Reproduzo reportagem de Anselmo Massad, publicada na última edição da Revista do Brasil:
Durante 12 horas de uma segunda-feira, 1º de março, colunistas e comentaristas de alguns dos veículos de comunicação comercial de maior tiragem e audiência no país estiveram reunidos em São Paulo para um tipo de discussão inédito, em um hotel num bairro nobre da cidade. O 1º Fórum Democracia e Liberdade de Expressão tinha, como cerne, debater “constantes ameaças” exercidas especialmente por governos sul-americanos – incluindo o brasileiro.
Dois altos comandantes de empresas de comunicação participaram – Roberto Civita, do Grupo Abril, e Otavio Frias Filho, da Folha de S.Paulo. As exposições mais proeminentes, porém, couberam a quem é contratado para emitir opiniões. O geógrafo Demétrio Magnoli (revista Época e Folha), o cineasta Arnaldo Jabor (Jornal da Globo e Rádio CBN), o jornalista Reinaldo Azevedo (Veja Online), o filósofo Denis Rosenfield e outros articulistas protagonizaram as duras acusações ao governo federal, à esquerda e ao PT, no que diz respeito a “atentar contra a liberdade de expressão, de imprensa e a democracia”.
Junto de representantes de empresas de comunicação sul-americanas e de jornalistas como William Waack (Jornal da Globo e Globonews), Carlos Alberto Di Franco (Estadão) e Carlos Alberto Sardenberg (CBN e Globonews) ofereceram um receituário informal para a cobertura do pleito. O conjunto de recomendações funcionaria como um guia sobre como se posicionar, política e partidariamente, durante as eleições presidenciais deste ano.
“Parece-me que, pela primeira vez de uma forma pública, houve um evento com espaço para articular uma pauta”, avalia Cristina Charão, membro do Coletivo Intervozes e editora do Observatório Direito à Comunicação. “Não é só eleitoral, é uma pauta programática”, completa. Ela pondera que, antes, apenas em encontros de entidades patronais, como a Associação Nacional de Jornais (ANJ), empresários do setor se reuniam, mas sem delimitar tão claramente uma plataforma. Desta vez, até os vídeos das palestras estão no YouTube.
Questão de projeto
O organizador do evento foi o Instituto Millenium, associação constituída em 2006 e hoje com status de Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip). Orgulha-se de não receber dinheiro público e lista, entre os colaboradores financeiros, João Roberto Marinho, Jorge Gerdau Johannpeter e Roberto Civita. A ONG assume posições claras de defesa de livre mercado, propriedade privada, democracia representativa, “sem caráter partidário”.
Alguns pontos dessa agenda são: nada de democracia participativa, de políticas de ações afirmativas (como cotas), de presença do Estado na economia ou de constituição de algum mecanismo de controle da sociedade sobre o que se produz em termos de comunicação social, sobretudo aquela veiculada por meio de concessões públicas, como emissoras de rádio e TV. Ou, como definiu Rosenfield, articulista do Estadão e da Folha: “Observamos no Brasil tendências cada vez maiores de cerceamento da liberdade de expressão... O projeto é claro. Só não vê coerência quem não quer”, afirma.
Aliás, mesmo o compromisso das empresas de comunicação comercial com os valores tão caros aos participantes do fórum chegou a ser questionados. Reinaldo Azevedo, blogueiro da Veja, alertou os colegas que a “guerra da democracia do lado de cá” está sendo perdida. Para mudar? “Na hora em que a imprensa decidir e passar a defender os valores que são da democracia, da economia de mercado e do individualismo, e que não se vai dar trela para quem a quer solapar, começaremos a mudar uma certa cultura”, previu.
Demétrio Magnoli contribuiu para apontar a direção almejada. “Se o Serra ganhasse, faríamos uma festa em termos das liberdades. Seria ruim para os fumantes, mas mudaria muito em relação à liberdade de expressão. Mas a perspectiva é de que a Dilma vença”, lamentou.
O humorista Marcelo Madureira assinalou em seu depoimento que “como cidadão se sente ameaçado” naquilo que lhe é mais caro, por ter representado “a luta da minha vida por viver num país democrático”. O casseta não poupou críticas a Lula – “o presidente da República faz da mentira prática política” – e admitiu sua preferência partidária: “Eu sou socialdemocrata, tenho simpatia pelo PSDB. Não tenho nenhuma vergonha de dizer isso. Eu sou oposição hoje. Totalmente”.
Longe dali, o jornalista e professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP) Bernardo Kucinski, colaborador da Revista do Brasil, acredita que se trata de uma tentativa artificial de os empresários da comunicação dizerem que há censura no Brasil por parte do Estado. “Os setores conservadores querem se antecipar a um debate que deve ser feito, que é inevitável, que é o debate do oligopólio dos meios de comunicação”, resume, em entrevista à revista Fórum. “Então eles exacerbam o discurso, que se torna cada vez mais agressivo, raivoso.” Para Kucinski, a afirmação de que há censura no Brasil ou ameaças às liberdades de imprensa não procedem. Segundo ele, houve casos em que o Judiciário manifestou-se em relação a alguns veículos. “Liberdade de quem? É só discurso pela liberdade empresarial”, alfineta.
Partidarismo?
A partir de 2005, quando alguns dos principais expoentes do governo Lula sofriam um bombardeio de acusações, defensores do governo foram progressivamente se inclinando a um discurso de enfrentamento à mídia. Refutavam denúncias atribuindo-lhes caráter de golpismo e defesa de interesses da elite brasileira. A expressão mais famosa foi cunhada pelo deputado federal Fernando Ferro (PT-PE), e tornada famosa na blogosfera após adoção pelo jornalista Paulo Henrique Amorim, em seu Conversa Afiada: Partido da Imprensa Golpista, o PIG.
