?
Para apimentar a proposta do irreverente blog, fica a pergunta: quem irá processar O Globo pelo editorial? Será que o ministro Gilmar Mendes – ou “Gilmar Dantas”, como costuma chamá-lo o jornalista Paulo Henrique Amorim – tomará a iniciativa? Afinal, a rasteira deturpação prejudica diretamente a imagem do STF, que ele preside com tantos holofotes. Caso tope esta nobre tarefa, Gilmar Mendes poderia até acionar versátil Heraldo Pereira, repórter e âncora da TV Globo, para escrever uma reportagem sobre os padrões de manipulação do jornalismo brasileiro.
Afinal, segundo denúncia antiga da própria Cloaca News, o jornalista global costuma batalhar, nas suas horas vagas, alguns extras no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), a escola do ministro Gilmar Mendes. Mestrando em direito pela UnB, ele é responsável pelo modelo seis do curso de introdução ao direito para profissionais de comunicação da instituição. Quando a denúncia veio à tona, seu nome foi misteriosamente retirado da página do IDP na internet.
sexta-feira, 8 de janeiro de 2010
Boris Casoy e a revolta dos garis
O âncora Boris Casoy, do alto da sua arrogância, talvez não esperasse tamanha reação a sua frase preconceituosa no Jornal da Band da virada do ano. Na ocasião, vale sempre repisar, um vazamento do áudio permitiu ouvir o seu asqueroso ataque aos garis paulistas. “Que merda. Dois lixeiros desejando felicidades... do alto de suas vassouras... Dois lixeiros... O mais baixo da escala do trabalho”. Na sequencia, o apresentador até pediu desculpas – pelo vazamento, mas não pelas idéias elitistas.
Cadê o “independente” Hélio Costa?
Graças à guerrilha informativa na internet, que tanto atormenta os colunistas da mídia “privada”, o vídeo foi assistido por mais de 1,2 milhão de pessoas em apenas oito dias. Nos blogs e sítios progressistas, milhares de internautas registraram sua bronca diante do patético elitista. Alguns, mais irritados, exigiram a sua imediata demissão da TV Bandeirantes; outros, mais sarcásticos, sugeriram que os garis não recolhessem mais os seus detritos ou que Casoy fosse obrigado a varrer as ruas paulistanas como punição; muitos informaram que não assistirão mais o Jornal da Band.
O jornalista Paulo Henrique Amorim, incorporando sugestões de seus leitores do blog Conversa Afiada, fez uma proposta mais prática. Iniciar uma campanha nacional exigindo que o ministro das Comunicações, “o independente” Hélio Costa, e Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o incompetente órgão que deveria regular o setor, cobrem explicações do âncora e da própria emissora sobre o episódio criminoso. “O ministro da Justiça também pode fazer alguma coisa sobre o papel edificante da Band e do Boris Casoy”, acrescentou.
Ações na Justiça e protestos
A reação mais esperada, entretanto, era a dos próprios garis e o Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Prestação de Serviços de Asseio e Conservação e Limpeza Urbana de São Paulo (Siemaco) já decidiu entrar com ação civil e criminal contra o jornalista, exigindo sua retratação na Justiça. “O Casoy se esqueceu que limpeza significa saúde pública e, se os nossos ‘lixeiros no alto de suas vassouras’ não cuidassem da cidade, certamente viveríamos no caos. Podemos viver sem notícias, mas não sem limpeza pública”, protesta Moacyr Pereira, presidente do Siemaco.
O sindicato até tentou entregar uma carta de repúdio a Boris Casoy na sede da TV Bandeirantes, mas sequer foi recebido – numa segunda humilhação contra a categoria. A cada dia que passa, a cena deprimente gera maior revolta. A direção da empresa está emparedada, sofrendo desgaste, e não tem mais como fugir do assunto. Reproduzo abaixo duas notas do Siemaco. A primeira com críticas à falta de sensibilidade da TV Bandeirantes; a segunda, de repúdio ao deprimente âncora:
“Garis são humilhados duas vezes”
Não bastasse a frase desrespeitosa: “Que merda... Dois lixeiros desejando felicidades do alto da suas vassouras. O mais baixo na escala do trabalho”, captada pelo áudio aberto no encerramento da saudação de feliz 2010 de garis e varredores, hoje (4/01), ao tentar entregar uma carta a Boris Casoy e à TV Bandeirantes, os diretores do Siemaco foram mais uma vez humilhados.
