quarta-feira, 27 de julho de 2016

Estadão odeia a democracia e o voto popular

Por Altamiro Borges

Quem já leu o livro “Nascidos para perder”, do jornalista Mylton Severiano, sabe que o oligárquico jornal Estadão sempre detestou a democracia. A famiglia Mesquita chegou a estocar armas no forro da redação do diário para derrubar Getúlio Vargas; ela foi uma das protagonistas do golpe de 1964, escrevendo o primeiro esboço das medidas de exceção da ditadura militar; ela nunca tolerou qualquer avanço social, como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ou a construção de uma nação soberana, devido ao seu complexo de vira-lata diante dos EUA. Neste sentido, para quem conhece a sua história, não causou surpresa o editorial publicado nesta terça-feira (26), intitulado “A maioria também se equivoca”.

No antológico editorial, que poderá ilustrar futuras reedições da obra do saudoso Mylton Severiano, a famiglia Mesquita faz uma desesperada defesa do “golpe dos corruptos” que conduziu o Judas Michel Temer ao Palácio do Planalto. Diante das recentes pesquisas que atestam o forte desgaste dos golpistas e reforçam a tese da realização de novas eleições presidenciais no país, o Estadão decreta simplesmente que o voto da sociedade não importa. Na prática, excluindo-se o malabarismo retórico, o editorial se contrapõe ao princípio de que “a manifestação direta da vontade dos indivíduos seja o caminho democrático para a tomada de decisões relevantes como a escolha de governantes”.

O medo-pânico da famiglia Mesquita é que uma consulta popular resulte em nova vitória das forças progressistas. “A defesa de eleições presidenciais diretas antecipadas pode servir ao lulopetismo”, confessa o Estadão. Para o jornal, esta proposta revela o “sentimento de vingança, o ‘Fora Temer’”, e engana “pessoas de boa-fé, porém desinformadas”, que estão descontentes com o covil golpista. Para se contrapor à ideia, o Estadão explora inúmeros argumentos “jurídicos” – que ele mesmo não usou ao pregar o impeachment sem crime de responsabilidade contra a presidenta eleita democraticamente pela maioria dos brasileiros. Toda a argumentação é obrada para justificar a sua conclusão principal:

“O mais sensato, portanto, é a solução constitucional já em curso: o governo provisório de Michel Temer em breve transformado em governo de pleno direito. A competente equipe econômica sob o comando do ministro Henrique Meirelles já está dando mostras de que pode levar a bom termo a missão de recolocar a economia nos trilhos, a partir do saneamento das contas públicas. Na área política, a habilidade e o bom senso do presidente em exercício já lograram pacificar as relações entre o Executivo e o Legislativo, a partir da eleição do novo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). É apenas o começo de uma jornada que poderá chegar a bom destino se os brasileiros se desvencilharem das paixões políticas e permanecerem pacientes, mas atentos e mobilizados, no papel de cobrar competência e patriotismo dos governantes”.

Fica a pergunta marota: quanto será que a decadente famiglia Mesquita, “nascida para perder” inclusive na gestão de seus negócios empresariais, está cobrando para obrar um editorial tão chapa-branca? Afinal, tudo indica que o empenho dos barões da mídia na promoção do “golpe dos corruptos” não se deu apenas por motivos políticos ou ideológicos. Há também inconfessáveis e mesquinhos interesses comerciais, econômicos. Será que já rolou alguma negociata sobre publicidade oficial e outras benesses junto à equipe de comunicação do Judas Michel Temer?

Em tempo: Talvez fosse o caso da famiglia Mesquita ler o artigo publicado nesta semana, de autoria da jornalista Eleonora de Lucena, no jornal rival Folha de S.Paulo. O corajoso texto, que poderia ser endereçado diretamente à também golpista famiglia Frias, mostra que o futuro dos que sabotaram a democracia no Brasil não será nada fácil. Haja escracho!

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Escracho

Por Eleonora de Lucena - 26/07/2016

A elite brasileira está dando um tiro no pé. Embarca na canoa do retrocesso social, dá as mãos a grupos fossilizados de oligarquias regionais, submete-se a interesses externos, abandona qualquer esboço de projeto para o país.

Não é a primeira vez. No século 19, ficou atolada na escravidão, adiando avanços. No século 20, tentou uma contrarrevolução, em 1932, para deter Getúlio Vargas. Derrotada, percebeu mais tarde que havia ganho com as políticas nacionais que impulsionaram a industrialização.

Mesmo assim, articulou golpes. Embalada pela Guerra Fria, aliou-se a estrangeiros, parcelas de militares e a uma classe média mergulhada no obscurantismo. Curtiu o desenvolvimentismo dos militares. Depois, quando o modelo ruiu, entendeu que democracia e inclusão social geram lucros.

Em vários momentos, conseguiu vislumbrar as vantagens de atuar num país com dinamismo e mercado interno vigoroso. Roberto Simonsen foi o expoente de uma era em que a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) não se apequenava.

Os últimos anos de crescimento e ascensão social mostraram ser possível ganhar quando os pobres entram em cena e o país flerta com o desenvolvimento. Foram tempos de grande rentabilidade. A política de juros altos, excrescência mundial, manteve as benesses do rentismo.

Quando, em 2012, foi feito um ensaio tímido para mexer nisso, houve gritaria. O grupo dos beneficiários da bolsa juros partiu para o ataque. O Planalto recuou e se rendeu à lógica do mercado financeiro.

Foi a senha para os defensores do neoliberalismo, aqui e lá fora, reorganizarem forças para preparar a reocupação do território. Encontraram a esquerda dividida, acomodada e na defensiva por causa dos escândalos. Apesar disso, a direita perdeu de novo no voto.

Conseguiu, todavia, atrair o centro, catalisando o medo que a recessão espalhou pela sociedade. Quando a maré virou, pelos erros do governo e pela persistência de oito anos da crise capitalista, os empresários pularam do barco governista, que os acolhera com subsídios, incentivos, desonerações. Os que poderiam ficar foram alvos da sanha curitibana. Acuada, nenhuma voz burguesa defendeu o governo.

O impeachment trouxe a galope e sem filtro a velha pauta ultraconservadora e entreguista, perseguida nos anos FHC e derrotada nas últimas quatro eleições. Privatizações, cortes profundos em educação e saúde, desmanche de conquistas trabalhistas, ataque a direitos.

O objetivo é elevar a extração de mais valia, esmagar os pobres, derrubar empresas nacionais, extinguir ideias de independência. Em suma, transferir riqueza da sociedade para poucos, numa regressão fulminante. Previdência, Petrobras, SUS, tudo é implodido com a conversa de que não há dinheiro. Para os juros, contudo, sempre há.

Com instituições esfarrapadas, o Brasil está à beira do abismo. O empresariado parece não perceber que a destruição do país é prejudicial a ele mesmo. Sem líderes, deixa-se levar pela miragem da lógica mundial financista e imediatista, que detesta a democracia.

Amargando uma derrota histórica, a esquerda precisa se reinventar, superar divisões, construir um projeto nacional e encontrar liderança à altura do momento.

A novidade vem da energia das ruas, das ocupações, dos gritos de "Fora, Temer!". Não vai ser um passeio a retirada de direitos e de perspectiva de futuro. Milhões saborearam um naco de vida melhor. Nem a "teologia da prosperidade" talvez segure o rojão. A velha luta de classes está escrachada nas esquinas.


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