Agora, passado o encontro de 1º de março, ganharam novo ímpeto as acusações de conspiração por parte da mídia. Um dos relatos mais detalhados, que poderia até soar como teoria da conspiração se não tivesse tantas aplicações práticas no dia a dia da imprensa, é assinado pelo jornalista Mauro Carrara, que nomeia como “Tempestade no Cerrado” uma nova operação de bombardeio midiático sobre o governo Lula. A paródia de “Tempestade no Deserto”, ação militar dos Estados Unidos na primeira Guerra do Golfo, em 1990, envolveria ataques por frentes variadas e com intensidade – como resgatar o “mensalão”, vincular Lula ao Irã e a Cuba, destacar notícias econômicas negativas, e por aí afora.
O professor Venício Lima, do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da Universidade de Brasília (UnB), pondera: “Como no Brasil não há restrições à propriedade cruzada de tipos de canais, os conglomerados são multimídia – donos de jornais, rádios, TVs e grandes portais –, o que reduz o número de empresas a poucos grupos em todo o país”, lembra. O professor organizou um livro sobre o papel dos principais veículos na campanha de 2006, incluindo três estudos quantitativos – do Observatório Brasileiro de Mídia, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e da Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM-SP) – a respeito da cobertura. Todos indicaram predisposição para favorecer o então candidato da oposição, Geraldo Alckmin (PSDB).
Para Venício, seria uma conduta de lealdade, honestidade e correção ética se a mídia assumisse a preferência por seus candidatos, prática de exceção no Brasil, adotada apenas por O Estado de S. Paulo, entre a mídia convencional. Ou por Carta Capital, entre as revistas comerciais, e esta RdB, em 2006 – a exemplo do que fazem veículos importantes nos Estados Unidos.
“É uma situação mais ou menos invertida em relação ao Brasil: lá (nos EUA), ao assumir o apoio, há um esforço para que essa posição não contamine a cobertura jornalística”, aponta Venício. “Aqui, os grupos de mídia, embora não declarem abertamente o apoio a um candidato, essa posição fica cada vez mais explícita por contaminar a cobertura. Mesmo assim há certa subestimação da capacidade crítica do público, de que adotam conduta imparcial”, compara.
Em outros momentos da história política recente do país, as grandes coberturas da imprensa não davam indicações de haver uma articulação orquestrada. O chamado “pensamento único” em relação a temas como privatizações, flexibilização de direitos trabalhistas, liberdade para o próprio mercado ditar os rumos da economia, etc., parecia fluir de um entendimento tácito. Agora, o fórum do Instituto Millenium expõe uma conduta organizada e inédita. Os desdobramentos dessa articulação poderão ser acompanhados com a chegada da temporada eleitoral. E qual será o peso dessa unidade frente ao potencial da internet de multiplicar o acesso à informação – em ascensão inclusive nas classes C e D? A conferir, nos próximos capítulos.
Cartilha ou coincidência?
O 1º Fórum Democracia e Liberdade de Expressão explicitou posições políticas da mídia conservadora. Há quem diga que o receituário sempre esteve presente no noticiário. Outros apostam num recrudescimento do chamado “pensamento único” a partir dessa articulação inédita em torno de pautas como:
- “Novo comando do PT ataca mídia na 1ª reunião” (O Globo, 6/3/2010: “A cúpula do PT está disposta a intensificar o debate ideológico sobre o papel da mídia na cobertura da campanha presidencial”).
- “Liberdade em risco” (Zero Hora, 6/3/2010, em editorial: “As constantes tentativas de interferência na atuação da imprensa têm mais defensores entre integrantes do Partido dos Trabalhadores do que no governo”).
Críticas à política externa
- “Presidente é cúmplice da tirania, afirma grevista” (Folha, 10/3/2010, sobre comportamento de Lula em visita a Cuba).
- “Defesa do Teerã reforça isolamento brasileiro” (Folha, 4/3/2010, análise aponta “soberba” da política externa por defender diálogo com o Irã mesmo frente a Hillary Clinton, secretária de Estado norte-americana).
Desqualificar Dilma Rousseff
- “A questão é como impedir politicamente o pensamento de uma velha esquerda que não deveria mais existir no mundo” (fala de Arnaldo Jabor, no fórum).
- “Novata, Dilma obedece aos veteranos do PT” (Folha, 21/3/2010. Direta como a reportagem, uma charge mostrava Dilma como uma marionete controlada pelos tais “veteranos”).
Assumir posição eleitoral
- “A imprensa tem que acabar com o isentismo (sic) e o outroladismo (sic), essa história de dar o mesmo espaço a todos” (fala de Reinaldo Azevedo no fórum).
- “Serra vai se lançar candidato defendendo ‘Estado ativo’” (Estadão, 13/3/2010, manchete da edição que inaugurava o novo projeto visual. “Sinceridade, serenidade, crítica sem agressão, propostas no lugar de promessas são as linhas gerais da campanha presidencial do governador de São Paulo, José Serra”).
- “Enfim, candidato! Serra admite na TV que concorrerá à Presidência” (Veja, 22/3/2010).
- “Serra comemora aniversário em meio à agenda intensa” (Folha Online, 19/3/2010. “Nem mesmo em seu aniversário o governador deixará sua agenda pública de lado, que nos últimos dias anda cheia por conta das obras e realizações que pretende inaugurar antes do prazo máximo para a desincompatibilização do cargo para a disputa eleitoral, no início de abril”).
Combater intervenções do Estado
- “Banda larga é eleitoral” (Estadão, 13/3/2010. Ethevaldo Siqueira, articulista de tecnologia, critica a proposta de uso de redes públicas de fibra óptica para fornecer acesso à internet em alta velocidade a todo o país).
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domingo, 9 de maio de 2010
A guerrilha eleitoral na internet
Reproduzo entrevista concedida a Juliana Sada, publicada no blog Escrevinhador:
A cinco meses das eleições, a internet já é campo de uma batalha intensa entre os partidários dos diversos candidatos. Para além das páginas oficias, se destacam as publicações feitas por pessoas comuns – sem ter necessariamente ligação oficial com o partido ou estar a serviço dele. Os conteúdos são publicados por meio de diversas ferramentas que se tornam cada vez mais populares entre os brasileiros; é o caso do Twitter, Facebook, YouTube, Orkut e dos já conhecidos blogs.