Uma jornalista que se apresentou como Albertina e se disse chefe de redação não quis, sequer, assinar o protocolo de recebimento. Não autorizou, inclusive, que os diretores do Siemaco entrassem nas dependências da TV Bandeirantes. Atitude que confirma que a desculpa de Boris Casoy não passou de uma formalidade e que prevalece o preconceito e o tratamento desrespeitoso com a categoria, com os seus representantes legais e com os trabalhadores e trabalhadoras da limpeza urbana de São Paulo.
Por isso, publicamos esta “carta aberta à população” em busca de atitudes menos preconceituosas e para insistir na adoção de hábitos democráticos. Os garis e varredores de São Paulo queriam provar para a TV Bandeirantes e para Boris Casoy que não aceitam a classificação desrespeitosa: “O mais baixo na escala do trabalho”. O preconceito e afronta aos mínimos hábitos democráticos se confirmam pelas atitudes da TV Bandeirantes em não receber nossa carta de protesto e pelo tratamento desrespeitoso da jornalista Albertina, subordinada a Boris Casoy.
Carta aberta à população
Fazemos questão de registrar, formalmente, nossa indignação com a frase do apresentador Boris Casoy, da TV Bandeirantes, no dia 31 de dezembro de 2009, quando afirmou: “Que merda... dois lixeiros desejando felicidades do alto da suas vassouras. O mais baixo na escala do trabalho”.
Não aceitamos as desculpas do apresentador, que foram meramente formais ao ser pego ao manifestar o que pensa e que, infelizmente, reforça o preconceito de vários setores da sociedade contra os trabalhadores garis e varredores, responsáveis pela limpeza da nossa Capital.
O esforço que os trabalhadores e trabalhadoras fazem, apesar de enfrentarem atitudes preconceituosas como a expressa por Boris Casoy, muito nos orgulha, pois sabemos que somos parte integrante da preservação da saúde pública de nossa querida São Paulo.
Cadê o “independente” Hélio Costa?
Graças à guerrilha informativa na internet, que tanto atormenta os colunistas da mídia “privada”, o vídeo foi assistido por mais de 1,2 milhão de pessoas em apenas oito dias. Nos blogs e sítios progressistas, milhares de internautas registraram sua bronca diante do patético elitista. Alguns, mais irritados, exigiram a sua imediata demissão da TV Bandeirantes; outros, mais sarcásticos, sugeriram que os garis não recolhessem mais os seus detritos ou que Casoy fosse obrigado a varrer as ruas paulistanas como punição; muitos informaram que não assistirão mais o Jornal da Band.
O jornalista Paulo Henrique Amorim, incorporando sugestões de seus leitores do blog Conversa Afiada, fez uma proposta mais prática. Iniciar uma campanha nacional exigindo que o ministro das Comunicações, “o independente” Hélio Costa, e Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o incompetente órgão que deveria regular o setor, cobrem explicações do âncora e da própria emissora sobre o episódio criminoso. “O ministro da Justiça também pode fazer alguma coisa sobre o papel edificante da Band e do Boris Casoy”, acrescentou.
Ações na Justiça e protestos
A reação mais esperada, entretanto, era a dos próprios garis e o Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Prestação de Serviços de Asseio e Conservação e Limpeza Urbana de São Paulo (Siemaco) já decidiu entrar com ação civil e criminal contra o jornalista, exigindo sua retratação na Justiça. “O Casoy se esqueceu que limpeza significa saúde pública e, se os nossos ‘lixeiros no alto de suas vassouras’ não cuidassem da cidade, certamente viveríamos no caos. Podemos viver sem notícias, mas não sem limpeza pública”, protesta Moacyr Pereira, presidente do Siemaco.
