quinta-feira, 7 de julho de 2011

Crise na Europa: alerta para Dilma

Por Maurício Caleiro, no blog Cinema & Outras Artes:

A expansão e o agravamento da crise econômica na Europa, com desemprego galopante, recrudescimento da xenofobia e perspectiva de caos social ante os efeitos do receituário neoliberal deveriam servir, no Brasil, como um alerta aos rumos do governo Dilma Rousseff.



Capitalismo midiático

A mídia corporativa permanece atrelada ao projeto neoliberal ao qual aderiu desde que o muro de Berlim ruiu, numa aliança que transcende qualquer fervor ideológico e encontra sua justificativa no fato de o receituário derivado do Consenso de Washington priorizar a multiplicação do capital em detrimento do atendimento a demandas sociais. E mídia e capital, nos dias de hoje, fazem parte de uma simbiose cuja finalidade principal é o acúmulo de poder e de divisas.

Esse posicionamento da mídia gera vicissitudes significativas, impeditivas do exercício do bom jornalismo: em termos de cobertura internacional, significa uma chancela ao receituário recessivo, defensor do Estado mínimo, forjado pelo neoliberalismo, bem como o esforço para desqualificar entes políticos que neste não se enquadrem ou a ele se oponham.

Vozes do mercado

A cobertura que a Rede Globo tem fornecido em relação à crise na Grécia é altamente ilustrativa a esse respeito: o povo, a protestar violentamente nas ruas contra o que entende como uma afronta a seus direitos, é tratado como um ingênuo: "Será que eles sabem o que vai acontecer se a Grécia der o calote?", pergunta Leilane Neubarth, antes de um daqueles seres engravatados e seriíssimos que personificam o mercado assegurar que, independentemente da decisão do parlamento grego (que a semana passada aprovou o tal plano econômico) os bancos e o FMI já haviam se decidido a "ajudar a Grécia". Trata-se de uma "ajuda" que reduz em dois terços as aposentadorias e viola direitos constitucionais, mas isso não é mencionado.

Agora é Portugal quem tem seus títulos da dívida pública rebaixados, por uma agência de classificação de risco, para a categoria “junk” – ou seja, lixo, na tradução sem hipocrisia de Rodrigo Viana. Embora noticie com gravidade tal rebaixamento, a mídia corporativa, uma vez mais, deixa de fazer sua obrigação e “se esquece” de questionar o porquê dessas mesmas agências não terem previsto a crise das hipotecas nos EUA, que levou tantos investidores à bancarrota e está no cerne da presente crise econômica mundial, e nem porque os próprios EUA, que há dezenas de meses não conseguem sair do buraco em que se meteram, a despeito de um estrilho teatral, continuam a receber bons graus de investimento.

A mídia não o faz, desnecessário dizer, porque tanto quanto tais agências de classificação de risco são uma criação do próprio mercado financeiro - em aliança com os países ricos -, para imposição de seus próprios ditames, os meios de comunicação se transformaram, nas últimas décadas, em correia de transmissão do financismo internacional, instrumentalizado para, como observa Muniz Sodré, naturalizar, difundir e assegurar a hegemonia da economia neoliberal de mercado.

Outro mundo é possível?

Enfrentar os grandes grupos de mídia e buscar soluções que preservem direitos humanitários para a crise de endividamento de economias nacionais, contrapondo-se assim à ditadura do pensamento único que as corporações financeiro-midiáticas tentam impingir, são, portanto, medidas imprescindíveis na agenda da esquerda mundial.

É preciso levar em conta tais fatores para contextualizar corretamente a decepção que o governo Dilma vem causando a setores cada vez mais volumosos da esquerda brasileira. Pois, herdeira e continuação de um governo que, em plena crise econômica mundial, ousou ir na contramão e postar na expansão do crédito, na ampliação dos programas sociais e no fortalecimento do Estado, esperava-se da mandatária que comandasse, tanto no contexto nacional quanto no âmbito de sua liderança internacional, o aprofundamento de um modelo alternativo ao neoliberalismo.

Promessas ao léu

Trata-se de uma possibilidade perdida, pois o que se vê, de fato, é uma inação condescendente aos desígnios do mercado, traduzida em uma série significativa de incompatibilidades entre promessas e ação:

1. Ao contrário do que foi prometido em campanha, sacrifícios no orçamento para atingir superávits tão volumosos quanto desnecessários;

2. Ao contrário do que foi prometido em campanha, a volta das privatizações, agora acompanhada da moda – estranhíssima em uma democracia – dos contratos sigilosos;

3. Ao contrário de uma campanha que prometia prioridade à educação, a contenção de despesas relativas às novas universidades federais, abastecidas de professores temporários com salários de substitutos e direitos trabalhistas precários, ao invés dos mestres e doutores que estudaram anos e anos para cumprir tal função;

4. Diferentemente do prometido em campanha (e exaustivamente repetido pelo ministro Paulo Bernardo), um PNBL fajuto, feito com internet móvel “onde não for possível instalar internet fixa” e sem possibilidade efetiva de controle (e punição em caso de não-cumprimento do previsto) por conta do governo. Ou seja, perfeitamente de acordo com as premissas que os neoliberais adoram: tudo na mão da iniciativa privada e sem possibilidade de intervenção do Estado.

Governo de centro-esquerda?

Nesse cenário, Dilma Rousseff permanece impassível enquanto a oposição e os setores mais conservadores da mídia praticam o costumeiro jogo de derruba-ministros. O que muitos vêem de forma positiva, como uma postura cool e finamente discreta da presidente, tem, na verdade, gerado um vácuo e um silêncio que vêm sendo espertamente ocupados por vozes do mercado financeiro, que voltaram a ter, hoje em dia, o protagonismo midiático do qual desfrutaram até o final do primeiro governo Lula.

Ou seja, a hegemonia discursiva já está de novo na mão do neoliberalismo - resta saber, levando em conta que setores crescentes do funcionalismo público acenam com protestos e greves, se e o que Dilma vai fazer quando a insatisfação crescente dos que a apoiaram vier à tona: se dizer a que, enfim, o seu governo alegadamente de centro-esquerda veio, ou fechar com o conservadorismo velho de guerra que deu o tom de seu primeiro e decepcionante semestre à frente do país.

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