Na campanha eleitoral, estas ferramentas serão as novas armas dos publicitários seguindo o exemplo do que foi feito na campanha de Barack Obama, na qual as redes sociais foram um trunfo do candidato vencedor. A campanha do PT já tem como consultores os publicitários da campanha de Obama. Procurados também pelo PSDB, eles afirmaram não fazer campanha para partidos conservadores. Além da campanha oficial, ambos partidos já montaram uma estrutura para dar suporte a simpatizantes que desejem disseminar informações e campanhas pela internet.
Para debater o assunto, Escrevinhador conversou com Ronaldo Lemos, professor titular e coordenador da área de propriedade intelectual da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (RJ) e diretor do Creative Commons no Brasil.
As redes sociais são um fenômeno relativamente novo e ainda muito do seu potencial está sendo explorado. Na sua visão, qual o nível de aproveitamento destas ferramentas no Brasil?
Ronaldo Lemos: De um modo geral, sem considerar o contexto das eleições, o uso das redes sociais e demais ferramentas (como blogs, twitter etc) é intenso no Brasil. No entanto, é essencialmente um uso não-profissional. Falta ainda no Brasil um grau maior empreendedorismo tanto nas redes sociais (com o desenvolvimento de aplicações, por exemplo), quanto na produção e profissionalização de conteúdo online descentralizados. No Brasil, grande parte da produção de conteúdo profissional na web é feita pelas empresas de tradicionais de mídia.
Uma das inovações trazidas pelas redes sociais é a possibilidade de indivíduos comuns serem emissores de opiniões e mensagens, realizando uma comunicação descentralizada. Entretanto, as redes sociais já são largamente utilizadas pela publicidade Isso traz algum prejuízo à possibilidade das pessoas serem emissores?
Esse ponto é importante. Muitas vezes a comunicação pela web faz perder um pedaço importante da informação: quem é o seu emissor. Nesse sentido, mensagens comerciais ou partidárias são muitas vezes lançadas na rede como se fossem comunicação casual entre pessoas. Casos extremos a esse respeito acontecem, por exemplo, na China, onde o governo chegou a pagar R$ 0,10 por comentário anônimo postado nas redes sociais e sites que fossem favoráveis ao governo. Nesse sentido, é importante lembrar que o uso da web dá sim poder para as pessoas, mas organizações, partidos políticos e governos, inclusive os autoritários, aprenderam rápido a se valer também dessas ferramentas.
Durante a campanha de Barack Obama, as redes sociais (tanto oficiais quanto de apoiadores) foram fundamentais. Isto já foi percebido pelos políticos brasileiro que já preparam campanhas que explorarão mais as redes. Você espera que surta o mesmo efeito aqui? Tendo em vista que o uso à internet no Brasil é muito distinto do estadunidense.
A internet vai modificar bastante a dinâmica das campanhas e dá para antever disputas acirradas pela rede. No entanto, sua capacidade de influenciar as eleições majoritárias, como presidente e governadores, a meu ver, ainda é pequena. Obviamente não dá para deixar a internet de lado, mas ela não será um fator central de decisão nessas campanhas. No entanto, a rede permitirá pela primeira vez o surgimento de candidaturas de "nicho", por exemplo, para o Congresso e Assembléias Legislativas estaduais, com novas vozes que sem a internet não teriam chance.
Este panorama também depende da iniciativa das pessoas em participarem da campanha como apoiador. Isso pode criar uma nova maneira de ativismo ou engajamento?
Pode sim. O que fez muita diferença nos EUA foi a possibilidade dos eleitores doarem dinheiro descentralizadamente para seus candidatos através da internet. No Brasil isso passou a ser possível também, mas por razões culturais, não creio que essa prática será significativa para essas eleições, com um volume baixo de doações sendo feito dessa forma.
Nas últimas semanas, temos visto já uma acirrada disputa na internet entre partidários da Dilma Roussef e do José Serra. De um lado temos páginas oficiais sendo criadas para atacar os candidatos (caso do gentequemente do PSDB, por exemplo) e de outro, temos as páginas não oficiais que se dão ao direito que recorrer a xingamentos, sátiras mais pesadas... Esse panorama é esperado? Que tipo de regulação pode ser aplicada nestes casos?
A lei eleitoral manteve o direito de resposta para sites que fazem campanha. Dá para esperar um número grande de ações nos tribunais eleitorais a esse respeito. Mas controlar o conteúdo na web é tarefa difícil e isso é bom. Essas eleições serão um passo importante no sentido de maior amadurecimento da esfera pública brasileiro. Nesse sentido, a campanha pela internet entrega cada vez mais ao eleitor a responsabilidade de ponderar e interpretar o valor de cada informação emitida na rede.
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A cinco meses das eleições, a internet já é campo de uma batalha intensa entre os partidários dos diversos candidatos. Para além das páginas oficias, se destacam as publicações feitas por pessoas comuns – sem ter necessariamente ligação oficial com o partido ou estar a serviço dele. Os conteúdos são publicados por meio de diversas ferramentas que se tornam cada vez mais populares entre os brasileiros; é o caso do Twitter, Facebook, YouTube, Orkut e dos já conhecidos blogs.
Na campanha eleitoral, estas ferramentas serão as novas armas dos publicitários seguindo o exemplo do que foi feito na campanha de Barack Obama, na qual as redes sociais foram um trunfo do candidato vencedor. A campanha do PT já tem como consultores os publicitários da campanha de Obama. Procurados também pelo PSDB, eles afirmaram não fazer campanha para partidos conservadores. Além da campanha oficial, ambos partidos já montaram uma estrutura para dar suporte a simpatizantes que desejem disseminar informações e campanhas pela internet.