O sindicato até tentou entregar uma carta de repúdio a Boris Casoy na sede da TV Bandeirantes, mas sequer foi recebido – numa segunda humilhação contra a categoria. A cada dia que passa, a cena deprimente gera maior revolta. A direção da empresa está emparedada, sofrendo desgaste, e não tem mais como fugir do assunto. Reproduzo abaixo duas notas do Siemaco. A primeira com críticas à falta de sensibilidade da TV Bandeirantes; a segunda, de repúdio ao deprimente âncora:
“Garis são humilhados duas vezes”
Não bastasse a frase desrespeitosa: “Que merda... Dois lixeiros desejando felicidades do alto da suas vassouras. O mais baixo na escala do trabalho”, captada pelo áudio aberto no encerramento da saudação de feliz 2010 de garis e varredores, hoje (4/01), ao tentar entregar uma carta a Boris Casoy e à TV Bandeirantes, os diretores do Siemaco foram mais uma vez humilhados.
Uma jornalista que se apresentou como Albertina e se disse chefe de redação não quis, sequer, assinar o protocolo de recebimento. Não autorizou, inclusive, que os diretores do Siemaco entrassem nas dependências da TV Bandeirantes. Atitude que confirma que a desculpa de Boris Casoy não passou de uma formalidade e que prevalece o preconceito e o tratamento desrespeitoso com a categoria, com os seus representantes legais e com os trabalhadores e trabalhadoras da limpeza urbana de São Paulo.
Por isso, publicamos esta “carta aberta à população” em busca de atitudes menos preconceituosas e para insistir na adoção de hábitos democráticos. Os garis e varredores de São Paulo queriam provar para a TV Bandeirantes e para Boris Casoy que não aceitam a classificação desrespeitosa: “O mais baixo na escala do trabalho”. O preconceito e afronta aos mínimos hábitos democráticos se confirmam pelas atitudes da TV Bandeirantes em não receber nossa carta de protesto e pelo tratamento desrespeitoso da jornalista Albertina, subordinada a Boris Casoy.
Carta aberta à população
Fazemos questão de registrar, formalmente, nossa indignação com a frase do apresentador Boris Casoy, da TV Bandeirantes, no dia 31 de dezembro de 2009, quando afirmou: “Que merda... dois lixeiros desejando felicidades do alto da suas vassouras. O mais baixo na escala do trabalho”.
Não aceitamos as desculpas do apresentador, que foram meramente formais ao ser pego ao manifestar o que pensa e que, infelizmente, reforça o preconceito de vários setores da sociedade contra os trabalhadores garis e varredores, responsáveis pela limpeza da nossa Capital.
O esforço que os trabalhadores e trabalhadoras fazem, apesar de enfrentarem atitudes preconceituosas como a expressa por Boris Casoy, muito nos orgulha, pois sabemos que somos parte integrante da preservação da saúde pública de nossa querida São Paulo.
Boris Casoy não cometeu uma “gafe”
O repórter Fábio Pannunzio, que já produziu algumas boas reportagens na TV Bandeirantes, saiu em defesa do âncora da emissora, Boris Casoy, que se desmascarou na virada do ano ao humilhar dois garis que desejaram feliz 2010. Sua frase repugnante – “Que merda. Dois lixeiros desejando felicidades... do alto de suas vassouras... Dois lixeiros... O mais baixo da escala do trabalho” – pegou muito mal. Milhares de internautas espalharam o vídeo e espinafraram o preconceituoso.
Em seu sitio, Fábio Pannunzio, que eventualmente substitui o âncora no Jornal da Noite, afirma que considera as reações exageradas. Após esclarecer que “conheço Boris Casoy há apenas dois anos”, ele ainda tenta justificar “a frase infeliz”. Seria apenas uma “gafe”, como tantas outras da televisão. “Outras dezenas de casos correlatos aconteceram sem que seus protagonistas fossem crucificados por seus credos, origem étnica, preferência sexual ou o quer que seja. Por isso, não é justo nem razoável que Boris Casoy continue sendo vítima desse massacrante cyberbullying”.