Para debater o assunto, Escrevinhador conversou com Ronaldo Lemos, professor titular e coordenador da área de propriedade intelectual da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (RJ) e diretor do Creative Commons no Brasil.
As redes sociais são um fenômeno relativamente novo e ainda muito do seu potencial está sendo explorado. Na sua visão, qual o nível de aproveitamento destas ferramentas no Brasil?
Ronaldo Lemos: De um modo geral, sem considerar o contexto das eleições, o uso das redes sociais e demais ferramentas (como blogs, twitter etc) é intenso no Brasil. No entanto, é essencialmente um uso não-profissional. Falta ainda no Brasil um grau maior empreendedorismo tanto nas redes sociais (com o desenvolvimento de aplicações, por exemplo), quanto na produção e profissionalização de conteúdo online descentralizados. No Brasil, grande parte da produção de conteúdo profissional na web é feita pelas empresas de tradicionais de mídia.
Uma das inovações trazidas pelas redes sociais é a possibilidade de indivíduos comuns serem emissores de opiniões e mensagens, realizando uma comunicação descentralizada. Entretanto, as redes sociais já são largamente utilizadas pela publicidade Isso traz algum prejuízo à possibilidade das pessoas serem emissores?
Esse ponto é importante. Muitas vezes a comunicação pela web faz perder um pedaço importante da informação: quem é o seu emissor. Nesse sentido, mensagens comerciais ou partidárias são muitas vezes lançadas na rede como se fossem comunicação casual entre pessoas. Casos extremos a esse respeito acontecem, por exemplo, na China, onde o governo chegou a pagar R$ 0,10 por comentário anônimo postado nas redes sociais e sites que fossem favoráveis ao governo. Nesse sentido, é importante lembrar que o uso da web dá sim poder para as pessoas, mas organizações, partidos políticos e governos, inclusive os autoritários, aprenderam rápido a se valer também dessas ferramentas.
Durante a campanha de Barack Obama, as redes sociais (tanto oficiais quanto de apoiadores) foram fundamentais. Isto já foi percebido pelos políticos brasileiro que já preparam campanhas que explorarão mais as redes. Você espera que surta o mesmo efeito aqui? Tendo em vista que o uso à internet no Brasil é muito distinto do estadunidense.
A internet vai modificar bastante a dinâmica das campanhas e dá para antever disputas acirradas pela rede. No entanto, sua capacidade de influenciar as eleições majoritárias, como presidente e governadores, a meu ver, ainda é pequena. Obviamente não dá para deixar a internet de lado, mas ela não será um fator central de decisão nessas campanhas. No entanto, a rede permitirá pela primeira vez o surgimento de candidaturas de "nicho", por exemplo, para o Congresso e Assembléias Legislativas estaduais, com novas vozes que sem a internet não teriam chance.
Este panorama também depende da iniciativa das pessoas em participarem da campanha como apoiador. Isso pode criar uma nova maneira de ativismo ou engajamento?
Pode sim. O que fez muita diferença nos EUA foi a possibilidade dos eleitores doarem dinheiro descentralizadamente para seus candidatos através da internet. No Brasil isso passou a ser possível também, mas por razões culturais, não creio que essa prática será significativa para essas eleições, com um volume baixo de doações sendo feito dessa forma.
Nas últimas semanas, temos visto já uma acirrada disputa na internet entre partidários da Dilma Roussef e do José Serra. De um lado temos páginas oficiais sendo criadas para atacar os candidatos (caso do gentequemente do PSDB, por exemplo) e de outro, temos as páginas não oficiais que se dão ao direito que recorrer a xingamentos, sátiras mais pesadas... Esse panorama é esperado? Que tipo de regulação pode ser aplicada nestes casos?
A lei eleitoral manteve o direito de resposta para sites que fazem campanha. Dá para esperar um número grande de ações nos tribunais eleitorais a esse respeito. Mas controlar o conteúdo na web é tarefa difícil e isso é bom. Essas eleições serão um passo importante no sentido de maior amadurecimento da esfera pública brasileiro. Nesse sentido, a campanha pela internet entrega cada vez mais ao eleitor a responsabilidade de ponderar e interpretar o valor de cada informação emitida na rede.
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TV por assinatura e legislação no varejo
Reproduzo artigo do professor Laurindo Lalo Leal Filho, publicado no sítio Carta Maior:
Arrasta-se desde 2007 a discussão na Câmara dos Deputados em torno de um Projeto de Lei, conhecido como PL-29, destinado a regulamentar o funcionamento da TV por assinatura no Brasil. Um setor que é, ao mesmo tempo, oligopolista e campeão de reclamações nos serviços de defesa do consumidor. Além de cobrar tarifas elevadas por seus serviços, muito superiores às praticadas em outros países.
As reclamações têm fundamento. As operadoras desse sistema além da tarifa mensal, obtém receita de publicidade e do aluguel de espaço para canais de vendas e religiosos. Ou seja, o consumidor compra um produto televisivo e é obrigado a assistir o que não lhe interessa. Na verdade ele paga duas vezes: a assinatura e o percentual destinado à propaganda embutido nos produtos que consome e que são anunciados por esses canais. Há algo errado aí.
A TV por assinatura chega aos domicílios basicamente por três caminhos: através do cabo que detêm 61% do mercado e onde o domínio é da Net, via satélite com 34%, reduto da Sky e por micro-ondas com 5%. Com isso, as operadoras impõe regras e preços a seu critério.
No projeto de lei apresentado à Câmara o propósito inicial era o de regulamentar a entrada das empresas de telefonia no setor. Para evitar a ocupação total das grades de programação por filmes e programas estrangeiros, surgiu a proposta do estabelecimento de cotas destinadas a garantir espaço à produção nacional. Foi o que bastou para despertar a ira dos radiodifusores. Eles não admitem nenhuma limitação social ao seu negócio. E, a partir dai, a tramitação do PL-29 empacou.
Segundo a revista Tele-Time, para ajudar a esvaziar o projeto, “a Sky teria procurado a bancada evangélica da Câmara dos Deputados, uma das de maior peso nas negociações parlamentares, e ponderado que, se aprovado o regime de cotas previsto no PL 29, os canais religiosos corriam o risco de ser retirados de sua programação”.
A ameaça pode fazer com que o projeto seja remetido para o Plenário, ao invés de terminar na Comissão, como estava previsto. E lá, diante de tanta celeuma, dificilmente seria aprovado.
Na verdade, esse caso é apenas uma pequena amostra das dificuldades em se legislar sobre a radiodifusão no Brasil. E serve para encobrir uma questão que é escamoteada há muito mais tempo: a elaboração de uma nova lei geral para o setor no país. Promulgada em 1962, a lei é do tempo da TV em preto e branco, de uma época em que o video-tape era uma grande novidade permitindo, por exemplo, ao humorista Chico Anísio dialogar com ele mesmo, no ar, para deslumbramento da platéia. Hoje, quase 50 anos depois, com a TV digital já implantada, a lei permanece a mesma. A consequência é que vivemos a política do vale-tudo. E nesse esporte ganham os mais fortes, no caso as grandes empresas de rádio e de televisão.
Para não mexer no geral, trata-se do particular. Como nesse caso da TV por assinatura. Enquanto esse serviço atinge menos de oito milhões de domicílios, a TV aberta cobre todo o país, mas escapa de qualquer regulação. Uma legislação que coíba os abusos da TV fechada será sempre bem-vinda, mas o ideal é que ela seja parte de um todo muito maior. De uma lei que ponha a TV brasileira nos eixos.
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Arrasta-se desde 2007 a discussão na Câmara dos Deputados em torno de um Projeto de Lei, conhecido como PL-29, destinado a regulamentar o funcionamento da TV por assinatura no Brasil. Um setor que é, ao mesmo tempo, oligopolista e campeão de reclamações nos serviços de defesa do consumidor. Além de cobrar tarifas elevadas por seus serviços, muito superiores às praticadas em outros países.
As reclamações têm fundamento. As operadoras desse sistema além da tarifa mensal, obtém receita de publicidade e do aluguel de espaço para canais de vendas e religiosos. Ou seja, o consumidor compra um produto televisivo e é obrigado a assistir o que não lhe interessa. Na verdade ele paga duas vezes: a assinatura e o percentual destinado à propaganda embutido nos produtos que consome e que são anunciados por esses canais. Há algo errado aí.
A TV por assinatura chega aos domicílios basicamente por três caminhos: através do cabo que detêm 61% do mercado e onde o domínio é da Net, via satélite com 34%, reduto da Sky e por micro-ondas com 5%. Com isso, as operadoras impõe regras e preços a seu critério.
No projeto de lei apresentado à Câmara o propósito inicial era o de regulamentar a entrada das empresas de telefonia no setor. Para evitar a ocupação total das grades de programação por filmes e programas estrangeiros, surgiu a proposta do estabelecimento de cotas destinadas a garantir espaço à produção nacional. Foi o que bastou para despertar a ira dos radiodifusores. Eles não admitem nenhuma limitação social ao seu negócio. E, a partir dai, a tramitação do PL-29 empacou.
Segundo a revista Tele-Time, para ajudar a esvaziar o projeto, “a Sky teria procurado a bancada evangélica da Câmara dos Deputados, uma das de maior peso nas negociações parlamentares, e ponderado que, se aprovado o regime de cotas previsto no PL 29, os canais religiosos corriam o risco de ser retirados de sua programação”.
A ameaça pode fazer com que o projeto seja remetido para o Plenário, ao invés de terminar na Comissão, como estava previsto. E lá, diante de tanta celeuma, dificilmente seria aprovado.
Na verdade, esse caso é apenas uma pequena amostra das dificuldades em se legislar sobre a radiodifusão no Brasil. E serve para encobrir uma questão que é escamoteada há muito mais tempo: a elaboração de uma nova lei geral para o setor no país. Promulgada em 1962, a lei é do tempo da TV em preto e branco, de uma época em que o video-tape era uma grande novidade permitindo, por exemplo, ao humorista Chico Anísio dialogar com ele mesmo, no ar, para deslumbramento da platéia. Hoje, quase 50 anos depois, com a TV digital já implantada, a lei permanece a mesma. A consequência é que vivemos a política do vale-tudo. E nesse esporte ganham os mais fortes, no caso as grandes empresas de rádio e de televisão.
Para não mexer no geral, trata-se do particular. Como nesse caso da TV por assinatura. Enquanto esse serviço atinge menos de oito milhões de domicílios, a TV aberta cobre todo o país, mas escapa de qualquer regulação. Uma legislação que coíba os abusos da TV fechada será sempre bem-vinda, mas o ideal é que ela seja parte de um todo muito maior. De uma lei que ponha a TV brasileira nos eixos.
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Os jornais e os seus leitores
Reproduzo artigo do professor Venício A. de Lima, publicado no Observatório da Imprensa:
Joseph T. Klapper (1917-1984), ex-diretor do departamento de pesquisa da CBS (Columbia Broadcasting System), é geralmente lembrado por ser o principal articulador da teoria dos efeitos limitados da comunicação. Seu clássico The Effects of Mass Communication (Free Press, NY, 1960), resultado de uma longa pesquisa realizada nos Estados Unidos e financiada pela própria CBS, concluiu que "a capacidade de influência da comunicação de massa limita-se, sobretudo, ao reforço de valores, comportamentos e atitudes, mais do que a uma capacidade real de os modificar ou manipular".
Muito aconteceu nas comunicações e na pesquisa desse campo de estudos nos últimos 50 anos. Passamos da era dos jornais, das revistas e do rádio para a era da televisão e, mais recentemente, para a era digital da internet. O leitor/espectador deixou de ser erroneamente considerado como um sujeito passivo e, claro, hoje se sabe que os poderosos "efeitos" da comunicação de massa se manifestam, sobretudo, no longo prazo.