Direitismo e preconceitos de classe
No texto “Em defesa de Boris Casoy”, Fábio Pannunzio comete vários erros. As pessoas sensatas não “crucificam” o âncora “por seu credo, origem ética ou preferência sexual”. Não se combate preconceitos com preconceitos. Casoy, sim, é que nunca escondeu os seus piores preconceitos, principalmente os de classe. Com suas ironias, risadinhas e trejeitos, ele vive desqualificando os trabalhadores, principalmente os que lutam por seus direitos. Seu ódio aos ativistas do MST que lutam pela reforma agrária é visceral, escancarado; todas as greves são motivo de seu veneno.
A forma ácida como agride o presidente Lula também revela o seu “nojo de classe”. Não há nada de jornalismo, mas sim ranço ideológico. Ele não admite um operário, ex-sindicalista, no Palácio do Planalto. Trata o presidente como um analfabeto, ignorante, bronco. Não é para menos que ele se tornou um expoente da oposição de direita e foi cogitado pelo banqueiro Bornhausen, ex-presidente do PFL, atual Demo, para ingressar com o pedido de impeachment de Lula. Casoy, que prestou assessoria a políticos da ditadura, parece sentir saudades daquele período sombrio.
“O destino acerta suas contas”
O próprio Pannunzio afirma conhecer o apresentador há “apenas dois anos”. Pelas regras do bom jornalismo, ele deveria investigar melhor a longa trajetória de Boris Casoy. Isto ajudaria a entender porque ele humilhou os garis, ataca os grevistas, estigmatiza o MST e ironiza o presidente Lula. Não é verdade que o apresentador cometeu somente uma “gafe”. O vazamento do áudio permitiu ouvir o que ele realmente pensa, desnudou sua concepção elitista e direitista – de viés fascista.
Essa concepção está presente, agredindo os telespectadores da Band, todos os dias. Ela é antiga e somente ficou mais explícita na fase recente, talvez por ódio a um trabalhador no Palácio. Celso Lungaretti, veterano jornalista, conhece bem a trajetória desta figura escrota. Num texto didático, intitulado “O destino acerta suas contas”, ele conta um pouco da sua biografia, que confirma que não houve “gafe”, mas sim puro direitismo e preconceito de classe. Num dos trechos, ele relata:
“Um dos líderes da ala jovem do CCC”
“Casoy é elitista, racista, conservador e reacionário desde muito cedo. Um velho companheiro que com ele cursou Direito no Mackenzie me contou: aos 23 anos, Casoy era um dos líderes da ala jovem do Comando de Caça aos Comunistas, que tinha nessa faculdade um de seus focos principais. Mais: nos idos de 1964, Casoy chegou a ser citado em reportagem da revista Cruzeiro como membro destacado da juventude anticomunista. A quartelada o beneficiou, claro: ele foi homem de imprensa de um ministro do governo Médici e do secretário da Agricultura de São Paulo, Herbert Levy, outra figurinha da direita”. Sobre a sua projeção na imprensa, ele recorda:
“Isto aconteceu quando o comando do II Exército aproveitou uma frase imprudente do cronista Lourenço Diaféria (sobre mendigos urinarem na estátua de Caxias) para intervir na Folha. Os militares exigiram a destituição do diretor de redação Cláudio Abramo (trotskista histórico), o afastamento de profissionais (demitidos ou realocados) e o abrandamento da linha editorial. O proprietário Octávio Frias de Oliveira, que sempre se definiu como comerciante e não jornalista, negociou. Servil, aceitou substituir Abramo por um homem de absoluta confiança do regime militar: Casoy”. Como se observa, a humilhação dos garis não foi apenas uma “frase infeliz”.