De qualquer maneira, muito do que se supunha ser verdade "científica" em relação aos hábitos de consumo da mídia impressa – jornais e revistas – parece ainda fazer sentido. E muito.
Jornalões no Brasil
Há cerca de doze anos, o professor Bernardo Kucinski, referindo-se aos jornalões brasileiros, fez uma afirmação – à qual já recorri inúmeras vezes – que dizia o seguinte:
"A elite dominante é ao mesmo tempo a fonte, a protagonista e a leitora das notícias; uma circularidade que exclui a massa da população da dimensão escrita do espaço público definido pelos meios de comunicação de massa" ("Mídia da Exclusão" in A Síndrome da Antena Parabólica, Editora Perseu Abramo, 1998).
Os resultados da pesquisa Datafolha, divulgados no domingo (2/5) pela Folha de S.Paulo, confirmam tanto as conclusões de Klapper como a afirmação de Kucinski.
Pesquisa Datafolha
Matéria sob o título "Leitor aprova corbertura eleitoral da Folha” descreve a pesquisa Datafolha realizada junto a 350 leitores, assinantes e secundários (que leem o exemplar do assinante), moradores da Grande São Paulo e que leem a Folha ao menos uma vez por semana. A pesquisa foi realizada no período entre 19 e 20 de abril e a margem de erro máxima é de cinco pontos percentuais, para mais ou para menos.
Os dados revelam que a grande maioria dos leitores (74%) não considera que a Folha favoreça alguma das pré-candidaturas à Presidência. Entre os que veem algum favorecimento, 13% apontam o tucano José Serra como beneficiado pela cobertura e 6% a petista Dilma Rousseff.
Em relação especificamente à cobertura do governo Lula, 67% dos leitores avaliam a Folha como "crítica na medida certa", enquanto outros 21% consideram o jornal "menos crítico do que o necessário". Apenas 9% consideram o jornal "mais crítico do que o necessário" quando o assunto é a gestão de Lula.
Com relação à intenção de voto, a pesquisa mostra que 40% dos leitores disseram espontaneamente que devem votar em Serra para presidente. A ex-ministra Dilma tem 10% das preferências dos leitores. A senadora licenciada Marina Silva, 6%. Quando os leitores são estimulados pelos pesquisadores a escolher em quem votar a partir de uma lista de candidatos, a preferência a favor de Serra é ainda maior: chega a 54%, ante os 18% de Marina e 15% de Dilma.
Na análise por segmentos, Serra destaca-se entre os leitores de 70 anos ou mais (70%), os que possuem ensino fundamental e médio (61%) e entre os que ganham entre 10 e 20 salários mínimos (62%). Marina tem seu melhor desempenho entre os mais jovens, de 16 a 29 anos, e entre os que ganham até dez salários mínimos (23%). Dilma tem a preferência dos leitores homens (20%) e dos que ganham mais de 20 salários mínimos (23%).
Leitura alternativa
Uma outra leitura dos resultados da pesquisa Datafolha poderia corretamente afirmar que a Folha é um jornal cuja maioria dos leitores:
1. Tem renda acima de 10 salários mínimos (eleitores de Serra, 54% e Dilma, 15%);
2. Não considera que sua cobertura favoreça alguma das pré-candidaturas à Presidência da República;
3. Considera a cobertura do governo Lula "crítica na medida certa" (67%) ou "menos crítica do que o necessário" (21%);
4. Declara sua intenção de votar em José Serra (54%).
Ou ainda se poderia ler corretamente a pesquisa concluindo que a Folha é um jornal cuja maioria dos leitores tem renda acima de 10 salários mínimos, é tucana e, em boa parte, gostaria de ver o jornal mais crítico em relação ao governo Lula. Em resumo: os jornalões são "a cara" de seus leitores. Ou não são?
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Joseph T. Klapper (1917-1984), ex-diretor do departamento de pesquisa da CBS (Columbia Broadcasting System), é geralmente lembrado por ser o principal articulador da teoria dos efeitos limitados da comunicação. Seu clássico The Effects of Mass Communication (Free Press, NY, 1960), resultado de uma longa pesquisa realizada nos Estados Unidos e financiada pela própria CBS, concluiu que "a capacidade de influência da comunicação de massa limita-se, sobretudo, ao reforço de valores, comportamentos e atitudes, mais do que a uma capacidade real de os modificar ou manipular".
Muito aconteceu nas comunicações e na pesquisa desse campo de estudos nos últimos 50 anos. Passamos da era dos jornais, das revistas e do rádio para a era da televisão e, mais recentemente, para a era digital da internet. O leitor/espectador deixou de ser erroneamente considerado como um sujeito passivo e, claro, hoje se sabe que os poderosos "efeitos" da comunicação de massa se manifestam, sobretudo, no longo prazo.
De qualquer maneira, muito do que se supunha ser verdade "científica" em relação aos hábitos de consumo da mídia impressa – jornais e revistas – parece ainda fazer sentido. E muito.
Jornalões no Brasil
Há cerca de doze anos, o professor Bernardo Kucinski, referindo-se aos jornalões brasileiros, fez uma afirmação – à qual já recorri inúmeras vezes – que dizia o seguinte:
"A elite dominante é ao mesmo tempo a fonte, a protagonista e a leitora das notícias; uma circularidade que exclui a massa da população da dimensão escrita do espaço público definido pelos meios de comunicação de massa" ("Mídia da Exclusão" in A Síndrome da Antena Parabólica, Editora Perseu Abramo, 1998).
Os resultados da pesquisa Datafolha, divulgados no domingo (2/5) pela Folha de S.Paulo, confirmam tanto as conclusões de Klapper como a afirmação de Kucinski.
Pesquisa Datafolha
Matéria sob o título "Leitor aprova corbertura eleitoral da Folha” descreve a pesquisa Datafolha realizada junto a 350 leitores, assinantes e secundários (que leem o exemplar do assinante), moradores da Grande São Paulo e que leem a Folha ao menos uma vez por semana. A pesquisa foi realizada no período entre 19 e 20 de abril e a margem de erro máxima é de cinco pontos percentuais, para mais ou para menos.
Os dados revelam que a grande maioria dos leitores (74%) não considera que a Folha favoreça alguma das pré-candidaturas à Presidência. Entre os que veem algum favorecimento, 13% apontam o tucano José Serra como beneficiado pela cobertura e 6% a petista Dilma Rousseff.
Em relação especificamente à cobertura do governo Lula, 67% dos leitores avaliam a Folha como "crítica na medida certa", enquanto outros 21% consideram o jornal "menos crítico do que o necessário". Apenas 9% consideram o jornal "mais crítico do que o necessário" quando o assunto é a gestão de Lula.
Com relação à intenção de voto, a pesquisa mostra que 40% dos leitores disseram espontaneamente que devem votar em Serra para presidente. A ex-ministra Dilma tem 10% das preferências dos leitores. A senadora licenciada Marina Silva, 6%. Quando os leitores são estimulados pelos pesquisadores a escolher em quem votar a partir de uma lista de candidatos, a preferência a favor de Serra é ainda maior: chega a 54%, ante os 18% de Marina e 15% de Dilma.
Na análise por segmentos, Serra destaca-se entre os leitores de 70 anos ou mais (70%), os que possuem ensino fundamental e médio (61%) e entre os que ganham entre 10 e 20 salários mínimos (62%). Marina tem seu melhor desempenho entre os mais jovens, de 16 a 29 anos, e entre os que ganham até dez salários mínimos (23%). Dilma tem a preferência dos leitores homens (20%) e dos que ganham mais de 20 salários mínimos (23%).
Leitura alternativa
Uma outra leitura dos resultados da pesquisa Datafolha poderia corretamente afirmar que a Folha é um jornal cuja maioria dos leitores:
1. Tem renda acima de 10 salários mínimos (eleitores de Serra, 54% e Dilma, 15%);
2. Não considera que sua cobertura favoreça alguma das pré-candidaturas à Presidência da República;
3. Considera a cobertura do governo Lula "crítica na medida certa" (67%) ou "menos crítica do que o necessário" (21%);
4. Declara sua intenção de votar em José Serra (54%).
Ou ainda se poderia ler corretamente a pesquisa concluindo que a Folha é um jornal cuja maioria dos leitores tem renda acima de 10 salários mínimos, é tucana e, em boa parte, gostaria de ver o jornal mais crítico em relação ao governo Lula. Em resumo: os jornalões são "a cara" de seus leitores. Ou não são?
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sábado, 8 de maio de 2010
13 de maio: quem festeja a pantomima?
Reproduzo artigo enviado pelo amigo Gilson Caroni Filho:
No ano de 1983, uma foto estampada na primeira página do Jornal do Brasil renderia ao seu autor, o repórter-fotográfico Luiz Morier, o Prêmio Esso de fotojornalismo. Nela, um grupo de negros atados pelo pescoço por uma corda é levado pela polícia, após uma das frequentes batidas em favelas do Rio de Janeiro. Assemelhando-se àquelas pinturas do século XIX, em que aparecia o capataz com seu chicote ao lado de escravos amarrados, a fotografia de Luiz Morier era encimada por um sugestivo título: "Todos negros" A pergunta remete a duas questões que permanecem dolorosamente atuais: por que a data referência da libertação dos negros continua sendo o 13 de maio e qual é seu exato significado?
Talvez o questionamento mereça mais desdobramentos. Por que a crença de que vivemos numa democracia racial permanece tão enraizada no pensamento da maioria da população brasileira quando, ao nos determos no cotidiano social deste país, percebemos as profundas desigualdades que ainda envolve distintas etnias? A constatação de que os negros e não-brancos em geral são aqueles que possuem empregos menos significativos socialmente não seria evidência suficiente para demolir de vez um imaginário construído ao longo de dois séculos?
Apesar do contrapondo estabelecido pela criação do dia da Consciência Negra, permanece o costume frequente de nos curvamos diante do ritual do 13 de maio. A mesma elite que não aceita políticas de cotas, que protela a sanção do Estatuto da Igualdade Racial, enaltece a libertação dos escravos como inicio de uma nova era de liberdade. Sequer se dá conta de que notórios abolicionistas como Nabuco, Patrocínio, Rebouças e Antônio Bento, entre outros, afirmaram que a abolição só se cumpriria de fato com a reforma agrária e a entrada dos trabalhadores num sistema de oportunidade plena e concorrência.
Mesmo os setores mais progressistas, ao denunciar as condições sócio-econômicas dos negros depois de 122 anos de abolição, justificam a situação atual como resquício do passado escravo. Isso explicaria a permanência de mecanismos não institucionais de imobilização que atingem o segmento negro da população, produzindo distâncias sociais enormes, jamais compensadas? Ou é cortina de fumaça para preservar a aura de “bondade" da princesa branca? Estudos feitos sobre a época da chamada Abolição mostram que 70% da população dos escravos já estavam livres antes de 1888, ou por crise econômica de algumas frações da classe dominante ou por pressões dos próprios negros, através de lutas, fugas e rebeliões.
A Lei Áurea foi, na verdade, uma investida bem sucedida das elites pelo controle político de uma situação que lhes fugia das próprias mãos. Sua eficácia ideológica pode ser atestada até hoje com os festejos do 13 de maio.O que é um indicador preciso da recorrente capacidade de antecipação política da classe dominante continua sendo percebido como "gesto magnânimo", exemplo da cordialidade vigente em nossa história política. A teoria dos resquícios (que de fato existem) tenta ocultar um fato relevante: os mais de um século de modo de produção capitalista e seus mecanismos de exclusão da população negra não permitem jogar todo débito na conta do passado.