Em seu sitio, Fábio Pannunzio, que eventualmente substitui o âncora no Jornal da Noite, afirma que considera as reações exageradas. Após esclarecer que “conheço Boris Casoy há apenas dois anos”, ele ainda tenta justificar “a frase infeliz”. Seria apenas uma “gafe”, como tantas outras da televisão. “Outras dezenas de casos correlatos aconteceram sem que seus protagonistas fossem crucificados por seus credos, origem étnica, preferência sexual ou o quer que seja. Por isso, não é justo nem razoável que Boris Casoy continue sendo vítima desse massacrante cyberbullying”.
Direitismo e preconceitos de classe
No texto “Em defesa de Boris Casoy”, Fábio Pannunzio comete vários erros. As pessoas sensatas não “crucificam” o âncora “por seu credo, origem ética ou preferência sexual”. Não se combate preconceitos com preconceitos. Casoy, sim, é que nunca escondeu os seus piores preconceitos, principalmente os de classe. Com suas ironias, risadinhas e trejeitos, ele vive desqualificando os trabalhadores, principalmente os que lutam por seus direitos. Seu ódio aos ativistas do MST que lutam pela reforma agrária é visceral, escancarado; todas as greves são motivo de seu veneno.
A forma ácida como agride o presidente Lula também revela o seu “nojo de classe”. Não há nada de jornalismo, mas sim ranço ideológico. Ele não admite um operário, ex-sindicalista, no Palácio do Planalto. Trata o presidente como um analfabeto, ignorante, bronco. Não é para menos que ele se tornou um expoente da oposição de direita e foi cogitado pelo banqueiro Bornhausen, ex-presidente do PFL, atual Demo, para ingressar com o pedido de impeachment de Lula. Casoy, que prestou assessoria a políticos da ditadura, parece sentir saudades daquele período sombrio.
“O destino acerta suas contas”
O próprio Pannunzio afirma conhecer o apresentador há “apenas dois anos”. Pelas regras do bom jornalismo, ele deveria investigar melhor a longa trajetória de Boris Casoy. Isto ajudaria a entender porque ele humilhou os garis, ataca os grevistas, estigmatiza o MST e ironiza o presidente Lula. Não é verdade que o apresentador cometeu somente uma “gafe”. O vazamento do áudio permitiu ouvir o que ele realmente pensa, desnudou sua concepção elitista e direitista – de viés fascista.
Essa concepção está presente, agredindo os telespectadores da Band, todos os dias. Ela é antiga e somente ficou mais explícita na fase recente, talvez por ódio a um trabalhador no Palácio. Celso Lungaretti, veterano jornalista, conhece bem a trajetória desta figura escrota. Num texto didático, intitulado “O destino acerta suas contas”, ele conta um pouco da sua biografia, que confirma que não houve “gafe”, mas sim puro direitismo e preconceito de classe. Num dos trechos, ele relata:
“Um dos líderes da ala jovem do CCC”
“Casoy é elitista, racista, conservador e reacionário desde muito cedo. Um velho companheiro que com ele cursou Direito no Mackenzie me contou: aos 23 anos, Casoy era um dos líderes da ala jovem do Comando de Caça aos Comunistas, que tinha nessa faculdade um de seus focos principais. Mais: nos idos de 1964, Casoy chegou a ser citado em reportagem da revista Cruzeiro como membro destacado da juventude anticomunista. A quartelada o beneficiou, claro: ele foi homem de imprensa de um ministro do governo Médici e do secretário da Agricultura de São Paulo, Herbert Levy, outra figurinha da direita”. Sobre a sua projeção na imprensa, ele recorda:
“Isto aconteceu quando o comando do II Exército aproveitou uma frase imprudente do cronista Lourenço Diaféria (sobre mendigos urinarem na estátua de Caxias) para intervir na Folha. Os militares exigiram a destituição do diretor de redação Cláudio Abramo (trotskista histórico), o afastamento de profissionais (demitidos ou realocados) e o abrandamento da linha editorial. O proprietário Octávio Frias de Oliveira, que sempre se definiu como comerciante e não jornalista, negociou. Servil, aceitou substituir Abramo por um homem de absoluta confiança do regime militar: Casoy”. Como se observa, a humilhação dos garis não foi apenas uma “frase infeliz”.
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