Como observa Fátima do Carmo Silva Santos, secretária da União Negra Ituana (UNEI), a Lei Áurea foi na verdade um passo importante, mas como veio desacompanhada de reformas estruturais, resultou em "uma demissão em massa do povo negro, já que eles não tinham emprego, educação ou qualquer condição de conseguir um trabalho que não fosse com os seus senhores em troca de um teto".
Embora o processo de desestruturação do mito da “democracia racial" tenha avançado muito nos últimos anos, no terreno da luta social e política perdura um grande atraso a ser superado. Cabe à República completar a Abolição com políticas públicas eficazes. Enquanto tivermos um Demóstenes Torres (DEM-GO) responsabilizando os ex-escravos por sua própria escravidão - e publishers escravocratas pagando a capatazes magnolis para descer o açoite em jornalistas que noticiaram o fato – é fundamental que usemos a data para destacar a dimensão cultural, a construção social e ideológica de “raça" como elementos reprodutores de desigualdades sociais perpetuadas.
É a única comemoração possível em Paços Imperiais que, desde 1888, alforriam as más consciências de uma elite incapaz de elaborar projetos republicanos. As mesmas que criminalizam o MST para manter inalterada a estrutura fundiária que vem da Lei de Terras, aprovada em 1850. As mesmas que acham possível falar em libertação sem nenhuma política de inserção aplicada. O condimento neoliberal não esconde a essência escravocrata da direita brasileira. É bom pensar nisso em outubro.
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No ano de 1983, uma foto estampada na primeira página do Jornal do Brasil renderia ao seu autor, o repórter-fotográfico Luiz Morier, o Prêmio Esso de fotojornalismo. Nela, um grupo de negros atados pelo pescoço por uma corda é levado pela polícia, após uma das frequentes batidas em favelas do Rio de Janeiro. Assemelhando-se àquelas pinturas do século XIX, em que aparecia o capataz com seu chicote ao lado de escravos amarrados, a fotografia de Luiz Morier era encimada por um sugestivo título: "Todos negros" A pergunta remete a duas questões que permanecem dolorosamente atuais: por que a data referência da libertação dos negros continua sendo o 13 de maio e qual é seu exato significado?
Talvez o questionamento mereça mais desdobramentos. Por que a crença de que vivemos numa democracia racial permanece tão enraizada no pensamento da maioria da população brasileira quando, ao nos determos no cotidiano social deste país, percebemos as profundas desigualdades que ainda envolve distintas etnias? A constatação de que os negros e não-brancos em geral são aqueles que possuem empregos menos significativos socialmente não seria evidência suficiente para demolir de vez um imaginário construído ao longo de dois séculos?
Apesar do contrapondo estabelecido pela criação do dia da Consciência Negra, permanece o costume frequente de nos curvamos diante do ritual do 13 de maio. A mesma elite que não aceita políticas de cotas, que protela a sanção do Estatuto da Igualdade Racial, enaltece a libertação dos escravos como inicio de uma nova era de liberdade. Sequer se dá conta de que notórios abolicionistas como Nabuco, Patrocínio, Rebouças e Antônio Bento, entre outros, afirmaram que a abolição só se cumpriria de fato com a reforma agrária e a entrada dos trabalhadores num sistema de oportunidade plena e concorrência.
Mesmo os setores mais progressistas, ao denunciar as condições sócio-econômicas dos negros depois de 122 anos de abolição, justificam a situação atual como resquício do passado escravo. Isso explicaria a permanência de mecanismos não institucionais de imobilização que atingem o segmento negro da população, produzindo distâncias sociais enormes, jamais compensadas? Ou é cortina de fumaça para preservar a aura de “bondade" da princesa branca? Estudos feitos sobre a época da chamada Abolição mostram que 70% da população dos escravos já estavam livres antes de 1888, ou por crise econômica de algumas frações da classe dominante ou por pressões dos próprios negros, através de lutas, fugas e rebeliões.
A Lei Áurea foi, na verdade, uma investida bem sucedida das elites pelo controle político de uma situação que lhes fugia das próprias mãos. Sua eficácia ideológica pode ser atestada até hoje com os festejos do 13 de maio.O que é um indicador preciso da recorrente capacidade de antecipação política da classe dominante continua sendo percebido como "gesto magnânimo", exemplo da cordialidade vigente em nossa história política. A teoria dos resquícios (que de fato existem) tenta ocultar um fato relevante: os mais de um século de modo de produção capitalista e seus mecanismos de exclusão da população negra não permitem jogar todo débito na conta do passado.
Como observa Fátima do Carmo Silva Santos, secretária da União Negra Ituana (UNEI), a Lei Áurea foi na verdade um passo importante, mas como veio desacompanhada de reformas estruturais, resultou em "uma demissão em massa do povo negro, já que eles não tinham emprego, educação ou qualquer condição de conseguir um trabalho que não fosse com os seus senhores em troca de um teto".
Embora o processo de desestruturação do mito da “democracia racial" tenha avançado muito nos últimos anos, no terreno da luta social e política perdura um grande atraso a ser superado. Cabe à República completar a Abolição com políticas públicas eficazes. Enquanto tivermos um Demóstenes Torres (DEM-GO) responsabilizando os ex-escravos por sua própria escravidão - e publishers escravocratas pagando a capatazes magnolis para descer o açoite em jornalistas que noticiaram o fato – é fundamental que usemos a data para destacar a dimensão cultural, a construção social e ideológica de “raça" como elementos reprodutores de desigualdades sociais perpetuadas.
É a única comemoração possível em Paços Imperiais que, desde 1888, alforriam as más consciências de uma elite incapaz de elaborar projetos republicanos. As mesmas que criminalizam o MST para manter inalterada a estrutura fundiária que vem da Lei de Terras, aprovada em 1850. As mesmas que acham possível falar em libertação sem nenhuma política de inserção aplicada. O condimento neoliberal não esconde a essência escravocrata da direita brasileira. É bom pensar nisso em outubro.
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